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Ascese e prazer: Weber vs. Sombart

Ascesis and pleasure: Weber vs. Sombart

Resumos

De que fontes retira o capitalismo moderno a energia para constituir-se e desenvolver-se? A resposta de Weber é mais lembrada do que a de Sombart, que mergulhou num esquecimento quase total. Mas o exame do contraste entre ambos esses mestres da fase heróica da Sociologia alemã no século XX fornece elementos preciosos para entender melhor não só o seu objeto de estudo como também a potência e os limites da análise sociológica que propunham, por ângulos opostos, o ''hedonista" Sombart e o "ascético" Weber.


From which sources does modern capitalism get the energy for constituting and developing itself? Weber's answer is more readily remembered than Sombart's, which plunged into almost total oblivion. But an examination of the contrast between these two masters of the heroic phase of German Sociology in the 20th century gives precious elements for understanding not only the subject of study but also the power and the limits of the sociological analysis which was proposed from opposed angles by the "hedonist" Sombart and the "ascetic" Max Weber.


FEDERAÇÃO E POLÍTICAS

Ascese e prazer: Weber vs. Sombart* * Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada no VIII Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia, realizado em agosto de 1997 em Brasília.

Ascesis and pleasure: Weber vs. Sombart

Glaucia Villas Bôas

Professora no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ

RESUMO

De que fontes retira o capitalismo moderno a energia para constituir-se e desenvolver-se? A resposta de Weber é mais lembrada do que a de Sombart, que mergulhou num esquecimento quase total. Mas o exame do contraste entre ambos esses mestres da fase heróica da Sociologia alemã no século XX fornece elementos preciosos para entender melhor não só o seu objeto de estudo como também a potência e os limites da análise sociológica que propunham, por ângulos opostos, o ''hedonista" Sombart e o "ascético" Weber.

ABSTRACT

From which sources does modern capitalism get the energy for constituting and developing itself? Weber's answer is more readily remembered than Sombart's, which plunged into almost total oblivion. But an examination of the contrast between these two masters of the heroic phase of German Sociology in the 20th century gives precious elements for understanding not only the subject of study but also the power and the limits of the sociological analysis which was proposed from opposed angles by the "hedonist" Sombart and the "ascetic" Max Weber.

Em um trecho da famosa biografia que escreve sobre o marido, Marianne Weber pondera que Max Weber havia atribuído a gênese do capitalismo a um deus absconditus, o deus impenetrável de Calvino, desconhecido e misterioso que acima de tudo busca a própria glória. Pergunta-se, então, se o marido não teria sido ousado demais ao associar fato de tamanha importância histórica com aquele "demônio", que afinal deixara os homens inteiramente sozinhos, dependentes de si mesmos, cientes apenas do terrível dever de organizar a vida da maneira mais ascética, eficiente e afortunada possível1 1 A. biografia de Max Weber publicada por Marianne Weber, em 1926, continua sendo uma fonte obrigatória para os biógrafos do autor, apesar das numerosas críticas feitas ao caráter devoto e sentimental do livro. Ver, na primeira edição mexicana (FCE, 1995: 328-338), as observações sobre A ética protestante e o espírito cio capitalismo. . é verdade que Weber teve oportunidade de mudar seu ponto de vista, mas não o fez. Em 1919, um ano antes de morrer, ao rever os artigos sobre A ética protestante e o espírito do capitalismo, publicados em 1904 e 1905, para que integrassem um dos volumes dos Escritos reunidos sobre Sociologia da Religião reafirmou. sua hipótese sobre as origens da sociedade moderna de maneira ainda mais contundente, acrescentando novos parágrafos e notas ao manuscrito.

Max Weber não era o único a investigar a origem sociológica dos valores que norteiam a conduta econômica do homem moderno; tampouco era tarefa unicamente sua buscar nas crenças religiosas a chave para o entendimento do mundo capitalista. Seu amigo Werner Sombart2 2 Werner Sombart (1863/1941) era filho de um empresário industrial. Estudou Direito, Economia, Filosofia e História em Berlim e Roma. No início da carreira foi acusado de socialista, o que lhe dificultou o acesso a uma cátedra, conquistada somente em 1918, na Universidade de Berlim, onde se tornou bastante conhecido. Mais tarde foi acusado de compartilhar do ideário do regime nazista, ficando à margem dos sociólogos que pouco a pouco foram sendo relidos e estudados a partir da década de 50. Parece haver poucos .estudos recentes sobre a vida e obra de Werner" Sombart. Sobre o sociólogo, ver artigo de seu filho Nicolaus Sombart, "Werner Sombart. Sozialismus und soziale Bewegung im 19. Jahrhundert" (1987). publicara os dois primeiros volumes de O capitalismo moderno em 1902. Acreditava que o espírito do capitalismo era diferente do desejo comum de riqueza e não podia ser explicado "por uma lei geral do desenvolvimento da economia" (Roth,1978: LXXVII); além do que, investigava o impacto da religião no crescente afã de ganhar dinheiro, referindo-se ao papel dos judeus mas também dos calvinistas e quackers na construção da economia moderna. Para Sombart, aliás, a participação dos protestantes era "um fato tão conhecido que não precisava de explicações detalhadas" (Lehmann, 1993: 197 e Roth,1978: LXXVII).

Segundo Günther Roth e Hartmut Lehmann essa afirmação de Sombart sobre os protestantes não passou despercebida a Max Weber. Insinuam que os ensaios originais sobre a influência da Reforma na constituição do moderno ethos ocidental foram uma resposta às teses de Sombart. Em artigo dirigido a Felix Rachfahl,3 3 Ao responder à crítica de Felix Rachfahl ao seu conceito de ascese, Weber esclarece que sua formulação do termo nada tem a ver com as de Troeltsch, porém com os escritos de Sombart. Ver Max Weber, "Antikritisches zum 'Geist des Kapitalismus"', reeditado por Winckelmann (1982). Weber reconhece sua dívida para com o colega, e, apesar das divergências, sempre considerou " engenhosos" os escritos de Sombart. Fato é que no início do século ambos lideraram os debates sobre o "capitalismo moderno" na Alemanha, retornando com o tema à cena, de que estavam afastados: Weber, por força da profunda depressão que o retirara da vida intelectual durante quase cinco anos, e Sombart devido aos constrangimentos causados pela sua posição socialista.

Curiosamente, as referências à relação entre Weber e Sombart nos textos estudados se limitam a explorar a polêmica entre os dois sobre o papel dos judeus e/ou protestantes na constituição da sociedade moderna. A contenda é reconstruída a partir da análise dos livros O capitalismo moderno (1902), O judeu e a vida econômica (1911) e O burguês. Contribuição à história moral e intelectual do homem econômico moderno (1913), de Werner Sombart, além das duas versões de A ética protestante e o espírito do capitalismo, publicada, primeiro, no Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik (1904/1905) depois em Escritos reunidos sobre a Sociologia da Religião (1920).

Entretanto, em 1913, Sombart também publica dois volumes com o título Estudos sobre a história do desenvolvimento do capitalismo moderno4 4 Lehmann (1993/202) menciona a completa falta de "harmonia" dos pontos de vista expostos nos dois livros, mas dedica poucas linhas ao problema. . Em urn deles discute a importância da guerra no desenvolvimento do comércio e da produção, no outro mostra como o consumo de luxo se associa ao surgimento do capitalismo. Não se refere a Max Weber, embora, sobretudo no segundo estudo, suas hipóteses sobre o luxo contradigam implicitamente as teses sóbrias e puritanas deste sociólogo.5 5 Neste artigo uso a tradução espanhola do livro de Sombart, Lujo y capitalismo (1979). No pequeno livro, cujo título o autor gostaria que fosse Amor, luxo e capitalismo (Sombart, 1979/8), desejo finalmente realizado pela edição alemã de 1967, Sombart abandona os "deuses" supostamente responsáveis pela ânsia de lucro e dinheiro, substituindo-os pela mulher cortesã, amante do mundo e do prazer.

O "esquecimento" das hipóteses de Luxo e capitalismo na controvérsia Weber/Sombart chamou-me a atenção. As leituras comparadas de Luxo e capitalismo com A ética protestante terminaram por orientar meu interesse para questões mais instigantes que dizem respeito a um modo muito particular de fazer Sociologia, cujos pressupostos permitem compreender regularidades do agir humano sem desprezar a pluralidade e diversidade do mundo. A perspectiva sociológica, inscrita nas pesquisas dos dois sociólogos alemães, é fiel a uma concepção de sociedade que privilegia o sentido e o significado da ação e interação humana na construção e manutenção de ordens sociais, (especificamente como foi construído e ordenado o capitalismo ocidental). Não elege um nível da realidade nem privilegia a idéia de um sistema em funcionamento, mas sobretudo leva em conta a experiência prática de homens e mulheres, em múltiplos planos da vida social, com o intuito de saber quais as crenças e valores que levam à ordenação da vida concreta, previsível e regular de diferentes (diferentíssimos) atores sociais.

Aparentemente de "fácil adoção", tal abordagem, entretanto, exige do estudioso uma opção muito clara pelo conhecimento da vida social, em detrimento de possíveis juízos de valor sobre o objeto de análise. Feita a escolha, ele não tem mais razões para "classificar os deuses", e menos ainda, motivos para tomar partido de um deles: resta-lhe apenas aceitá-los. Uma segunda exigência, a meu ver muito pouco compreendida em nossas discussões mais freqüentes, é a atribuição de importância central à experiência das ações e relações humanas com sentido e significado, e consequentemente aos métodos que possibilitam a compreensão/explicativa da verdade de acontecimentos da vida social. Weber não armadilha o conhecimento sociológico em uma grande teoria explicativa, nem seus conceitos são construídos a partir da revelação de um segredo (a evolução do espírito ou das forças produtivas) que se esconde por trás das aparências, mas de conceitos que buscam a tarefa nada fácil de ordenar a vida como ela aparece.

Meu objetivo é portanto trazer à discussão questões peculiares à Sociologia alemã do início do século, que considero valiosas para recuperar os debates sobre o campo propriamente sociológico, inconfundível com o de outras disciplinas, num momento em que a identidade da Sociologia parece se dissipar em tantos meandros, quando sua perspectiva não é vista ora como autoritária e determinista. Muito embora a Sociologia alemã tenha sido recebida no Brasil e, ultimamente, ocupe espaço cada vez mais importante nas discussões, me parece que uma de suas vertentes mais características, perceptível em obras mais recentes como a Norbert Elias, pode figurar de maneira mais adequada nas polêmicas sobre a disciplina, de tal modo que leve a questionar a redução da tarefa do sociólogo à eleição de uma perspectiva micro ou macro, à aposta no fragmento do estudo de caso ou na "grande" teoria, ou, ainda, à escolha crucial entre "estrutura"-e "ação".

A par disto, interessa-me repensar os caminhos da Sociologia no contexto brasileiro à luz de tradições muito contrastantes, como creio serem a tradição sociológica brasileira e a tradição sociológica alemã do começo do século.6 6 A esse respeito ver meu artigo "A recepção da sociologia alemã no Brasil. Notas para uma discussão", Série Estudos Ciências Sociais, PPGAS/UFRJ, 1995. Considero que o ceticismo, o valor atribuído ao conflito de valores, e, sobretudo, uma espécie de "alheamento" que dignifica o conhecimento enquanto algo que pertence ao mundo e não à pessoa (que o produziu), qualificam uma vertente do pensamento sociológico alemão, que pode contribuir para pensar as crenças e certezas de nossa tradição sociológica - senão a busca constante de "nossa" identidade que traduz o apreço pela comunhão de ideais e valores.

Por isso, não me interessam tanto os resultados a que chegaram Max Weber e Werner Sombart nas suas pesquisas, quanto discutir como puderam chegar a resultados tão díspares, compartilhando de igual concepção sociológica. De que maneira Max Weber pode afirmar que a ascese, ao levar o homem à disciplina e à supressão do gozo e dos prazeres trouxe-lhe o desejo de adquirir cada vez mais dinheiro e porisso constituiu a fonte de uma mudança radical na vida do homem? Enquanto, ao contrário, para Werner Sombart era o prazer pelo luxo, o refinamento máximo dos sentidos - associado a uma nova concepção de mulher - o móvel principal de uma mudança profunda na relação entre os sexos, cujo resultado se fez notar no aumento crescente das manufaturas e mercados locais?

AD MAJOREM DEI GLORIAM

No início de A ética protestante e o espírito do capitalismo, Max Weber define a tarefa de sua investigação afirmando que "um filho" do moderno mundo cultural europeu, ao lidar com problemas.da história universal, não poderia deixar de perguntar pelo encadeamento de circunstâncias que levaram ao surgimento de fenômenos culturais, impregnados de sentido e validade universais - "ao menos assim gostamos de imaginar"7 7 Ver de Max Weber Gesammelte Aufsütze zur Religionssoziolagie. Tübingen. J.C.Mohr (Paul Siebeck) 1920(9.a ed., 1988:1) . A qualidade universal dos fenômenos culturais, acentuada pelo autor, reforça, a meu ver com fina ironia, o questionamento de tal universalidade como valor cultural. Weber se surpreende portanto com o enigma de seu próprio mundo, e convida o leitor à aventura de compreendê-lo, advertindo, entretanto, que se trata de trabalho de especialista e não de simples observador ou pregador: "Quem quiser visões pode ir ao cinema" e "quem quiser um 'sermão' que vá ao convento" (Wéber, 1988:14)

Há uma questão importante que se distingue aqui, logo de início: a postura weberiana em face do universalismo próprio da cultura ocidental. Quando se surpreende com os fenômenos do mundo, Weber estranha diretamente aqueles do mundo ao qual pertence. Não recorre ao."exotismo" de uma cultura diferente, a chinesa ou egípcia, por exemplo, com valores e categorias próprios para então "voltar" ao Ocidente e repensá-lo por novos prismas. Ao contrário, de partida, parece duvidar que o universalismo seja realmente intrínseco aos fenômenos do mundo ocidental. A idéia do universalismo seria, antes de tudo, um valor cultural importante e constitutivo da individualidade histórica como é o capitalismo moderno ocidental. Com este estatuto, Weber aceita a suposta qualidade universal dos fenômenos e se propõe a usar categorias e instrumentos de trabalho científicos que seu mundo cultural lhe oferece.

Ora, mais uma vez fica claro que a Sociologia weberiana se diferencia de outras concepções fundantes da disciplina, concepções que se apresentam como tendo razão própria e, acreditando na evolução da vida coletiva, buscaram não só explicar a grande mudança imposta pelo capitalismo industrial como fazer sua crítica, sem no entanto duvidarem do caráter essencial do universalismo, fosse ele cunhado pela doutrina judaico-cristão, pelo Iluminismo ou pela neutralidade da construção técnico-científica (Villas Boas, 1980:1441)

A surpresa de Weber, entretanto, não se restringe ao caráter universal dos fenômenos do que, aliás, não se ocupa no livro, embora seja indubitavelmente seu ponto de partida. Na seqüência de surpresas, a racionalidade, sinônimo de adequação de meios a fins, aparece imediatamente como algo que espanta e atrai a atenção do pesquisador. Por que só no Ocidente aparece com toda a pujança, nas diversas esferas da vida, incluindo a música e a arquitetura, e não apenas na esfera da economia, que Weber gostaria de tratar especialmente? O leitor atento vai descobrindo aos poucos, nos capítulos seguintes à Introdução, principalmente o segundo, "O espírito do capitalismo", que a racionalidade, enquanto valor, interessa a Weber por estar intrínsecamente entrelaçada com a rentabilidade. O homem "moderno" quer ser racional porque a racionalidade o torna rentável. Porém, com que sentido? Na realidade, não deseja apenas ganhar ou consumir, mas adquirir cada vez mais bens, sobretudo dinheiro, Weber considera que a aquisição de dinheiro se torna a finalidade da vida, invertendo-se assim o que poderia parecer natural, que era a aquisição para a satisfação de necessidades materiais. (Weber, 1988:36) Este sim é o princípio ordenador do capitalismo ocidental e que nunca foi experimentado por outros povos. Observar como Weber formula o problema do caráter próprio da sociedade capitalista ocidental interligando significativamente os termos racionalidade/rentabilidade/aquisição é aqui de importância, uma vez que a recepção do livro, ao usar muitas vezes como quadro de referência a obra de Marx, confunde aquisição com acumulação ou ainda aquisição com consumo.

Contudo, Weber não estranha apenas a voracidade, a avareza ou a pulsão aquisitiva - expressão que usa com mais freqüência - nas sociedades capitalistas. O que lhe parece ainda mais estranho é que o desejo de adquirir mais e mais dinheiro se torne um dever moral. Como pode a avareza tornar-se virtude? Ao delimitar o problema de sua investigação, pergunta então como puderam tantos homens e, somente em certas regiões do Ocidente, considerarem o desejo de adquirir mais e mais dinheiro como obrigação. Finalmente o espanto causado por esta atitude leva Weber a relacionar um conjunto de valores coerentemente interligados - racionalidade, rentabilidade e aquisição - com dever moral, ordenando assim suas "surpresas" e "indagações" na questão de trabalho a que procura responder em A ética protestante.

Em artigo sobre a racionalidade e o sentido da ação social, Karl Löwith lembra um traço freqüentemente esquecido do pensamento weberiano, que diz respeito ao seu interesse em contribuir para uma ciência empírica da realidade concreta8 8 O artigo de Karl Löwith "Weber's Interpretation of the Bourgeois-Capitalistic World in Terms of the Guiding Principle of 'Rationalization'" encontra-se in Dennis Wrong (org.), Max Weber. Prentice-Hall. 1970. . A particularidade de um fenômeno geral da economia ou da sociedade e o significado cultural geral do capitalismo, por exemplo, não eram tão "dignos de ser conhecidos" como os traços singulares da vida social. Weber questionou, portanto, a singularidade característica do mundo em que vivia, capitalista, europeu e ocidental, conferindo importância tanto aos valores que definiam aquela singularidade quanto aos motivos históricos da imposição de certos valores sobre outros na ordenação da vida prática.

Em A ética protestante e o espírito do capitalismo Max Weber busca compreender o ethos da cultura ocidental a partir de duas orientações disciplinares distintas, a sociológica e a histórica. é possível que o aspecto histórico, relacionado com as origens protestantes do ascetismo laico, e portanto com as causas da sociedade capitalista, venha sendo mais ressaltado nos exames da obra, que buscam a continuidade da polêmica entre as concepções weberiana e marxista. Desejo, entretanto, distinguir na medida do possível as duas orientações disciplinares adotadas por Weber. Em última análise elas mostram de que pontos de vista ele respondeu à sua interrogação: como nos tornamos o que somos hoje, seres humanos movidos por uma pulsão aquisitiva nunca vista?

Do ponto de vista histórico, a Reforma protestante é o grande marco de uma mudança radical na vida de diversos agrupamentos humanos, na Alemanha, Suíça, Holanda, Inglaterra, França e EUA. Nos limiares do século XVI e XVII dá-se a grande virada: homens piedosos e crentes são chamados a agir no mundo, sem perda de tempo, a favor da maior glória de Deus. Mais do que isto, Deus quer ser servido na terra; mas que isso se faça através da ascese, recusando-se o prazer, o gozo, a alegria das atividades seculares, definidas como obrigação religiosa. A reforma não acabou com os monastérios mas, ao contrário, fez do mundo um monastério, transformando todo e qualquer cristão em monge (Weber 1969:84 e 1988:119-120). Em Weber a secularização do mundo foi conduzida nos seus primórdios pela força irresistível da crença religiosa.

Na realidade, o mundo jamais significara o locus privilegiado para a edificação das obras humanas, nem se estimaram as tarefas simples e rotineiras como necessárias e imprescindíveis para uma ação transformadora do homem na terra. A idéia da dedicação metódica e regular a uma profissão, o que hoje poderíamos chamar de xvorkaholism para expressar uma modalidade excessiva de devoção ao trabalho, não existira em outros tempos e sociedades. Para Max Weber, a Reforma Protestante inicia um processo histórico de longa duração e de grande significado para a cultura ocidental: inaugura uma nova concepção de mundo.

A mudança era de tal ordem que os próprios jesuítas, empenhados na Contra-Reforma, costumavam inscrever nos seus pertences a sigla AMDG - ad majorem Dei gloriam -, adotando ideais secularizados já bem distintos daqueles do catolicismo "tradicional", que julgava o trabalho no mundo tão necessário como comer e beber. Ainda assim, para Max Weber, a Companhia de. Jesus teria apenas assumido "um compromisso utilitário e liberal com o século" (Weber, 1967:54), que não se igualava com, nem de longe alcançava,.a força do Protestantismo, que revirara o mundo de ponta-cabeça ao associar a atividade secular à salvação da alma.

A recompensa pelo trabalho metódico, calculado e regular era enorme, pois, nas diversas vertentes do protestantismo, acreditava-se que Deus determinava o destino dos homens, distinguindo os eleitos daqueles predestinados à danação eterna, mas, não obstante, possibilitava a cada um por à prova a sua fé através de atividades seculares. Desta forma, o puritanismo estimula o impulso para a ação ascética no mundo. Pode-se bem imaginar o empenho de grupos humanos piedosos, cuja incerteza quanto à bem-aventurança futura leva ao exercício sistemático de um autocontrole exemplar, a repelir qualquer atitude ou ação irracional, que não servisse à glória de Deus neste mundo nem à salvação de suas almas.

é a história da gênesis de uma nova ação social - da conduta racional com respeito a fins e valores - que Max Weber examina com acuidade em A ética protestante e o espírito do capitalismo. O livro trata da mudança social em todas as suas passagens, mas não se descuida dos seres humanos e suas crenças, ações e sentimentos. Afasta-se assim por completo dos estudos sobre o tema que, ao adotar o ponto de vista da história moderna, se ocupam somente dos "processos", suas fases e características, deixando de lado as ações e os sofrimentos humanos, como lembra enfaticamente Hannah Arendt (1979: 69). A história que Weber conta é a história da regularidade de ações sociais (Jaspers, 1977:121), e seu relato está repleto de personagens, empresários sóbrios, burgueses puritanos, aventureiros, operários protestantes, operárias eslavas católicas, clérigos, doutrinadores, homens, mulheres, poloneses, holandeses, ingleses, católicos, protestantes, judeus, banqueiros, artesãos, camponeses.

Nem por isto se pode dizer que Weber estivesse meramente interessado na maneira de pensar subjetiva dos agentes sociais ou na identidade dos grupos sociais, por exemplo, os holandeses inescrupulosos com ânsia de lucro ou os conjuntos de famílias quacker no interior da Pensilvania. Seus personagens são seres que criam valores e conformam, sim, grupos, classes, estamentos, associações e sociedades dos quais Weber fala, para mostrar a regularidade de sua conduta no mundo. Sua perspectiva sociológica quer justamente buscar o princípio que norteia o encadeamento significativo das mais diversas ações e relações sociais dos mais diversos agrupamentos humanos, examinando a regularidade e a persistência da ação racional, da conduta rentável e do afã aquisitivo.

Essa postura metodológica de Weber tem levado entretanto a muita controvérsia sobre o caráter subjetivo de sua sociologia, que na realidade não esclarece o pensamento de Max Weber. Em Crítica e Resignação, Gabriel Cohn argumenta com muita propriedade que Weber está acima de tudo interessado no sentido da ação social. "A unidade compreensível da ação é então dada pelo seu sentido. Resta saber onde se localiza esse sentido, posto que Weber não opera com a idéia de sistemas significativos objetivos já dados. Só há uma resposta possível, no esquema de Weber. A única sede efetiva, empírica possível do sentido é o agente, o sujeito, que comparece assim, para usar o termo sugestivo do próprio Weber, como seu 'portador'. E é por isso - longe portanto de qualquer 'psicologismo' - que Weber insiste no caráter subjetivo do sentido da ação. O sujeito individual constitui para ele o limite 'para cima e para baixo' da realização do sentido (Cohn, 1979: 93)

Günther Roth chama a atenção para as interpretações equivocadas do método "individualista" weberiano, que acentua as ações individuais e o significado subjetivo das ações, afirmando que o autor os tem como referência última, "...isto (o individualismo metodológico) foi pensado no sentido de uma referência última. Naturalmente não forçou Weber, como tem sido as vezes equivocadamente afirmado, a limitar-se ao que se encontrava nas mentes dos atores individuais. Indivíduos, sejam grandes homens ou multidões representando 'comportamento coletivo' não desempenham praticamente nenhum papel na pesquisa weberiana. Ao contrário encontramos uma enorme preocupação em comparar principalmente as estruturas econômicas, políticas, legais e religiosas da História Ocidental, da China e da índia. Todas esses estruturas estavam cheias de contradições internas, e em todas elas as pessoas sofriam pelo fato de não poderem antecipar as conseqüências..." (Roth, 1979: 120)

De uma perspectiva sociológica, A ética protestante e o espírito do capitalismo responde à pergunta feita pelo seu autor sobre a singularidade dos valores dá cultura ocidental, evidenciando de que modo ao longo do tempo a racionalidade, filha do ascetismo laico preconizado pelo protestantismo, se torna o princípio das ações dos homens no mundo, predominando sobre outros valores, e como foi pouco a pouco se espraiando e conformou uma teia de relações sociais que invadem as mais diversas esferas da vida social. A regularidade da conduta racional gera rentabilidade e, assim, atende pragmaticamente ao "impulso sem repouso em busca de mais" (Jaspers, 1977:125).

Max Weber conclui que os mais nobres ideais de glorificação de Deus no mundo, através do ascetismo laico, teriam desaparecido, deixando o. mundo livre para a mais desenfreada busca de riqueza, assim como a "vocação para o trabalho" sem justificativa. é possível que a ascese tenha ironicamente deixado de servir ao deus absconditus a que se refere Marianne Weber, para servir a outros senhores, como afirma Hans-Albert Steger ao aludir aos sacrifícios das "cadernetas" de poupança, sinônimo de recusa ou postergação do prazer, ainda hoje costumeiros e indispensáveis para a aquisição de certos bens materiais, como carro do ano ou viagem a país de cultura exótica.

Mas é curioso perceber que o empenho weberiano em buscar as origens de um processo histórico de longa duração tenha justamente servido para verificar a fragilidade dos cálculos que os homens fazem quanto ao futuro. Weber não questiona as origens religiosas do capitalismo só para evidenciar a importância de um tipo de relação causal. Não é apenas disso que trata, nem me parece ser problema a que atribua maior importância ao final da pesquisa. Ao concluir o trabalho, Weber se surpreende com o fato de que aquilo que os homens planejam e projetam calculadamente para o futuro termina por engendrar um mundo inesperado. Se nos primórdios da secularização o protestantismo laico foi indispensável, uma mudança de sentido se operou na conduta dos homens cujo objetivo não é mais adquirir riqueza para a maior glória de Deus. Essa mudança de sentido ocupa o pensamento de Weber.

Entre a primeira e a segunda fases da escrita de A ética protestante e o espírito do capitalismo, Max Weber viajou para os EUA com a esposa e o amigo Ernst Troeltsch9 9 Ernst Troeltsch, teólogo e filósofo passou a fazer parte do círculo de amigos de Max Weber na Universidade de Heidelberg. Dedicou-se ao estudo do cristianismo. Publicou em 1912 Die Soziallehren der christlichen Kirchen und Gruppen 1912), sendo um dos interlocutores críticos de Weber. Ver também Louis Dumont, 1991. . Hans Rollmann (1993/357) reconstrói essa visita em um artigo intitulado "Meet me in St. Louis, Troeltsch and Weber in America". A referência é a uma canção de sucesso de Judy Garland, única recordação da feira mundial realizada em St. Louis, que promoveu o Congresso Mundial de Artes e Ciências, para o qual os dois estudiosos alemães tinham sido convidados. Weber não visitou apenas a New England e a East Coast como era de hábito entre os alemães, mas foi ao coração da América, o Midwest, ao Sul e ao Oeste.

Embora Rollmann não se refira à repercussão da viagem, na elaboração da segunda parte de A ética protestante, e a referencia aos EUA esteja presente desde o início do trabalho, sobretudo no importante capítulo de definição do espírito capitalista, baseada nas lições de Benjamin Franklin para os jovens desejosos de enriquecer, creio ser importante chamar a atenção para uma idéia presente no último capítulo, "A ascese e o espirito do capitalismo", cujo ceticismo contrasta com a fina ironia dos primeiros escritos, e me faz pensar sobre os possíveis efeitos da viagem.

A idéia da imponderabilidade da vida social se destaca nas reflexões do último capítulo. Roth chama atenção para esta preocupação de Max Weber, como já vimos: os homens sofrem porque ao longo do tempo o resultado de suas ações não correspondem àquilo que desejavam. Jaspers (1977:121) confirma essa suposição, afirmando que, ao voltar-se para o passado com o propósito de entender o sentido das ações dos homens dominados pelo "afã aquisitivo", Weber fica espantado com o fato de que "engendram, na sua ação dotada de sentido para eles, algo diverso daquilo que visavam". è decerto Marianne Weber (1995/334) é a mais contundente ao comentar a postura do marido diante do inesperado da vida social. Para ela, uma verdadeira "tragédia" começara quando o puritanismo não pode mais resistir à riqueza adquirida. Weber teria se comovido profundamente com os destinos humanos que lhe tocavam o coração, sobretudo porque apreendeu que uma idéia podia se desenvolver justamente em oposição ao seu significado inicial, terminando por destruir-se a si mesma.

Nada mais ameaçador para um mundo que acredita no cálculo, na racionalidade, na previsão. A descoberta da imponderabilidade da vida social a longo prazo, questão posta por Weber, pode ser vista de dois modos. O primeiro diz respeito ao fato de que a relação causa-conseqüência - a causalidade, ou causa-efeito - não é infalível nem absolutamente correta. O que fica da gênese do capitalismo, como foi proposta por ele, são a racionalidade, a rentabilidade, a calculabilidade, a previsão. O significado inicial do uso desses meios, altamente valorizados para a glória de Deus, perde inteiramente seu sentido. Mas os meios de melhor glorificação de Deus tornaram-se efetivamente os melhores meios de adquirir riqueza. Eis o verdadeiro problema. As intenções iniciais perdem o sentido e, portanto, de alguma forma a causalidade histórica é questionada. O segundo sentido, interligado ao primeiro, diz respeito à própria compreensão da ordem social objetiva criada pelo agir humano. Como compreendê-la, agora que seu sentido não corresponde mais àquele dos grupos que a engendraram?

Eis o problema que Weber formula. O capitalismo dos seus dias de início do século XX não expressa o desenvolvimento do espírito ou evolução das forças produtivas. Não tem essa positividade, mas se mostra para ele como a negação dos princípios e dos valores que o engendrou ao longo dos séculos. Que garantia têm agora os homens no que concerne ao mundo futuro que estão a engendrar com suas ações? Na realidade, Weber (1967:131) parece tomado por ceticismo profundo quanto à persistência e ao reconhecimento da validade dos valores que conduzem as ações humanas. Lembrando-se dos EUA, pondera que "no setor de seu mais alto desenvolvimento", a busca de riqueza havia se convertido em um esporte. Ao exemplificar a afirmação, reproduz "o juízo", de um jovem imigrante alemão sobre o sogro norte-americano, bem sucedido merceeiro de pequena cidade de Ohio: "Não poderia o velho satisfazer-se com 75 mil dólares por ano e descansar? Não! A frente da loja deve ser aumentada para 400 pés. Por quê? Porque isto supera tudo, diz ele. À noite, quando mulher e filha lêem juntas, ele quer ir para a cama. Aos domingos olha o relógio a cada cinco minutos para ver quando chega o fim do dia. Que vida fútil!" (1967: 224).

Muito mais do que inadequado, o comentário do jovem alemão teria sido simplesmente incompreensível ao seu parente norte-americano e, segundo a observação irônica de Weber, poderia mesmo revelar a falta de energia de seus compatriotas em terras distantes. No entanto, na primeira parte do livro, é mais condescendente com as condutas obsessivamente voltadas para a aquisição de bens. Quando se refere a Cecil Rhodes, por exemplo, (Weber 1967: 25), Weber o qualifica como um dos maiores empreendedores capitalistas, oriundo de uma família de clérigos, cuja megalomania poderia ser compreendida como reação aos ensinamentos religiosos excessivamente severos da juventude. Aliás, parece que a vida Cecil Rhodes tornou-se um bom exemplo de impulsos aquisitivos extraordinários e bem sucedidos. Curiosamente, anos mais tarde, Cecil Rhodes vai chamar a atenção de Hanna Arendt (1989:154), quando discute a política imperialista dos estados nacionais e as origens do totalitarismo: "A expansão é tudo, disse Cecil Rhodes, deprimido ao ver no céu essas estrelas (...) esses vastos mundos que nunca poderíamos atingir. 'Se eu pudesse anexaria os planetas'. Em menos de duas décadas, as possessões coloniais britânicas cresceram em 11,5 milhões de km2 e 66 milhões de habitantes (...) No entanto Rhodes reconhecia ao mesmo tempo a inerente loucura dessa época e a sua contradição com a natureza humana. Naturalmente, nem essa sabedoria nem a tristeza dela decorrente alteraram o seu modo.de agir. A ele pouco importavam esses rasgos de clarividência que o levavam muito além da capacidade normal de um comerciante ambicioso com fortes tendências megalomaníacas".

A leitura de A ética protestante e o espírito do capitalismo leva curiosamente ao questionamento da própria origem do capitalismo, como é definida no livro. Teria Weber se equivocado? Os valores do ascetismo laico não levaram à construção de um mundo piedoso, porém materialista, voltado para a aquisição de bens como sentido máximo da vida. Mas se Weber tivesse dúvidas quanto aos resultados de seu trabalho, talvez não o tivesse preparado para nova publicação com tanto esmero. Afinal, seu ponto de vista histórico e sociológico pressupunha as incoerências, os paradoxos e os conflitos próprios da tessitura das ações e relações sociais que "fazem" sociedade.

A VÊNUS DE BOTICELLI

é surpreendente que enquanto Max Weber buscava as fontes mais apropriadas para provar que a ascese era o valor fundante de um novo estilo de vida, Werner Sombart, seu companheiro na edição do Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik se dedicava a mostrar que o prazer era um dos móveis mais preciosos da sociedade capitalista que se forjara no Ocidente. O erotismo, o luxo, o refinamento dos sentidos teriam levado à sede de consumo que gerara cada vez mais manufaturas e mercados.

No prefácio de Amor, luxo e capitalismo, Sombart afirma sem rodeios que havia muito vinha buscando as origens do capitalismo moderno, pois elas são diversas, e cada uma deve ser vista na sua singularidade. Define-se assim, mais uma vez, uma das marcas de uma vertente da Sociologia alemã do início do século que, fundamentando-se nas ações e interações humanas, dificilmente poderia tomar o partido de uma explicação monocausal para os fenômenos sociais. A sociedade não se apresenta a priori como um todo, sistema ou totalidade, independente das ações e relações individuais, porém evidencia-se na obra de Sombart a idéia básica de que sociedade se faz {Vergesellschaftung). Nesta perspectiva não há interesse em "articular" o todo aos atores individuais, e saber como suas vidas são condicionadas por uma "estrutura" preexistente à sua ação. Ao fazer-se, a sociedade se estrutura em regularidades diversas, podendo uma dominar as outras em certos momentos, em outros momentos desaparecer. Têm a possibilidade de existir. As regularidades, que se traduzem em ordens sociais "objetivas", não são outra coisa senão obra dos agentes sociais que, sucedidos ao longo do tempo por outros, procuram mantê-las e justificá-las ou transformá-las.

A secularização do amor é o ponto de partida do estudo de Sombart, relevante para o entendimento das mudanças advindas com o capitalismo moderno. Ela começa lentamente após o fim das cruzadas, quando três acontecimentos concorrem para uma profunda mudança na relação entre os sexos: a formação das cortes européias, a necessidade de esbanjamento dos burgueses endinheirados e a criação das cidades como centros de consumo. Contudo, esses acontecimentos não poderiam agir per se na construção da sociedade capitalista sem que houvesse participação ativa e insubstituível da mulher cortesa que, ao contribuir para desvincular encantos e gozos do amor da instituição medieval do casamento, insiste no refinamento dos sentidos, no esbanjamento, na ostentação, no luxo.

A "impetuosidade refinada" de relações sexuais próprias das cortes européias aparece a cada linha de Luxo e capitalismo em contraste flagrante com a sobriedade puritana de A ética protestante e o espírito do capitalismo. Contudo, a diferença das tarefas a que se propõem Werner Sombart e Max Weber merece avaliação mais aprofundada. Sombart não está interessado em verificar se o prazer, o refinamento dos sentidos e o luxo são valores marcantes de uma individualidade histórica. Não procura o ethos da civilização ocidental: deseja examinar as causas que deram origem à sociedade moderna. Contudo, embora não tenha a mesma ambição que Max Weber, Sombart antecipa um assunto caro à Sociologia contemporânea. Raramente se espera que um livro, publicado em 1912 na Alemanha, atribua às mulheres papel tão importante no processo de mudanças, característico do período que vai do século XII ao XVIII, na Europa. Nisto está, em parte, a novidade do livro de Sombart.

A hipótese sombartiana sobre o "triunfo da mulher" é bastante ousada, ainda mais se considerarmos que o tratamento dado às mulheres na Alemanha da virada do século XIX era motivo de críticas severas. Contudo, sabe-se que contemporâneos de Sombart, como Simmel, escreviam sobre a coquetterie, sobre o amor e a cultura feminina, sobre a prostituição. Sabe-se também que havia um movimento feminista organizado e forte na Alemanha de início de século, de cujas discussões os homens tomavam parte (Roth, 1995: 1). Seja como for, surpreende a desenvoltura com que trata do amor livre, do erotismo e do casamento, relacionando-os com a opulência e o excesso, com o surgimento do consumo de luxo.

Outra característica singular da obra de Sombart é a variedade das fontes a que recorre para comprovar a hipótese de que as mudanças na relação entre os sexos influíram na gênese do sistema econômico moderno. Os antecedentes das "novas" idéias sobre o amor são pensados com os versos dos Minnesänger, as obras de Petrarca e Bocaccio, a pintura italiana do Quattrocento, além das memórias e dos diários, testemunhos de época. Sombart não se esquece das contas e dos custos das festas luxuosas, do preço dos vestidos, das perucas e carruagens, dos dotes. Seu apreço pelos materiais da pesquisa o leva não só a discriminá-los no final do livro mas também a comentá-los, às vezes com entusiasmo, como o faz com os materiais específicos sobre o luxo:11 11 Em artigo sobre De onde vem e para onde vai o luxo publicado na Folha de são Paulo a 30.03.1997, Hans Magnus Enzesberger retoma o tema do luxo, fazendo um bom uso das fontes do livro de Sombart (1913). "Os materiais são abundantíssimos: edifícios e construções, vestidos, mobílias, utensílios, notas e. apontamentos de caráter doméstico, faturas de gastos, descrições de viagens, resenhas e relatos dos contemporâneos. Tudo isto constitui fonte preciosa de conhecimento. Importância especial merecem os escritos de índole moralizadora, mas há de examiná-los com não pouca precaução. A época dos séculos XVI, XVII e XVIII pode ser estudada admiravelmente nas numerosas memórias". (Sombart, 1979: 183)

Parece que Sombart se sentia alertado insistentemente pela obrigação de mostrar muitas evidências daquilo que afirmava: "Facts, facts, facts - this admonition rang in my ears all the time I was writing the book" (Roth, 1995: LXXII). Mas, finalmente, terminava por analisá-los da perspectiva de valores, que conduziam a regularidade de ações e relações sociais em um encadeamento histórico. Vejamos como faz isto em Amor, Luxo e Capitalismo.

Em 1915, referindo-se a "O nascimento de Vênus" de Botticeli, Heinrich Wõlfflin (1996: 3) chama a atenção para a impetuosidade dos contornos do pintor. "O cotovelo pontiagudo, o traço acentuado do ante-braço, a forma irradiante com que os dedos se abrem sobre o peito, cada linha carregada de energia: isto é Botticeli". Foi este o quadro que mais atraiu a atenção de Sombart (48: 1979), quando se voltou para o exame das origens do capitalismo. Para ele, a Vênus do pintor italiano de fins do Quattrocento representa exemplarmente o momento em que a mulher se "desnuda", revelando-sè a beleza íntima de suas formas, o ímpeto do amor sensual vence o da castidade medieval. A nova concepção de amor teria desencadeado um conjunto de ações e relações sociais que, através de séculos, terminaria por impor um estilo de vida suntuoso cujos efeitos se fizeram sentir no surgimento da indústria de luxo, ponta de lança da indústria e mercados manufatureiros modernos. Assim como as máximas de Benjamin Franklin, citadas por Max Weber, no livro de Sombart o quadro de Botticelli pode ser visto como símbolo de novo tempo, no qual a mulher tem uma missão transformadora relevante.

Não é outro o tema inicial de Sombart senão a secularização da conduta social. Ele se detém, entretanto, em urna estera usualmente pouco mencionada ou examinada nos estudos sociológicos daquela época, que é a secularização do amor. Mais comumente pensada como distinção entre as esteras do poder religioso e poder secular na trama da formação de um corpo político independente e laico, (Pierucci 1988) ao qual se obedece porque legítimo para mandar e ordenar as mais diversas esferas da vida social, Sombart lembra, entretanto, que também na intimidade das relações sexuais a autoridade se desloca do céu para a terra, o que não significa, evidentemente, o fim das crenças religiosas, como se pensa muitas vezes, mas a distinção entre a autoridade religiosa e a laica na conduta sexual. Sombart esclarece que se trata de um processo de longa duração, atravessando séculos, desde as primeiras expressões de um amor de puberdade e devoção, inscrito nos versos dos Minnesänger até a completa oposição entre o amor hedonístico e o amor santificado que surge nas telas dos pintores italianos do séculos XIV e XV.

Aqui interessa chamar a atenção para o fato de que a secularização em Weber, e estou me referindo a A ética protestante e o espírito do capitalismo, é uma secularização que não corta a cabeça de Deus, ao menos ao longo de muitos séculos. Ao indagar sobre a gênese do capitalismo, mostra, como apontamos acima, que os puritanos e piedosos apenas passaram a glorificar a Deus através de uma conduta ascética e rentável no mundo. é pois do deslocamento da igreja e dos mosteiros para a vida cotidiana do lugar de glorificação a Deus de acordo com a vontade divina do Deus absconditus que ele trata no seu trabalho, e não do fim da crença religiosa que dá sentido à vida social de homens e mulheres. Somente na sua época é que este sentido religioso da conduta humana desaparece. O que Weber assegura portanto é que a base da secularização é religiosa. Não é este o caso de Sombart. A autoridade religiosa é totalmente afastada para que o amor e o desejo carnal - tão veementemente expurgados pelos protestantes - possam enfim realizar-se. é do amor em si sem nenhum fim moral religioso ou mesmo laico de que ele fala como um valor que foi se tornando cada vez mais poderoso de modo absolutamente arbitrário, pois não obedece a nenhum princípio da natureza humana ou da natureza das coisas.

O marco histórico que importa a Sombart é o surgimento da corte européia. Interessa a ele examinar a crescente valorização do requinte e do luxo nas relações sociais típicas da aristocracia européia12 12 Embora sigam orientações distintas é bom lembrar do livro de Norbert Elias, Sociedade de Corte (1987) em que as relações sociais da corte são também consideradas importantes para a compreensão da cultura européia. Elias faz algumas referências às teses de Sombart. A completa distinção entre casamento e erotismo só se impõe, segundo Sombart, nas cortes, onde o amor se liberta dos preceitos religiosos assim como da moralidade das instituições laicizadas. O amor secularizado realiza-se entretanto na ilegitimidade. A transgressão das regras morais e religiosas foi reconhecida com positividade por teóricos, a exemplo de Montaigne, que aconselhava manter à distância do casamento - instituição social voltada para fins elevados - os impulsos da paixão amorosa. O casamento levava em conta o encanto e a beleza, mas sobretudo os bens e a posição social dos cônjuges, tendo por objetivo a família e a descendência (Sombart, 1979:53).

Ao falar da vitória do princípio da ilegitimidade Sombart toma o partido de uma Sociologia que não identifica a sociedade com um sistema de coerção. Em nenhum momento ele recorre à idéia de punição para falar de uma ordem única de valores coletivos, cuja transgressão teria como conseqüência inevitável a pena, que, como ensina Durkheim, refaz sucessivamente a solidariedade social. Ao contrário, sua perspectiva sociológica busca, decidida, a diversidade e o conflito de valores. Nisto, Sombart se afasta inteiramente da visão determinista da sociedade, estimulando o pensar sobre a efetiva diversidade das condutas sociais (que conformam a ordem capitalista). Prova disto são uma ou outra referência aos burgueses austeros e sisudos que olhavam com desdém e desprezo para as coquettes enquanto outros, imitando a nobreza, logo se entregaram aos prazeres sensuais.

Argumentando a favor da secularização do amor, Sombart volta sua atenção para a cortesa e o papel que desempenha na mudança dos hábitos e costumes, primeiro da corte, depois das camadas altas e baixas que habitam as cidades européias nos séculos XVI, XVII e XVIII. Mulher de qualidades raras, conhecedora das artes e das letras, a cortesã se torna por excelência a figura responsável pela formação do gosto (Sombart, 1979: 61). Esposas adúlteras, meretrizes, moças seduzidas de boa família adquirem centralidade na vida alegre e prazerosa da corte européia. Sombart quer saber de que maneira a ilegitimidade, que elas representam, pode contribuir para a transformação dos velhos castelos medievais rústicos e sem adornos em castelos de mobiliário novo, toucador, jardins, vestimentas, perucas, refeições requintadas e todo tipo de apetrechos que dá prazer aos sentidos sofisticados dos cortesãos.

Para se ter uma idéia do alcance do requinte provocado pela secularização do amor de acordo com as teses sombartianas, basta prestar atenção à concepção de toucador que tinha o arquiteto francês Le Camus de Mézières "O toucador é considerado a morada da volúpia; é lá que ela parece meditar seus projetos ou entregar-se as suas inclinações. é essencial que tudo seja tratado de maneira que possa reinar o luxo, a languidez e o gosto....Nunca é demais evitar as sombras duras e cruas que poderiam produzir luzes por demais vivas. é preciso que haja uma claridade misteriosa, e ela será obtida de espelhos colocados artisticamente sobre uma parte dos caixilhos...O tema dos quadros serão extraídos dos locais galantes, é preciso tentar tudo, usar a magia da pintura e a perspectiva para criar ilusões.... (apud Starobinski, 1994: 67)

é do excesso, do trasbordamento, da ostentação que ele fala, opondo uma estética voluptuosa à estética pietista que Weber menciona ao final de A ética protestante e o espírito do capitalismo (1967: 121), sóbria, econômica pela simplificação das formas, voltada para a utilidade, sem veleidades artísticas. O luxo entretanto pretende a recriação dos sentidos. Está imediatamente relacionado com o refinamento que para Sombart pragmaticamente quer dizer: aumento de gasto no trabalho vivo necessário para a produção da coisa; significa que a coisa está mais integramente trabalhada em todas suas partes, bem fabricada com materiais raros e custosos. Filho do amor ilegítimo, ou a-legítimo como prefere Sombart, o luxo acentua a valorização cada vez maior da sensualidade e do refinamento, comprovando-se esta tendência com o triunfo da arte rococó sobre a arte barroca. A imposição de um estilo feminino em todas as esferas da cultura (Sombart, 1979: 98) só traz benefícios para o desenvolvimento do capitalismo. O luxo, outrora público e visível nos torneios, nos espetáculos faustosos e nos cortejos adquire, sob o domínio da mulher, um caráter interior, doméstico e estável; a possibilidade de sua existência associa-se irrevogavelmente à condensação do tempo. "Desde que o indivíduo se emancipa da coletividade ele toma a duração de sua vida própria como medida de seu gozo. O indivíduo quer presenciar em vida todas as transformações. Inclusive o rei se converte mais em si mesmo. Se manda construir um palácio, quer habitá-lo antes de morrer" (Sombart, 1979: 99).

Para Sombart decididamente não é o afã aquisitivo que gera manufaturas, mas o consumo de um bem, a ser utilizado talvez por poucas horas, para suprir um capricho e prazer passageiro. Este consumo, sim, leva à proliferação das fábricas em torno das cortes das cidades, a começar pela importante indústria da seda, o melhor exemplo de uma manufatura que servia ao luxo. Se o ascetismo, a retenção, o ganhar mais e ser mais rentável tornam-se uma virtude para o burguês protestante, em Sombart, em visível contraste com Weber, é na futilidade, na vain ostentation, no supérfluo, que se encontra o valor que engendra o grande crescimento da ordem capitalista.

Sombart enfrenta uma tarefa ingrata, segundo ele próprio afirma, que é mostrar as relações entre luxo e mercado capitalista, uma vez que os estudos sobre o assunto não o colocavam com positividade mas, ao contrário, encaravam o luxo como um mal. Em todos os casos, o luxo acabava sendo visto com o olhar de patética reprovação do burguês sóbrio. Este juízo se tornara um impedimento para a percepção da influência do luxo na formação do mercado, ao que se acrescentavam as teses, aceitas desde Marx, de que a ampliação dos mercados, a exportação e o estabelecimento de colônias havia assentado as bases do capitalismo. Ficava difícil defender seu ponto de vista. Ainda assim vai pouco a pouco mostrando como no comércio, na agricultura e na indústria, sobretudo na indústria da seda, renda, porcelana e espelhos, a fabricação do produto de luxo deu margem não somente a organização racional e rentável das manufaturas como exigiu a criação de outras indústrias, como é o caso de máquinas para a indústria de fiação e tecelagem da seda.

A vida luxuosa e sensualizada da corte tem contudo sua contrapartida. No outro lado da medalha que sustentava o luxo estão os escravos e as escravas das colônias, os operários e as operárias das oficinas de Paris, Berilo, Riga, Londres. Ironicamente se numa das pontas as mulheres ditavam as últimas novidades da moda, na outra, inúmeras delas submeteram-se ao árduo trabalho nas fábricas de luxo. A indústria da renda de bilros passa a utilizar operários, chamados de senhores rendeiros, para dirigir o trabalho de mulheres capatazes sob cujo mando trabalham seções de quatro a cinco outras mulheres. As manufaturas francesas de renda criavam internatos, verdadeiros centros de ensino onde viviam moças que queriam aprender o ofício. Um desses centros de treinamento, com capacidade para 200 moças, construído em Saint Denis, em 1669,'Calculava seus gastos em fios de lã, seda e linha (6000 libras); 20 camas para as mestras (1000 libras); 200 camas para as aprendizes e operárias (6000 libras); 400 jogos de cama (1600 libras); 40 para as mestras (400 libras); serviço de mesa (500 libras); toalhas e guardanapos (500 libras); pagamento das mestras a 200 (40001ibras) ; manutenção das aprendizes a 100 (20 000 libras); total (96 300 libras). Com certeza as mulheres protagonizaram as mudanças não apenas como cortesãs, mas como realizadoras dos ditames da vida suntuária das cortes.

ASCESE E PRAZER

O entendimento de proposições tão díspares para a compreensão da conduta humana na sociedade moderna exige pensar o que seja uma sociologia dos valores. Pois é dela que se ocupam os dois sociólogos. O ponto de partida de ambos é o homem enquanto criador de valores que ordenam o constante interagir humano, atribuindo-lhe sentido. Em urna passagem elucidativa (1991: 310) sobre a profecia, Weber diz que urna das tarefas mais espinhosas é fazer com que todas as atividades da vida de um agrupamento humano se transforme e passe a seguir um só modo de viver. De todas as tensões a pior é a tensão entre o sentido atribuído ao mundo e as realidades empíricas. Mas não era apenas para as profecias que esta dificuldade se impunha mas para todo tipo de sabedoria nobre ou vulgar, metafísica ou intelectualista. Então, referindo-se mais uma vez à profecia, coloca o problema de sua sociologia da seguinte maneira: " Se o mundo como um todo e a vida em especial tem um 'sentido', qual pode ser e como deve apresentar-se o mundo para lhe corresponder?"

Se a descoberta do sentido das mais diversas ações humanas é o que importa para a sociologia dos valores, isto não quer dizer que ela trate de algo desgarrado do terreno firme da experiência. Somente a observação das experiências leva à compreensão dos valores. Experiência e valores se distinguem exclusivamente para efeito de análise. Para Weber importa a ação do puritano inglês, para Sombart a ação da cortesã francesa. Ascese e prazer, porém, não conformam uma unidade. Ao contrário, os estudos de Weber e Sombart mostram que mundo está repleto de conflitos, cuja origem se encontra justamente, muitas vezes, na completa disparidade de orientação dos valores. é certo que Weber procurou demonstrar que a racionalidade é o valor máximo que se impôs e conferiu singularidade à cultura ocidental capitalista. O conflito de valores ocorre portanto dentro de uma relação de imposição/ sujeição. Sombart não se ocupa da ordenação de valores. Não considera o luxo o fio condutor por excelência das ações e relações sociais na sociedade capitalista. Aliás, na sua vasta obra procurava observar um conjunto de valores que teria concorrido para a formação do capitalismo moderno. O que importa aqui, entretanto, é mostrar que o conflito de valores, embora concebido de forma diferente, é parte fundamental da perspectiva sociológica compartilhada pelos dois autores.

A sociologia dos valores não se confunde com uma sociologia moralista. Em Crítica e crise, Koselleck examinou o moralismo burguês que a tudo e a todos quer modificar a partir da imagem do homem bom, virtuoso e correto. No século XVIII, o cuidado burguês em ocultar o enorme desejo de fazer política acaba causando uma profunda crise, cuja solução foi postergada para o futuro. Koselleck quer recuperar a esfera do político independente da moral programática, e para isto estuda de modo sui generis a maneira como a burguesia foi minando o absolutismo. Por que Koselleck pode nos servir aqui de um bom exemplo? Weber e Sombart não fazem da crítica à sociedade capitalista seu point d'honneur sociológico. O resultado de suas pesquisas devolve ao leitor uma esfera propriamente social que não é explicada nem pela economia nem pela política e muito menos por um intento moralista, a servir de medida para o exame das relações sociais. As regularidades conformadas pelo agir humano não se apresentam com um caráter faltoso, defeituoso ou patológico. Nem seria preciso dizer que a ausência de moralismo ocorre nesse sentido precípuo, e nada tem a ver com adoção de valores, como a racionalidade, por exemplo.

Em princípio, a tradição sociológica brasileira tem pouca afinidade com o pensamento sociológico alemão. Não distinguimos as ciências da cultura das ciências da natureza, nem fizemos a crítica do positivismo, de modo a conceber a sociologia como ciência do espírito ou da cultura como ocorreu no contexto alemão, à época da fundação da disciplina. Senão recentemente, nas décadas de 1970/1980, esboçou-se uma discussão sobre o tema, marcada, aliás, pela crítica às teorias evolucionistas, ao Iluminismo problemas da sociedade brasileira. Do ponto de vista da recepção de uma sociologia dos valores, há que se perguntar então até que ponto se poderia concordar em distinguir a condição interessada do cientista social, enquanto sujeito de um saber instrumental, que tem no ideal ascético de neutralidade uma exigência fundamental da compreensão deste outro, objeto de conhecimento sociológico. O exercício de afastar-se de si mesmo - distanciar-se de interesses, inclinações, predileções, da própria biografia, como nos diz Alfred Schütz de maneira tão veemente - tem como finalidade permitir melhor entendimento do objeto de estudo, deixando que ele apareça na sua inteireza. Tal exercício, porém, pressupõe que a paixão pelo conhecimento supere a paixão pelo objeto.

Se Weber e Sombart investigaram os valores que uniformizaram a vida de homens e mulheres e levaram a uma padronização avassaladora e inédita da conduta humana, tão peculiar à ordem moderna, impessoal e igualitária, certamente não o fizeram para questionar seu caráter justo ou injusto, humano ou desumano, benevolente ou intransigente. Eis o limite de sua sociologia.

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  • _______(1980). "Cultura brasileira - subcultura européia e/ou mera noção ideológica", in Ciência e Cultura, vol. 32, nº. 11.
  • WEBER, Marianne (1995). Biografia de Max Weber. Mexico. Fondo de Cultura Económica.
  • WEBER, Max (1988). Gesammelte Aufsätze zur Religionssoziologie I. Mohr, Tübingen.
  • _______(1984). Die Pmtestantische Ethic I. Johannes Winckelmann (org.). Gütersloher Verlagshaus. Gütersloh.
  • _______(1984) Kritiken und Antikritiken II, Johannes Winckelmann (org.) Gütersloher Verlaghaus, Gütersloh.
  • _______(1967). A ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo. Livraria Pioneira. Editora.
  • *
    Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada no VIII Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia, realizado em agosto de 1997 em Brasília.
  • 1
    A. biografia de Max Weber publicada por Marianne Weber, em 1926, continua sendo uma fonte obrigatória para os biógrafos do autor, apesar das numerosas críticas feitas ao caráter devoto e sentimental do livro. Ver, na primeira edição mexicana (FCE, 1995: 328-338), as observações sobre A ética protestante e o espírito cio capitalismo.
  • 2
    Werner Sombart (1863/1941) era filho de um empresário industrial. Estudou Direito, Economia, Filosofia e História em Berlim e Roma. No início da carreira foi acusado de socialista, o que lhe dificultou o acesso a uma cátedra, conquistada somente em 1918, na Universidade de Berlim, onde se tornou bastante conhecido. Mais tarde foi acusado de compartilhar do ideário do regime nazista, ficando à margem dos sociólogos que pouco a pouco foram sendo relidos e estudados a partir da década de 50. Parece haver poucos .estudos recentes sobre a vida e obra de Werner" Sombart. Sobre o sociólogo, ver artigo de seu filho Nicolaus Sombart, "Werner Sombart. Sozialismus und soziale Bewegung im 19. Jahrhundert" (1987).
  • 3
    Ao responder à crítica de Felix Rachfahl ao seu conceito de ascese, Weber esclarece que sua formulação do termo nada tem a ver com as de Troeltsch, porém com os escritos de Sombart. Ver Max Weber, "Antikritisches zum 'Geist des Kapitalismus"', reeditado por Winckelmann (1982).
  • 4
    Lehmann (1993/202) menciona a completa falta de "harmonia" dos pontos de vista expostos nos dois livros, mas dedica poucas linhas ao problema.
  • 5
    Neste artigo uso a tradução espanhola do livro de Sombart,
    Lujo y capitalismo (1979).
  • 6
    A esse respeito ver meu artigo "A recepção da sociologia alemã no Brasil. Notas para uma discussão", Série Estudos Ciências Sociais, PPGAS/UFRJ, 1995.
  • 7
    Ver de Max Weber
    Gesammelte Aufsütze zur Religionssoziolagie. Tübingen. J.C.Mohr (Paul Siebeck) 1920(9.a ed., 1988:1)
  • 8
    O artigo de Karl Löwith "Weber's Interpretation of the Bourgeois-Capitalistic World in Terms of the Guiding Principle of 'Rationalization'" encontra-se
    in Dennis Wrong (org.),
    Max Weber. Prentice-Hall. 1970.
  • 9
    Ernst Troeltsch, teólogo e filósofo passou a fazer parte do círculo de amigos de Max Weber na Universidade de Heidelberg. Dedicou-se ao estudo do cristianismo. Publicou em 1912
    Die Soziallehren der christlichen Kirchen und Gruppen 1912), sendo um dos interlocutores críticos de Weber. Ver também Louis Dumont, 1991.
  • 11
    Em artigo sobre
    De onde vem e para onde vai o luxo publicado na Folha de são Paulo a 30.03.1997, Hans Magnus Enzesberger retoma o tema do luxo, fazendo um bom uso das fontes do livro de Sombart (1913).
  • 12
    Embora sigam orientações distintas é bom lembrar do livro de Norbert Elias,
    Sociedade de Corte (1987) em que as relações sociais da corte são também consideradas importantes para a compreensão da cultura européia. Elias faz algumas referências às teses de Sombart.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      2001
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