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Galáxias de comunicação: o legado teórico de Luhmann

Galaxies of communication: Luhmann's theoretical legacy

Resumos

Expõem-se os fundamentos conceituais da contribuição de Niklas Luhmann à teoria social, segundo a qual a sociedade deve ser entendida como uma rede de operações e eventos constituída e mantida pela comunicação. Esta, por sua vez, deve ser entendida como um cálculo, com suas regras e esquemas formais específicos.


An exposition is made of the conceptual foundations of Niklas Luhmann's contribution to social theory, according to which society should be understood as a net of operations and events constituted and maintained through communication. This, on its turn, should be understood as a calculus, with its specific rules and formal scheme.


REPÚBLICA

Galáxias de comunicação: o legado teórico de Luhmann* * El Legado sociológico de Niklas Luhmann", História y Grafía, n° 12, México, 1999. Tradução de Adrián Gurza Lavalle e Karin Matzkin. O artigo foi escrito em memória do sociólogo alemão (1917-1988). Torres Nafarrate tem desempenhado um papel fundamental, na América Latina, na difusão e compreeensão da obra de Luhmann, de quem foi aluno duarante seus estudos de pós-graduação na Alemanha. Além de seus trabalhos como rigoroso comentarista do pensamento de Luhmann, é seu principal tradutor para o espanhol. (Nota dos tradutores).

Galaxies of communication: Luhmann's theoretical legacy

Javier Torres Nafarrete

Professor do Departamento de Ciências Sociais e Políticas da Universidad Iberoamericana, Mexico

RESUMO

Expõem-se os fundamentos conceituais da contribuição de Niklas Luhmann à teoria social, segundo a qual a sociedade deve ser entendida como uma rede de operações e eventos constituída e mantida pela comunicação. Esta, por sua vez, deve ser entendida como um cálculo, com suas regras e esquemas formais específicos.

ABSTRACT

An exposition is made of the conceptual foundations of Niklas Luhmann's contribution to social theory, according to which society should be understood as a net of operations and events constituted and maintained through communication. This, on its turn, should be understood as a calculus, with its specific rules and formal scheme.

"Na atualidade a Sociologia é ainda

demasiado pouco teórica,

demasiado pouco abstrata"1 1 Niklas Luhmann. El amor como pasión. Barcelona. Península, 1985, p. 10.

É sabido que a proposta sociológica de Niklas Luhmann tem um componente altamente teórico. Um escrito como este, que pretende ser aclaração sumária acerca do estatuto disciplinário da oferta teórica feita por esse pensador, deve esclarecer o porquê desse "escape" para o mundo da abstração.

O pensamento de Luhmann deve sua sólida forja ao fato de possuir uma estrutura alicerçada num conjunto de esquemas conceituais totalmente entrelaçados. Essa estruturação sistêmica, que dá notável coesão a seus escritos, permite tratar o mundo do social - e de qualquer coisa contingente que ali apareça - não mediante um conjunto de representações esparsas e desconexas, mas mediante um esquema de ordenação constituído como uma unidade, um todo.

A FORMALIZAÇÃO DA SOCIOLOGIA

Pode resultar útil, com propósitos puramente didáticos, estabelecer uma analogia e comparar a proposta da prova de consistência absoluta de Hilbert, nas matemáticas, com a sociologia de Luhmann. O que Luhmann visa no campo da Sociologia é a completa formalização da disciplina. Isso implica esvaziar de todo significado as expressões que se encontram articuladas dentro do sistema - também chamado cálculo. Toda expressão básica do cálculo deverá ser considerada aqui como signo vazio. Pois bem, esse escopo é equiparável àquilo que no campo das matemáticas formula-se assim: "A finalidade deste procedimento reside em construir um sistema de signos - chamado cálculo - que não oculte nada e contenha apenas aquilo expressamente posto nele".3 3 Ernest Nagel/James R. Newman. El teorema de Gödel. México. Consejo Nacional de Ciencia e Tecnologia, 1981, p. 43.

Assim, a Sociologia de Luhmann propõe um cálculo que, sendo capaz de conter o fenômeno social todo, "não oculte nada e contenha apenas aquilo expressamente posto nele". Para a Sociologia essa formalização é possível se tomada como base a comunicação, em termos de sistemas de signos. Toda a obra de Luhmann pode ser catalogada como variações infindáveis da fórmula compacta: a comunicação é um cálculo. E para o cálculo mostrar sua própria consistência, será preciso formalizá-lo. Quando consegue-se formalizar o cálculo da comunicação, aparecem à vista as relações existentes entre as proposições. Ademais, é possível apreciar os nodulos a configurarem as diversas formas de comunicação - que no cálculo carecem de sentido normativo - além de observar como essas estruturas se combinam, se posicionam, se paradoxizam e se desparadoxizam.

No primeiro momento, uma teoria sustentada apenas por formas "carentes de sentido normativo" não afirma nada: é simplesmente o desenho abstrato de um cálculo estruturado de determinada maneira. Porém, no segundo momento é perfeitamente possível descrever as configurações de um sistema assim constituído e formular declarações acerca dele. Entretanto, seguindo Hilbert, tem de se dizer que tais declarações não pertencem ao sistema, mas àquilo por ele denominado metasistema: uma linguagem que discorre acerca do sistema. Em outros termos, o sistema formal construído por Luhmann pertence ao campo da Sociologia, e a descrição, discussão e teorização realizada em torno dos sistemas sociais constituirá uma espécie de metateoria: uma teoria da teoria. O valor dessa distinção empregada por Luhmann (formalização/descrição de tal formalização), consiste no ensejo para levar a cabo minuciosa codificação das diversas operações que intervêm na composição do cálculo formal, sem nele interferirem pressuposições enganosas ou preceitos sociais preconcebidos. A distinção exige, além disso, dispor de definições exatas acerca das operações que conformam os sistemas sociais. Aliás, muitas dessas operações têm sido aplicadas pelos sociólogos sem serem plenamente conscientes daquilo que estão se utilizando.

A analogia entre a tentativa de oferecer uma prova de consistência absoluta nas matemáticas (Hubert) e aquilo que Luhmann objetiva pode ser expandida. Nagel e Newman, no intuito de esclarecer essa manobra da prova de consistência, recorrem ao exemplo do xadrez, jogo que obedece a leis estabelecidas. As peças, seus movimentos e sua disposição sobre o tabuleiro são "carentes de significado", no sentido de qualquer estipulação (ou interpretação) a eles alheia não significar nada que não esteja já incluso no jogo. Por exemplo, o conto brevíssimo de Borges chamado "A sombra das jogadas" seria uma interpretação alheia ao cálculo de referência.4 4 "Dois reis inimigos jogam xadrez, enquanto, no vale próximo seus exércitos lutam e se despedaçam (...) chegando o em entardecer, um dos reis derruba o tabuleiro, porque lhe deram xeque-mate, e pouco depois um cabaleiro ensangüentado anuncia-lhe: teu exército foge, tens perdido o reino". Jorge Luis Borges/Adolfo Bioy Casares. Cuentos breves y extraordinarios. Buenos Aires. Losada, 1989, p. 69.

O jogo é, assim, análogo a um cálculo matemático formalizado. As peças e as casas do tabuleiro correspondem aos signos elementares do cálculo. No segundo momento, as posições originais das peças e as primeiras jogadas correspondem às formulas do cálculo, os subseqüentes movimentos das peças sobre o tabuleiro pertencem às fórmulas derivadas dos axiomas - os teoremas - e, finalmente, as regras do jogo dizem respeito às regras de dedução estabelecidas pelo cálculo. Ainda que as respectivas situações das peças no tabuleiro, como também as fórmulas do cálculo, sejam "carentes de significação", as declarações acerca dessas situações - como as declarações metamatemáticas acerca das fórmulas -encontram-se plenamente dotadas de significado. Uma declaração "meta-xadrecística pode afirmar que há vinte movimentos possíveis de abertura para as peças brancas, ou que, dada uma determinada configuração das peças sobre o tabuleiro e sendo a vez de mover as brancas, elas darão xeque-mate às pretas em três jogadas".5 5 Ernest Nagel, James R. Newman, op. cit., p. 51 ss.

Luhmann captou o núcleo da questão e tentou dotar a Sociologia de uma prova de consistência mediante uma distinção similar àquela Hilbert: a formalização/descrição dessa formalização. Na sociedade, a configuração basal da comunicação é "carente de significado"; isto é, toda estipulação (ou interpretação) do social está contida dentro da sociedade e não pode existir significado qualquer que provenha de fora dela. A sociedade implica um cálculo autocontido e por isso é possível propor sua formalização. A comunicação está constituída por estruturas elementares que dão origem ao cálculo. Por exemplo, há o fato de a comunicação ser um fenômeno radicalmente binário, visto que sua estrutura ultra-elementar é perpassada pelos símbolos sim/não, aceitação/recusa; consenso/dissenso.

Os códigos dos sistemas sociais é que permitem as posições iniciais da comunicação: fala-se desde a casa do amor, da política, do dinheiro, do poder... Isto é, os códigos correspondem às fórmulas iniciais do cálculo. Ora, ainda que a comunicação elementar seja "carente de significado", as declarações sobre a situação da comunicação encontram-se plenamente dotadas de significação. Uma declaração meta-sociológica pode afirmar que uma operação econômica só pode ser determinada por outra -e só por outra -operação econômica. Com isso é possível atingir o estabelecimento de teoremas "meta-sociais" acerca da autorrealização operativa da comunicação, o que independe daquilo que constitua o propósito semântico da comunicação. A tentativa de formalizar a Sociologia conduz necessariamente à análise da própria operação do cálculo, não se detendo naquilo que consideram efetuar a teoria ou o autor da teoria. Portanto, a formalização reduz o significado dos conceitos sociológicos, pois apenas aceita ser guiada pelo sentido que se desprende da própria operação - por exemplo, se no direito a justiça inicialmente é uma forma, pergunta-se como chega a ser norma.

Na filosofia da ciência existe um contexto desse operacionismo. P. W. Bridgman elabora toda sua teoria da ciência em torno da fórmula: reduzir os conceitos a operações. Não há qualquer dado a indicar que Luhmann levou em consideração, para sua teoria, a conceituação de Bridgman. Mas está perfeitamente registrado o fato de Luhmann tomar como ponto de partida o operacionismo de Spencer Brown. Na tentativa de discernir a operação que está por trás da álgebra de Boole, George Spencer Brown defrontou-se com apenas um tipo de operador, a partir do qual desenvolveu todo o cálculo, formalizado em signos, da álgebra booleana. O operador único encontrado por Spencer Brown exprime-se mediante o seguinte símbolo: -i . Todo cálculo matemático começa por introduzir uma distinção, por exemplo, adicionar. Isto se indicará com o símbolo: -. Mas essa distinção é, por sua vez, indicador de que "fora" existe algo mais que, por enquanto, terá de ser colocado à margem: |. O pensamento opera-cionalista integral de Spencer Brown afirma, então, mediante o símbolo ,

1) ser uma distinção aquilo que dá início ao cálculo;

2) ser a distinção uma unidade que automática e paradoxalmente desdobra-se em uma diferença',

3) que a unidade da distinção obriga a trabalhar apenas com um tipo de operador, pelo que deixa necessariamente de fora outros operadores; e

4) ser essa dinâmica operacional a sustentação universal de toda construção de formas.

Esse modelo foi especialmente atraente para Luhmann porque oferecia à disciplina sociológica a esperança de identificar o tipo de operador que faz com que sejam possíveis todos os sistemas sociais, por mais complexos que tenham se tornado no percurso da evolução: interação, organizações, sociedades. Tudo que existe e pode se designar como social consta - do ponto de vista de uma construção teórica fundamentada na operação - do mesmo impulso e do mesmo tipo de acontecimento: a comunicação. Não existe no âmbito social multiplicidade de alternativas para escolher dentre elas a operação que define o social. A comunicação é o único fenômeno que cumpre os quesitos de ser um tipo de operação que é fundamento: um sistema social surge quando a comunicação desenvolve mais comunicação a partir da própria comunicação.

Consciência/comunicação

O Ocidente encontrou no conceito de consciência o lugar privilegiado de descarga de todos os desdobramentos e manobras do pensamento. A consciência, pelo menos até Husserl, foi a descoberta do fenômeno mais assombroso que pudesse servir de fundamento aos processos cognitivos. Graças à consciência o ser humano pôde reconhecer o essencial das coisas. Em texto muito célebre de Ortega lê-se: "A gigantesca inovação entre esse tempo e o nosso foi a fenomenología de Husserl. De súbito, o mundo tomou consistência e começou a recender sentido por todos os poros. Os poros são as coisas, todas as coisas, as longínquas e solenes, as humildes e as mais próximas. Cada uma delas começou tranqüila e resolutamente a ser aquilo que era, a ter um modo determinado e inalterável de ser e de se comportar, a possuir uma 'essência', a consistir em algo fixo ou, como eu digo, a ter consistência".6 6 José Ortega y Gasset. "Max Scheler, um embriagado en esencias". Obras Completas, tomo iv, Madrid, Alianza, 1983, pp. 509-10.

Não foi senão até o surgimento de Wittgenstein, com a filosofia da linguagem, que o lugar exclusivo de descarga da consciência se despedaçou. O provérbio dessa filosofia consuma-se na fórmula: a consciência é lingüística. É preciso ponderar esse salto tão notável na reflexão acerca do fundamento dos processos cognitivos para avaliar com toda justeza a proposta de Luhmann.

Em oposição aos filósofos da linguagem, que com freqüência acreditam ser a linguagem um sistema - e em ocasiões inclusive acreditam ser ela o único sistema para a coordenação de relações vitais - para a análises que aqui apresentamos é decisivo considerar a linguagem simplesmente como um meio que faz possível, por si só, a constituição de sistemas na esfera da consciência e da comunicação, na medida em que faz possível o acoplamento estrutural desses dos tipos de sistema. Mas isso significa que também temos de considerar agora como conceito fundamental não a linguagem, mas a comunicação.7 7 Niklas Luhmann, La ciencia de la sociedad. México. Anthropos/U. Iberoamericana/Ileso, 1996, p. 43.

A comunicação - neste momento definida como o processo social de atribuição de sentido - tem a particularidade de ser uma forma (Spencer Brown) que se autodesdobra. Os seres humanos estão acoplados estruturalmente à comunicação por meio de suas consciências, e é mediante esse mecanismo de acoplamento que os indivíduos põem em movimento o processo de autodesenvolvimento da comunicação.

Para se levar a cabo o acoplamento das consciências com a comunicação tem de existir um meio: linguagem. A linguagem apenas serve para promover a generalização simbólica do sentido, que a precede. Nessa direção, a linguagem desdobra-se como técnica (como poderiam ser, para o caso, a rádio, a TV, o computador) sobre a qual vale o sentido, que é pré-lingüístico.

Entre consciência e comunicação dá-se um jogo singular e altamente complexo. Trata-se de dos tipos de operações distintas, que se estimulam mutuamente mas sem se determinar - não se afetando nem minimamente de forma interna - pela simples razão de pertencerem a freqüências diferentes. É evidente que essas ordens diversas podem estabelecer pontes para salvar tal distância infranqueável. Entretanto, tem de se assentar que essas pontes são apenas isso: pontes, interdependências, prestações mútuas, arranjos deliberados. As operações, no próprio fato de manterem o controle através do qual negociam as interdependências, manifestam seu caráter autônomo.

Nada é comunicável

"O fato é que eu sou único. Não me interessa aquilo que um homem possa transmitir a outro homem; como o filósofo, penso que nada é comunicável pela arte da escrita."8 8 Jorge Luis Borges. "La casa de Asterión". El Aleph. Madrid, Alianza, 1998, p. 78. Esse princípio - a saber, que nada do indivíduo é comunicável - levado ao limite graças à força literária de Borges, é totalmente coincidente com a sociologia de Luhmann. A ordem da consciência e da experiência interior do ser humano é radicalmente incomunicável:

Esse fato [refere-se à figura semântica do sujeito], já observável nos animais, em princípio não tem nada que ver com a comunicação. Precisamente por isso, podemos dizer que a consciência possui uma peculiaridade inapreensível para a comunicação na percepção, isto é, na imaginação intuitiva. A própria percepção não é comunicável, porque apenas a comunicação é comunicável.9 9 Niklas Luhmann, La ciencia ..., p. 20.

Por isso, deve ser consignado com clareza que a sociedade - isto é, a comunicação - é uma ordem emergente que não coincide ponto por ponto com a consciência, nem com tudo aquilo referido à insondável profundeza da interioridade do ser humano. Por outras palavras, a sociedade começa excluindo de forma consciente seu papel de chegar a ser o âmbito da máxima auto-realização do ser humano através de ou trem. Essa exclusão se desenvolve de maneira metódica em virtude da própria limitação estrutural da comunicação.

Dado que toda comunicação está estruturalmente autolimitada pelas suas possibilidades inerentes, o saber da Sociologia não é existen-cialmente relativo ao ser humano e sequer a seus possíveis valores. Para a Sociologia os critérios decisivos são, primeiro, o critério da estrutura da comunicação e, segundo, o critério a partir do qual se observa como se desenvolve o mecanismo de exclusão/inclusão do ser humano. Nesse sentido, a Sociologia possui uma estrutura, um conjunto de esquemas que constituem a unidade de estilo da disciplina e que servem para articular, em unidade, tudo aquilo que é realizado através da operação da comunicação.

Assim, a comunicação é instaurada como processo emergente no processo da civilização. Os seres humanos tornam-se dependentes desse sistema emergente de ordem superior, cujas caraterísticas fazem com que eles possam eleger os contatos que desejam entabular com outros seres humanos. Esse sistema de ordem superior é o sistema de comunicação chamado sociedade.

Partindo dessas premissas, o desenvolvimento social que chega até os nossos dias pode ser compreendido como ampliação das prestações comunicativas (embora não como ampliação do homem no sentido de Rousseau ou de Nietzsche).10 10 Niklas Luhmann. Teoria política en el Estado de bienestar. Madrid, Alianza, 1981, p. 42.

OS PRINCÍPIOS ELEMENTARES DA COMUNICAÇÃO

O princípio de redução de complexidade

A função da comunicação é lograr que os estímulos indeterminados - nem por isso carentes de forma - provindos de todos os âmbitos do mundo nos quais é utilizado o filtro da consciência, sejam transformados em seqüências compreensíveis de comunicação. Essa função é cumprida pelo princípio primordial da sociedade, caraterizado por Luhmann com o conceito de redução de complexidade. Por outras palavras, a comunicação tenta reduzir a quantidade ingente de indeterminação no mundo, visando mantê-la em patamar que permita o constante aumento de determinação. Dessa maneira, pode-se atenuar a complexidade elementar do mundo, definida por sua opacidade ou intransparência. Com efeito, o mundo é experimentado como inapreensível translúcido. Graças à redução de complexidade, o mundo se torna apreensível, manipulável. Pode se dizer, então, que o princípio de redução de complexidade, levado a cabo pela comunicação, consiste em evitar a indeterminabilidade do mundo, fazendo com que seja possível sua apreensão.

Tal princípio é um caso especial da tendência universal de todo sistema - seja qual for neste momento a forma de se entender "sistema" - a manter sua autonomia perante o entorno. Na sua constituição mais primitiva, a redução de complexidade é mecanismo reflexo da comunicação que descarrega, mediante o emprego de formas, qualquer concitação - incitação, suscitação, irritação ou estímulo - filtrada pela consciência dos seres humanos. Se todas as percepções a ocorrerem na consciência aparecessem imediatamente determinadas e, portanto, pudessem ser apreendidas intuitivamente (intuicionismo), não existiria qualquer necessidade para desenvolver a comunicação em um plano colocado além dos limites da consciência. Ocorre, no entanto, que a experiência interior do ser humano tem de ser transportada à comunicação, do contrário esse tipo de estímulos internos perder-se-iam sem provocar qualquer efeito social.

O processo primário da comunicação opera criando, por assim dizer, uma ilusão ótica: a existência de igualdade com a "identidade da percepção". Ao falar em identidade da percepção busca-se significar que a comunicação considera o signo comunicativo como algo que verdadeiramente corresponde à percepção da consciência. Por outras palavras, a comunicação não pode distinguir entre condições de possibilidade de existência e condições de conhecimento das percepções da consciência. Se não fosse por esse processo primário da comunicação, as pessoas perderiam todo sentido da realidade (afinal, o Sol é que continua a dar voltas em torno da Terra ...).

Luhmann fala dessa constituição primária da comunicação como se se tratasse do verdadeiro substrato da realidade social, e acredita serem as experiências sociais de comunicação, que se repetem no tempo, depósitos permanentes dessa estrutura primitiva. Na sua forma constitutiva basal, definida como cálculo, a comunicação não sente, não possui consciência, não valora, não discrimina; não é boa nem má para o ser humano, representa simplesmente um acontecimento cego, desprovido de sentidos e de rumo. Considerada em seu estado ultra-elementar, ela integra o mundo social que existe previamente ao momento no qual o indivíduo ou os grupos humanos optam por introduzir nela valores, sentimentos, discriminações. Essa constituição primária da comunicação é o fundamento sobre o qual se edifica a sociedade. Dado que sua conformação estrutural não tolera o absoluto e o definitivo, a comunicação conserva seu caráter regido pelo acaso - portanto, pleno de risco - durante a vida toda de uma comunidade. É poderosa porque possui o poder mágico de traduzir todas as realidades em comunicação; é oceânica, como o mar, porque contém tudo: não reconhece nada exterior a si própria.

Luhmann reconhece ser a estrutura elementar da comunicação a parte escura e praticamente inacessível - como totalidade - da sociedade.

Sabe-se dela pouco e aquilo que se sabe tem sido apreendido dos fenômenos sociais modernos mais notáveis: a racionalidade enquanto barbárie da exclusão, o conflito, a moral e seus dilemas...

O princípio de autonomia

O processo mediante o qual a comunicação reduz a complexidade do mundo não é, em conseqüência, suficiente para atingir os grandes fins evolutivos da sociedade. A partir da pura redução de complexidade não seria possível explicar o poder, a economia, a arte, a religião. Ao princípio de redução de complexidade superpõe-se o princípio de autonomia. A comunicação não está governada apenas pelo princípio de transformar o inapreensível em apreensível, mas pelo princípio de manter estável sua própria maneira de operar, isto é, sua própria condição de comunicação. A autonomia significa a superação da correspondência ponto por ponto com respeito ao ambiente. A finalidade do princípio de autonomia é fazer com que a comunicação demore o máximo possível a adaptação à realidade. Nesse sentido, quando a comunicação está previamente adaptada ao ambiente - ou não existiria - tem todas as possibilidades de se comportar de um modo não adaptado para o interior do raio de ação que assim lhe é conferido.

O princípio de autonomia tem ao seu serviço um processo secundário desenvolvido posteriormente e superposto ao processo primário da comunicação. O processo secundário consiste em produzir realidades de comunicação que são totalmente improváveis, se consideradas desde o ponto de vista de uma evolução estritamente lógica e racional. Cumpre aquilo que o processo primário é incapaz de realizar: separar-se da realidade para construir definitivamente uma realidade virtual.

A instauração do princípio de autonomia, o funcionamento do processo secundário e o papel significativo adquirido pelo mundo virtual da comunicação estimulam o desenvolvimento e a elaboração de todos os processos comunicativos da sociedade.

Consignemos três exemplos. Primeiro, o sistema da ciência desenvolve faculdades cada vez mais finas de recombinação dos seu próprios dados, porque não fica preso à fidelidade de uma percepção precisa do mundo externo. A ciência apreende a examinar rapidamente, dentre o acúmulo de estímulos, apenas aquelas caraterísticas pertinentes ao seu próprio processo de construção de realidade. Segundo, a memória da sociedade faz-se tão extensiva que deixa para trás - anos luz - a memória que depende da configuração psíquica própria das sociedades tribais. E terceiro, o amor: "Existem necessariamente formas sociais e culturais - assim como complexas linguagens a articularem-nas - que tornam aceitáveis, reconduzem e, ao mesmo tempo, mascaram as inevitáveis e mesmo escra-vizadoras determinações biológicas e comunitárias... Isso é o que chamamos o 'mito do amor', curiosa instituição com apenas alguns séculos de existência, cujo prestígio parece ter atingido em nossos dias um império nunca visto".11 11 Juan Alcántara Pohls. "¿Porqué nos gustan las canciones de amor?". Nuestra Comunidad, UIA, núm. 15, 1998.

No geral, essa desadaptação da comunicação permite pôr em jogo configurações sociais cada vez mais complexas - sem a possibilidade de comprovar que estejam orientadas para a felicidade dos seres humanos. A comunicação (uma vez desadaptada) deixa o caminho livre para a construção da realidade fictícia. As fantasias da comunicação colocam o mundo diante da possibilidade de a realidade também poder ser de outra maneira - plasmada na arte, por exemplo.

O princípio de aumento de complexidade

A comunicação, ao reduzir a complexidade e criar para si um nicho de autonomia, introduz uma realidade que não é a "realidade objetiva". Produz seu próprio tempo e todas as indeterminações criadas no seu interior ir-se-ão solucionando na sucessão de operações realizadas por ela. A representação do mundo conseguida com a comunicação nunca corresponde à representação objetiva do mundo tal como ele é num momento dado. A comunicação cria um estado imaginário no qual se desvanece a distinção entre o mundo tal como ele é e o mundo tal como é observado e descrito por ela.

O resultado disso tudo é que a comunicação constrói sua própria complexidade. Dessa forma, a redução de complexidade conduz necessariamente - de maneira circular - ao aumento de complexidade. A estrutura da comunicação é quantitativamente menos complexa que toda a complexidade do mundo. E isto pela simples razão de existir no horizonte do mundo, além da determinação da comunicação, a indeterminação da consciência. Em todo fato social assomam, pelo menos, dois níveis de realidade: a) aquele que pode ser processado e que, em termos de atribuição, é adjudicado à comunicação; b) aquele que sempre permanece como excedente, como uma espécie de corpo negro, de assombro, de vagueza infinita, de transcendência intransparente a acompanhar tudo aquilo que o ser humano realiza em sociedade. Entre a infinitude da consciência e os limites estruturais da comunicação existe um gradiente de realidade: a comunicação está capacitada apenas para processar determinados componentes do real e, por isso, tem sido definida tecnicamente como redução de complexidade.

Qualitativamente, porém, a comunicação pode ser mais intrincada que tudo aquilo que é concitado no mundo circundante, pois, devido a sua forma específica de construir esquemas progressivamente complexos, compensa as vantagens que o mundo tem em matéria de complexidade. Poder-se-ia afirmar, embora isso evoque Hegel, que a comunicação reduz a complexidade quantitativa, mas quando o faz aumenta para seu próprio benefício a complexidade qualitativa. Surge assim, necessariamente, um gradiente de complexidade entre mundo e comunicação. A comunicação afirma sua própria consistência na medida que apreende e domina de forma operativa o fragmento do mundo que é efetivamente relevante para a conservação de seu próprio patrimônio de autonomia.

Pode se interpretar, nessa perspectiva, o comportamento da comunicação não como adaptação ou metabolismo, mas como coação dirigida especialmente para a preservação de sua própria autonomia.

O princípio de integração solta

A quarta instituição fundamental da comunicação é o princípio de integração solta (loose coupling). Todo desenvolvimento para ordens de maior complexidade pugna pela diversificação de seus centros de integração. A comunicação, do ponto de vista operativo, não aspira à integração ótima - porém única - do social e, por isso, entra em clara contradição com a ambição de que a moral fosse o princípio integrador da sociedade. A comunicação substitui a autoridade moral e interioriza mecanismos de integração de outra ordem: os meios simbólicos de comunicação (dinheiro, amor, poder, arte) substituem os ideais e a consciência moral da sociedade na qualidade de reguladores metacodificados e únicos de toda a sociedade. A sociedade moderna se autodirige - o que não é igual a se autocontrolar - e com essa finalidade distribui distintos centros de integração. Por isso, tem se caracterizado à sociedade moderna como he-terárquica - não hierárquica - em alusão à forma segundo a qual está organizado o cérebro.

A que finalidade serve o princípio de integração solta? Em primeiro lugar, possibilita à comunicação aumentar seu grau de complexidade: em virtude de ter se agrupado em estruturas cada vez mais compreensivas e diferenciadas, elimina-se o risco de um colapso. A imagem do autocontrole da sociedade é demasiado simples e conduz a uma representação idealizada embora cínica da sociedade. O drama da sociedade moderna é que sua verdadeira metacodificação está situada em outro lugar, e que é precisamente esse processo metacodificado o produtor de efeitos iniludíveis de exclusão.

A idealização do postulado da total inclusão de todos os seres humanos na sociedade faz com que sejam esquecidos os verdadeiros problemas. Com a diferenciação funcional do sistema da sociedade, a regulação da relação de inclusão/exclusão tem se deslocado para os sistemas de funções e não existe mais uma instância central onde esses sistemas de funções pudessem acudir... Os problemas de exclusão da atualidade têm um peso qualitativo muito distinto. Também têm outra estrutura. São as conseqüências diretas da diferenciação funcional da sociedade, à medida que a exclusão adquire formas específicas cujos efeitos reforçam-se pelas formas de desvio e pelos feedback positivos dos mesmos sistemas.12 12 Niklas Luhmann. Die Gesellschaft der Gesellschaft. Frankfurt. Suhrkamp, 1997, p. 630.

A dinâmica da comunicação

A comunicação é apenas uma forma que não tem propriamente uma fonte, uma finalidade, um objetivo que residam fora dela. A finalidade última dessa forma é se reproduzir, como tal, de modo cada vez mais complexo.

Sendo a comunicação apenas uma forma, pode efetuar deslocamentos com grande fluidez, dado que não é capaz de realizar distinções precisas e únicas acerca do objeto real: a tendência elementar da forma é tratar os objetos como se fossem iguais a ela - a despeito das diferenças. Por isso, a comunicação está destinada a deformar a realidade. Por não dispor de um processo de identificação, em seu estado basal não distingue entre imagens subjetivas e realidade objetiva: observa aquilo que observa/descreve aquilo que descreve. Em vez de identificar objeto e sujeito ou de considerar a imagem e o objeto real como idênticos, a comunicação erige um mundo interno que não pode nunca ser harmonizado com o ambiente. Os avanços do conhecimento consistirão, então, em converter as representações mentais do mundo em quadros cada vez mais complexos de uma realidade que, no fundo, sempre permanece desconhecida.

Como resultado desse processo de desidentificação, a comunicação, cada vez mais, produz imagens que não coincidem com a realidade. Nessa perspectiva, o pensamento lógico objetivo é uma construção que confere a seu próprio poder de realidade. Surge assim, na historia, o processo de racionalidade, que luta por se sobrepor à auto-representação de consistir o fundamento essencial em algo irracional, obscuro, ou uma espécie de simples impulso vital (irracionalismo). Para Luhmann, no entanto, o fundamento do cálculo não é nem racional nem irracional: é só a forma omnicompreensiva que se torna condição de possibilidade para se designar algo posteriormente com a distinção racional/irracional.

Para a comunicação não há separação entre o sentido e o mundo material. Essa identidade de sentido e objeto - que evidentemente ela se empenha em construir - constitui uma espécie de identificação primitiva. Todo o processo posterior da comunicação consistirá em desidentificar esses dois mundos: sentido e realidade. A separação entre sentido e realidade se produz como resultado da impossibilidade, experimentada pela comunicação, de se fundir com a realidade mediante a aprendizagem. Poder-se-ia dizer que mediante o processo de desidentificação a comunicação libera energia para um desenvolvimento próprio que haverá de lhe permitir a passagem do estádio primitivo a outro socialmente evolucionado. Essa redistribuição de energia é um acontecimento dinâmico que tem grande importância no seu mundo interior. Para qualificar quanto é sobrepujada a comunicação primitiva (aquela tendente a identificar sentido com realidade) e quanto vai ganhando força a comunicação social (aquela de-sidentificada da realidade), poder-se-ia afirmar que a comunicação está constituída por um processo autista, pois busca a realização de seu próprio desejo, ou a obtenção de sua própria forma. Sobre essa base de autismo comunicativo surgem, durante a evolução, sistemas de autocontrole que tentam conduzir esse recuo da comunicação sobre si própria.

Aquela energia torna-se mais complexa e cada vez mais eficiente à medida que a comunicação social se apodera do processo comunicativo, quer dizer, à medida que os indivíduos - no processo de interação - perdem o controle sobre a comunicação. O mundo adquire novos sentidos desde o momento que ela, a partir de si mesma, desenvolve mais comunicação.

É necessário considerar que o afastamento cada vez mais acentuado com respeito à natureza existe não apenas na evolução do indivíduo mas também na evolução cultural, e isto devido ao deslocamento dessa energia, que em grande parte tem de ser utilizada para sustentar o desenvolvimento compulsivo da comunicação - isto é, a vontade de conseguir sempre mais, de se obter dinheiro, de se fazer carreira, a reputação, as cotas de excelência, as capacitações altamente valorizadas. Essa compulsão aparece de maneira tão dominante que, como na evolução, faz-se necessário um fator recessivo para dar sentido à vida. Dessa forma, essas forças bloqueadoras da descarga final da comunicação abrem o caminho para o segredo e a moral. Assim, a comunicação investe muita energia em propor sua própria idealização. Trata-se de um conjunto de ideais a simbolizarem a comunicação como igualdade, mas, na realidade, introduzem perspectivas de valor - ideologias - onde igualdade não pode mais exprimir a unidade do complexo.

Pode se dizer que a comunicação é uma concepção dinâmica que, ao incrementar a complexidade das formas que a integram, expressa a vida da sociedade. Praticamente toda a dinâmica social é expressa através de um processo de expansão crescente, que vai encontrando estruturas cada vez mais compreensivas de agrupamento. Um dos fatos evidentes da comunicação é estar em transformação e desenvolvimento constantes. Estruturalmente a comunicação faz-se mais diferenciada, e funcionalmente tende ao aumento de complexidade. Tem de ficar claro que aumento de complexidade não quer dizer maior controle sobre seu próprio processo de expansão. Quer dizer apenas que as contradições fundamentais tendem a se distribuir em diversos módulos sociais de comunicação (sistemas sociais) de forma tal que a sociedade (a comunicação) não se paralisa por uma contradição dominante e omniabrangente. Portanto, o modelo da comunicação não é um modelo de equilíbrio, mas um modelo a sugerir que a perturbação introduz uma perspectiva mediante a qual potencializa-se o sistema chamado sociedade.

A comunicação não é um processo tendente ao valor da maturidade e sim à complexidade - que é puro mecanismo formal. A maneira de a sociedade enfrentar esses obstáculos, a forma como trata de superá-los ou de se adaptar a eles, modela seu próprio curso.

A IMAGEM MACRO DA SOCIEDADE

Toda a obra de Luhmann é um esforço descomunal de abstração dirigido a manter o fenômeno comunicativo isolado de todo resquício psíquico. Habermas tem isso perfeitamente balizado, incluindo a crítica correspondente: "Sobre o fundo dessa evolução teórica vê-se com clareza o ônus que assume a teoria de sistemas ao distribuir essas estruturas lingüísticas, que abrangem o psíquico e o social, em dois sistemas distintos. Agora que as linhas gerais da teoria de Luhmann estão mais claras, vê-se também quanta energia teve que ser gasta para fazer frente aos problemas decorrentes dessa única decisão básica".13 13 Jürgen Habermas. El discurso filosófico de la modernidad. Buenos Aires. Taurus, 1989, p. 446.

O modo de raciocinar de Luhmann com respeito à comunicação é muito semelhante à consideração de Freud sobre o id: "O id não está governado pelas leis da razão ou da lógica e não possui valores, ética ou moralidade. Apenas o impulsa uma consideração: obter satisfação para as necessidades instintivas, de acordo com o princípio do prazer".14 14 Calvin S. Hall. Compendio de psicologia freudiana. Buenos Aires. Paidós, 1978, p. 30.

Se a exposição foi suficientemente clara, então far-se-á compreensível que Luhmann expresse, quando do estudo do código do amor: "Nesse mesmo sentido, pode se dizer que o meio de comunicação amor não é em si próprio um sentimento, mas um código de comunicação conforme cujas regras exprimem-se, formam-se ou simulam-se determinados sentimentos".15 15 Niklas Luhmann, El amor..., p. 21. E em outro campo diferente, o direito: "A pergunta acerca da função do direito se coloca aqui em relação com o sistema da sociedade. Dito de outra maneira, trata-se de ver que problema da sociedade é resolvido mediante o processo de diferenciação de normas especificamente jurídicas e, finalmente, mediante o processo de diferenciação de um sistema jurídico específico. Por isso, fica excluída, sobretudo, a colocação de perguntas psicológicas e antropológicas".16 16 Niklas Luhmann. Das Recht der Gesellschaft. Frankfurt. Suhrkamp, 1993, p. 124.

Por conseguinte, a teoria social de Luhmann está cimentada sobre o fundamento de que a sociedade é pura comunicação. A comunicação constitui um universo autocontido: um mundo. Essa asseveração deve de se entender no sentido já utilizado pela física: "A condição de contorno do universo é que não tem fronteira nenhuma. O universo estaria completamente autocontido e não se veria afetado por nada que estivesse fora dele ".17 17 Stephen Hawking. Historia del tiempo. Barcelona. Crítica, 1996, p. 175. A condição da comunicação para Luhmann pressupõe essas mesmas caráterísticas:

1) O contorno da comunicação não tem qualquer fronteira; ele o formula assim. "Introduzimos aqui o conceito de sociedade. Assim, a sociedade é o conceito social mais amplo, inclui todo o social e, por conseguinte, não conhece qualquer entorno social. Se se agregam fatores sociais, se surgem novos interlocutores de comunicação, a sociedade cresce, pois esses fatores estão arraigados na sociedade, não podem ser externados nem tratados como uma coisa de seu entorno, já que tudo aquilo que é comunicação é sociedade. A sociedade é o único sistema social no qual surge esse particular fenômeno, que tem conseqüências enormes no que diz respeito à teoria social.18 18 Niklas Luhmann. Sistemas sociales. Lineamientos para una teoría general. Barcelona. Anthrophos/Universidad Iberoamericana/Pontificia Universidad Javeriana, 2a ed., 1998, p. 366. "

2) Ao estar completamente autocontida, a comunicação não pode ser afetada por nada que esteja fora dela. Para chegar nessa afirmação, efetuada contra a certeza - arraigada na vida ordinária - de que são os seres humanos que modificam a comunicação, Luhmann tem de lançar mão de um instrumental teórico hiper-refinado.

Em virtude dessa decisão teórica, conforme a qual a sociedade é pura comunicação, Luhmann tem de ajustar toda a teoria social a tal pressuposto. A sociedade é uma rede imensa de comunicação - uma rede universal. A comunicação é evidência muito mais abrangente que a mera linguagem, embora a linguagem seja o acontecimento evolutivo mis brilhante da comunicação. Para se sensibilizar acerca da amplidão do campo designado pela comunicação, pode se recorrer à terminologia empregada pela escola de Palo Alto, que distingue entre comunicação digital e analógica. A comunicação digital refere-se à linguagem verbal; a comunicação analógica inclui o tato, assim como "a postura, os gestos, a expressão facial, a inflexão da voz, a seqüência, o ritmo e a cadência das próprias palavras, e qualquer outra manifestação não verbal da qual organismo seja capaz, assim como os indicadores comunicacionais que inevitavelmente aparecem em qualquer contexto onde tem lugar uma interação".19 19 Paul Watzlawick, Janet Helmick Beavin, Don D. Jackson. Teoria de la comunicación humana. Barcelona. Herder, 7a ed., 1989, p. 63. E se a isso se adicionam os fenômenos muito mais abstratos que na Sociologia (Parsons) têm sido designados como símbolos generalizados - poder, amor, dinheiro, lei, Deus, saúde... - então temos uma manifestação de dimensões omniabrangentes.

Esse fenômeno constitui um universo autocontido ou, visto de outra perspectiva, uma ordem emergente. Emergência quer dizer, sobretudo, autonomia. Emergente é um mundo que não coincide ponto por ponto com as condições de possibilidade que o sustentam e das quais surgiu. A sociedade, então, é ordem emergente que não pode se ver afetada por nada que esteja fora dela. A sociedade é o universo de todas as comunicações possíveis. Esse universo pode ser pensado - de novo no sentido da Física - no início de seu big bang, como uma comunicação infinitamente pequena e infinitamente densa que está em expansão. Esse processo - cuja caraterística mais relevante é ter sido clausurado o mecanismo mediante o qual se reproduz sua operação, pelo que nada de fora pode determiná-lo -pode se explicar recorrendo à imagem de um desenvolvimento que está em expansão sem temor de que atingir o colapso, graças ao fato de se agruparem estruturas cada vez mais compreensivas segundo o estilo de: sistema solar/galáxias/grupo local. A tradução seria: sistemas sociais, política, economia, direito, arte, saúde, religião, educação. Estamos a falar, então, de galáxias de comunicação.

A comunicação que realmente prospera, no sentido de atingir o sucesso e a compreensão nos marcos da sociedade, é aquela que se conecta com algum desses sistemas sociais. Cada sistema social tem um código próprio mediante o qual filtra, processa e constrói comunicação. Por ser, ao mesmo tempo, códigos de comunicação, têm a peculiaridade de serem binários - política: detenção do poder/não detenção do poder; economia: posse de um valor econômico/não posse desse valor; direito: legal/ilegal; ciência: verdade/não verdade; arte: belo/feio...

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Nunca poderemos estar suficientemente certos de haver encontrado a teoria correta, já que desde Gödel, nas matemáticas, existe a convicção de que as teorias não podem ser demostradas em sua totalidade. Porém, se a proposta de Luhmann se revelasse sociologicamente consistente e nos ajudasse a efetuar observações concordantes com a complexidade da sociedade, poderíamos estar razoavelmente certos de se tratar de uma teoria aceitável. Isso revolucionaria a compreensão própria ao nível do senso comum acerca dos mecanismos que governam o processo social.

  • * El Legado sociológico de Niklas Luhmann", História y Grafía, n° 12, México, 1999.
  • 1 Niklas Luhmann. El amor como pasión. Barcelona. Península, 1985, p. 10.
  • 3 Ernest Nagel/James R. Newman. El teorema de Gödel. México. Consejo Nacional de Ciencia e Tecnologia, 1981, p. 43.
  • 4 "Dois reis inimigos jogam xadrez, enquanto, no vale próximo seus exércitos lutam e se despedaçam (...) chegando o em entardecer, um dos reis derruba o tabuleiro, porque lhe deram xeque-mate, e pouco depois um cabaleiro ensangüentado anuncia-lhe: teu exército foge, tens perdido o reino". Jorge Luis Borges/Adolfo Bioy Casares. Cuentos breves y extraordinarios. Buenos Aires. Losada, 1989, p. 69.
  • 6 José Ortega y Gasset. "Max Scheler, um embriagado en esencias". Obras Completas, tomo iv, Madrid, Alianza, 1983, pp. 509-10.
  • 7 Niklas Luhmann, La ciencia de la sociedad. México. Anthropos/U. Iberoamericana/Ileso, 1996, p. 43.
  • 8 Jorge Luis Borges. "La casa de Asterión". El Aleph. Madrid, Alianza, 1998, p. 78.
  • 10 Niklas Luhmann. Teoria política en el Estado de bienestar. Madrid, Alianza, 1981, p. 42.
  • 11 Juan Alcántara Pohls. "żPorqué nos gustan las canciones de amor?". Nuestra Comunidad, UIA, núm. 15, 1998.
  • 12 Niklas Luhmann. Die Gesellschaft der Gesellschaft. Frankfurt. Suhrkamp, 1997, p. 630.
  • 13 Jürgen Habermas. El discurso filosófico de la modernidad. Buenos Aires. Taurus, 1989, p. 446.
  • 14 Calvin S. Hall. Compendio de psicologia freudiana. Buenos Aires. Paidós, 1978, p. 30.
  • 16 Niklas Luhmann. Das Recht der Gesellschaft. Frankfurt. Suhrkamp, 1993, p. 124.
  • 17 Stephen Hawking. Historia del tiempo. Barcelona. Crítica, 1996, p. 175.
  • 18 Niklas Luhmann. Sistemas sociales. Lineamientos para una teoría general. Barcelona. Anthrophos/Universidad Iberoamericana/Pontificia Universidad Javeriana, 2a ed., 1998, p. 366.
  • 19 Paul Watzlawick, Janet Helmick Beavin, Don D. Jackson. Teoria de la comunicación humana. Barcelona. Herder, 7a ed., 1989, p. 63.
  • *
    El Legado sociológico de Niklas Luhmann",
    História y Grafía, n° 12, México, 1999. Tradução de Adrián Gurza Lavalle e Karin Matzkin. O artigo foi escrito em memória do sociólogo alemão (1917-1988). Torres Nafarrate tem desempenhado um papel fundamental, na América Latina, na difusão e compreeensão da obra de Luhmann, de quem foi aluno duarante seus estudos de pós-graduação na Alemanha. Além de seus trabalhos como rigoroso comentarista do pensamento de Luhmann, é seu principal tradutor para o espanhol. (Nota dos tradutores).
  • 1
    Niklas Luhmann.
    El amor como pasión. Barcelona. Península, 1985, p. 10.
  • 3
    Ernest Nagel/James R. Newman.
    El teorema de Gödel. México. Consejo Nacional de Ciencia e Tecnologia, 1981, p. 43.
  • 4
    "Dois reis inimigos jogam xadrez, enquanto, no vale próximo seus exércitos lutam e se despedaçam (...) chegando o em entardecer, um dos reis derruba o tabuleiro, porque lhe deram xeque-mate, e pouco depois um cabaleiro ensangüentado anuncia-lhe: teu exército foge, tens perdido o reino". Jorge Luis Borges/Adolfo Bioy Casares.
    Cuentos breves y extraordinarios. Buenos Aires. Losada, 1989, p. 69.
  • 5
    Ernest Nagel, James R. Newman,
    op. cit., p. 51 ss.
  • 6
    José Ortega y Gasset. "Max Scheler, um embriagado en esencias".
    Obras Completas, tomo iv, Madrid, Alianza, 1983, pp. 509-10.
  • 7
    Niklas Luhmann,
    La ciencia de la sociedad. México. Anthropos/U. Iberoamericana/Ileso, 1996, p. 43.
  • 8
    Jorge Luis Borges. "La casa de Asterión". El
    Aleph. Madrid, Alianza, 1998, p. 78.
  • 9
    Niklas Luhmann, La
    ciencia ..., p. 20.
  • 10
    Niklas Luhmann.
    Teoria política en el Estado de bienestar. Madrid, Alianza, 1981, p. 42.
  • 11
    Juan Alcántara Pohls. "¿Porqué nos gustan las canciones de amor?".
    Nuestra Comunidad, UIA, núm. 15, 1998.
  • 12
    Niklas Luhmann.
    Die Gesellschaft der Gesellschaft. Frankfurt. Suhrkamp, 1997, p. 630.
  • 13
    Jürgen Habermas.
    El discurso filosófico de la modernidad. Buenos Aires. Taurus, 1989, p. 446.
  • 14
    Calvin S. Hall.
    Compendio de psicologia freudiana. Buenos Aires. Paidós, 1978, p. 30.
  • 15
    Niklas Luhmann,
    El amor..., p. 21.
  • 16
    Niklas Luhmann.
    Das Recht der Gesellschaft. Frankfurt. Suhrkamp, 1993, p. 124.
  • 17
    Stephen Hawking.
    Historia del tiempo. Barcelona. Crítica, 1996, p. 175.
  • 18
    Niklas Luhmann.
    Sistemas sociales. Lineamientos para una teoría general. Barcelona. Anthrophos/Universidad Iberoamericana/Pontificia Universidad Javeriana, 2a ed., 1998, p. 366.
  • 19
    Paul Watzlawick, Janet Helmick Beavin, Don D. Jackson.
    Teoria de la comunicación humana. Barcelona. Herder, 7a ed., 1989, p. 63.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      2000
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