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Reconhecimento sem ética?

Recognition without ethics?

Resumos

Ao longo dos últimos 30 anos, as teorias feministas de gênero passaram de concepções parcialmente marxistas, centradas no trabalho, para concepções putativamente "pós-marxistas", tendo como base a cultura e a identidade. Refletindo um movimento político mais amplo da redistribuição para o reconhecimento, essa mudança adquiriu dois sentidos. Por um lado, ela alargou a política feminista para abranger temas legítimos de representação, identidade e diferença. Entretanto, no contexto de um neoliberalismo ascendente, as lutas feministas por reconhecimento podem estar servindo menos para enriquecer as lutas por redistribuição do que para substituí-las. Assim, em vez de alcançarem um paradigma mais amplo e rico, que poderia abranger tanto redistribuição quanto reconhecimento, as feministas parecem ter trocado um paradigma truncado por outro - um economicismo truncado por um culturalismo truncado. Este artigo procura resistir a essa tendência. Nele se propõe uma análise de gênero ampla o bastante para abrigar toda a variedade de preocupações feministas, tanto as fundamentais para o antigo feminismo socialista quanto as enraizadas na virada cultural. Propõe-se uma correspondente concepção ampla de justiça, capaz de abranger tanto distribuição quanto reconhecimento, e uma abordagem não-identitária do reconhecimento, capaz de operar junto com a redistribuição. Conclui-se, com o exame de alguns problemas práticos que surgem quando se tenta vislumbrar reformas institucionais que poderiam corrigir, simultaneamente, má distribuição e não reconhecimento, na perspectiva de gênero.

Identidade; Multiculturalismo; Paridade; Participação; Redistribuição; Status


In the course of the last 30 years, feminist theories of gender have shifted from quasi-Marxist, labor-centered conceptions to putatively ‘post-Marxist’ culture-and identity-based conceptions. Reflecting a broader political move from redistribution to recognition, this shift has been double edged. On the one hand, it has broadened feminist politics to encompass legitimate issues of representation, identity and difference. Yet, in the context of an ascendant neoliberalism, feminist struggles for recognition may be serving less to enrich struggles for redistribution than to displace the latter. Thus, instead of arriving at a broader, richer paradigm that could encompass both redistribution and recognition, feminists appear to have traded one truncated paradigm for another - a truncated economism for a truncated culturalism. This article aims to resist that trend. I propose an analysis of gender that is broad enough to house the full range of feminist concerns, those central to the old socialist-feminism as well as those rooted in the cultural turn. I also propose a correspondingly broad conception of justice, capable of encompassing both distribution and recognition, and a non-identitarian account of recognition, capable of synergizing with redistribution. I conclude by examining some practical problems that arise when we try to envision institutional reforms that could redress gender maldistribution and gender misrecognition simultaneously.

Identity; Multiculturalism; Parity; Participation; Redistribution; Status


Reconhecimento sem ética?* * Artigo originalmente publicado na revista Theory, Culture & Society, v. 18, p. 21-42, 2001. Tradução de Ana Carolina Freitas Lima Ogando e Mariana Prandini Fraga Assis, a quem agradecemos. Agradecemos também à revista Theory, Culture & Society e à autora a cessão dos direitos de publicação deste artigo.

Recognition without ethics?

Nancy Fraser** ** Partes deste artigo foram adaptadas e retiradas do meu ensaio, Social Justice in the Age of Identity Politics: Redistribution, Recognition and Participation (Fraser, 2000a). Estou agradecida à Tanner Foundation for Human Values pelo apoio a esse trabalho; uma versão anterior dele foi apresentada como a Tanner Lecture on Human Values na Universidade de Stanford, de 30 abril a 2 de maio de 1996. Agradeço a Elizabeth Anderson e Axel Honneth, por suas atenciosas respostas à conferência, e a Rainer Forst, por seus comentários questionadores a um rascunho prévio do presente artigo.

Professora de Política na New School for Social Research e co-editora do periódico Constellations

RESUMO

Ao longo dos últimos 30 anos, as teorias feministas de gênero passaram de concepções parcialmente marxistas, centradas no trabalho, para concepções putativamente "pós-marxistas", tendo como base a cultura e a identidade. Refletindo um movimento político mais amplo da redistribuição para o reconhecimento, essa mudança adquiriu dois sentidos. Por um lado, ela alargou a política feminista para abranger temas legítimos de representação, identidade e diferença. Entretanto, no contexto de um neoliberalismo ascendente, as lutas feministas por reconhecimento podem estar servindo menos para enriquecer as lutas por redistribuição do que para substituí-las. Assim, em vez de alcançarem um paradigma mais amplo e rico, que poderia abranger tanto redistribuição quanto reconhecimento, as feministas parecem ter trocado um paradigma truncado por outro – um economicismo truncado por um culturalismo truncado. Este artigo procura resistir a essa tendência. Nele se propõe uma análise de gênero ampla o bastante para abrigar toda a variedade de preocupações feministas, tanto as fundamentais para o antigo feminismo socialista quanto as enraizadas na virada cultural. Propõe-se uma correspondente concepção ampla de justiça, capaz de abranger tanto distribuição quanto reconhecimento, e uma abordagem não-identitária do reconhecimento, capaz de operar junto com a redistribuição. Conclui-se, com o exame de alguns problemas práticos que surgem quando se tenta vislumbrar reformas institucionais que poderiam corrigir, simultaneamente, má distribuição e não reconhecimento, na perspectiva de gênero.

Palavras-chave: Identidade; Multiculturalismo; Paridade; Participação; Redistribuição; Status.

ABSTRACT

In the course of the last 30 years, feminist theories of gender have shifted from quasi-Marxist, labor-centered conceptions to putatively ‘post-Marxist’ culture-and identity-based conceptions. Reflecting a broader political move from redistribution to recognition, this shift has been double edged. On the one hand, it has broadened feminist politics to encompass legitimate issues of representation, identity and difference. Yet, in the context of an ascendant neoliberalism, feminist struggles for recognition may be serving less to enrich struggles for redistribution than to displace the latter. Thus, instead of arriving at a broader, richer paradigm that could encompass both redistribution and recognition, feminists appear to have traded one truncated paradigm for another – a truncated economism for a truncated culturalism. This article aims to resist that trend. I propose an analysis of gender that is broad enough to house the full range of feminist concerns, those central to the old socialist-feminism as well as those rooted in the cultural turn. I also propose a correspondingly broad conception of justice, capable of encompassing both distribution and recognition, and a non-identitarian account of recognition, capable of synergizing with redistribution. I conclude by examining some practical problems that arise when we try to envision institutional reforms that could redress gender maldistribution and gender misrecognition simultaneously.

Key Words: Identity; Multiculturalism; Parity; Participation; Redistribution; Status.

De algum tempo para cá, as forças da política progressista dividiram-se em dois campos. De um lado, encontram-se os proponentes da "redistribuição". Apoiando-se em antigas tradições de organizações igualitárias, trabalhistas e socialistas, atores políticos alinhados a essa orientação buscam uma alocação mais justa de recursos e bens. No outro lado, estão os proponentes do "reconhecimento". Apoiando-se em novas visões de uma sociedade "amigável às diferenças", eles procuram um mundo em que a assimilação às normas da maioria ou da cultura dominante não é mais o preço do respeito igualitário. Membros do primeiro campo esperam redistribuir a riqueza dos ricos para os pobres, do Norte para o Sul, e dos proprietários para os trabalhadores. Membros do segundo, ao contrário, buscam o reconhecimento das distintas perspectivas das minorias étnicas, "raciais" e sexuais, bem como a diferença de gênero. A orientação redistributiva tem uma linhagem filosófica distinta, já que as reivindicações redistributivas igualitárias forneceram o caso paradigmático para a maior parte da teorização sobre justiça social nos últimos 150 anos. A orientação do reconhecimento recentemente atraiu o interesse dos filósofos políticos e, alguns entre eles, têm buscado desenvolver um novo paradigma normativo que coloca o reconhecimento em seu centro.

No presente, infelizmente, as relações entre os dois campos estão bastante tensas. Em muitos casos, as lutas por reconhecimento estão dissociadas das lutas por redistribuição. Dentro de movimentos sociais como o feminismo, por exemplo, tendências ativistas que encaram a redistribuição como um remédio para a dominação masculina estão cada vez mais dissociadas das tendências que olham para o reconhecimento da diferença de gênero. E o mesmo parece ser verdade na esfera intelectual. Na academia, para continuar com o feminismo, acadêmica(o)s que entendem gênero como uma relação social mantêm uma difícil coexistência com aquela(e)s que o constroem como uma identidade ou um código cultural. Essa situação exemplifica um fenômeno mais amplo: a difundida separação entre a política cultural e a política social, a política da diferença e a política da igualdade.

Em alguns casos, além disso, a dissociação tornou-se uma polarização. Alguns proponentes da redistribuição entendem as reivindicações de reconhecimento das diferenças como uma "falsa consciência", um obstáculo ao alcance da justiça social. Inversamente, alguns proponentes do reconhecimento rejeitam as políticas redistributivas por fazerem parte de um materialismo fora de moda que não consegue articular nem desafiar as principais experiências de injustiça. Nesses casos, realmente estamos diante de uma escolha: redistribuição ou reconhecimento? Política de classe ou política de identidade? Multiculturalismo ou igualdade social?

Essas são falsas antíteses, como já argumentei em outro texto (Fraser, 1995). Justiça, hoje, requer tanto redistribuição quanto reconhecimento; nenhum deles, sozinho, é suficiente. A partir do momento em que se adota essa tese, entretanto, a questão de como combiná-los torna-se urgente. Sustento que os aspectos emancipatórios das duas problemáticas precisam ser integrados em um modelo abrangente e singular. A tarefa, em parte, é elaborar um conceito amplo de justiça que consiga acomodar tanto as reivindicações defensáveis de igualdade social quanto as reivindicações defensáveis de reconhecimento da diferença.

Moralidade ou ética?

Integrar redistribuição e reconhecimento, contudo, não é uma tarefa fácil. Pelo contrário, executar este projeto significa envolver-se imediatamente em um nexo de difíceis questões filosóficas. Algumas das mais espinhosas dessas questões concernem à relação entre moralidade e ética, entre o correto e o bem, entre a justiça e a boa vida. O problema central é saber se os paradigmas de justiça usualmente alinhados com a "moralidade" podem dar conta de reivindicações pelo reconhecimento da diferença – ou se é necessário, ao contrário, voltar-se para a "ética".

Permitam-me explicar. É hoje uma prática comum na filosofia moral distinguir questões de justiça de questões da boa vida. Interpretando as primeiras como um problema do que é o "correto" e as segundas como um problema do que é o "bem", a maioria dos filósofos alinha a justiça distributiva com a Moralität (moralidade) kantiana e o reconhecimento com a Sittlichkeit (ética) hegeliana. Esse contraste é, em parte, uma questão de perspectiva. Normas de justiça são pensadas como universalmente vinculatórias; elas sustentam-se independentemente do compromisso dos atores com valores específicos. Reivindicações pelo reconhecimento da diferença, ao contrário, são mais restritas. Por envolverem avaliações qualitativas acerca do valor relativo de práticas culturais, características e identidades variadas, elas dependem de horizontes de valor historicamente específicos que não podem ser universalizados.

Grande parte da filosofia moral recente concentra-se em disputas acerca da posição relativa dessas duas diferentes ordens de normatividade. Teóricos políticos liberais e filósofos morais deontológicos insistem em que o correto tem prioridade sobre o bem. Para eles, as demandas por justiça estão acima das reivindicações éticas. Comunitaristas e teleologistas retrucam que a noção de uma moralidade universalmente vinculante, independentemente de qualquer idéia do bem, é conceitualmente incoerente. Por preferirem abordagens fundamentadas da experiência moral a abordagens superficiais, eles colocam as reivindicações substantivas de valores comunitários culturalmente específicos acima dos apelos abstratos à Razão ou à Humanidade.

Além disso, partidários da direita freqüentemente se alinham aos modelos distributivos de justiça. Tratando a justiça como uma questão de eqüidade, eles procuram eliminar as disparidades ilegítimas entre as oportunidades conferidas aos atores sociais. Para identificar essas disparidades, eles invocam padrões de eqüidade que não prejulgam as variadas perspectivas do bem daqueles atores. Partidários do bem, ao contrário, rejeitam o "formalismo vazio" das abordagens distributivas. Tratando a ética como uma questão da boa vida, eles procuram promover condições qualitativas para o desenvolvimento humano (assim como eles o entendem), ao invés de manterem uma fidelidade aos pressupostos abstratos do tratamento igualitário.

Esses alinhamentos filosóficos complicam o problema de integrar redistribuição e reconhecimento. A distribuição evidentemente pertence ao lado da moralidade dessa disputa. O reconhecimento, entretanto, à primeira vista, parece pertencer à ética, uma vez que exige o julgamento sobre o valor de práticas, características e identidades variadas. Portanto, não surpreende que muitos teóricos deontológicos simplesmente rejeitem as reivindicações pelo reconhecimento da diferença como violações da neutralidade liberal, por concluírem que a justiça distributiva esgota por completo a moralidade política. Também não surpreende que, ao contrário, muitos teóricos do reconhecimento se alinhem à ética contra a moralidade; seguindo o mesmo raciocínio que seus contendores liberais, eles concluem que o reconhecimento demanda julgamentos qualitativos de valor que excedem as capacidades dos modelos distributivos.

Nesses alinhamentos usuais, os dois lados concordam que a distribuição pertence à moralidade, o reconhecimento pertence à ética, e ambos nunca se encontrarão. Então, cada um sustenta que o seu paradigma exclui o do outro. Se eles estiverem corretos, então as reivindicações por redistribuição e as reivindicações por reconhecimento não poderão ser coerentemente combinadas. Ao contrário, qualquer pessoa que deseje endossar reivindicações dos dois tipos corre o risco de padecer de esquizofrenia filosófica.

É precisamente essa presunção de incompatibilidade que procuro desafiar. Contra as suposições usuais, argumentarei que é possível integrar redistribuição e reconhecimento sem sucumbir à esquizofrenia. A minha estratégia implicará construir a política do reconhecimento de uma forma que ela não seja vinculada prematuramente à ética. Ao contrário, tratarei as reivindicações por reconhecimento como reivindicações por justiça dentro de uma noção ampla de justiça. O resultado inicial será trazer a política do reconhecimento de volta para o campo da Moralität e assim impedir que ela resvale para a ética. Mas não é nisso precisamente que eu quero chegar. Ao contrário, eu irei conceder que possa haver casos em que a avaliação ética é inevitável. Todavia, uma vez que tal avaliação é problemática, sugerirei formas de adiá-la tanto quanto possível.

Identidade ou status?

O ponto central da minha estratégia é romper com o modelo padrão de reconhecimento, o da "identidade". Nesse modelo, o que exige reconhecimento é a identidade cultural específica de um grupo. O não reconhecimento consiste na depreciação de tal identidade pela cultura dominante e o conseqüente dano à subjetividade dos membros do grupo. Reparar esse dano significa reivindicar "reconhecimento". Isso, por sua vez, requer que os membros do grupo se unam a fim de remodelar sua identidade coletiva, por meio da criação de uma cultura própria auto-afirmativa. Desse modo, no modelo de reconhecimento da identidade, a política de reconhecimento significa "política de identidade"1 1 Para uma maior discussão do modelo de reconhecimento da identidade, veja Fraser (2000). .

O modelo da identidade é profundamente problemático. Entendendo o não reconhecimento como um dano à identidade, ele enfatiza a estrutura psíquica em detrimento das instituições sociais e da interação social. Assim, ele arrisca substituir a mudança social por formas intrusas de engenharia da consciência. O modelo agrava esses riscos, ao posicionar a identidade de grupo como o objeto do reconhecimento. Enfatizando a elaboração e a manifestação de uma identidade coletiva autêntica, auto-afirmativa e autopoiética, ele submete os membros individuais a uma pressão moral a fim de se conformarem à cultura do grupo. Muitas vezes, o resultado é a imposição de uma identidade de grupo singular e drasticamente simplificada que nega a complexidade das vidas dos indivíduos, a multiplicidade de suas identificações e as interseções de suas várias afiliações. Além disso, o modelo reifica a cultura. Ignorando as interações transculturais, ele trata as culturas como profundamente definidas, separadas e não interativas, como se fosse óbvio onde uma termina e a outra começa. Como resultado, ele tende a promover o separatismo e a enclausurar os grupos ao invés de fomentar interações entre eles. Ademais, ao negar a heterogeneidade interna, o modelo de identidade obscurece as disputas, dentro dos grupos sociais, por autoridade para representá-los, assim como por poder. Conseqüentemente, isso encobre o poder das facções dominantes e reforça a dominação interna. Então, em geral, o modelo da identidade aproxima-se muito facilmente de formas repressivas do comunitarismo2 2 Para uma crítica mais aprofundada do modelo de identidade, veja Fraser (2000). .

Por essas razões, proporei uma análise alternativa do reconhecimento. A minha proposta é tratar o reconhecimento como uma questão de status social. Dessa perspectiva – que eu chamarei de modelo de status – o que exige reconhecimento não é a identidade específica de um grupo, mas a condição dos membros do grupo como parceiros integrais na interação social. O não reconhecimento, conseqüentemente, não significa depreciação e deformação da identidade de grupo. Ao contrário, ele significa subordinação social no sentido de ser privado de participar como um igual na vida social. Reparar a injustiça certamente requer uma política de reconhecimento, mas isso não significa mais uma política de identidade. No modelo de status, ao contrário, isso significa uma política que visa a superar a subordinação, fazendo do sujeito falsamente reconhecido um membro integral da sociedade, capaz de participar com os outros membros como igual3 3 Para uma discussão mais ampla do modelo de reconhecimento de status, veja Fraser (2000a). .

Permitam-me elaborar. Entender o reconhecimento como uma questão de status significa examinar os padrões institucionalizados de valoração cultural em função de seus efeitos sobre a posição relativa dos atores sociais. Se e quando tais padrões constituem os atores como parceiros, capazes de participar como iguais, com os outros membros, na vida social, aí nós podemos falar de reconhecimento recíproco e igualdade de status. Quando, ao contrário, os padrões institucionalizados de valoração cultural constituem alguns atores como inferiores, excluídos, completamente "os outros" ou simplesmente invisíveis, ou seja, como menos do que parceiros integrais na interação social, então nós podemos falar de não reconhecimento e subordinação de status.

No modelo de status, então, o não reconhecimento aparece quando as instituições estruturam a interação de acordo com normas culturais que impedem a paridade de participação. Exemplos abrangem as leis matrimoniais que excluem a união entre pessoas do mesmo sexo por serem ilegítimas e perversas, políticas de bem-estar que estigmatizam mães solteiras como exploradoras sexualmente irresponsáveis e práticas de policiamento tais como a "categorização racial" que associa pessoas de determinada raça com a criminalidade. Em todos esses casos, a interação é regulada por um padrão institucionalizado de valoração cultural que constitui algumas categorias de atores sociais como normativos e outros como deficientes ou inferiores: heterossexual é normal, gay é perverso; "famílias chefiadas por homens" são corretas, "famílias chefiadas por mulheres" não o são; "brancos" obedecem à lei, "negros" são perigosos. Em todos os casos, o resultado é negar a alguns membros da sociedade a condição de parceiros integrais na interação, capazes de participar como iguais com os demais.

Em todos os casos, conseqüentemente, uma demanda por reconhecimento é necessária. Mas note precisamente o que isso significa: visando a não valorizar a identidade de grupo, mas superar a subordinação, as reivindicações por reconhecimento no modelo de status procuram tornar o sujeito subordinado um parceiro integral na vida social, capaz de interagir com os outros como um par. Elas objetivam, assim, desinstitucionalizar padrões de valoração cultural que impedem a paridade de participação e substituí-los por padrões que a promovam.

Esse modelo de status evita muitas das dificuldades apontadas no modelo da identidade. Em primeiro lugar, ao rejeitar a visão de reconhecimento como valorização da identidade de grupo, ele evita essencializar tais identidades. Em segundo lugar, ao focar nos efeitos das normas institucionalizadas sobre as capacidades para a interação, ele resiste à tentação de substituir a mudança social pela reengenharia da consciência. Em terceiro lugar, ao enfatizar a igualdade de status no sentido da paridade de participação, ele valoriza a interação entre os grupos, em oposição ao separatismo e ao enclausuramento. Em quarto lugar, o modelo de status evita reificar a cultura – sem negar a sua importância política. Atento ao fato de que os padrões institucionalizados de valoração cultural podem ser veículos de subordinação, ele procura desinstitucionalizar os padrões que impedem a paridade de participação e os substituem por padrões que a promovam.

Finalmente, o modelo de status possui outra grande vantagem. Diferentemente do modelo da identidade, ele entende o reconhecimento de uma forma em que esse não é colocado no campo da ética. Concebendo o reconhecimento como uma questão de igualdade de status, definido então como paridade participativa, ele fornece uma abordagem deontológica do reconhecimento. Sendo assim, ele libera a força normativa das reivindicações por reconhecimento da dependência direta a um específico e substantivo horizonte de valor. Diferentemente do modelo da identidade, então, o modelo de status é compatível com a prioridade do correto sobre o bem. Recusando o alinhamento tradicional do reconhecimento à ética, ele, ao contrário, o alinha à moralidade. Desse modo, o modelo de status permite que se combine reconhecimento com redistribuição – sem sucumbir à esquizofrenia filosófica. Nesse sentido, argumentarei em seguida.

Justiça ou boa vida?

Qualquer tentativa de integrar redistribuição e reconhecimento em um modelo abrangente deve reportar-se a quatro questões filosóficas cruciais. Primeiro, o reconhecimento é uma questão de justiça, ou é uma questão de auto-realização? Segundo, a justiça distributiva e o reconhecimento constituem dois paradigmas normativos distintos e sui generis, ou algum deles pode ser subsumido ao outro? Terceiro, a justiça demanda o reconhecimento daquilo que distingue indivíduos ou grupos, ou o reconhecimento da nossa humanidade comum é suficiente? E, quarto, como podemos distinguir as reivindicações por reconhecimento que são justificadas daquelas que não o são?

O modo pelo qual se responde a essas questões depende do conceito de reconhecimento que se assume. No que se segue, empregarei o modelo de status a fim de fornecer uma abordagem deontológica. Apoiando-me nesse modelo, ampliarei o conceito usual de justiça para nele incluir as demandas por reconhecimento. Alargando a noção de moralidade, evitarei, então, voltar-me prematuramente para a ética.

Começo com a seguinte questão: o reconhecimento é um problema da justiça, e, portanto, da moralidade, ou é um problema da boa vida e, portanto, da ética? Geralmente, o reconhecimento é entendido como um problema da boa vida. Essa é a perspectiva tanto de Charles Taylor quanto de Axel Honneth, os dois teóricos contemporâneos mais proeminentes do reconhecimento. Para ambos, ser reconhecido por um outro sujeito é uma condição necessária para a formação de uma subjetividade integral e não distorcida. Negar a alguém o reconhecimento é privá-la(o) dos pré-requisitos fundamentais para o pleno desenvolvimento humano. Para Taylor, por exemplo:

"[...] o não reconhecimento ou o falso reconhecimento [...] pode ser uma forma de opressão, aprisionando o sujeito em um modo de ser falso, distorcido e reduzido. Além da simples falta de respeito, isso pode infligir uma grave ferida, submetendo as pessoas aos danos resultantes do ódio por si próprias. O devido reconhecimento não é meramente uma cortesia, mas uma necessidade humana vital" (Taylor, 1994: 25).

Para Honneth, de modo semelhante, "nossa integridade é dependente [...] da aprovação ou reconhecimento de outras pessoas. A negação do reconhecimento [...] é prejudicial porque impede [...] que as pessoas tenham uma visão positiva de si mesmas – uma visão que é adquirida intersubjetivamente" (1992: 188-9). Desse modo, ambos os teóricos entendem o não reconhecimento em termos de uma subjetividade prejudicada e uma auto-identidade danificada. E ambos entendem a lesão em termos éticos, como um impedimento à capacidade do sujeito de alcançar a boa vida. Para Taylor e Honneth, então, o reconhecimento é uma questão de ética.

Diferentemente de Taylor e Honneth, proponho conceber o reconhecimento como uma questão de justiça. Desse modo, não se deve responder à pergunta "O que há de errado com o falso reconhecimento?", dizendo que isso impede o pleno desenvolvimento humano devido à distorção da "auto-relação prática" do sujeito (Honneth, 1992 e 1995). Deve-se dizer, ao contrário, que é injusto que, a alguns indivíduos e grupos, seja negada a condição de parceiros integrais na interação social, simplesmente em virtude de padrões institucionalizados de valoração cultural, de cujas construções eles não participaram em condições de igualdade, e os quais depreciam as suas características distintivas ou as características distintivas que lhes são atribuídas. Deve-se dizer, então, que o não reconhecimento é errado porque constitui uma forma de subordinação institucionalizada – e, portanto, uma séria violação da justiça.

Essa abordagem oferece várias vantagens importantes. Primeiro, recorrendo a um padrão deontológico, ela permite que se justifiquem reivindicações por reconhecimento como moralmente vinculantes sob as condições modernas de pluralismo valorativo4 4 Sou grata a Rainer Forst pela ajuda em formular esse ponto. . Sob essas condições, não há nenhuma concepção da boa vida que seja universalmente compartilhada, tampouco que possa ser entendida como autoritativa. Desse modo, qualquer tentativa de justificar reivindicações por reconhecimento que apele para uma concepção da boa vida será necessariamente sectária. Nenhuma abordagem desse tipo pode entender tais reivindicações como normativamente vinculantes para aqueles que não compartilham do horizonte de valores éticos do teórico.

Diferentemente dessa abordagem, o modelo de reconhecimento de status é deontológico e não sectário. Incorporando o espírito da "liberdade subjetiva", que é a principal característica da modernidade, ele sustenta que cabe aos indivíduos e grupos definir para si próprios o que conta como boa vida e criar, para si próprios, uma forma de alcançá-la, dentro dos limites que asseguram uma liberdade semelhante para os demais. Assim, o modelo de status não apela para uma concepção da boa vida. Ele apela, ao contrário, para uma concepção da justiça que pode – e deve – ser aceita por aqueles que tenham divergentes concepções da boa vida. O que torna o não reconhecimento moralmente inaceitável, nessa perspectiva, é que isso nega a alguns indivíduos e grupos a possibilidade de participar, como iguais, com os demais, na interação social. A norma da paridade participativa invocada aqui não é sectária no sentido referido. Ela pode justificar reivindicações por reconhecimento como normativamente vinculantes para todos aqueles que concordem em seguir os termos justos da interação, sob as condições do pluralismo valorativo.

Tratar o reconhecimento como uma questão de justiça tem também uma segunda vantagem. Concebendo o não reconhecimento como subordinação de status, ele localiza o equívoco nas relações sociais, e não na psicologia individual ou interpessoal. Ser falsamente reconhecido, nessa perspectiva, não é apenas ser desmerecido ou desvalorizado nas atitudes conscientes ou crenças dos outros. Significa, ao invés, ter negada a condição de parceiro integral na interação social e ser impedido de participar como um par na vida social, como conseqüência de padrões institucionalizados de valoração cultural que estabelecem alguém como desmerecedor de respeito e estima. Quando tais padrões de desrespeito e desestima são institucionalizados, eles impedem a paridade de participação, assim como certamente também o fazem as desigualdades distributivas.

Desse modo, evitando a psicologização, essa abordagem escapa das dificuldades que assolam as abordagens rivais. Quando o não reconhecimento é identificado com distorções internas na estrutura da autoconsciência do oprimido, basta apenas um pequeno passo para culpar a vítima. Por exemplo, imputar um dano psíquico àqueles submetidos ao racismo parece agravar ainda mais a sua situação. Ao contrário, quando o não reconhecimento é igualado ao preconceito internalizado pelos opressores, superá-lo parece demandar o monitoramento de suas crenças, uma abordagem que é autoritária e contrária aos pressupostos do liberalismo. Para o modelo de status, em oposição, o não reconhecimento é uma questão de impedimentos, externamente manifestados e publicamente verificáveis, a que certos indivíduos sejam membros integrais da sociedade. E tais arranjos são moralmente indefensáveis independentemente de distorcerem ou não a subjetividade dos oprimidos5 5 Como já apontei, o modelo de status evita a psicologização. O que isso significa, entretanto, requer algum esclarecimento. O modelo não supõe que o falso reconhecimento jamais tenha os efeitos psicológicos descritos por Taylor e Honneth. Mas ele sustenta que a condenação do falso reconhecimento não depende da presença de tais efeitos. Desse modo, o modelo de status dissocia a normatividade das reivindicações por reconhecimento da psicologia, ampliando, assim, a sua força normativa. Quando reivindicações por reconhecimento são baseadas em uma teoria psicológica das "condições intersubjetivas para a formação da identidade de modo não distorcido", como no modelo de Honneth (1995), elas se tornam vulneráveis às vicissitudes daquela teoria; o seu vínculo moral evapora, caso a teoria se torne falsa. Tratando o reconhecimento como uma questão de status, ao contrário, o modelo que proponho evita submeter as reivindicações normativas a questões psicológicas de fato. Pode-se demonstrar que uma sociedade cujas normas institucionalizadas impedem a paridade de participação é injusta mesmo que ela não inflija danos psíquicos àqueles que ela subordina. .

Finalmente, alinhando-se o reconhecimento à justiça ao invés de à boa vida, evita-se a visão de que todos têm igual direito à estima social. Essa visão é flagrantemente insustentável porque torna a noção de estima carente de sentido6 6 Aqui estou assumindo a distinção, agora bastante comum na filosofia moral, entre respeito e estima. De acordo com essa distinção, o respeito é devido universalmente a todas as pessoas em virtude de uma humanidade compartilhada; estima, ao contrário, é conferida diferentemente em função das características específicas, conquistas ou contribuições das pessoas. Dessa maneira, enquanto a imposição de respeitar a todos de modo igual é perfeitamente aceitável, a imposição de estimar a todos de modo igual é paradoxal. . Mesmo assim, ela parece ser seguida por, pelo menos, uma abordagem rival proeminente. Na teoria de Axel Honneth, a estima social está entre as "condições intersubjetivas para a formação de uma identidade não distorcida", que se espera seja protegida pela moralidade. Disso segue que todas as pessoas, moralmente, merecem estima social (Honneth, 1995). A abordagem do reconhecimento proposta aqui, ao contrário, não acarreta tal reductio ad absurdum. O que resulta dela é que todos têm igual direito a buscar estima social sob condições justas de igualdade de oportunidades7 7 Esse ponto pode ser também colocado da seguinte forma: embora ninguém tenha direito a igual estima social no sentido positivo, todos têm o direito de não serem desestimados em função de classificações institucionalizadas de grupo que atacam a sua condição de parceira(o) integral na interação social. Eu devo essa formulação a Rainer Forst (em conversa pessoal). . E tais condições não são asseguradas quando, por exemplo, padrões institucionalizados de valoração cultural depreciam, de modo difundido, o feminino, o "não branco", a homossexualidade e tudo o que é culturalmente a eles associados. Quando esse é o caso, mulheres e/ou pessoas de cor e/ou gays e lésbicas enfrentam obstáculos na conquista de estima que não são encontrados pelos demais. E todos, incluindo os homens brancos heterossexuais, enfrentam maiores obstáculos se eles optam por perseguir projetos e cultivar características que são culturalmente codificadas como femininas, homossexuais ou "não brancas".

Por todas essas razões, o reconhecimento é mais bem tratado como uma questão da justiça e, portanto, da moralidade, do que como uma questão da boa vida e, desse modo, da ética. E conceber o reconhecimento no modelo de status permite-nos tratá-lo como uma questão da justiça.

Mas o que isso significa para a teoria da justiça?

Ampliando o paradigma da justiça

Supondo que o reconhecimento é uma questão de justiça, qual é a sua relação com a distribuição? Pode-se afirmar, voltando agora para a nossa segunda pergunta, que distribuição e reconhecimento constituem duas concepções distintas e sui generis de justiça? Ou pode algum deles ser reduzido ao outro?

A questão da redução deve ser considerada por dois ângulos diferentes. De um lado, a questão é saber se as teorias da justiça distributiva existentes conseguem subsumir adequadamente os problemas de reconhecimento. Segundo o meu ponto de vista, a resposta é não. Para ser exata, muitos teóricos distributivos estão conscientes da importância do status acima e além da alocação de recursos e procuram acomodá-lo em suas abordagens8 8 John Rawls, por exemplo, às vezes concebe os bens primários, tais como renda e emprego, como as bases sociais do auto-respeito, ao mesmo tempo em que fala de auto-respeito como um bem primário especialmente importante cuja distribuição é uma questão de justiça (veja Rawls, 1971: § 67, § 82; 1993: 82, 181, 318 ff.). Ronald Dworkin, igualmente, defende a idéia de igualdade de recursos como uma expressão distributiva do igual valor moral das pessoas (1981). Amartya Sen (1985), finalmente, considera tanto o sentido de si quanto a capacidade de aparecer em público sem vergonha como importantes para a capacidade de agir, portanto, como incluídos na finalidade de uma abordagem da justiça que celebra a distribuição igualitária das capacidades básicas. . Mas os resultados não são totalmente satisfatórios. A maioria de tais teóricos assume uma visão de status reduzida às dimensões econômica e legal, supondo que uma justa distribuição de recursos e direitos é suficiente para dar conta do não reconhecimento. Todavia, de fato, nem toda ausência de reconhecimento é um resultado secundário da má distribuição ou da má distribuição agregada à discriminação legal. Observe o caso do banqueiro de Wall Street, afro-americano, que não consegue pegar um táxi. Para lidar com tais casos, uma teoria da justiça deve ir além da distribuição de direitos e bens e examinar os padrões institucionalizados de valoração cultural. Ela deve considerar se tais padrões impedem a paridade de participação na vida social9 9 A notável exceção de um teórico que procurou encampar questões da cultura dentro de um modelo distributivo é Will Kymlicka. Kymlicka propõe tratar o acesso a uma "estrutura cultural intacta" como um bem primário a ser distribuído de forma justa. Essa abordagem foi talhada para comunidades políticas multinacionais, tais como o Canadá, em oposição a comunidades políticas pluriétnicas, tais como os Estados Unidos. Isso se torna problemático, todavia, nos casos em que os reivindicantes de reconhecimento mobilizados não se dividem de forma ordenada (ou mesmo não tão ordenada) em grupos com culturas distintas e relativamente delimitadas. Ela também tem dificuldade em lidar com casos nos quais as demandas por reconhecimento não tomam a forma de demandas por (algum nível de) soberania, mas objetivam, ao invés, paridade de participação dentro de uma comunidade política que é entrecortada por múltiplas e cruzadas linhas de diferença e desigualdade. Para o argumento de que uma estrutura cultural intacta é um bem primário, veja Kymlicka (1989). Para a distinção entre comunidades multinacionais e pluriétnicas, veja Kymlicka (1996). .

O que, então, pode ser dito sobre o outro ângulo da questão? As teorias do reconhecimento existentes podem subsumir adequadamente os problemas de distribuição? Aqui, também, afirmo que a resposta é não. Para ser exata, alguns teóricos do reconhecimento estão conscientes da importância da igualdade econômica e procuram acomodá-la em suas abordagens. Porém, mais uma vez, os resultados não são totalmente satisfatórios. Axel Honneth, por exemplo, assume uma visão culturalista reducionista da distribuição. Supondo que todas as desigualdades econômicas estão enraizadas na ordem cultural, que privilegia algumas formas de trabalho em detrimento de outras, ele acredita que a alteração dessa ordem cultural é suficiente para prevenir todo tipo de má distribuição (Honneth, 1995). De fato, entretanto, nem toda má distribuição é um subproduto do não reconhecimento. Veja o caso do homem branco, trabalhador industrial especializado, que fica desempregado, em virtude do fechamento da fábrica em que trabalha, devido a uma fusão corporativa especulativa. Nesse caso, a injustiça da má distribuição tem pouco a ver com o não reconhecimento. Ela é muito mais uma conseqüência dos imperativos intrínsecos a uma ordem de relações econômicas especializadas cuja raison d’être é a acumulação de lucros. Para lidar com tais casos, uma teoria da justiça deve ir além dos padrões de valoração cultural e examinar a estrutura do capitalismo. Ela deve considerar se os mecanismos econômicos, que são relativamente dissociados das estruturas de prestígio e que operam de um modo relativamente impessoal, impedem a paridade de participação na vida social.

Em geral, então, nem os teóricos da distribuição nem os teóricos do reconhecimento tiveram, até agora, sucesso em subsumir, adequadamente, as preocupações dos outros10 10 Não fazendo uma redução substantiva, além disso, subsunções puramente verbais são pouco úteis. Pouco se ganha em insistir como um ponto de semântica que, por exemplo, reconhecimento é, também, um bem a ser distribuído; nem, inversamente, mantendo como uma questão de definição, que todo padrão distributivo expressa uma matriz de reconhecimento subjacente. Em ambos os casos, o resultado é uma tautologia. O primeiro torna todo reconhecimento distribuição por definição, enquanto o segundo simplesmente afirma o inverso. Em nenhum caso, os problemas substantivos de integração conceitual foram discutidos. De fato, tais "reduções" puramente definicionais poderiam realmente servir para impedir o progresso na solução desses problemas. Criando a aparência enganadora da redução, tais abordagens poderiam tornar difícil ver, sem falar de discutir, possíveis tensões e conflitos entre demandas por redistribuição e demandas por reconhecimento. . Desse modo, em vez de endossar uma de suas concepções em exclusão da outra, proponho desenvolver uma concepção ampla da justiça. A minha concepção trata distribuição e reconhecimento como distintas perspectivas sobre, e dimensões da, justiça. Sem reduzir uma perspectiva à outra, ela encampa ambas as dimensões dentro de um modelo mais abrangente e inclusivo.

Como já foi dito, o centro normativo da minha concepção é a noção de paridade de participação11 11 Desde que cunhei a frase em 1995, o termo "paridade" passou a ter um papel central na política feminista na França. Lá, ele significa a demanda de que as mulheres ocupem um total de 50 por cento das cadeiras no Parlamento e em outros órgãos representativos. "Paridade" na França, desse modo, significa igualdade de gênero estritamente numérica na representação política. Para mim, ao contrário, "paridade" significa a condição de ser um par, de se estar em igual condição com os outros, de estar partindo do mesmo lugar. Eu deixo em aberto a pergunta de até que grau ou nível de igualdade é necessário para assegurar tal paridade. Na minha formulação, além disso, o requerimento moral é que aos membros da sociedade seja garantida a possibilidade de paridade, se e quando eles escolherem participar em uma dada atividade ou interação. Não há nenhuma solicitação para que todos realmente participem em qualquer atividade. . De acordo com essa norma, a justiça requer arranjos sociais que permitam a todos os membros (adultos) da sociedade interagir uns com os outros como parceiros. Para que a paridade de participação seja possível, eu afirmo que, pelo menos, duas condições devem ser satisfeitas12 12 Afirmo que " pelo menos duas condições devem ser cumpridas" para permitir a possibilidade de mais do que duas. Tenho em mente especificamente uma possível terceira classe de obstáculos à paridade participativa que poderia ser chamada "política", em oposição à econômica ou cultural. Obstáculos "políticos" à paridade participativa incluiriam procedimentos de "tomada de decisão" que sistematicamente marginalizam algumas pessoas, mesmo na ausência de má distribuição e falso reconhecimento, por exemplo, regras eleitorais de distritos uninominais segundo as quais quem ganha leva todos os votos que negam voz para as quase permanentes minorias. A injustiça correspondente seria "marginalização política" ou "exclusão"; o remédio correspondente, "democratização". Para uma discussão mais ampla dessa "terceira" dimensão de justiça, veja Fraser (2000a). Para uma abordagem compreensiva sobre regras eleitorais de distritos uninominais segundo as quais quem ganha leva todos os votos, veja Guinier (1994). . Primeiro, a distribuição dos recursos materiais deve dar-se de modo que assegure a independência e voz dos participantes. Essa eu denomino a condição objetiva da paridade participativa. Ela exclui formas e níveis de desigualdade material e dependência econômica que impedem a paridade de participação. Desse modo, são excluídos os arranjos sociais que institucionalizam a privação, a exploração e as grandes disparidades de riqueza, renda e tempo livre, negando, assim, a algumas pessoas os meios e as oportunidades de interagir com outros como parceiros13 13 É uma questão em aberto o quanto a desigualdade econômica é compatível com a paridade de participação. Alguma desigualdade desse tipo é inevitável e não censurável. Mas há um limiar em que as disparidades de recursos se tornam tão grandes que impedem a paridade participativa. Onde exatamente está esse limiar é uma questão para maior investigação. .

Ao contrário, a segunda condição requer que os padrões institucionalizados de valoração cultural expressem igual respeito a todos os participantes e assegurem igual oportunidade para alcançar estima social. Essa eu denomino condição intersubjetiva de paridade participativa. Ela exclui normas institucionalizadas que sistematicamente depreciam algumas categorias de pessoas e as características associadas a elas. Nesse sentido, são excluídos os padrões institucionalizados de valores que negam a algumas pessoas a condição de parceiros integrais na interação, seja sobrecarregando-os com uma excessiva atribuição de "diferença", seja falhando em reconhecer o que lhes é distintivo.

Tanto a condição objetiva quanto a condição intersubjetiva são necessárias para a paridade de participação. Nenhuma delas sozinha é suficiente. A condição objetiva focaliza preocupações tradicionalmente associadas com a teoria da justiça distributiva, especialmente preocupações relacionadas à estrutura econômica da sociedade e às diferenciações de classes economicamente definidas. A condição intersubjetiva focaliza preocupações recentemente abordadas pela filosofia do reconhecimento, especialmente preocupações relacionadas à ordem de status da sociedade e às hierarquias de status culturalmente definidas. Dessa forma, uma concepção ampla da justiça, orientada pela norma da paridade participativa, inclui tanto redistribuição quanto reconhecimento, sem reduzir um ao outro.

Essa abordagem percorre um caminho considerável em direção à resolução do problema com o qual começamos. Construindo a redistribuição e o reconhecimento como duas dimensões da justiça mutuamente irredutíveis, e submetendo-as a uma norma deontológica de paridade participativa, ela posiciona ambas em um terreno comum da Moralität (moralidade). Evitando voltar-se prematuramente para a ética, essa abordagem parece prometer uma rota de escape da esquizofrenia filosófica.

Reconhecendo as particularidades?

Antes de proclamar o sucesso, todavia, devemos analisar a nossa terceira questão filosófica: a justiça exige o reconhecimento daquilo que é distintivo de indivíduos ou grupos, além e acima do reconhecimento da nossa humanidade comum? Se for possível provar que a resposta é positiva, teremos que revisitar a questão da ética.

Vamos começar apontando que a paridade participativa é uma norma universalista em dois sentidos. Primeiro, ela inclui todos os parceiros (adultos) na interação. E, segundo, ela pressupõe o igual valor moral dos seres humanos. Mas o universalismo moral nesses dois sentidos ainda deixa em aberto a seguinte questão: se o reconhecimento do que é distintivo de indivíduos ou grupos pode ser exigido pela justiça como um elemento, entre outros, da condição intersubjetiva da paridade participativa.

Sustento que essa questão não pode ser respondida por uma descrição a priori dos tipos de reconhecimento de que todas as pessoas sempre precisam. Ela necessita, ao invés, de ser abordada no espírito de um pragmatismo informado pelas compreensões da teoria social. Dessa perspectiva, o reconhecimento é um remédio para a injustiça social e não a satisfação de uma necessidade humana genérica. Dessa maneira, a(s) forma(s) de reconhecimento que a justiça exige em qualquer caso dado depende(m) da(s) forma(s) de não reconhecimento a serem compensadas. Nos casos em que o não reconhecimento envolve a negação da humanidade comum de alguns participantes, o remédio é o reconhecimento universalista; assim, a primeira e mais fundamental compensação para o apartheid sul-africano foi a cidadania universal "não-racializada". Ao contrário, quando o não reconhecimento envolve a negação daquilo que é distintivo de alguns participantes, o remédio pode ser o reconhecimento da especificidade; desse modo, muitas feministas argumentam que a superação da subordinação de gênero requer o reconhecimento da capacidade única e distinta de as mulheres darem à luz. Em todo caso, o remédio deve ser moldado para o dano14 14 Afirmo que o remédio pode ser o reconhecimento da diferença, não que o deva ser. De fato, há outros possíveis remédios para a negação das particularidades, incluindo a desconstrução dos próprios termos sobre quais as diferenças são atualmente elaboradas. Para uma discussão de tais alternativas, veja Fraser (2000a). .

Essa abordagem pragmatista supera as fragilidades das outras duas perspectivas. Primeiro, ela rejeita a afirmação, sustentada por alguns teóricos distributivos, de que a justiça requer a limitação do reconhecimento público apenas para aquelas capacidades que todos os humanos compartilham. Apoiada pelos oponentes da ação afirmativa, essa abordagem nega, dogmaticamente, o reconhecimento daquilo que distingue as pessoas umas das outras, sem considerar se tal reconhecimento seria necessário em alguns casos para superar obstáculos à paridade participativa. Segundo, a abordagem pragmatista rejeita a afirmação oposta, igualmente descontextualizada, de que todos sempre precisam ter suas particularidades reconhecidas15 15 Tanto Taylor quanto Honneth sustentam essa visão. Veja Taylor (1994) e Honneth (1995). . Geralmente apoiada por teóricos do reconhecimento, essa segunda abordagem não consegue explicar por que não são todas, mas apenas algumas, as diferenças sociais que geram reivindicações por reconhecimento; nem por que apenas algumas dessas reivindicações, e não outras, são moralmente justificadas. Mais especificamente, ela não pode explicar por que aqueles que ocupam posições de vantagem na ordem de status, tais como os homens e os heterossexuais, geralmente evitam o reconhecimento de suas particularidades (de gênero e sexual), afirmando não a especificidade, mas a universalidade (Nicholson, 1996). Nem por que, naquelas ocasiões em que eles efetivamente buscam tal reconhecimento, suas reivindicações geralmente são falsas. Ao contrário, a abordagem proposta aqui vê as reivindicações por reconhecimento da diferença de modo pragmático e contextualizado, como respostas remediadoras para injustiças específicas pré-existentes. Colocando questões de justiça em posição central, ela entende que as necessidades por reconhecimento de atores subordinados diferem das dos atores dominantes e que apenas aquelas reivindicações que promovem a paridade de participação são moralmente justificadas.

Para o pragmatista, nesse sentido, tudo depende do que as pessoas não reconhecidas hoje em dia necessitam a fim de serem capazes de participar como parceiros na vida social. E não há razão para assumir que todas elas necessitem da mesma coisa em qualquer contexto. Em alguns casos, elas podem necessitar de serem aliviadas da excessiva distinção atribuída ou construída. Em outros casos, elas podem necessitar de que suas particularidades, até agora não reconhecidas, sejam levadas em consideração. Ainda em outros casos, ela podem precisar mudar o foco para os grupos dominantes ou em vantagem, ofuscando as suas particularidades que, falsamente, vêm sendo tratadas como universais. Alternativamente, elas podem necessitar de desconstruir os próprios termos em que as diferenças atribuídas são atualmente elaboradas. Finalmente, elas podem precisar de todas as medidas apontadas antes, ou de algumas delas em combinação com outras, ou em combinação com redistribuição. Quais pessoas precisam de qual(is) tipo(s) de reconhecimento em quais contextos depende da natureza dos obstáculos que elas encontram em relação à paridade participativa.

Então, não podemos descartar apressadamente a possibilidade de que a justiça pode requerer o reconhecimento das particularidades em alguns casos.

Justificando as reivindicações por reconhecimento

Até esse ponto, eu consegui responder às três maiores questões filosóficas sobre o reconhecimento permanecendo no terreno da Moralität. Ao construir o reconhecimento no modelo de status, eu atribuí a ele uma interpretação deontológica. E, ao ampliar o paradigma usual da justiça, eu tratei a redistribuição e o reconhecimento como duas dimensões mutuamente irredutíveis da, e perspectivas sobre, a justiça, ambas podendo ser subsumidas à norma comum da paridade participativa. Dessa maneira, até então, eu evitei voltar-me para a ética e escapei da esquizofrenia filosófica.

Nesse ponto, entretanto, a questão da ética ameaça retornar. A partir do momento em que aceitamos que a justiça pode, sob certas circunstâncias, exigir o reconhecimento das particularidades, então devemos considerar o problema da justificação. Devemos perguntar: o que justifica uma reivindicação pelo reconhecimento da diferença? Como se podem distinguir reivindicações de tal tipo justificadas das não justificadas? A questão crucial é se um padrão puramente deontológico será suficiente, ou se, ao contrário, uma avaliação ética das práticas, características e identidades variadas é necessária. No último caso, será necessário voltar à ética depois de tudo.

Vamos começar afirmando que nem toda demanda por reconhecimento é justificada, da mesma maneira que nem toda demanda por redistribuição o é. Em ambos os casos, precisa-se de uma descrição do critério e/ou procedimentos para distinguir as reivindicações justificadas das não justificadas. Teóricos da justiça distributiva têm buscado fornecer tais descrições, seja apelando para um critério objetivista, tal como a maximização da utilidade, seja apelando para normas procedimentais, tal como aquelas da ética do discurso. Teóricos do reconhecimento, ao contrário, têm sido mais lentos em enfrentar essa questão. Eles ainda têm que fornecer qualquer base principiológica para distinguir reivindicações justificadas das não justificadas.

Esse tema cria sérias dificuldades para aqueles que tratam o reconhecimento como um problema da ética. Teóricos que justificam o reconhecimento como um meio de auto-realização são particularmente vulneráveis a objeções sobre esse ponto. De acordo com Axel Honneth, por exemplo, todos precisam ter suas particularidades reconhecidas a fim de desenvolver auto-estima, o que (junto com a autoconfiança e o auto-respeito) é um ingrediente essencial para uma identidade não distorcida (Honneth, 1995). A partir disso, parece que as demandas por reconhecimento que promovem a auto-estima dos reivindicantes são justificadas, enquanto aquelas que a diminuem não o são. Sob essa hipótese, entretanto, identidades racistas pareceriam merecer algum reconhecimento, já que elas permitem a alguns europeus e euro-americanos pobres manter o seu senso de valor próprio por meio do contraste entre eles e seus supostos inferiores. Reivindicações anti-racistas enfrentariam um obstáculo, ao contrário, já que elas ameaçam a auto-estima dos brancos pobres. Infelizmente, casos como esse, em que o preconceito proporciona benefícios psicológicos, não são, de forma alguma, raros. Eles bastam para negar a visão de que a auto-estima promovida pode fornecer um padrão de justificação para as reivindicações por reconhecimento.

Como, então, as reivindicações por reconhecimento deveriam ser julgadas? O que constitui um critério adequado para acessar os seus méritos? A abordagem proposta aqui apela para a paridade participativa como um padrão avaliativo. Como já vimos, essa norma abrange ambas as dimensões da justiça, distribuição e reconhecimento. Assim, para ambas as dimensões, o mesmo critério geral serve para distinguir reivindicações justificadas das não justificadas. Independentemente de ser uma questão de distribuição ou reconhecimento, os reivindicantes devem mostrar que os arranjos atuais os impedem de participar em condição de igualdade com os outros na vida social. Os reivindicantes da redistribuição devem mostrar que os arranjos econômicos existentes lhes negam as necessárias condições objetivas para a paridade participativa. Os reivindicantes do reconhecimento devem mostrar que os padrões institucionalizados de valoração cultural lhes negam as condições intersubjetivas necessárias. Em ambos os casos, portanto, a norma da paridade participativa é o padrão para justificar a reivindicação.

Em ambos os casos, também, a paridade participativa serve para avaliar os remédios propostos contra a injustiça. Independentemente de estarem demandando redistribuição ou reconhecimento, os reivindicantes devem mostrar que as mudanças sociais que eles perseguem irão, de fato, promover a paridade de participação. Reivindicantes da redistribuição devem mostrar que as reformas econômicas que eles defendem fornecerão as condições objetivas para a participação plena daqueles a quem elas são atualmente negadas, sem exacerbar significativamente outras disparidades. De modo similar, os reivindicantes do reconhecimento devem mostrar que as mudanças institucionais socioculturais que eles perseguem fornecerão as condições intersubjetivas necessárias, novamente, sem piorar substantivamente outras disparidades. Em ambos os casos, mais uma vez, a paridade participativa é o padrão para justificar propostas de reforma.

Isso representa um aperfeiçoamento considerável em relação ao padrão de "auto-realização" que acabamos de discutir. Focalizando nas capacidades para a participação, o modelo de status condena a institucionalização dos valores racistas, mesmo nos casos em que eles propiciam benefícios psicológicos para aqueles que os apóiam. Apesar de tudo, falta verificar se a norma da paridade participativa é, por si mesma, suficiente para distinguir as reivindicações justificadas, pelo reconhecimento da diferença, das não justificadas.

União homossexual, minorias e a dupla exigência

O problema é que nem todas as disparidades são per se injustas. Teóricos da justiça distributiva têm, há muito tempo, considerado esse ponto em relação às desigualdades econômicas. Buscando distinguir as disparidades econômicas justas das injustas, alguns desses teóricos desenharam uma linha divisória entre aquelas desigualdades que surgem como um resultado das escolhas dos indivíduos, de um lado, e, de outro, aquelas que surgem como um resultado das circunstâncias que estão além do controle dos indivíduos, argumentando que apenas as segundas, e não as primeiras, são injustas (veja, por exemplo, Dworkin, 1981). Questões análogas surgem em relação ao reconhecimento. Aqui, também, nem todas as disparidades são injustas, porque nem todas as hierarquias de valor institucionalizadas são injustas. Necessita-se, conseqüentemente, de uma maneira de distinguir, na participação, as disparidades justas das injustas. A questão central aqui, mais uma vez, é se a norma deontológica da paridade de participação é suficiente para esse fim e se, caso ela não seja, se deve voltar para a ética.

Para responder a essa questão, vamos aplicar o padrão de paridade participativa a algumas controvérsias atuais. Considere primeiro o exemplo do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Nesse caso, como já vimos, na lei matrimonial, a institucionalização de uma norma cultural heterossexista nega a paridade de participação a gays e lésbicas. Para o modelo de status, então, essa situação é patentemente injusta, e uma reivindicação por reconhecimento é, em princípio, justificada. Tal reivindicação busca remediar a injustiça por meio da desinstitucionalização do padrão de valor heteronormativo e sua substituição por uma alternativa que promove a paridade. Isso, contudo, pode ser feito de mais de uma maneira. Uma forma seria garantir às parcerias homossexuais o mesmo reconhecimento de que as parcerias heterossexuais, hoje em dia, desfrutam, legalizando o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Outra forma seria desinstitutionalizar o casamento heterossexual, desvinculando direitos, tal como seguro-saúde da condição marital, e prescrevendo-os sob alguma outra base, tal como a cidadania e/ou a residência territorial. Mesmo que possam existir boas razões para preferir uma dessas abordagens à outra, ambas serviriam para fomentar a paridade participativa entre gays e heterossexuais; portanto, ambas são justificadas em princípio, assumindo que nenhuma delas exacerbaria outras disparidades. O que não seria justificado, ao contrário, é uma abordagem como o Pacs francês16 16 Essa é uma lei permitindo casais que não são casados ( gay ou heterossexual) se registrarem como parceiros co-habitantes com direitos a muitos dos benefícios previamente reservados para casais casados. Embora isso pretendesse beneficiar gays e lésbicas, a maioria dos registrantes tem sido casais heterossexuais que não desejam se casar. ou a lei da "união civil" no estado de Vermont, nos Estados Unidos, que estabelece um segundo status legal, paralelo, de parceria doméstica, que não consegue conferir todos os benefícios simbólicos ou materiais do casamento, ao mesmo tempo em que reserva esse último e privilegiado status exclusivamente para casais heterossexuais. Embora tais reformas representem um claro avanço em relação às leis existentes e possam criar apoio em campos táticos como medidas transitórias, elas não satisfazem as exigênciasde justiça tal como entendida pelo modelo de status.

Postas de lado tais considerações táticas, o caso do casamento entre pessoas do mesmo sexo não apresenta dificuldades para o modelo de status. Pelo contrário, ele ilustra uma vantagem previamente discutida daquele modelo: aqui, a norma da paridade participativa justifica reivindicações de gays e lésbicas deontologicamente, sem recorrer à avaliação ética – sem, é dizer, assumir um julgamento substantivo de que uniões homossexuais são valiosas eticamente. A abordagem de auto-realização, ao contrário, não consegue evitar pressupor aquele julgamento, então, é vulnerável a contra-julgamentos que a negam17 17 Deixe-me prevenir qualquer possível desentendimento: eu não tenho qualquer problema com a visão que atribui valor ético a relacionamentos homossexuais. Mas ainda insisto que isso não consegue adequadamente fundamentar a reivindicação por reconhecimento em sociedades onde cidadãos têm visões divergentes da boa vida e discordam entre si a respeito do valor ético de uniões entre pessoas do mesmo sexo. . Sendo assim, o modelo de status é superior para lidar com esse caso.

Talvez, contudo, esse exemplo seja muito fácil. Vamos considerar alguns casos presumivelmente mais difíceis envolvendo práticas culturais e religiosas. Em tais casos, a questão que surge é se a paridade participativa realmente pode ser considerada um padrão de justificação, é dizer, se a paridade participativa pode servir para justificar reivindicações deontologicamente, sem recorrer à avaliação ética das práticas culturais e religiosas em questão. De fato, como veremos, a paridade participativa mostra-se adequada aqui também, contanto que ela seja aplicada corretamente.

Crucial aqui é que a paridade participativa entra no cenário em dois níveis diferentes. Primeiro, no nível entre grupos, ela fornece o modelo para avaliar os efeitos de padrões institucionalizados de valoração cultural no posicionamento relativo de minorias vis-à-vis maiorias. Desse modo, ela é invocada ao considerar-se, por exemplo, se as antigas regras canadenses, determinando o uso de uniforme com chapéu para a Polícia Montada, constituem um comunitarismo majoritário injusto que, efetivamente, fecha aquela ocupação aos homens Sikh. Segundo, no nível intragrupo, a paridade participativa também serve para avaliar os efeitos internos das práticas minoritárias para as quais se reivindica reconhecimento, é dizer, os efeitos sobre os próprios membros dos grupos. Nesse nível, ela é invocada ao considerar-se, por exemplo, se as práticas judaicas ortodoxas de segregação sexual na educação marginalizam, injustamente, as meninas ortodoxas e se deveria ser negado reconhecimento àquelas práticas na forma de cortes de isenções de tributo ou subsídios escolares.

Tomados em conjunto, esses dois níveis constituem uma dupla exigência para reivindicações por reconhecimento cultural. Reivindicantes devem mostrar, primeiro, que a institucionalização das normas culturais da maioria nega-lhes a paridade participativa e, segundo, que as práticas cujo reconhecimento eles buscam não nega a eles mesmos a paridade participativa,a alguns membros do grupo bem como a não-membros. Para o modelo de status, ambas as exigências são necessárias; nenhuma delas sozinha é suficiente. Somente reivindicações que cumprem as duas exigências são merecedoras de reconhecimento público.

Para aplicar essa dupla exigência, vamos considerar a controvérsia francesa sobre o foulard. Aqui, a questão é saber se as políticas que proíbem as garotas muçulmanas de usar véus em escolas públicas constituem um tratamento injusto de uma minoria religiosa. Nesse caso, aquela(e)s que reivindicam o reconhecimento do foulard precisam estabelecer dois pontos: ela(e)s devem mostrar, primeiro, que a proibição do véu constitui um comunitarismo majoritário injusto, que nega paridade educacional a garotas muçulmanas; e, segundo, que uma política alternativa permitindo o foulard não exacerbaria a subordinação feminina, em comunidades muçulmanas ou na sociedade em geral. Somente estabelecendo esses dois pontos ela(e)s podem justificar a sua reivindicação. O primeiro ponto, a respeito do comunitarismo majoritário francês, pode ser comprovado sem dificuldade, ao que parece, já que nenhuma proibição análoga impede o uso de cruzes cristãs nas escolas públicas; então, a política atual nega igual reputação aos cidadãos mulçumanos. O segundo ponto, a respeito da não exacerbação da subordinação feminina, provou-se, ao contrário, controverso, já que alguns republicanos franceses argumentaram que o foulard é, em si, um marcador de tal subordinação e deve, portanto, ser-lhe negado reconhecimento. Contudo, contestando tal interpretação, algumas/alguns multiculturalistas replicaram que o sentido do véu é altamente disputado nas comunidades mulçumanas francesas hoje, assim como o são as relações de gênero de forma mais geral; desse modo, ao invés de construí-lo como univocamente patriarcal, o que efetivamente está de acordo com a autoridade exclusiva suprema masculina para interpretar o Islã, o estado deveria tratar o foulard como um símbolo da identidade mulçumana em transição, cujo sentido é contestado, assim como o é a própria identidade francesa, como um resultado das interações transculturais em uma sociedade multicultural. Dessa perspectiva, permitir o foulard nas escolas públicas poderia ser um passo em direção a, e não distante da, paridade de gênero18 18 Certamente, há lugar para discórdias acerca dos efeitos do foulard sobre a posição social de meninas. Aqueles efeitos não podem ser calculados por um métrico ou método algorítmicos. Pelo contrário, eles somente podem ser determinados dialogicamente, pela troca de argumentos, em que julgamentos conflitantes são analisados e interpretações rivais são pesadas. .

A meu ver, a(o)s multiculturalistas têm o argumento mais forte aqui. (Esse não é o caso, eventualmente, para aquela(e)s que reconheceriam o que chamam de "circuncisão feminina", na verdade, mutilação genital que, claramente, nega paridade no prazer sexual e na saúde a mulheres e meninas.) Mas esse não é o ponto que eu quero salientar aqui. O ponto, ao invés, é que o argumento é corretamente moldado em termos de paridade de participação. Para o modelo de status, isso é precisamente onde a controvérsia deveria ser conectada. Tanto no caso do casamento entre pessoas do mesmo sexo quanto no caso das reivindicações culturais e religiosas: a paridade participativa é o padrão apropriado para justificar demandas. Apesar das diferenças nessa interpretação, a norma da paridade participativa serve para avaliar deontologicamente tais reivindicações por reconhecimento, sem nenhuma necessidade de avaliação ética das práticas culturais ou religiosas em questão19 19 Em geral, o padrão da paridade participativa não pode ser aplicado monologicamente, à maneira de um procedimento de decisão. Ao invés, ele deve ser aplicado dialogicamente e discursivamente, por meio de processos democráticos de debate público. Em tais debates, participantes discutem se os padrões institucionalizados de valoração cultural existentes impedem a paridade de participação e se as alternativas propostas a fomentariam, sem exacerbar outras disparidades. Para o modelo de status, então, a paridade participativa serve como um idioma de contestação e deliberação públicas sobre questões de justiça. Mais fortemente, ela representa o principal idioma de razão pública, a linguagem preferida para conduzir a argumentação política democrática sobre questões tanto de distribuição quanto de reconhecimento. Para uma discussão mais completa sobre a abordagem dialógica, veja Fraser (2000a). .

Em geral, então, o modelo de status estabelece um rigoroso padrão para justificar demandas pelo reconhecimento de diferença cultural. No entanto, ele permanece totalmente deontológico. Aplicada dessa dupla forma, a norma da paridade participativa é suficiente para descartar reivindicações não justificadas, sem nenhum recurso à avaliação ética.

Ecologia sem ética?

Todavia, permanece a questão se a paridade participativa é suficiente em todos os casos, ou se ela deve ser suplementada por considerações éticas em alguns deles. Na segunda hipótese, nem todas as reivindicações que passassem pelo teste deontológico seriam justificadas. Ao contrário, apenas aquelas que sobrevivessem a mais uma rodada de exame ético seriam julgadas merecedoras de reconhecimento público. Nesse caso, a paridade participativa seria uma condição de justificação necessária, mas não suficiente. Embora servisse para filtrar as reivindicações que fossem inaceitáveis em campos deontológicos, ela seria incapaz de fornecer o passo final, nomeadamente, avaliar o valor ético de práticas contestadas. Então, seria necessário, no final, voltar à ética.

Essa perspectiva surge quando consideramos casos que não são suscetíveis de soluções pluralistas. Esses seriam casos, diferentemente do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou do l’affaire foulard, que não podem ser tratados por meio da tolerância institucional. Naqueles dois casos, pessoas com diferentes visões éticas da boa vida poderiam concordar em discordar e optar por um regime de viver e deixar viver. Suponha, entretanto, que encontrássemos um caso em que as visões éticas das pessoas fossem tão diretamente antitéticas, tão mutuamente excludentes, que a coexistência pacífica seria impossível. Nesse evento, a sociedade seria forçada a escolher entre elas, e a paridade de participação deixaria de ser uma meta relevante. Com aquele padrão deontológico não mais aplicável, seria necessário avaliar as alternativas eticamente. Os cidadãos teriam de avaliar o valor relativo de duas visões concorrentes da boa vida.

Certamente, tais casos são, em princípio, possíveis. Mas eles não são tão comuns como acreditam aqueles que colocam o reconhecimento no campo da ética. Vamos considerar o caso hipotético de uma sociedade comprometida em assegurar a integridade e a sustentabilidade do ambiente natural. Suponhamos que os arranjos sociais nessa sociedade institucionalizem padrões de valoração cultural respeitadores da ecologia. Suponhamos, também, que o efeito é desfavorecer uma minoria de membros que se identificam com orientações culturais exploradoras da ecologia. Suponhamos, ainda, que esses membros se mobilizaram como uma minoria cultural e reivindicaram igual reconhecimento para a sua diferença cultural. Suponhamos, é dizer, que eles reivindicaram a institucionalização de um novo padrão de valoração cultural que assegurasse paridade para práticas culturais exploradoras da ecologia e respeitadoras da ecologia.

Claramente, esse é um caso que não é suscetível à solução pluralista. Não faz sentido institucionalizar a paridade entre orientações respeitadoras da ecologia e exploradoras da ecologia dentro de uma única sociedade, já que a última minaria a primeira. Assim, a sociedade é efetivamente forçada a optar por uma orientação ou pela outra. A questão é o que pode justificar a escolha. Proponentes da ética sustentam que os parâmetros devem ser éticos. Do modo como eles a vêem, os cidadãos devem decidir qual orientação, em relação à natureza, melhor conduz a uma boa forma de vida; e eles devem justificar sua escolha em tais parâmetros éticos. Se os cidadãos optam pelo ambientalismo, por exemplo, eles devem apelar para julgamentos de valor com base em uma visão de mundo ecológica; se optam pelo antiambientalismo, ao contrário, eles devem apelar para valores antiecológicos. Tais apelos são problemáticos, entretanto, por razões que nós já apontamos. Ambos invocam justificações internas a uma visão de mundo que o outro lado explicitamente rejeita. Assim, nenhum lado pode justificar a sua posição na presunção de que o outro poderia em princípio aceitar. E também nenhum pode deixar de lançar o outro para fora do círculo daqueles que tenham direito a tal justificação20 20 Para o argumento de um direito básico à justificação na presunção de que se poderia em princípio aceitar, veja Forst (1999). . No entanto, isso representa, em si, uma falha de reconhecimento, de cidadãos qua cidadãos. Em geral, então, se nenhuma outra – não ética – justificação está disponível, o não reconhecimento, e, por conseguinte, a injustiça, não pode ser evitado.

Felizmente, a dificuldade é menos intratável quanto parece de início. De fato, uma resolução não ética está disponível, já que a reivindicação antiecologista viola o padrão deontológico da paridade participativa, bem antes de a avaliação ética ter de entrar em operação. Especificamente, ela viola a segunda parte da dupla exigência, que defende que as reformas propostas não devem exacerbar uma disparidade de participação durante o tratamento de outra. Nesse caso, os antiecologistas buscam remediar sua própria disparidade vis-à-vis seus concidadãos respeitadores da ecologia; mas eles o fariam às expensas das gerações futuras. Instituindo a paridade agora para práticas que piorariam o aquecimento global, eles negariam a seus sucessores os pré-requisitos materiais para uma forma de vida viável, violando, assim, a justiça intergeracional. Desse modo, a reivindicação dos antiecologistas é reprovada no teste da paridade participativa. E então esse caso, também, assim como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o affaire foulard, pode ser julgado em parâmetros deontológicos. Nenhum recurso à ética é necessário.

A moral aqui é que se deve proceder cautelosamente antes de se recorrer à ética. A avaliação ética, afinal, é problemática. Sempre contextualmente fundada, ela está sujeita à disputa sempre que horizontes avaliadores divergentes entram em contato. Assim, deve-se tomar cuidado para exaurir todos os recursos de raciocínio deontológico antes de dar o próximo passo. De fato, como esse exemplo mostra, casos que inicialmente parecem requerer a ética podem freqüentemente ser solucionados por meios deontológicos. Isso não significa dizer que casos que demandam avaliação ética são impossíveis em princípio. Mas só se pode determinar se se está ou não enfrentando um caso desse tipo, atravessando uma longa cadeia de raciocínio moral, fulcrado primeiro em encontrar uma solução deontológica. Falhar em completar aquela cadeia é recorrer prematuramente à ética. Nesse evento, embarca-se em um empreendimento dúbio. Apelando para horizontes de valor substantivos que não são compartilhados por todos os concernidos, sacrifica-se a chance de julgar as reivindicações por reconhecimento definitivamente, em formas que são vinculantes para todos.

Conclusão

Por essa razão, assim como pelas outras que ofereci aqui, deve-se adiar a virada para a ética tanto quanto possível. Abordagens alternativas, apoiadas, infelizmente, pela maioria dos teóricos do reconhecimento, recorrem prematuramente à ética. Excluindo a opção de desenvolver uma interpretação deontológica do reconhecimento, eles perdem a chance de reconciliar reivindicações pelo reconhecimento da diferença com reivindicações por redistribuição igualitária. Assim, eles perdem a chance de reestruturar o terreno conceitual que está atualmente reforçando a esquizofrenia filosófica.

Dada aquela alternativa inaceitável, é tranqüilizador ver o quão longe se pode chegar com uma interpretação deontológica do reconhecimento. E nós, realmente, chegamos notavelmente longe até aqui. Empregando o modelo de status, com o seu princípio da paridade participativa, foi possível lidar com questões aparentemente éticas, tais como o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo de um lado, e as práticas religiosas e culturais minoritárias de outro, sem de fato recorrer à ética. Mesmo o caso aparentemente mais difícil da ética ambiental provou-se suscetível à solução deontológica.

Em geral, então, o argumento buscado aqui sustenta uma conclusão ainda mais encorajada: não há nenhuma necessidade de apresentar uma escolha entre a política da redistribuição e a política do reconhecimento. É possível, ao contrário, construir um modelo abrangente em que se pode acomodar ambos, seguindo o caminho perseguido aqui. Primeiro, deve-se construir o reconhecimento como uma questão de justiça, em oposição à "boa vida". Isso, por sua vez, requer a substituição do modelo padrão de reconhecimento da identidade pelo modelo alternativo, o modelo de status, esboçado aqui. Em seguida, deve-se ampliar o conceito de justiça para incluir distribuição e reconhecimento como duas dimensões mutuamente irredutíveis. Isso envolve colocar ambas as dimensões sob a norma deontológica da paridade participativa. Finalmente, depois de reconhecer que a justiça pode, em alguns casos, exigir o reconhecimento das particularidades acima e além da humanidade comum, deve-se submeter as reivindicações por reconhecimento ao padrão de justificação da paridade participativa. Isso, como vimos, significa escrutinar os padrões institucionalizados de valoração cultural, e propostas para alterá-los, por seu impacto na interação social – ambos ao longo e dentro de grupos sociais. Apenas então, depois de todos esses passos, poder-se-ia encontrar uma situação em que se mostraria necessário recorrer à ética. Além de tais casos, ter-se-á êxito em permanecer no terreno da Moralität e em evitar a virada ética.

É possível, concluo, endossar redistribuição e reconhecimento e, ao mesmo tempo, evitar a esquizofrenia filosófica. Nesse caminho, pode-se preparar parte do campo de trabalho conceitual para enfrentar o que eu tomo como a questão política central do dia: como podemos desenvolver uma orientação coerente que integre redistribuição e reconhecimento? Como podemos desenvolver um modelo que integre o que permanece cogente e não superado na visão socialista com o que é cogente e irrefutável na nova, aparentemente "pós-socialista", visão do multiculturalismo? Se falharmos em formular essa questão, se nos agarrarmos, ao invés, a falsas antíteses e dicotomias enganadoras, perderemos a chance de vislumbrar arranjos sociais que possam compensar injustiças econômicas e culturais. Apenas olhando para abordagens integrativas que unem redistribuição e reconhecimento, nós podemos alcançar as exigências da justiça para todos.

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  • *
    Artigo originalmente publicado na revista
    Theory, Culture & Society, v. 18, p. 21-42, 2001. Tradução de Ana Carolina Freitas Lima Ogando e Mariana Prandini Fraga Assis, a quem agradecemos. Agradecemos também à revista
    Theory, Culture & Society e à autora a cessão dos direitos de publicação deste artigo.
  • **
    Partes deste artigo foram adaptadas e retiradas do meu ensaio,
    Social Justice in the Age of Identity Politics: Redistribution, Recognition and Participation (Fraser, 2000a). Estou agradecida à Tanner Foundation for Human Values pelo apoio a esse trabalho; uma versão anterior dele foi apresentada como a Tanner Lecture on Human Values na Universidade de Stanford, de 30 abril a 2 de maio de 1996. Agradeço a Elizabeth Anderson e Axel Honneth, por suas atenciosas respostas à conferência, e a Rainer Forst, por seus comentários questionadores a um rascunho prévio do presente artigo.
  • 1
    Para uma maior discussão do modelo de reconhecimento da identidade, veja Fraser (2000).
  • 2
    Para uma crítica mais aprofundada do modelo de identidade, veja Fraser (2000).
  • 3
    Para uma discussão mais ampla do modelo de reconhecimento de status, veja Fraser (2000a).
  • 4
    Sou grata a Rainer Forst pela ajuda em formular esse ponto.
  • 5
    Como já apontei, o modelo de
    status evita a psicologização. O que isso significa, entretanto, requer algum esclarecimento. O modelo não supõe que o falso reconhecimento jamais tenha os efeitos psicológicos descritos por Taylor e Honneth. Mas ele sustenta que a condenação do falso reconhecimento não depende da presença de tais efeitos. Desse modo, o modelo de
    status dissocia a normatividade das reivindicações por reconhecimento da psicologia, ampliando, assim, a sua força normativa. Quando reivindicações por reconhecimento são baseadas em uma teoria psicológica das "condições intersubjetivas para a formação da identidade de modo não distorcido", como no modelo de Honneth (1995), elas se tornam vulneráveis às vicissitudes daquela teoria; o seu vínculo moral evapora, caso a teoria se torne falsa. Tratando o reconhecimento como uma questão de
    status, ao contrário, o modelo que proponho evita submeter as reivindicações normativas a questões psicológicas de fato. Pode-se demonstrar que uma sociedade cujas normas institucionalizadas impedem a paridade de participação é injusta mesmo que ela não inflija danos psíquicos àqueles que ela subordina.
  • 6
    Aqui estou assumindo a distinção, agora bastante comum na filosofia moral, entre respeito e estima. De acordo com essa distinção, o respeito é devido universalmente a todas as pessoas em virtude de uma humanidade compartilhada; estima, ao contrário, é conferida diferentemente em função das características específicas, conquistas ou contribuições das pessoas. Dessa maneira, enquanto a imposição de respeitar a todos de modo igual é perfeitamente aceitável, a imposição de estimar a todos de modo igual é paradoxal.
  • 7
    Esse ponto pode ser também colocado da seguinte forma: embora ninguém tenha direito a igual estima social no sentido positivo, todos têm o direito de não serem desestimados em função de classificações institucionalizadas de grupo que atacam a sua condição de parceira(o) integral na interação social. Eu devo essa formulação a Rainer Forst (em conversa pessoal).
  • 8
    John Rawls, por exemplo, às vezes concebe os bens primários, tais como renda e emprego, como as bases sociais do auto-respeito, ao mesmo tempo em que fala de auto-respeito como um bem primário especialmente importante cuja distribuição é uma questão de justiça (veja Rawls, 1971: § 67, § 82; 1993: 82, 181, 318 ff.). Ronald Dworkin, igualmente, defende a idéia de igualdade de recursos como uma expressão distributiva do igual valor moral das pessoas (1981). Amartya Sen (1985), finalmente, considera tanto o sentido de si quanto a capacidade de aparecer em público sem vergonha como importantes para a capacidade de agir, portanto, como incluídos na finalidade de uma abordagem da justiça que celebra a distribuição igualitária das capacidades básicas.
  • 9
    A notável exceção de um teórico que procurou encampar questões da cultura dentro de um modelo distributivo é Will Kymlicka. Kymlicka propõe tratar o acesso a uma "estrutura cultural intacta" como um bem primário a ser distribuído de forma justa. Essa abordagem foi talhada para comunidades políticas multinacionais, tais como o Canadá, em oposição a comunidades políticas pluriétnicas, tais como os Estados Unidos. Isso se torna problemático, todavia, nos casos em que os reivindicantes de reconhecimento mobilizados não se dividem de forma ordenada (ou mesmo não tão ordenada) em grupos com culturas distintas e relativamente delimitadas. Ela também tem dificuldade em lidar com casos nos quais as demandas por reconhecimento não tomam a forma de demandas por (algum nível de) soberania, mas objetivam, ao invés, paridade de participação dentro de uma comunidade política que é entrecortada por múltiplas e cruzadas linhas de diferença e desigualdade. Para o argumento de que uma estrutura cultural intacta é um bem primário, veja Kymlicka (1989). Para a distinção entre comunidades multinacionais e pluriétnicas, veja Kymlicka (1996).
  • 10
    Não fazendo uma redução substantiva, além disso, subsunções puramente verbais são pouco úteis. Pouco se ganha em insistir como um ponto de semântica que, por exemplo, reconhecimento é, também, um bem a ser distribuído; nem, inversamente, mantendo como uma questão de definição, que todo padrão distributivo expressa uma matriz de reconhecimento subjacente. Em ambos os casos, o resultado é uma tautologia. O primeiro torna todo reconhecimento distribuição por definição, enquanto o segundo simplesmente afirma o inverso. Em nenhum caso, os problemas substantivos de integração conceitual foram discutidos. De fato, tais "reduções" puramente definicionais poderiam realmente servir para impedir o progresso na solução desses problemas. Criando a aparência enganadora da redução, tais abordagens poderiam tornar difícil ver, sem falar de discutir, possíveis tensões e conflitos entre demandas por redistribuição e demandas por reconhecimento.
  • 11
    Desde que cunhei a frase em 1995, o termo "paridade" passou a ter um papel central na política feminista na França. Lá, ele significa a demanda de que as mulheres ocupem um total de 50 por cento das cadeiras no Parlamento e em outros órgãos representativos. "Paridade" na França, desse modo, significa igualdade de gênero estritamente numérica na representação política. Para mim, ao contrário, "paridade" significa a condição de ser um
    par, de se estar em
    igual condição com os outros, de estar partindo do mesmo lugar. Eu deixo em aberto a pergunta de até que grau ou nível de igualdade é necessário para assegurar tal paridade. Na minha formulação, além disso, o requerimento moral é que aos membros da sociedade seja garantida a
    possibilidade de paridade, se e quando eles escolherem participar em uma dada atividade ou interação. Não há nenhuma solicitação para que todos realmente participem em qualquer atividade.
  • 12
    Afirmo que "
    pelo menos duas condições devem ser cumpridas" para permitir a possibilidade de mais do que duas. Tenho em mente especificamente uma possível terceira classe de obstáculos à paridade participativa que poderia ser chamada "política", em oposição à econômica ou cultural. Obstáculos "políticos" à paridade participativa incluiriam procedimentos de "tomada de decisão" que sistematicamente marginalizam algumas pessoas, mesmo na ausência de má distribuição e falso reconhecimento, por exemplo, regras eleitorais de distritos uninominais segundo as quais quem ganha leva todos os votos que negam voz para as quase permanentes minorias. A injustiça correspondente seria "marginalização política" ou "exclusão"; o remédio correspondente, "democratização". Para uma discussão mais ampla dessa "terceira" dimensão de justiça, veja Fraser (2000a). Para uma abordagem compreensiva sobre regras eleitorais de distritos uninominais segundo as quais quem ganha leva todos os votos, veja Guinier (1994).
  • 13
    É uma questão em aberto o quanto a desigualdade econômica é compatível com a paridade de participação. Alguma desigualdade desse tipo é inevitável e não censurável. Mas há um limiar em que as disparidades de recursos se tornam tão grandes que impedem a paridade participativa. Onde exatamente está esse limiar é uma questão para maior investigação.
  • 14
    Afirmo que o remédio
    pode ser o reconhecimento da diferença, não que o deva ser. De fato, há outros possíveis remédios para a negação das particularidades, incluindo a desconstrução dos próprios termos sobre quais as diferenças são atualmente elaboradas. Para uma discussão de tais alternativas, veja Fraser (2000a).
  • 15
    Tanto Taylor quanto Honneth sustentam essa visão. Veja Taylor (1994) e Honneth (1995).
  • 16
    Essa é uma lei permitindo casais que não são casados (
    gay ou heterossexual) se registrarem como parceiros co-habitantes com direitos a muitos dos benefícios previamente reservados para casais casados. Embora isso pretendesse beneficiar
    gays e lésbicas, a maioria dos registrantes tem sido casais heterossexuais que não desejam se casar.
  • 17
    Deixe-me prevenir qualquer possível desentendimento: eu não tenho qualquer problema com a visão que atribui valor ético a relacionamentos homossexuais. Mas ainda insisto que isso não consegue adequadamente fundamentar a reivindicação por reconhecimento em sociedades onde cidadãos têm visões divergentes da boa vida e discordam entre si a respeito do valor ético de uniões entre pessoas do mesmo sexo.
  • 18
    Certamente, há lugar para discórdias acerca dos efeitos do
    foulard sobre a posição social de meninas. Aqueles efeitos não podem ser calculados por um métrico ou método algorítmicos. Pelo contrário, eles somente podem ser determinados dialogicamente, pela troca de argumentos, em que julgamentos conflitantes são analisados e interpretações rivais são pesadas.
  • 19
    Em geral, o padrão da paridade participativa não pode ser aplicado monologicamente, à maneira de um procedimento de decisão. Ao invés, ele deve ser aplicado dialogicamente e discursivamente, por meio de processos democráticos de debate público. Em tais debates, participantes discutem se os padrões institucionalizados de valoração cultural existentes impedem a paridade de participação e se as alternativas propostas a fomentariam, sem exacerbar outras disparidades. Para o modelo de
    status, então, a paridade participativa serve como um idioma de contestação e deliberação públicas sobre questões de justiça. Mais fortemente, ela representa
    o principal idioma de razão pública, a linguagem preferida para conduzir a argumentação política democrática sobre questões tanto de distribuição quanto de reconhecimento. Para uma discussão mais completa sobre a abordagem dialógica, veja Fraser (2000a).
  • 20
    Para o argumento de um direito básico à justificação na presunção de que se poderia em princípio aceitar, veja Forst (1999).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Set 2007
    • Data do Fascículo
      2007
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