Apresentação
Os movimentos sociais foram um dos fatores impulsionadores mais importantes do processo recente de democratização do Brasil. A sociologia detectou sua relevância política e submeteu tais mobilizações à análise. Na medida, porém, em que a democracia política se institucionalizou no país, os pesquisadores deslocaram o foco de sua atenção dos próprios movimentos sociais para os mecanismos de participação das camadas populares na gestão das políticas do Estado.
É certo que esta reorientação da pesquisa tem permitido aumentar bastante o conhecimento sobre aspectos importantes da vida democrática recente. Não permitiu, porém, que a literatura brasileira sobre movimentos sociais crescesse no ritmo intenso em que se expandiu nos EUA e na Europa, seja no plano substantivo seja no plano teórico. É lamentável que isso tenha ocorrido. Os movimentos sociais são muito importantes na conformação da vida social, embora isso possa apenas ser entrevisto no dia-a-dia porque a cobertura jornalística da vida pública focaliza quase só as atividades de indivíduos e coletividades pertencentes ao 'mundo oficial'.
Acresce que a literatura sobre movimentos sociais vem experimentando uma verdadeira 'revolução teórica'. Tem havido um realinhamento importante dos especialistas no que diz respeito às suas orientações teóricas básicas, o que redefiniu as tendências dominantes; as dimensões cultural e emocional das mobilizações foram postas, analiticamente, em primeiro plano; acentuou-se desde os anos 1990 uma tendência à fusão entre várias áreas de estudo e literaturas sociológicas - sobre movimentos sociais, revoluções, movimentos religiosos etc. - que antes se mantinham isoladas entre si; e, no interior deste movimento teórico, vêm surgindo tentativas de examinar sistematicamente as relações entre as ações coletivas não institucionalizadas e as institucionalizadas.
Tudo isso serviu de estímulo para a organização deste Dossiê sobre Movimentos Sociais. Procurei reunir neste número de Lua Nova não só contribuições teóricas abrangentes mas também análises sobre movimentos sociais brasileiros relevantes.
O primeiro artigo é de autoria de três dos mais destacados analistas de movimentos sociais, McAdam, Tarrow e Tilly. O artigo apareceu no primeiro número de um periódico surgido em 1996, Mobilization, dedicado inteiramente ao assunto. O artigo é importante, pois demarca os fundamentos e o conteúdo programático do movimento de fusão teórica antes mencionado. No segundo artigo, Angela Alonso faz um balanço das várias perspectivas de análise dos movimentos sociais, delineando as controvérsias-chave e a redefinição recente das tendências dominantes. Em seguida, Rousiley Maia discute as relações entre movimentos sociais e os meios de comunicação de massa, segundo duas perspectivas teóricas de análise das mobilizações.
Depois são apresentadas análises de processos substantivos que tiveram ou têm grande relevância para a conformação do Brasil contemporâneo. Eduardo Noronha estuda as greves operárias ao longo de trinta anos, identificando e analisando o grande ciclo de greves que marcou o processo brasileiro de transição política. Edison Bertoncelo analisa o maior movimento social ocorrido no Brasil, a Campanha das Diretas-Já, suas causas e seu impacto no processo de democratização do país. E, por fim, Marcelo Rosa examina a mobilização em torno da propriedade da terra, fenômeno importante da história brasileira contemporânea, discutindo a relevância da ação do Estado para este tipo de ação coletiva.
BRASILIO SALLUM JR.
Organizador do Dossiê
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
02 Out 2009 -
Data do Fascículo
2009