Acessibilidade / Reportar erro

FRACASSO ESTATAL E SOBERANIA: A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DOS ESTADOS FALIDOS NA POLÍTICA EXTERNA ESTADUNIDENSE

STATE FAILURE AND SOVEREIGNTY: THE DISCURSIVE CONSTRUCTION OF FAILED STATES IN U.S. FOREIGN POLICY

Resumo

Este artigo interroga o conceito de Estado falido conforme apresentado pela política externa dos Estados Unidos (EUA). O argumento desenvolve três pontos principais. Primeiramente, a ideia de fracasso estatal repousa sobre a compreensão de que países fracassam por não executarem no presente o que se espera de Estados soberanos. Em segundo lugar, as reconstruções dos Estados assentam-se sobre a ideia de que, em algum momento do passado, conseguiram exercer minimamente as funções consideradas essenciais a qualquer Estado e podem ser recolocados numa trajetória de progresso. Finalmente, a ingerência externa estadunidense não derivaria apenas da percepção de uma situação atípica: a premissa de decidir sobre a exceção seria uma das facetas da afirmação da identidade de Estado soberano dos EUA.

Palavras-chave:
Estados Falidos; Soberania; Exceção; EUA

Abstract

The article calls into question the concept of failed state as presented in U.S. foreign policy documents. Our argument is threefold. First, the idea of state failure rests on the understanding that they fail because they do not perform what is expected from them in the present. Secondly, statebuilding efforts are based on the idea that, at some point, states have been able to carry out functions that are considered essential to any government and can be put back on a trajectory of progress. Finally, U.S. military interventions in these countries are not derived only from the perception of an atypical situation that requires exceptional measures. The premise of deciding what is an exception is part of the process of affirming the identity of a sovereign state to the U.S.

Keywords:
Failed states; Sovereignty; Exception; U.S.

Introdução

A preocupação internacional com os chamados Estados Falidos se tornou bastante acentuada após os atentados terroristas do Onze de Setembro. Apontados como potenciais locais para a instalação de redes terroristas que poderiam ameaçar os demais países do sistema internacional, esses Estados passaram a ter espaço privilegiado nas agendas de segurança e defesa dos Estados Unidos (EUA). Para fazer frente a esse desafio, o leque de estratégias norte-americanas foi variado, utilizando-se desde ajuda financeira externa condicionada a reformas políticas e econômicas até o uso da força militar como meio para intervir e capacitar institucionalmente os países e, assim, resgatá-los de uma situação de dita fragilidade e caos social. Logo, as intervenções no Afeganistão e Iraque podem ser consideradas as principais traduções empíricas dessa orientação da política externa dos EUA para os problemas relativos ao fracasso estatal1 1 No decorrer do artigo, utilizaremos de forma intercambiável as expressões “fracasso estatal” e “falência estatal”, “Estado falido” e “Estado fracassado” devido a dois motivos principais. Primeiramente, a literatura sobre o tema considera, em boa medida, os termos correlatos, e a diferença entre ambos é mais de grau do que de conteúdo. Em segundo lugar, a partir de revisões bibliográficas sobre o assunto, é possível afirmar que as expressões são bastante parecidas, pois ao problema, seja a falência ou fracasso, é usualmente atribuída uma origem doméstica. .

Passada quase duas décadas dos ataques às Torres Gêmeas e ao Pentágono, tivemos um acirrado debate sobre a questão. De um lado, analistas defendiam relações de causalidade entre o fracasso estatal e a proliferação de grupos terroristas e outras ameaças à estabilidade do sistema internacional (Fukuyama, 2005FUKUYAMA, F. 2005.Construção de estados: governo e organização mundial no século XXI. Rio de Janeiro: Rocco.; Rotberg, 2004ROTBERG, R. 2004. The failure and collapse of nation states: breakdown, prevention, and repair. In: ROTBERG, R. (org.). When states fail: causes and consequences. New Jersey: Princeton University Press.). Outros questionavam esse pressuposto, ao mostrarem que os principais grupos terroristas, em atividade nos dias de hoje, também atuam em países que não poderiam ser enquadrados como falidos (Hehir, 2007HEHIR, A. 2007.“The myth of the failed state and the war on terror: a challenge to the conventional wisdom”. Journal of Intervention and Statebuilding, v. 1, n. 3, pp. 307-333.; Newman, 2009NEWMAN, E. 2009.“Failed states and international order: constructing a post-Westphalian world”. Contemporary Security Policy, v. 30, n. 3, pp. 421-443.). Em suma, a disputa aqui sintetizada se deu em torno da real gravidade que Estados ditos Falidos representariam ao sistema internacional e o que poderia ser feito para dirimir o problema.

Nessa conjuntura, o objetivo deste artigo é intervir na discussão a partir de um registro distinto. Mediante arcabouço teórico construído a partir de ideias de Carl Schmitt e Michel Foucault, procuramos compreender quais são os pressupostos subjetivos inerentes à representação do fenômeno conhecido como fracasso estatal. A partir da leitura de documentos do governo norte-americano, produzidos após os atentados de 2001, queremos interrogar as condições sobre as quais o conhecimento sobre o fracasso estatal é produzido - condições, essas, que acabam por circunscrever as possibilidades da política externa dos EUA. Interrogar as condições que ancoram o conhecimento nos ajuda a desnaturalizar pressupostos e narrativas até então entendidos como reais e a compreender os limites construídos por estas representações e seus reflexos na política internacional.

Assim, procuramos mostrar que a noção de fracasso estatal repousa sobre a compreensão de que Estados fracassam por não conseguirem executar no presente o que se espera que todo Estado soberano, em termos ideais, possa realizar. Também, a possibilidade de se engendrar medidas intervencionistas em Estados Falidos assenta-se sobre a ideia de que, em algum momento do passado, estes Estados conseguiram exercer minimamente as funções consideradas essenciais de qualquer Estado e, portanto, podem ser resgatados de um presente caótico e realocados numa trajetória de progresso institucional, o que proporcionaria estabilidade ao sistema internacional. Ademais, a possibilidade de ingerência militar norte-americana nesses países não seria derivada apenas da percepção de uma situação atípica que demandaria medidas excepcionais. A própria premissa de decidir sobre o que é exceção seria uma das facetas do processo de exteriorização da fonte soberana decisória e da afirmação da identidade de Estado soberano para os EUA.

Para consecução de nosso objetivo, selecionamos para análise os seguintes documentos: The national security strategy of the United States of America (Bush, 2002BUSH, G. W. 2002. The national security strategy of the United States of America. White House: Washington D.C., 2006a______. 2006a. The national security strategy of the United States of America.White House: Washington, D.C.); National strategy for combating terrorism (Bush, 2003______. 2003.National strategy for combating terrorism. White House: Washington D.C., 2006b______. 2006b.National strategy for combating terrorism. White House: Washington D.C.); “The state of the Union” (Bush, 2006cCAMPBELL, D. 2002.“Time is broken: the return of the past in response to September 11”. Theory and Event, v. 5, n.4, pp. 1-16.); National defense strategy (Bush, 2008COLL, S. 2004.Ghost wars: the secret history of the CIA, Afghanistan, and Bin Laden, from the Soviet invasion to September 10, 2001. New York: Penguin Books.); e o relatório Fragile states strategy (USAID, 2005USAID - United States Agency for International Development. 2005.Fragile states strategy. Bureau for Policy and Program Coordination, USAID: Washington D.C.). Ademais, a esse conjunto de documentos agregamos The national security strategy of the United States of America, de 2010, produzida durante o governo do democrata Barack Obama (2009-2017) e que ainda cita a fragilidade dos Estados como um problema de segurança internacional (Obama, 2010OBAMA, B. 2010.The national security strategy of the United States of America. White House: Washington D.C.). É importante frisar que essa escolha não foi aleatória, e sim fruto da importância desses documentos para a caracterização do fracasso estatal, conforme apontado pela literatura acadêmica sobre o tema2 2 A referência a esses documentos é comum nos trabalhos que debatem os efeitos do terrorismo e dos Estados Falidos após o Onze de Setembro, como apontam analistas como Paris (2011) e Patrick (2007). Além desses autores e dos trabalhos citados no corpo do texto, remetemos os interessados a Monteiro (2006) e Gomes (2011) para sistematizações da literatura sobre Estados Falidos. .

O artigo estrutura-se em quatro etapas. A primeira seção apresenta o aporte teórico que informará a análise. Em seguida, utilizaremos os documentos analisados para mapear as características impingidas pelos EUA aos Estados Falidos. Após essa etapa, mostraremos como a descrição da falência estatal assenta-se em estruturas que utilizam a ausência de autorreferências desses Estados como base para a usurpação de sua soberania. Em seguida, procuraremos ilustrar algumas consequências dessa construção discursiva antes de apresentar nossas considerações finais.

Schmitt e Foucault: exceção e soberania

Para Schmitt (2006SCHMITT, C. 2006.Teologiapolítica. Belo Horizonte: Del Rey.), ser soberano significa decidir sobre a exceção. Nessa concepção, nenhum aparato jurídico ou administrativo pode tentar prever os limites dessa regra. Uma vez que a situação de exceção é caracterizada, a própria existência da situação não pode se submeter às tentativas de previsão contidas no direito. Tentar prever a exceção significaria ignorar sua natureza, contrariando, assim, seu aspecto mais intrínseco, de situação limítrofe e não classificável.

Essa definição extrema da exceção, que se contrapõe às tradições neokantianas sobre a positivação dos direitos, nasce e se mantém válida pela sua própria incapacidade de definição. A única possibilidade de se construir um sentido de presença a esse conceito estaria na tentativa de defini-lo de forma minimamente objetiva. Entretanto, qualquer definição tiraria o caráter de singularidade da exceção. Dessa forma, a soberania como exceção seria uma aporia pela qual a própria existência do poder soberano seria dependente.

Utilizando o mesmo raciocínio de forma inversa, teríamos uma situação em que qualquer tentativa de avanço no controle jurídico das situações sociais - demanda cada vez mais comum nos Estados modernos, segundo Schmitt - estaria automaticamente anulando a possibilidade de existência da soberania. Dessa forma, embora o poder soberano fosse legitimado pelas leis, seria justamente a possibilidade de desrespeitá-las que o tornaria soberano. Nesse sentido, o papel da exceção seria não somente o de possibilitar a quebra de regras, mas, principalmente, de assegurar, a partir de uma perspectiva externa, a possibilidade de que elas existam.

Uma vez que a noção de norma só se torna factível pela possibilidade de não respeitá-la, a exceção seria condição imprescindível para que a normalidade exista. Dessa forma, é por meio do exercício da soberania que a ordem social se mantém. Pela prerrogativa de quebra das regras, o soberano preserva a organização social. A política, nessa lógica, seria o refúgio de toda vida jurídica, dado que a própria possibilidade de negação das leis seria também sua fonte de existência.

Por sua vez, Michel Foucault (2004______. 2004. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola.) define como poder a capacidade social de delimitações conceituais e a possibilidade de circulação de novos sentidos ligados às práticas institucionais e à lógica de criação de saberes que legitimam estas práticas. Para Foucault, os discursos construídos na sociedade são, ao mesmo tempo, fenômenos de delimitação das práticas sociais, instâncias de produção de poder e fonte produtora de saberes que, uma vez constituídos, acabam por legitimar outros discursos que os criaram, estabelecendo, portanto, uma relação dialética com os mesmos.

Assim, a partir do século XVIII, o olhar sobre o indivíduo, o registro dos seus mínimos atos e a sistematização de um arcabouço científico sobre o corpo social gerou uma quantidade de registros nunca antes encontrada. O Estado, até então personificado pela pessoa do rei, passa a se disseminar institucionalmente, fazendo as instituições como escolas, prisões e hospitais se tornarem parte do mecanismo de adestramento e controle dos cidadãos. Uma nova lógica de poder que, sem possuir um epicentro a partir do qual sua legitimidade seja emanada, justifica-se pela própria prática do arcabouço de regras gerado por ela mesma.

Essa nova configuração de poder é sustentada, segundo Foucault, por uma nova economia de saber e regimes de verdade. Se as noções de poder e de saber se inter-relacionam de forma sistemática, também geram e são sustentadas por noções que criam novas formas de verdade. Assim, nenhum conhecimento seria neutro no sentido de se aproximar de uma suposta realidade independente do observador. O que geraria o sentido de verdade, em contraposição à categoria de ilusório, seria a sobreposição de perspectivas criadas e reproduzidas socialmente sobre os demais pontos de vista, agora relegados à periferia social.

Assim, os discursos produzidos socialmente não têm apenas a função de representar os fenômenos da realidade, mas fazem parte da sua própria construção, gerando perspectivas legítimas de interpretação do mundo. Falar sobre o indivíduo é construí-lo discursivamente. Elaborar discursivamente as regras sociais tem o mesmo sentido de criar os limites dentro dos quais a ação social deve guiar-se. Poder, saber e discurso seriam, portanto, elementos indissociáveis da realidade social. A partir do momento em que o Estado cria o aparato de administração institucional, este acaba gerando narrativas nas quais a própria noção de indivíduo, de sociedade e até mesmo de soberania irão pautar-se.

Nessa perspectiva foucaultiana, a relação do Estado com os indivíduos, bem como a relação entre Estados e entre indivíduos, seria construída discursivamente a partir da legitimação de novos regimes de verdade por meio dos quais seriam pautadas todas as ações humanas. A construção de identidades, tanto individuais quanto estatais, estaria sujeita à mesma lógica narrativa. A construção da dicotomia entre self e other teria um caráter muito mais discursivo que ontológico. Mesmo aceitando a lógica schmittiana de construção da alteridade como lógica última da política, Foucault considera que a relação amigo-inimigo não seria posicional no sentido objetificado da dicotomia. Embora sabendo que Schmitt considera também o caráter posicional desta relação, Foucault extrapola esse sentido para mostrar a ausência de uma materialidade na formulação desta divisão.

Para ele, a definição dos “hostis” não escaparia dessa lógica da construção narrativa, fazendo o inimigo de um povo ser representado não por questões ontológicas ou posições concretas, e sim devido às narrativas que o caracterizam. O jus belli, exclusividade do Estado moderno na concepção schmittiana, não estaria vinculado ao direito de identificar o inimigo público, mas o de construí-lo e legitimá-lo discursivamente.

Segundo Foucault, a partir do século XVIII, nota-se um processo pelo qual o Estado deixa de ser um lugar privilegiado de morada do príncipe e passa a estar presente no cotidiano de cada cidadão. A voz do rei é disseminada pelo aparelho burocrático institucional e, justamente pelo fato de se reproduzir dentro de cada instituição, torna-se refém do próprio aparato que a sustenta.

Essa nova configuração política constrói, segundo Foucault (2003FOUCAULT, M. 2003.Society must be defended. New York: Picador.), uma noção de soberania que se sustenta a partir de três pilares. Em primeiro lugar, a relação dialética-constitutiva presente na relação entre sujeito e soberania cria um ciclo por meio do qual a soberania é justificada pela presença de indivíduos-cidadãos a serem protegidos, ao mesmo tempo em que o próprio conceito de soberano torna-se crucial para a produção de discursos sobre o que significa ser sujeito. Nessa lógica, não somente o sujeito justifica a necessidade de um Estado ser soberano, como também, é justamente esta mesma soberania que garante a existência desse sujeito. O indivíduo nacional não é algo dado em sua forma ontológica, e sim construído socialmente por narrativas que a ele se referem.

Logo, ser cidadão de um Estado significa ter o direito de ser protegido pelo poder deste. Entretanto, é justamente o discurso da soberania que cria a noção de um sujeito nacional. Nessa lógica, a soberania é ao mesmo tempo justificada e responsável pela criação daquilo que a justifica. Um raciocínio circular, mas eficaz, visto que a necessidade de definição do que seja soberano é remetida à natureza daquilo que a própria soberania criou.

Desse modo, o poder disseminado institucionalmente a partir do século XVIII não teria somente o objetivo de controle sobre os indivíduos, mas também a função de construí-los por meio de narrativas sobre o que significa ser cidadão e sujeito nacional. Narrativas que não apenas informam sobre a soberania e sujeitos soberanos, mas que, por um processo de dominação, os constroem mutuamente.

Em segundo lugar, a disseminação desses poderes sociais pelas instituições, a partir do século XVIII, precisou dar lugar às narrativas sobre uma suposta unicidade de uma rede de poderes. De acordo com Foucault (2003FOUCAULT, M. 2003.Society must be defended. New York: Picador.), soberania e unicidade de poder sempre andam juntas. Para que um país seja considerado soberano, todos os poderes exercidos pelas suas instituições sociais devem, idealmente, ser vistos como partes de uma engrenagem maior a serviço da soberania nacional. Dessa forma, narrativas sobre uma “fonte” de poder, antes localizada na figura do rei, passam a fazer parte do discurso da soberania, reforçando a ideia de que um aparato estatal único seria a base comum a todas as práticas disciplinares modernas.

Assim como o ciclo autorreferente entre soberania e sujeitos nacionais, também aqui se tem uma dialética constitutiva da noção de soberano. O discurso sobre a soberania não somente une os mecanismos de poder em um suposto centro comum que age em nome do Estado, como também é constituído por essa suposta unicidade. Um país deve ser considerado soberano para que as práticas de poder exercidas em seu nome tenham um objetivo idealmente comum, ao mesmo tempo que é justamente a suposição desse objetivo comum que legitima a existência de uma nação soberana.

Em terceiro lugar, tem-se a autorreferência entre a legitimidade da soberania e a existência de leis sociais. Todo Estado moderno tem como base para o exercício da soberania um arcabouço legislativo que lhe permite decidir sobre exceções, sendo o mesmo legítimo, nesse aspecto, devido ao fato de suas leis o garantirem como tal. Entretanto, o que gera a possibilidade de se ter leis é justamente a soberania que o Estado supostamente detém. Desse modo, a soberania não seria somente a condição para que leis fossem criadas, também a legitimidade do soberano deveria, idealmente, estar protegida por essas mesmas leis.

A exemplo da aporia schmittiana, que pressupõe uma impossibilidade das leis preverem sua exceção em termos absolutos, teríamos em Foucault a impossibilidade de decidibilidade sobre o que deve vir primeiro. A soberania deve ser a fonte das leis, ou as leis são a garantia do poder soberano? Trata-se de mais uma face de um ciclo tridimensional, por meio do qual as narrativas sobre o poder soberano se assentam, tendo sua existência garantida justamente no fato desses discursos não se anularem.

Nesse sentido, o diálogo ora proposto entre os autores nos aponta o seguinte caminho para análise: decidir sobre a exceção seria mais do que um direito ou constatação de um Estado soberano, seria também um processo por meio do qual o Estado se faz soberano mediante a própria premissa da decisão. Contudo, tendo em vista que a noção de Estado é construída a partir de perspectivas autorreferentes, o poder de decisão, necessariamente, seria deslocado para a exterioridade do objeto, no caso, os Estados Falidos. Assim, Estados fortes passariam a recriar as instâncias de autorreferência dos Estados Falidos, assumindo para si o caráter de instância soberana. Com base nessas ideias, podemos iniciar a análise.

A construção discursiva dos Estados Falidos pelos EUA

É possível afirmar que, após os atentados terroristas de Onze de Setembro, a ideia de “guerra ao terror” tornou-se um dos principais referenciais político-ideológicos no imaginário coletivo dos EUA, informando tanto práticas de política doméstica quanto de política externa. Talvez um dos grandes feitos dessa constelação de sentidos tenha sido significar a realidade pós-ataques em termos dicotômicos: os EUA e seus aliados estariam agora sob ameaça de redes terroristas que podem causar danos significativos não apenas para a estabilidade doméstica, como também para o sistema internacional, conforme exemplificado no trecho a seguir.

Inimigos do passado precisavam de grandes exércitos e grande capacidade industrial para provocar ameaças à América. Agora, redes obscuras de indivíduos podem trazer caos e sofrimento para nossas costas por muito menos do que os custos de se adquirir um tanque. Os terroristas são organizados para penetrar em sociedades abertas e fazer uso do poder de tecnologias modernas contra nós (Bush, 2002BUSH, G. W. 2002. The national security strategy of the United States of America. White House: Washington D.C., p. iv; tradução nossa).

Assim, seguindo a interpretação de Campbell (2002CAMPBELL, D. 2002.“Time is broken: the return of the past in response to September 11”. Theory and Event, v. 5, n.4, pp. 1-16.), a guerra ao terror conseguiu fixar sentidos nos seguintes termos: temos um jogo de soma zero da ação internacional, ou seja, o ganho do terror é perda dos EUA e aliados, em um senso de perigo inscrito em todas as atividades do outro e marcado pelo medo constante da subversão interna, pela tendência a militarizar as respostas do país e pela delimitação de linhas de superioridade/inferioridade entre “nós” e “eles”. No entanto, é importante dizer que a consolidação desse discurso não dependeu apenas do governo federal, e muito menos do presidente: entidades da sociedade civil, organizações religiosas e acadêmicas contribuíram para que tais sentidos se tornassem hegemônicos.

De acordo com Jackson (2005JACKSON, R. 2005. Writing the war on terror: language, politics and counter-terrorism. Manchester: Manchester University Press.), o discurso da guerra ao terror tornou-se bem-sucedido porque foi reproduzido por outras instâncias. A mídia estadunidense, com destaque para canais tradicionais como a Fox Television, de Rupert Murdoch, fez uso de um discurso de guerra e utilizou os mesmos termos construídos pela administração republicana para significar o imediato pós-Onze de Setembro. Por sua vez, fundações e thinktanks, tais como a Rand Corporation, a Heritage Foundation e a American Enterprise, publicaram livros, produziram sites, organizaram conferências e seminários, prestaram testemunhos no Congresso e ofereceram consultoria sobre o tema. Grupos religiosos também contribuíram significativamente para a reprodução de um discurso messiânico sobre o combate ao terror.

Por fim, a própria produção acadêmica mais tradicional sobre terrorismo seguiu a linha proposta pelo governo. Raphael (2009RAPHAEL, S. 2009.In the service of power: terrorism studies and US intervention in the global South. In: JACKSON, R.; SMYTH,M. B.; GUNNING, J. (orgs.). Critical terrorism studies: a new research agenda. New York: Routledge.) afirma que boa parte das análises tradicionais foi feita por pessoas ligadas ao governo, possibilitando, portanto, uma justificação intelectual para as controversas práticas de contraterrorismo e para as políticas de segurança do país. Em suma, cremos ser possível afirmar que os sentidos propostos pela administração George W. Bush podem ser considerados amostras importantes de um discurso maior que circulou em na sociedade, mas que dependeu da adesão de segmentos importantes para se tornar hegemônico.

Logo, com base nos documentos selecionados, três eixos parecem-nos fundamentais como guias para iniciarmos as análises sobre Estados Falidos: por que esses países se tornaram ameaças à paz e segurança internacionais? Que variáveis levam ao fracasso estatal? Que ações os EUA devem tomar para dirimir tamanho problema?

Com relação ao primeiro questionamento, a partir da leitura dos documentos selecionados, podemos perceber que, após os atentados, uma das principais ameaças à segurança internacional seria a ação de grupos terroristas que, a despeito de não serem capazes de reverter a distribuição de poder internacional, podem provocar danos substanciais à principal potência hegemônica:

Seja por ignorância, inabilidade ou intencionalmente, Estados ao redor do mundo ainda oferecem refúgios- tanto físico (abrigos, campos de treinamento, entre outros) quanto virtuais (comunicação confiável e redes financeiras, por exemplo) - que terroristas precisam para planejar, organizar, treinar e conduzir suas operações. Uma vez inseridos em um ambiente operacional, a organização pode começar a se solidificar e se expandir. A estrutura organizacional terrorista, seus associados e recursos, assim como sua segurança, determinam suas capacidades e alcance (Bush, 2003______. 2003.National strategy for combating terrorism. White House: Washington D.C., p. 6; tradução nossa).

Todavia, se alguns países, como aqueles considerados párias (Rogue States), apoiam o terrorismo de forma intencional e demandam ações incisivas, outros apenas proporcionam suporte a esses grupos por ignorância ou incapacidade. É nessa circunscrição que se delineia a representação dos chamados Estados Falidos. O fragmento transcrito a seguir é representativo dessa caracterização:

Os eventos de Onze de Setembro nos ensinaram que Estados fracos, como o Afeganistão, podem ser, da mesma forma que Estados fortes, uma grande ameaça a nossos interesses nacionais. A pobreza não transforma pobres em terroristas e assassinos. No entanto, pobreza, instituições fracas e corrupção podem fazer com que Estados fracos fiquem vulneráveis a redes terroristas e cartéis de drogas dentro de suas fronteiras (Bush, 2002BUSH, G. W. 2002. The national security strategy of the United States of America. White House: Washington D.C., p. ii; tradução nossa).

Convém destacar que a preocupação com situações hoje designadas como fracasso estatal não é nova, porém, após os atentados de 2001, foi reforçada a ideia de que os países mais fracos do sistema internacional poderiam representar graves ameaças, levando a discussão para a dimensão da segurança. Por conseguinte, o diagnóstico proposto pelo trecho transcrito é o de que há uma conexão dos tipos de regimes políticos e econômicos domésticos com a estabilidade do sistema internacional.

Comparativamente aos Estados párias, caracterizados enquanto ameaças devido a problemas comportamentais, os Estados Falidos são entendidos a partir de variáveis estruturais, ou seja, inabilidades domésticas os impedem de cumprir tarefas, como manutenção da lei e da ordem e o estabelecimento do Estado de direito, consideradas essenciais a qualquer país soberano. Em suma, a grande deficiência de um Estado Falido seria sua incapacidade em exercer de maneira efetiva as prerrogativas de um Estado compreendido como soberano, acabando por se tornar um problema internacional.

Todavia, o que causa o fracasso estatal? A partir dos excertos destacados a seguir, é possível ter uma primeira compreensão:

Pesquisas indicam que a instabilidade associada a Estados frágeis é produto de governança ineficiente e ilegítima. Efetividade refere-se à capacidade de governos trabalharem com a sociedade para assegurar a provisão de ordem e bens públicos e serviços. Legitimidade refere-se à percepção de segmentos importantes da sociedade de que o governo está exercendo o poder estatal de maneira razoavelmente justa e atendendo aos interesses da nação como um todo.

Quando efetividade e legitimidade são baixas, conflito e fracasso estatal são os prováveis resultados (USAID, 2005USAID - United States Agency for International Development. 2005.Fragile states strategy. Bureau for Policy and Program Coordination, USAID: Washington D.C., p. 3; tradução nossa).

Muitos governos estão em etapas frágeis de desenvolvimento político e precisam consolidar instituições democráticas - e as lideranças eleitas democraticamente precisam levar adiante os princípios da democracia [...]

Alguns governos não entregaram os benefícios da democracia efetiva e da prosperidade a seus cidadãos, deixando-os suscetíveis ou mesmo dominados por demagogos e um autoritarismo contrário à ideia de livre mercado (Bush, 2006a______. 2006c. The state of the Union. Washington Post, 31 jan. 2006. Disponívelem: <http://wapo.st/1GNozn8>. Acessoem: 18 jun. 2014.
http://wapo.st/1GNozn8...
, pp. 2-3; tradução nossa).

É possível depreender das passagens alguns pontos importantes. Primeiramente, temos, em boa medida, uma concepção utilitarista de efetividade e legitimidade. Em outras palavras, um Estado efetivo e legítimo seria aquele que consegue prover bens públicos para sua população, assim como garantir a manutenção de uma democracia liberal orientada ao mercado. Ademais, o fracasso é compreendido a partir de etapas de desenvolvimento, isto é, ou existem democracias ainda imaturas que são mais propícias a conflitos e à captura por redes terroristas (mas que podem ser desenvolvidas e, assim, prover o que se espera de um Estado soberano) ou temos países que de fato fracassaram, mas podem se redimir e retomar uma trajetória de progresso mediante ações específicas.

Resta-nos, por fim, o último questionamento: o que os EUA podem fazer para dirimir tamanho problema? A proposta do governo estadunidense, nos termos de Monteiro (2006MONTEIRO, L. 2006.O conceito de estado fracassado nas relações internacionais: origens, definições e implicações teóricas. Tese de mestrado. São Paulo: Programa San Tiago Dantas de Relações Internacionais Unesp/Unicamp/PUC-SP.), caminha a uma adequação da realidade empírica à jurídica, ou seja, a resposta seria ajuda ou, em última instância, intervenções com o fito de reforçar a capacidade institucional desses países. Os trechos transcritos a seguir, tanto da administração Bush quanto do governo Obama, são exemplares das diretrizes dos EUA para se lidar com o fracasso estatal:

Continuaremos trabalhando com parceiros externos e organizações internacionais para ajudar a prevenir conflitos e responder ao fracasso estatal por meio da capacidade de construção de operações de paz, reconstrução e estabilização, de modo que países em transição possam alcançar um caminho sustentável para a paz, a democracia e a prosperidade (Bush, 2006b______. 2006c. The state of the Union. Washington Post, 31 jan. 2006. Disponívelem: <http://wapo.st/1GNozn8>. Acessoem: 18 jun. 2014.
http://wapo.st/1GNozn8...
, p. 16; tradução nossa).

Para acabar com a tirania e promover democracia efetiva, empregaremos todo conjunto de ferramentas políticas, econômicas e diplomáticas à nossa disposição, incluindo:

  • Fornecer suporte, publicamente, a reformistas democráticos em nações repressivas, incluindo a organização de encontros de sua alta cúpula com a Casa Branca, o Departamento de Estado e embaixadas dos Estados Unidos;

  • Usar assistência externa para fomentar o desenvolvimento de eleições livres e justas, do Estado de direito, da sociedade civil, dos direitos humanos e das mulheres, da mídia livre e da liberdade religiosa;

  • Desenvolver assistência e treinamento de forças militares para auxiliar o controle civil dos militares e o respeito militar aos direitos humanos em uma sociedade democrática;

  • Aplicar sanções desenhadas para atingir indivíduos que lideram regimes opressivos, porém poupando a população;

  • Encorajar outras nações a não oferecer ajuda a regimes opressivos;

  • Associar-se com outras nações democráticas para promover liberdade, democracia e direitos humanos em países e regiões específicas. (Bush, 2006a______. 2006c. The state of the Union. Washington Post, 31 jan. 2006. Disponívelem: <http://wapo.st/1GNozn8>. Acessoem: 18 jun. 2014.
    http://wapo.st/1GNozn8...
    , pp. 6-7; tradução nossa).

Para avançar nossa segurança comum, precisamos atacar os déficits políticos e econômicos que promovem instabilidade, permitem a radicalização e o extremismo e, em última instância, minam a habilidade dos governos em lidar com ameaças dentro de suas fronteiras, assim como os impedem de serem nossos parceiros no enfrentamento de desafios comuns. (Obama, 2010OBAMA, B. 2010.The national security strategy of the United States of America. White House: Washington D.C., p. 26; tradução dos autores).

Um primeiro apontamento sobre a estratégia norte-americana de reabilitação para Estados Falidos é relativo ao estatuto da soberania. Conforme os fragmentos apresentados, podemos notar que a proposta dos governos não é reverter o estatuto de Estado soberano desses países. Pelo contrário, trata-se de capacitá-los à devida soberania, para que possam tanto projetar poder sobre seu território e assim evitar que grupos terroristas e demais ameaças capturem os governos, como também permitir, após a instalação de um regime democrático, que o governo vindouro seja considerado legítimo.

Ademais, subjacente à estratégia, temos a representação de que a redenção seria viável devido a determinada compreensão temporal aqui embutida: o adjetivo falido faz referência à ideia de declínio e, por isso, a um passado de normalidade e de potencial retorno. Assim sendo, é possível inferir que determinado Estado considerado falido, em algum momento da história, pertenceu ao sistema internacional, conseguindo exercer minimamente as prerrogativas de um Estado soberano. A partir dessa caracterização, o retorno a essa suposta origem torna-se uma possibilidade por excelência. Logo, a reinserção de Estados considerados fracassados ao sistema internacional, assim como a estabilidade deste último e a reabilitação da normalidade de seus ambientes domésticos, são condições sine qua non para a política internacional. Conforme o seguinte excerto:

Nosso compromisso com a promoção da liberdade é um compromisso em andar ao lado dos governos e suas populações no momento em que fazem a difícil transição para a democracia efetiva. Não os abandonaremos antes que a transição esteja segura, visto que democracias imaturas podem se tornar propensas a conflitos e vulneráveis à exploração por terroristas. Não deixaremos que os desafios de transições democráticas nos assustem e possam nos levar a flertar com a ilusória estabilidade do autoritarismo (Bush, 2006a______. 2006c. The state of the Union. Washington Post, 31 jan. 2006. Disponívelem: <http://wapo.st/1GNozn8>. Acessoem: 18 jun. 2014.
http://wapo.st/1GNozn8...
, p. 7; tradução nossa).

Estados falidos: soberania e autorreferência

A partir das descrições anteriormente apresentadas, é possível inferir que o fracasso estatal, em boa medida, significa a perda de capacidade de geração das autorreferências apresentadas por Foucault como pilares da soberania. À luz do primeiro pilar, a ideia de que o poder soberano existe para proteger o sujeito, ao mesmo tempo que a existência deste é necessária para justificar a soberania, vemos que Estados Falidos são comumente designados como aqueles incapazes de proteger e garantir direitos, o que culminaria na revolta de seus cidadãos contra os abusos e ingerências das lideranças governamentais.

Além disso, é igualmente importante frisar que dentro de Estados Falidos estariam infiltrados terroristas, traficantes, mercenários, entre outros, que não seriam cidadãos, mas estariam encontrando o ambiente propício para executar suas ações devido à incapacidade estatal em projetar poder e impedir a entrada desses atores em seu território. Por isso, diz o relatório da estratégia nacional de combate ao terrorismo de 2003, “o principal objetivo de nossa resposta coletiva será a reconstrução de um Estado que possa cuidar de sua população - sua riqueza, saúde, prosperidade e liberdade - e controlar suas fronteiras” (Bush, 2003______. 2003.National strategy for combating terrorism. White House: Washington D.C., p. 23; tradução nossa).

O segundo pilar foucaultiano sobre soberania, a ideia de uma unidade de poder que conseguiria agregar todos os poderes disseminados pelas instituições sociais, seria outra lacuna encontrada em Estados Falidos. Nesses países, as inabilidades estruturais, além de impedirem que as demais instituições respondessem ao poder soberano, possibilitariam que poderes paralelos rivalizassem com a autoridade central e, assim, dinamitassem a fragilizada capacidade para governar:

A inabilidade de muitos Estados em policiar-se efetivamente ou trabalhar com seus vizinhos para garantir a segurança regional representa um desafio para o sistema internacional. Grupos armados subnacionais, incluindo - porém, não se limitando - aqueles inspirados pelo extremismo violento, ameaçam a estabilidade e legitimidade de Estados-chave. Se não resolvida, essa instabilidade pode expandir-se e ameaçar regiões de interesse dos Estados Unidos, nossos aliados e amigos. Grupos insurgentes e outros atores não nacionais frequentemente exploram a geografia local e condições políticas ou sociais para estabelecer refúgios por meio dos quais podem operar impunemente. Áreas não governadas, subgovernadas, desgovernadas e contestadas oferecem solo fértil para que grupos explorem as lacunas na capacidade de governança de regimes locais a fim de minar a estabilidade local e a segurança regional (Bush, 2008______. 2008. National defense strategy. White House: Washington D.C., p. 3; tradução nossa).

Em relação ao pressuposto schmittiano de que a soberania existe devido a leis que garantem sua legitimidade, pari passu ao fato de que ser soberano significa agir independentemente dessas leis existentes, dois pontos sobre a situação dos Estados Falidos podem ser destacados. Primeiro, conforme os documentos, devido às relutâncias das lideranças ou às incapacidades institucionais, esses Estados carecem dos atributos compreendidos como essenciais para que sejam considerados soberanos:

Alguns países estão comprometidos em combater o terrorismo, entretanto, carecem de capacidade para cumprir suas responsabilidades soberanas. Alguns governos, por exemplo, não possuem o quadro legal ou mesmo capacidade técnica para combater a lavagem de dinheiro. Outros não possuem o aparato legal para cumprimento da lei, serviços de inteligência ou mesmo capacidade militar para impor o controle efetivo sobre seus territórios (Bush, 2003______. 2003.National strategy for combating terrorism. White House: Washington D.C., p. 20).

Nota-se, assim, que esses Estados carecem das estruturas legais consideradas adequadas ao devido exercício do governo. Em segundo lugar, também de fundamental importância para a compreensão norte-americana sobre legitimidade do poder soberano é a dimensão outorgada à democracia:

Ditaduras abrigam terroristas, alimentam ressentimento e radicalismo e almejam armas de destruição em massa. Democracias substituem ressentimento por esperança, respeitam os direitos dos cidadãos e seus vizinhos e se juntam ao combate ao terrorismo. Cada etapa em direção à liberdade no mundo torna nosso país mais seguro e, portanto, agiremos audaciosamente pela causa da liberdade (Bush, 2006______. 2006c. The state of the Union. Washington Post, 31 jan. 2006. Disponívelem: <http://wapo.st/1GNozn8>. Acessoem: 18 jun. 2014.
http://wapo.st/1GNozn8...
c, p. 1; tradução nossa).

Assim que as tiranias se vão, precisamos ajudar as novas nações livres a construir democracias efetivas: Estados que respeitam a dignidade humana e se responsabilizam por seus cidadãos e vizinhos (Bush, 2006______. 2006c. The state of the Union. Washington Post, 31 jan. 2006. Disponívelem: <http://wapo.st/1GNozn8>. Acessoem: 18 jun. 2014.
http://wapo.st/1GNozn8...
, p. 4; tradução nossa).

Assim, com relação ao terceiro pilar foucaultiano, é possível apreender que, para os EUA, Estados Falidos não seriam soberanos, porque tanto o exercício do governo quanto seu arcabouço legal não seriam oriundos de um regime político democrático. “Democracias efetivas”, conforme termo cunhado durante o governo Bush, seriam aquelas mais bem capacitadas institucionalmente para exercer o governo, pois permitem que suas populações externem suas demandas, possuindo canais que as habilitem a alcançar o processo político de tomada de decisões.

Por outro lado, em termos morais, os documentos apontam que o consentimento para o governo é mais legítimo quando advindo do procedimento democrático, dado que, ao menos em tese, todos são capazes de serem representados durante o processo, e, nas relações exteriores, democracias seriam vistas como os membros mais responsáveis do sistema internacional. Por essa ótica, países considerados fracassados não seriam soberanos, pois se comportam à margem do que é considerado o regime político que garantiria legitimidade e, portanto, suas ações seriam não somente ilegais, mas também imorais. O trecho seguinte é sintomático da importância não apenas instrumental da democracia, mas também de seu peso moral:

  • No lugar da alienação, a democracia oferece participação na sociedade, a chance de moldar o futuro.

  • No lugar de promover desentendimentos, a democracia oferece o Estado de direito, a resolução pacífica de disputas e a possibilidade de avançar interesses mediante compromissos.

  • No lugar de uma cultura conspiratória e da desinformação, a democracia oferece liberdade de expressão, mídia independente e o mercado das ideias, que expõem e desvalorizam falsidades, preconceitos e propaganda desonesta.

  • No lugar de uma ideologia que justifica assassinatos, a democracia oferece um respeito à dignidade humana que abomina o ataque deliberado a civis inocentes (Bush, 2006a______. 2006c. The state of the Union. Washington Post, 31 jan. 2006. Disponívelem: <http://wapo.st/1GNozn8>. Acessoem: 18 jun. 2014.
    http://wapo.st/1GNozn8...
    , p. 11; tradução nossa).

Todavia, aceitando, mas também extrapolando a lógica de Schmitt, que situa o poder soberano na legitimidade de decisão sobre a exceção, consideramos que decidir sobre o excepcional é algo mais profundo do que o processo de identificação de uma situação que foge às regras, identificação essa possibilitada por um direito dado a alguém a priori. Em nosso entendimento, seguindo os autores citados neste estudo, a própria identidade de Estado soberano é construída mediante esse processo.

Assumindo o pressuposto foucaultiano de que a construção da alteridade é a lógica última da política, mas que esta tem caráter mais discursivo que ontológico, no momento em que se define uma situação como de fracasso estatal, que demanda, portanto, medidas emergenciais, temos, consequentemente, a construção de determinada identidade para os EUA. No caso em questão, a identidade dos EUA como Estado soberano adviria da própria premissa de decidir sobre o que seria a excepcionalidade dos Estados Falidos e o que deveria ser feito para sanar esse fenômeno.

Em consequência dessa leitura, os EUA, em contraposição aos países considerados fracassados, seriam os soberanos, pois teriam a capacidade de gerar as autorreferências basilares da soberania. Contudo, essa representação autoriza e normaliza rumos de ação específicos, ao mesmo tempo em que constrange questionamentos nada desprezíveis.

A primeira decorrência óbvia dessa narrativa é a representação de que as ações norte-americanas são legítimas, porquanto foram pensadas não apenas para a defesa nacional, mas também para a estabilidade do sistema internacional. Não teríamos, portanto, ingerências militares ou atos de imperialismo, e sim reconstruções de Estados, executadas por um país com capacidade para tanto, pois soberano por excelência. A intervenção seria então compreendida não como uma afronta, mas como um reforço da soberania dos países fracassados, sendo vista, em termos internacionais, como um imperativo para garantir a estabilidade do sistema.

Em segundo lugar, teríamos a visão dos EUA como país institucionalmente capaz de gerir suas fronteiras e proteger seus cidadãos, reforçando, assim, a metáfora do terrorismo como ameaça vinda majoritariamente de fora. Inobstante o fato de que os terroristas responsáveis pelo Onze de Setembro eram árabes ligados à Al-Qaeda, não se questiona o fato de que as aulas de voo que tiveram ocorreram todas em solo estadunidense, e que parte significativa do treinamento que receberam veio da CIA, no contexto da invasão soviética ao Afeganistão em 1979 (Coll, 2004COLL, S. 2004.Ghost wars: the secret history of the CIA, Afghanistan, and Bin Laden, from the Soviet invasion to September 10, 2001. New York: Penguin Books.; Rashid, 2001RASHID, A. 2001.Taliban: the story of Afghan warlords. London: Pan Books.) ou mesmo que, sim, existem cidadãos norte-americanos capazes de atos considerados terroristas, como ilustra o exemplo de Timothy McVeigh e o Atentado de Oklahoma City em 1995.

Em outras palavras, a narrativa dos documentos nos leva a significar o Onze de Setembro como uma guerra na qual os EUA estariam apenas fazendo uso de seu legítimo direito de autodefesa, e não, por exemplo, como uma falha descomunal das agências de inteligência norte-americanas, ou mesmo como consequência da política externa do país para o Oriente Médio e a Ásia Central.

Em terceiro lugar, a ideia de que, nos EUA, todas as instituições sociais respondem ao poder soberano omitiria, dentre outros pontos, o fato de que interesses privados estariam imiscuídos, ou mesmo explicitamente presentes, nas ações do governo central em nome da defesa da nação. Talvez o exemplo mais sintomático dessa relação seja os vínculos da empresa Halliburton com a administração de George W. Bush. Dick Cheney, então vice-presidente, foi um dos CEO da empresa e desde maio de 2003, com o início da reconstrução do Iraque, a Halliburton obteve os principais contratos não só com o governo norte-americano, mas também com o governo iraquiano, arrecadando a grande quantia de 39,5 bilhões de dólares desde então3 3 As informações sobre as ligações entre a Halliburton e a administração Bush podem ser encontrados em:<http://bit.ly/1dBbn9L>;<http://bit.ly/2s39Y6s>. Acesso em: 24 mar. 2014. .

Por fim, a validade das ações domésticas e internacionais do governo norte-americano repousaria na própria ideia de que o soberano seria aquele que, em situações excepcionais, poderia agir à margem das leis que garantem sua existência e legitimidade. Assim, atos considerados ilegais - como a controversa utilização da tortura para se obter informações que impedissem atentados terroristas, práticas de espionagem tais como aquelas denunciadas pelo ex-analista da CIA Edward Snowden, assim como restrições às liberdades individuais dos cidadãos em nome da defesa do país - consubstanciados, por exemplo, no Ato Patriótico - seriam tidos como necessários, dado que o contexto impeliria o governo a atuar independentemente do que diz a constituição. Em outras palavras, confrontado com situações excepcionais, o país estaria autorizado a adotar medidas contrárias aos princípios liberal-democráticos que diz tanto defender.

Como a construção da noção de soberania está ligada à autorreferência de instâncias estatais, esta não se pode formar a partir da existência de apenas uma das polaridades. Dessa forma, o poder soberano de decisão assume seu papel de excepcionalidade e localiza-se como algo externo ao objeto, passível de adquirir independência (no caso, os Estados Falidos). Para a construção (ou retorno) à situação de soberania, os Estados Falidos abrem mão de suas prerrogativas de autonomia e cedem - de forma voluntária ou não - a outro Estado (no caso, os EUA) a responsabilidade de (re)construção das instituições e identidades que possibilitam a noção de soberano. De modo que os Estados Falidos - já considerados como não detentores da soberania - submetem-se a outra fonte soberana externa para, em um segundo momento, conseguirem reaver seu status de autonomia. Uma estratégia atravessada por interesses e discursos valorativos que, ao mesmo tempo em que servem aos objetivos dos EUA, apresentam-se como inevitáveis para a construção da noção de país soberano.

Considerações finais

Conforme expresso anteriormente, o objetivo deste artigo foi interrogar quais as condições discursivas subjacentes à legitimação de intervenções em Estados Falidos pelos EUA após os atentados terroristas do Onze de Setembro. A partir dessa análise, tentou-se compreender como esses condicionantes direcionam e circunscrevem as possibilidades relativas ao fenômeno em tela. Em síntese, a partir do estudo das narrativas produzidas pelo governo norte-americano, argumentamos que o que jaz sob essas estratégias discursivas é uma concepção de fracasso como incapacidade de gerar as autorreferências da soberania, tal como apresentadas na obra de Foucault. Assim, como a ideia de que resgatar Estados Falidos é possivelmente lógica, pois em algum momento de sua história os mesmos conseguiram exercer minimamente as funções consideradas essenciais de um Estado e, portanto, podem voltar a exercê-las, os EUA adotam o direito soberano sobre esses Estados com a justificativa de devolver-lhes a independência em um segundo momento, após sua reconstrução.

Partindo do pressuposto lógico de que a genealogia de instâncias existencialmente autorreferentes somente pode ser dada a partir de uma perspectiva externa a elas mesmas, mostramos como, nos últimos tempos, os EUA têm assumido a responsabilidade por essa genealogia perante os Estados considerados falidos. Utilizando os pressupostos de Schmitt e Foucault, mostramos como a noção de Estado ampara-se em uma trilogia de elementos autorreferentes: o Estado e os sujeitos nacionais; a unidade estatal e o aparato de poder das instituições sociais e, por fim, a soberania garantida por leis, que podem ser quebradas de acordo com a vontade do soberano.

Analisando os discursos do governo norte-americano após o Onze de Setembro, podemos notar que as justificativas dadas para a ação em Estados Falidos assentam-se em bases utilitaristas e funcionais. Alegando a existência de relações entre falência estatal e terrorismo, a intervenção seria algo preventivo ou curativo feito em nome da segurança internacional. A forma como essa intervenção é feita, entretanto, vai ao encontro da teoria foucaultiana no que se refere à necessidade de construir autorreferências para o fenômeno estatal.

Ora mencionando a necessidade de ajuda aos nacionais, ora reforçando a ideia de um Estado formado por eles, a reconstrução arquitetada pelos EUA cria uma ontologia de lógica circular. Em outras palavras, a presença dos nacionais se ancora na existência (ainda que remota) de uma entidade estatal, ao mesmo tempo em que a reconstrução desta instância se justifica pela presença destes cidadãos ditos nacionais. Por sua vez, a reconstrução das instituições sociais destaca uma rede difusa, com poderes escassamente disseminados pelas instâncias sociais, ao mesmo tempo que se assenta em uma noção de suposta unidade que justificaria a existência desse complexo.

Finalmente, a necessidade de criação de leis que amparem e legitimem o poder é visivelmente justificada pela presença de um soberano capaz de dar razão a essas leis. Dessa forma, a democracia como forma de governo nos é apresentada como o instrumento único e indiscutível para se chegar à legitimidade. O Estado reconstruído se faz democrático, pois a democracia supostamente seria a única forma de governo condizente com as aporias da forma estatal.

Esses condicionantes tendem a autorizar e legitimar determinados rumos para a ação política, assim como constranger a formulação de questionamentos que tensionam os termos propostos. Nesse sentido, a discussão sobre fracasso estatal a um só tempo reforça a identidade dos EUA como reconstrutor de Estados, legitimando suas intervenções em outros países, assim como normaliza controversas ações domésticas enquadradas e justificadas a partir de imperativos de segurança. Logo, ao destacar a natureza doméstica do fracasso e inferir a inevitável intervenção externa, impede-se a consideração de fatores externos para as origens dos Estados falidos e retira-se a possibilidade de decisão destes sobre a própria condição.

Transformando-se provisoriamente em fonte de legitimidade externa para os Estados, os EUA intervêm com o objetivo de reabilitar as autonomias perdidas e, ao mesmo tempo, prover a normalidade do ambiente internacional. Com a justificativa de resgatar a soberania perdida pelos Estados Falidos, o governo norte-americano provê a reconstrução de instâncias autorreferentes, justificando suas medidas como imprescindíveis para o bem dos próprios Estados e, consequentemente, do sistema internacional. Dessa forma, tem-se uma suspensão da autoridade estatal como um ato de exceção. Exceção esta legitimada pela presença de um poder externo que se faz soberano por decidir, de forma unilateral, a condição de exceção alheia.

Bibliografia

  • BUSH, G. W. 2002. The national security strategy of the United States of America. White House: Washington D.C.
  • ______. 2003.National strategy for combating terrorism. White House: Washington D.C.
  • ______. 2006a. The national security strategy of the United States of America.White House: Washington, D.C.
  • ______. 2006b.National strategy for combating terrorism. White House: Washington D.C.
  • ______. 2006c. The state of the Union. Washington Post, 31 jan. 2006. Disponívelem: <http://wapo.st/1GNozn8>. Acessoem: 18 jun. 2014.
    » http://wapo.st/1GNozn8
  • ______. 2008. National defense strategy. White House: Washington D.C.
  • CAMPBELL, D. 2002.“Time is broken: the return of the past in response to September 11”. Theory and Event, v. 5, n.4, pp. 1-16.
  • COLL, S. 2004.Ghost wars: the secret history of the CIA, Afghanistan, and Bin Laden, from the Soviet invasion to September 10, 2001. New York: Penguin Books.
  • FOUCAULT, M. 2003.Society must be defended. New York: Picador.
  • ______. 2004. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola.
  • ______. 2008. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
  • FUKUYAMA, F. 2005.Construção de estados: governo e organização mundial no século XXI. Rio de Janeiro: Rocco.
  • GOMES, A. T.2011. “Questionando o fracasso estatal: um balanço da literatura crítica”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, n. 71, pp. 69-94.
  • HEHIR, A. 2007.“The myth of the failed state and the war on terror: a challenge to the conventional wisdom”. Journal of Intervention and Statebuilding, v. 1, n. 3, pp. 307-333.
  • JACKSON, R. 2005. Writing the war on terror: language, politics and counter-terrorism. Manchester: Manchester University Press.
  • MONTEIRO, L. 2006.O conceito de estado fracassado nas relações internacionais: origens, definições e implicações teóricas. Tese de mestrado. São Paulo: Programa San Tiago Dantas de Relações Internacionais Unesp/Unicamp/PUC-SP.
  • NEWMAN, E. 2009.“Failed states and international order: constructing a post-Westphalian world”. Contemporary Security Policy, v. 30, n. 3, pp. 421-443.
  • OBAMA, B. 2010.The national security strategy of the United States of America. White House: Washington D.C.
  • PARIS, R. 2011.“Ordering the world: academic research and policymaking on fragile states”. International Studies Review, vol. 13, pp. 58-71.
  • PATRICK, S. 2007.“Failed states and global security: empirical questions and policy dilemmas”.International Studies Review, v. 9, pp. 644-662, 2007.
  • RAPHAEL, S. 2009.In the service of power: terrorism studies and US intervention in the global South. In: JACKSON, R.; SMYTH,M. B.; GUNNING, J. (orgs.). Critical terrorism studies: a new research agenda. New York: Routledge.
  • RASHID, A. 2001.Taliban: the story of Afghan warlords. London: Pan Books.
  • ROTBERG, R. 2004. The failure and collapse of nation states: breakdown, prevention, and repair. In: ROTBERG, R. (org.). When states fail: causes and consequences. New Jersey: Princeton University Press.
  • SCHMITT, C. 2006.Teologiapolítica. Belo Horizonte: Del Rey.
  • USAID - United States Agency for International Development. 2005.Fragile states strategy. Bureau for Policy and Program Coordination, USAID: Washington D.C.
  • Cristiano Mendes é professor no curso de graduação e no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
  • Aureo de Toledo Gomes é professor adjunto do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), atuando no curso de graduação e no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UFU.
  • 1
    No decorrer do artigo, utilizaremos de forma intercambiável as expressões “fracasso estatal” e “falência estatal”, “Estado falido” e “Estado fracassado” devido a dois motivos principais. Primeiramente, a literatura sobre o tema considera, em boa medida, os termos correlatos, e a diferença entre ambos é mais de grau do que de conteúdo. Em segundo lugar, a partir de revisões bibliográficas sobre o assunto, é possível afirmar que as expressões são bastante parecidas, pois ao problema, seja a falência ou fracasso, é usualmente atribuída uma origem doméstica.
  • 2
    A referência a esses documentos é comum nos trabalhos que debatem os efeitos do terrorismo e dos Estados Falidos após o Onze de Setembro, como apontam analistas como Paris (2011RAPHAEL, S. 2009.In the service of power: terrorism studies and US intervention in the global South. In: JACKSON, R.; SMYTH,M. B.; GUNNING, J. (orgs.). Critical terrorism studies: a new research agenda. New York: Routledge.) e Patrick (2007RASHID, A. 2001.Taliban: the story of Afghan warlords. London: Pan Books.). Além desses autores e dos trabalhos citados no corpo do texto, remetemos os interessados a Monteiro (2006OBAMA, B. 2010.The national security strategy of the United States of America. White House: Washington D.C.) e Gomes (2011JACKSON, R. 2005. Writing the war on terror: language, politics and counter-terrorism. Manchester: Manchester University Press.) para sistematizações da literatura sobre Estados Falidos.
  • 3
    As informações sobre as ligações entre a Halliburton e a administração Bush podem ser encontrados em:<http://bit.ly/1dBbn9L>;<http://bit.ly/2s39Y6s>. Acesso em: 24 mar. 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2015
  • Aceito
    11 Nov 2016
CEDEC Centro de Estudos de Cultura Contemporânea - CEDEC, Rua Riachuelo, 217 - conjunto 42 - 4°. Andar - Sé, 01007-000 São Paulo, SP - Brasil, Telefones: (55 11) 3871.2966 - Ramal 22 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: luanova@cedec.org.br