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OPOSIÇÃO PARLAMENTAR: CONCEITO E FUNÇÕES

PARLIAMENTARY OPPOSITION: CONCEPT AND FUNCTIONS

Resumo

A literatura de política comparada considera que as oposições são um elemento fundamental da democracia. Porém, em suas análises, a governabilidade costuma ser privilegiada em detrimento das oposições parlamentares. Em função disso, não se desenvolveu uma tradição de pesquisas sobre o tema, e nem sequer dispomos de uma definição conceitual amplamente aceita que permita o seu estudo de maneira mais sistemática. Nossa proposta é contribuir para reduzir esse hiato teórico e metodológico, chamando a atenção para a necessidade de investigações sobre esse problema. Para tanto, procuramos atingir dois objetivos: apresentar uma definição conceitual mais delimitada de oposição parlamentar e identificar suas principais funções no processo de governo.

Palavras-chave:
Oposição Parlamentar; Governo e Oposição; Definição Conceitual

Abstract

According to the political sciences comparative literature, political opposition is a crucial component of democracy. Nonetheless, comparative analysis is detrimental to parliamentary oppositions in favor of governability. Because of that, we do not have a research tradition regarding parliamentary oppositions, and therefore lack a conceptual definition to clarify systematic comparative analysis on this matter. We intend to contribute in filling this theoretical and methodological gap. For that, we first propose a more specific conceptual definition of parliamentary opposition, and afterwards determine its six main functions that interfere in the process of government. We have thus found a need to comprehensively study parliamentary opposition in the literature.

Keywords:
Parliamentary Opposition; Government and Opposition; Conceptual Definition

Introdução1 1 Agradecemos ao suporte financeiro do CNPq ao projeto de pesquisa que resultou nesta análise. Somos igualmente gratos aos pareceristas pela avaliação criteriosa do artigo, assim como à Editoria da Revista pelo precioso espaço destinado a estudos conceituais e metodológicos.

Que funções as oposições parlamentares devem desempenhar numa democracia? Quais devem ser as suas prerrogativas e quais são os seus limites? Paradoxalmente, a despeito da reconhecida relevância das oposições parlamentares para o adequado funcionamento da democracia, a literatura especializada não tem respostas consensuais para tais questões (Schapiro, 1965SCHAPIRO, Leonard Bertram. 1965. Foreword. Government and Opposition , v. 1, n. 1, pp. 1-6.; Dahl, 1966DAHL, Robert (ed.). 1966. Political oppositions in Western democracies. New Haven: Yale University Press ., 1973DAHL, Robert (ed.). 1973. Regimes and oppositions. New Heaven: Yale University Press.; Ionescu e Madariaga, 1968IONESCU, Ghita; MADARIAGA, Isabel de. 1968. Opposition: past and present of a political institution. Penguin Non-Classics.; Blondel, 1997BLONDEL, Jean. 1997. Political opposition in the contemporary world. Government and Opposition, v. 32, n. 4, pp. 462-486.; Helms, 2004HELMS, Ludger. 2004. Five ways of institutionalizing political opposition: lessons from the advanced democracies. Government and Opposition, v. 39, n. 1, pp. 22-54., 2008aHELMS, Ludger. 2008a. Parliamentary opposition in old and new democracies. New York: Routledge., 2008bHELMS, Ludger. 2008b. StudyingParliamentary opposition in old and new democracies : issues and perspectives. The Journal of Legislative Studies, v. 14, n. 1-2, pp. 6-19.). Em realidade, a área de política comparada não desenvolveu uma tradição de pesquisas sobre esse tema suportada por um arcabouço teórico compartilhado, tampouco há uma definição conceitual mais precisa e amplamente aceita para operacionalizar análises padronizadas sobre o tema (Blondel, 1997BLONDEL, Jean. 1997. Political opposition in the contemporary world. Government and Opposition, v. 32, n. 4, pp. 462-486.; Neunreither, 1998NEUNREITHER, Karlheinz. 1998. Governance without opposition: the case of the European Union. Government and Opposition , v. 33, n. 4, pp. 419-441.; Norton, 2008NORTON, Philip. 2008. Making sense of opposition. The Journal of Legislative Studies , v. 14, n. 1-2, pp. 236-250.; Helms, 2004HELMS, Ludger. 2004. Five ways of institutionalizing political opposition: lessons from the advanced democracies. Government and Opposition, v. 39, n. 1, pp. 22-54.; Weinblum e Brack, 2011WEINBLUM, Sharom; BRACK, Nathalie. 2011. ‘Political opposition’: towards a renewed research agenda. Interdisciplinary Political Studies, v. 1, n. 1, pp. 69-79.).

Diante disso, a proposta deste trabalho é contribuir para o preenchimento dessa lacuna teórico-metodológica. O objetivo principal é apresentar uma definição conceitual mais delimitada e operacional de oposição parlamentar, focada em suas funções institucionais. Essa definição funcional contempla as dimensões comportamentais das oposições parlamentares e suas variáveis observacionais. Sendo um modelo conceitual de construção indutiva, essa proposta é aberta a alterações e complementações conforme a manifestação de variações não contempladas. Porém, é um ponto de partida para uma abordagem mais sistemática de casos ou com perspectiva comparada. Acima de tudo, queremos defender a necessidade do desenvolvimento de uma agenda de pesquisas sobre as oposições parlamentares, inclusive como condição necessária ao entendimento mais amplo da governação e da governabilidade. Para tanto, analisamos uma vasta literatura que lidou, direta ou indiretamente, com esse problema.

Nossa exposição está organizada da seguinte forma. Primeiramente, discutimos como as oposições foram abordadas por analistas de política comparada, procurando destacar sua centralidade na teoria da democracia pluralista e, ao mesmo tempo, o déficit de estudos sobre o seu comportamento estratégico e o paradoxo envolvendo as oposições parlamentares em regimes democráticos. Em seguida, analisamos sua institucionalização visando a identificar as funções que elas adquiriram ao longo do processo histórico de constitucionalização do poder e de construção da democracia liberal. Finalmente, com base nesses elementos, apresentamos nossa proposta de definição conceitual, indicando as seis principais funções das oposições parlamentares, contidas em três dimensões que envolvem sua relação com o governo - controle, governo em espera e bloqueio. Também indicamos as variáveis que correspondem aos tipos de ação estratégica que os oposicionistas podem implementar em cada dimensão e de acordo com cada uma de suas funções. Concluímos enfatizando que as oposições parlamentares só conseguem desempenhar funções que reduzem ou inviabilizam a governabilidade quando o governo falha na formação ou na manutenção de uma coalizão majoritária no Parlamento. Por isso, faz-se necessária a análise da interação governo/oposição, levando-se em conta o desenho constitucional, a estrutura regimental do processo legislativo e, em especial, o comportamento estratégico das lideranças partidárias e do chefe do Executivo.

As oposições na literatura de política comparada

A centralidade das oposições nas Constituições democráticas

O vínculo entre oposição política e democracia representativa é resultado de um longo amálgama histórico do constitucionalismo com o liberalismo (Sartori, 1966SARTORI, Giovanni. 1966. Opposition and control problems and prospects. Government and Opposition , v. 1, n. 2, pp. 149-154.). Nesse contexto, a oposição parlamentar se erigiu como um dos mecanismos de controle do governo, com a finalidade de assegurar o respeito e a proteção às minorias. Ao mesmo tempo, esse processo correspondeu à domesticação da oposição política, como parte do “encapsulamento” do conflito social no sistema representativo (Lipset, 1960LIPSET, Seymour Martin. 1960. Political man: the social basis of politics. New York: Doubleday.; Coleman, 1960COLEMAN, James Smoot. 1960. The political systems of the developing areas. In: ALMOND, Gabriel Abraham; COLEMAN, James Smoot (ed.). The politics of the developing areas. Princeton: Princeton University Press. pp. 75-84.; Welch, 1967WELCH, Claude. (ed.). 1967. Political modernization: a reader in comparative political change. Belmont: Wadsworth.). Ao observar esse fenômeno através de lentes weberianas, analistas como Giovanni Sartori e Martin Lipset, por exemplo, concluíram que a formação da oposição parlamentar é um dos indicadores do desenvolvimento político e, nesse sentido, integra o processo de modernização.

De modo mais circunscrito, entretanto, podemos dizer que a emergência da oposição constitucional correspondeu à transição da disputa violenta pelo poder para um formato de conflito político regulado. Sua pacificação exigiu um consenso geral a respeito de qual era o alvo aceitável dos ataques dos opositores - nas palavras de Sartori (1966SARTORI, Giovanni. 1966. Opposition and control problems and prospects. Government and Opposition , v. 1, n. 2, pp. 149-154., p. 151), “a oposição se opõe ao governo, não ao sistema político enquanto tal”. Assim, paulatinamente, a oposição converteu-se num elemento essencial do controle dos governos, uma vez que seu enquadramento na ordem constitucional resultou em sua institucionalização como um instrumento de checagem no sistema de freios e contrapesos. Por consequência, a soberania popular passou a ser representada tanto pelo governo como pela oposição, especialmente porque a oposição parlamentar foi incumbida da tarefa de interpor obstáculos à tirania (Ionescu e Madariaga, 1968IONESCU, Ghita; MADARIAGA, Isabel de. 1968. Opposition: past and present of a political institution. Penguin Non-Classics.; Schapiro, 1965SCHAPIRO, Leonard Bertram. 1965. Foreword. Government and Opposition , v. 1, n. 1, pp. 1-6.). Afinal, o constitucionalismo liberal tem como pressuposto a concepção de que o governo nunca é o fiel intérprete da vontade da maioria, pois “aqueles que governam não são nem o povo, nem a sua maioria, eles são o governo” (Jouvenel, 1966JOUVENEL, Bertrand de. 1966. The means of contestation. Government and Opposition , v. 1, n. 2, pp. 155-174., p. 156).

A defesa mais amplamente reconhecida da conjugação governo/oposição foi apresentada por Robert Dahl, em sua formulação teórica do regime democrático pluralista. Quando, no início dos anos 1970, veio a público o livro Poliarchy, rapidamente se formou um relativo consenso em torno de sua concepção de democracia, que contou com ampla adesão de vários estudiosos de política comparada. A partir dali, dois pré-requisitos normativos foram aceitos como distintivos dos regimes democráticos: (a) a existência de liberdade individual para formular preferências e expressá-las, e (b) a necessidade de que tais preferências sejam apreciadas pelo governo em suas decisões. Aceitou-se, também, que o regime democrático deveria contemplar dois requisitos práticos indispensáveis: (1) a competição pelo poder, protagonizada pelos partidos políticos, e (2) a ampla participação eleitoral dos cidadãos.

Em termos lógicos, a relação entre os pré-requisitos normativos e os requisitos operacionais se baseou na suposição de que, uma vez resguardados os direitos civis e políticos, restaria assegurada a necessária contestação pública. Isso porque a competição travada entre as elites pelas instâncias de poder, mediada pela inclusão do demos na polis pela via eleitoral, exige tolerância às oposições como uma condição indispensável (Dahl, 1966DAHL, Robert (ed.). 1966. Political oppositions in Western democracies. New Haven: Yale University Press .; 1971DAHL, Robert. 1971. Polyarchies: participation and opposition. New Haven: Yale University Press .; 1973DAHL, Robert (ed.). 1973. Regimes and oppositions. New Heaven: Yale University Press.). Não é por acaso, portanto, que, ao iniciar a sua obra clássica perguntando-se acerca das condições que favorecem ou impedem a transição dos regimes autoritários para a democracia, o autor afirmou ser mandatório que os opositores ao governo possam se organizar, de forma aberta e legal, em partidos com capacidade de competir em eleições honestas e livres. Com efeito, “por definição, poliarquias são sistemas políticos que impõem as menores barreiras à expressão, à organização e à representação das preferências políticas, e que proveem o mais amplo arranjo de oportunidades para que as oposições contestem a conduta do governo” (Dahl, 1971DAHL, Robert. 1971. Polyarchies: participation and opposition. New Haven: Yale University Press ., p. 18).

Convergentes com essa perspectiva, diversos analistas aderiram à concepção de que as oposições parlamentares são um elemento inseparável do regime democrático (cf. Weinblum e Brack, 2011WEINBLUM, Sharom; BRACK, Nathalie. 2011. ‘Political opposition’: towards a renewed research agenda. Interdisciplinary Political Studies, v. 1, n. 1, pp. 69-79.; Helms, 2008aHELMS, Ludger. 2008a. Parliamentary opposition in old and new democracies. New York: Routledge.; 2008bHELMS, Ludger. 2008b. StudyingParliamentary opposition in old and new democracies : issues and perspectives. The Journal of Legislative Studies, v. 14, n. 1-2, pp. 6-19.; 2004HELMS, Ludger. 2004. Five ways of institutionalizing political opposition: lessons from the advanced democracies. Government and Opposition, v. 39, n. 1, pp. 22-54.; Zellentin, 1967ZELLENTIN, Gerda. 1967. Form and function of the opposition in the European communities. Government and Opposition , v. 2, n. 3, pp. 416-435.; Schapiro, 1967SCHAPIRO, Leonard Bertram. 1967. Putting the Lid on Leninism: opposition and dissent in the communist one-party States. Government and Opposition , v. 2, n.2, pp. 181-203.) Para Mair (2007MAIR, Peter. 2007. Political opposition and the European Union. Government and Opposition , v. 42, n. 1, pp. 1-17.), por exemplo, a existência de uma oposição política efetiva é imprescindível por três razões: (a) ela garante a competição entre alternativas políticas e a rotatividade no poder; (b) ela assegura maior fiscalização e transparência do governo; e (c) ela afiança a legitimidade do sistema político, evitando que grupos divergentes invistam em estratégias não institucionais que possam levar a golpes de Estado. Este último ponto, aliás, é um dos mais relevantes para se justificar a tolerância às oposições como condição para a efetividade da democracia - se não houver oposições com chances reais de interferir no jogo político, a competição, o pluralismo, a accountability e até mesmo o “encapsulamento” do conflito social pelo sistema representativo serão inviáveis ou ineficazes, de modo que, inescapavelmente, a estabilidade democrática estará ameaçada (Dahl, 1973DAHL, Robert (ed.). 1973. Regimes and oppositions. New Heaven: Yale University Press.; 1966DAHL, Robert (ed.). 1966. Political oppositions in Western democracies. New Haven: Yale University Press .; 1965DAHL, Robert. 1965. Reflections on opposition in Western democracies. Government and Opposition , v. 1, n. 1, pp. 7-24.; Schapiro, 1965SCHAPIRO, Leonard Bertram. 1965. Foreword. Government and Opposition , v. 1, n. 1, pp. 1-6.; Kirchheimer, 1957KIRCHHEIMER, Otto. 1957. The waning of opposition in parliamentary regimes. Social Research, v. 24, n. 1, pp. 127-156.). Afinal, “se os atores políticos carecem de oportunidades para desenvolver a clássica oposição [leal]”, concluiu Mair (2007MAIR, Peter. 2007. Political opposition and the European Union. Government and Opposition , v. 42, n. 1, pp. 1-17., p. 6), “logo, ou eles se submetem totalmente, o que significa a eliminação da oposição, ou então eles se rebelam”. O mais provável é que os atores se insurjam, pois, como observou Dahl (1973DAHL, Robert (ed.). 1973. Regimes and oppositions. New Heaven: Yale University Press., p. 13), “se toda e qualquer oposição é tratada como perigosa e está sujeita à repressão, aquela oposição que seria leal, caso fosse tolerada, torna-se desleal justamente porque não é tolerada”. Schapiro (1965SCHAPIRO, Leonard Bertram. 1965. Foreword. Government and Opposition , v. 1, n. 1, pp. 1-6., p. 3), que pensava da mesma maneira, observou que, acima de tudo, “as revoluções são sintomas de falhas na oposição, não de seu sucesso. Revoluções”, asseverou, “só se tornam necessárias porque a comunidade política falhou no processo de integração da oposição no âmbito do governo, provendo-lhe uma saída institucional; falhou em dar-lhe as boas-vindas como parte integrante do processo político”.

Em suma, oposições políticas sempre existiram e sempre existirão (Ionescu e Madariaga, 1968IONESCU, Ghita; MADARIAGA, Isabel de. 1968. Opposition: past and present of a political institution. Penguin Non-Classics.); sendo assim, uma das principais diferenças entre a democracia e a ditadura é a existência ou não de canais institucionais para a sua atuação efetiva no interior do sistema político. Sem arenas institucionais e regras que permitam não apenas a existência, mas sobretudo a interferência da oposição no processo de governo, correr-se-á o risco de que ela se volte contra o regime político. Portanto, a tarefa dos legisladores quando da fundação da comunidade política democrática é precisamente esta: desenhar uma Constituição que incentive uma “oposição dentro do sistema”, e não uma “oposição contra o sistema”.

O déficit de estudos sobre as oposições

Devido à sua centralidade na teoria da democracia pluralista, seria esperável que as oposições políticas, em geral, e as parlamentares, em específico, fossem objetos de estudo recorrentes nas agendas de pesquisa de política comparada. Afinal, parece óbvio que “[…] o processo de governo deve ser estudado não apenas à luz do que tentam fazer e conseguem alcançar aqueles que detêm o poder, mas igualmente no que diz respeito àqueles que se opõem a tais objetivos, assim como no que se refere aos interesses e resistências que têm de ser conciliados para que aqueles que estão no poder possam agir” (Schapiro 1965SCHAPIRO, Leonard Bertram. 1965. Foreword. Government and Opposition , v. 1, n. 1, pp. 1-6., p. 2). Não obstante, “surpreendentemente, o elevado apreço da teoria da democracia pela oposição como princípio e o eloquente interesse público pela existência de oposição política, na maioria das democracias liberais estabelecidas, tiveram parcos reflexos na recente literatura de política comparada” (Helms, 2004HELMS, Ludger. 2004. Five ways of institutionalizing political opposition: lessons from the advanced democracies. Government and Opposition, v. 39, n. 1, pp. 22-54., pp. 22-23). Assim, por mais inusitado que pareça, “embora o problema da oposição política seja um dos mais antigos, poucos estudos chegaram a lidar com esse fenômeno de maneira específica ou exclusiva” (Ionescu e Madariaga, 1968IONESCU, Ghita; MADARIAGA, Isabel de. 1968. Opposition: past and present of a political institution. Penguin Non-Classics., p. 2). Em realidade, “a imensa maioria dos trabalhos tendeu a olhar para as instituições políticas e para os processos democráticos desde o ponto de vista do governo […]” (Helms, 2004HELMS, Ludger. 2004. Five ways of institutionalizing political opposition: lessons from the advanced democracies. Government and Opposition, v. 39, n. 1, pp. 22-54., p. 23).

O que explicaria a escassez de estudos? Para Schapiro (1965SCHAPIRO, Leonard Bertram. 1965. Foreword. Government and Opposition , v. 1, n. 1, pp. 1-6.), as oposições foram negligenciadas pelos pesquisadores porque sempre foram percebidas como forças políticas violentas e antissistêmicas; logo, a “atrofia” nas investigações acerca desse fenômeno seria congênita, dado que o desempenho dos governos é a única preocupação legítima. Para Helms (2004HELMS, Ludger. 2004. Five ways of institutionalizing political opposition: lessons from the advanced democracies. Government and Opposition, v. 39, n. 1, pp. 22-54.), outro motivo seria a viragem analítica, a partir dos anos 1990, em favor do tema da governança.2 2 Governança deve ser diferenciada de governabilidade. Governabilidade se refere à capacidade do governo, liderado pelo Executivo, de aprovar sua agenda no Legislativo, num contexto de conflito partidário cuja superação demanda a formação de uma coalizão majoritária, quando se trata de sistemas multipartidários fragmentados. Já o termo governança, de significado variado, é aplicado tanto às empresas como aos governos, abrangendo não apenas o processo governamental, mas, acima de tudo, boas práticas administrativas, o que pressuporia uma forma mais inclusiva de administração pública, com o máximo possível de participação dos atores da sociedade civil na formulação e implantação das políticas (Senn, 2010; Türke, 2008). A governança garantiria uma boa governação porque incluiria como partícipes das decisões os atores que são os alvos das políticas, promovendo mais equidade social, sustentabilidade e legitimidade do governo. Nesse contexto, não há opositores ao governo, mas, sim, formuladores conjuntos de políticas num processo que deveria se aproximar da deliberação. Governança, assim, distinguir-se-ia da governação política, dando maior ênfase à governação administrativa das decisões não conflituosas. Nesse caso, tal preocupação deslocou o foco dos estudos para o controle das ações do governo pela sociedade civil, para os espaços de participação popular e dos grupos sociais na formulação e implementação das políticas públicas. Desse modo, a oposição parlamentar ficou relegada ao segundo plano em favor da oposição social, até porque as ações dos partidos foram consideradas menos democráticas do que a atuação direta dos cidadãos no processo decisório. Ainda de acordo com Helms (2008aHELMS, Ludger. 2008a. Parliamentary opposition in old and new democracies. New York: Routledge.; 2008bHELMS, Ludger. 2008b. StudyingParliamentary opposition in old and new democracies : issues and perspectives. The Journal of Legislative Studies, v. 14, n. 1-2, pp. 6-19.), uma terceira explicação é a inexistência de modelos de análise capazes de unificar os resultados das pesquisas.

De fato, a despeito de alguns trabalhos teóricos e empíricos importantes (por exemplo, Sartori, 1966SARTORI, Giovanni. 1966. Opposition and control problems and prospects. Government and Opposition , v. 1, n. 2, pp. 149-154.; Ionescu e Madariaga, 1968IONESCU, Ghita; MADARIAGA, Isabel de. 1968. Opposition: past and present of a political institution. Penguin Non-Classics.; Schapiro, 1972SCHAPIRO, Leonard Bertram (ed.). 1972. Political opposition in one-party States. London: MacMillan.; 1967SCHAPIRO, Leonard Bertram. 1967. Putting the Lid on Leninism: opposition and dissent in the communist one-party States. Government and Opposition , v. 2, n.2, pp. 181-203.; Dahl, 1973DAHL, Robert (ed.). 1973. Regimes and oppositions. New Heaven: Yale University Press.; 1971DAHL, Robert. 1971. Polyarchies: participation and opposition. New Haven: Yale University Press .; 1966DAHL, Robert (ed.). 1966. Political oppositions in Western democracies. New Haven: Yale University Press .; Tökés, 1979TÖKÉS, Rudolf L. (ed.). 1979. Opposition in Eastern Europe. Oxford: Oxford University Press .; Kolinsky, 1987KOLINSKY, Eva (ed.). 1987. Opposition in Western Europe . London: Croom Helm .; Rodan, 1996RODAN, Garry. (ed.). 1996. Political oppositions in industrializing Asia. Sydney: Routledge.; Blondel, 1997BLONDEL, Jean. 1997. Political opposition in the contemporary world. Government and Opposition, v. 32, n. 4, pp. 462-486.; Stepan, 1997STEPAN, Alfred. 1997. Democratic opposition and democratization theory. Government and Opposition , v. 32, n. 4, pp. 657-678.; 1990STEPAN, Alfred. 1990. On the tasks of a democratic opposition. Journal of Democracy , v. 1, n. 2, pp. 41-49.; Helms, 2008aHELMS, Ludger. 2008a. Parliamentary opposition in old and new democracies. New York: Routledge.; Kubát, 2010KUBÁT, Michal. 2010. Political opposition in theory and Central European practice. Frankfurt: Peter Lang.), a literatura especializada não desenvolveu uma unidade conceitual - carência que dificultou a realização de análises comparativas e de sínteses para subsidiar generalizações empíricas (cf. Weinblum e Brack, 2011WEINBLUM, Sharom; BRACK, Nathalie. 2011. ‘Political opposition’: towards a renewed research agenda. Interdisciplinary Political Studies, v. 1, n. 1, pp. 69-79.; Helms, 2008aHELMS, Ludger. 2008a. Parliamentary opposition in old and new democracies. New York: Routledge.; 2008bHELMS, Ludger. 2008b. StudyingParliamentary opposition in old and new democracies : issues and perspectives. The Journal of Legislative Studies, v. 14, n. 1-2, pp. 6-19.; 2004HELMS, Ludger. 2004. Five ways of institutionalizing political opposition: lessons from the advanced democracies. Government and Opposition, v. 39, n. 1, pp. 22-54.; Neunreither, 1998NEUNREITHER, Karlheinz. 1998. Governance without opposition: the case of the European Union. Government and Opposition , v. 33, n. 4, pp. 419-441.; Blondel, 1997BLONDEL, Jean. 1997. Political opposition in the contemporary world. Government and Opposition, v. 32, n. 4, pp. 462-486.). Sem dúvida, esse é um objeto difícil de ser teorizado (Blondel, 1997BLONDEL, Jean. 1997. Political opposition in the contemporary world. Government and Opposition, v. 32, n. 4, pp. 462-486.; Helms, 2008bHELMS, Ludger. 2008b. StudyingParliamentary opposition in old and new democracies : issues and perspectives. The Journal of Legislative Studies, v. 14, n. 1-2, pp. 6-19.; Norton, 2008NORTON, Philip. 2008. Making sense of opposition. The Journal of Legislative Studies , v. 14, n. 1-2, pp. 236-250.), pois há uma diversidade de formas de atuação oposicionista, assim como de contextos institucionais com inúmeros detalhes técnicos e especificidades a serem abarcados num único modelo (cf. Beyme, 1987BEYME, Klaus von. 1987. Parliamentary Oppositions in Europe. In: KOLINSKY, E. (ed.). Opposition in Western Europe. London: Croom Helm, pp. 30-48.; Kolinsky, 1987KOLINSKY, Eva (ed.). 1987. Opposition in Western Europe . London: Croom Helm .; Lawson, 1993LAWSON, Stephanie. 1993. Institutionalising peaceful conflict: political opposition and the challenge of democratisation in Asia. Australian Journal of International Affairs, v. 47, n. 1, pp. 15-30.; Jung e Shapiro, 1995JUNG, Courtney; SHAPIRO, Ian. 1995. South Africa’s Negotiated Transition: Democracy, Opposition, and the New Constitutional Order. Politics & Society, v. 23, n. 3, pp. 269-308.; Cotton, 1996COTTON, James. 1996. Opposition in Asian constitutional systems: characteristics and potential for democratic consolidation. Government and Opposition , v. 31, n. 2, pp. 175-192.; Blondel, 1997BLONDEL, Jean. 1997. Political opposition in the contemporary world. Government and Opposition, v. 32, n. 4, pp. 462-486.; Parry, 1997PARRY, Geraint. 1997. Opposition questions. Government and Opposition , v. 32, n. 4, pp. 457-461.; Mújica e Sánches-Cuenca, 2006MÚJICA, Alejandro; SÁNCHEZ-CUENCA, Ignácio. 2006. Consensus and parliamentary opposition: the case of Spain. Government and Opposition , v. 41, n. 1, pp. 86-108.).

A par dessa dificuldade, o próprio Robert Dahl dá início ao preenchimento dessa lacuna já em meados dos anos 1960, ao editar uma obra coletiva contendo alguns estudos de caso (Dahl, 1966DAHL, Robert (ed.). 1966. Political oppositions in Western democracies. New Haven: Yale University Press .). Todavia, desde sua publicação, poucos avanços foram obtidos (cf. Blondel, 1997BLONDEL, Jean. 1997. Political opposition in the contemporary world. Government and Opposition, v. 32, n. 4, pp. 462-486.); no geral, o escopo das análises se limitou a alguns países ou regiões; as tipologias proliferaram, é verdade, mas resultaram de inferências oriundas de poucos casos, restringindo sua aplicação a determinadas experiências ou a regimes políticos específicos (por exemplo, Blondel, 1997BLONDEL, Jean. 1997. Political opposition in the contemporary world. Government and Opposition, v. 32, n. 4, pp. 462-486.; Rodan, 1996RODAN, Garry. (ed.). 1996. Political oppositions in industrializing Asia. Sydney: Routledge.; Kolinsky, 1987KOLINSKY, Eva (ed.). 1987. Opposition in Western Europe . London: Croom Helm . Schapiro, 1972SCHAPIRO, Leonard Bertram (ed.). 1972. Political opposition in one-party States. London: MacMillan.; Dahl, 1973DAHL, Robert (ed.). 1973. Regimes and oppositions. New Heaven: Yale University Press.).3 3 Mesmo o modelo tipológico de Dahl (1966), bastante conhecido, foi construído de forma indutiva, com base em alguns poucos estudos de caso apresentados no volume organizado pelo autor. Seu propósito era desenvolver uma tipologia em conexão com sua teoria sobre a democracia, com a finalidade de diferenciar as modalidades de manifestação das oposições em cada contexto. A diferenciação nas oposições residiria nos seguintes aspectos: (1) nível de organização e coesão, (2) nível de competitividade, (3) na arena de embate com o governo, (4) capacidade de distinção em relação ao governo, (5) objetivos e (6) estratégias. Exemplos de outras tipologias podem ser encontrados em Linz (1973), sobre a ditadura de Franco, na Espanha; em Barghoorn (1973), sobre o regime totalitário da União Soviética; e em Skilling (1973; 1968), sobre os regimes comunistas do Leste Europeu. Até mesmo a revista criada para lidar direta e exclusivamente com essa temática, Government and Opposition, não supriu, na prática, essa lacuna - desde sua primeira edição, em 1965, a maioria dos artigos publicados não lidou realmente com a relação governo/oposição, tampouco abordou a atuação oposicionista de maneira delimitada (Manor, 2011MANOR, James. 2011. Government and Opposition in India. Government and Opposition , v. 46, n. 4, pp. 436-463.).4 4 Não se trata de afirmar aqui que esse periódico não trouxe nenhuma contribuição a essa linha de investigação; ao contrário, ao que tudo indica, ele teve como estímulo as preocupações com os movimentos ditatoriais que tomaram lugar em diversas regiões do mundo e, principalmente, a disputa entre os “mundos” comunista e capitalista no que concerne à supressão de movimentos de oposição. A revista continua a ser publicada até hoje e conta com diversos estudos de caso sobre os processos de democratização e de “desdemocratização”, como também debates sobre tolerância e direitos humanos; mas, de fato, há poucos estudos sobre as oposições políticas em suas páginas.

No caso específico das oposições parlamentares, os estudos são ainda mais escassos,5 5 Em 2008, um número especial do Journal of Legislative Studies [volume 14, número 1-2] trouxe várias análises focadas nas oposições parlamentares. Esse esforço conjunto, entretanto, não teve continuidade. A edição apresentou dois artigos teóricos (Helms, 2008b; Norton, 2008) e outros focados na análise de países que adotam o modelo Westminster (Kaiser, 2008), da Escandinávia (Christiansen e Damgaard, 2008), consociativos (Andeweg, Winter e Müller, 2008), pós-comunistas (Kopecky e Spirova, 2008), da América Latina (Morgenstern, Negri e Pérez-Liñán, 2008), do Japão (Inoguchi, 2008), da África do Sul (Schrire, 2008) e da União Europeia (Helms, 2008b). em especial aqueles que analisam o seu comportamento estratégico no âmbito do ambiente institucional (cf. Hemls, 2008a; 2004). Mesmo depois da adoção do regime democrático em diversos países nos últimos quarenta anos, esse quadro praticamente não se alterou (Kolinsky, 1987KOLINSKY, Eva (ed.). 1987. Opposition in Western Europe . London: Croom Helm .; Beyme, 1987BEYME, Klaus von. 1987. Parliamentary Oppositions in Europe. In: KOLINSKY, E. (ed.). Opposition in Western Europe. London: Croom Helm, pp. 30-48.; Lawson, 1993LAWSON, Stephanie. 1993. Institutionalising peaceful conflict: political opposition and the challenge of democratisation in Asia. Australian Journal of International Affairs, v. 47, n. 1, pp. 15-30.; Cotton, 1996COTTON, James. 1996. Opposition in Asian constitutional systems: characteristics and potential for democratic consolidation. Government and Opposition , v. 31, n. 2, pp. 175-192.; Parry, 1997PARRY, Geraint. 1997. Opposition questions. Government and Opposition , v. 32, n. 4, pp. 457-461.; Blondel, 1997BLONDEL, Jean. 1997. Political opposition in the contemporary world. Government and Opposition, v. 32, n. 4, pp. 462-486.; Helms, 2004HELMS, Ludger. 2004. Five ways of institutionalizing political opposition: lessons from the advanced democracies. Government and Opposition, v. 39, n. 1, pp. 22-54.; 2008bHELMS, Ludger. 2008b. StudyingParliamentary opposition in old and new democracies : issues and perspectives. The Journal of Legislative Studies, v. 14, n. 1-2, pp. 6-19.). Por consequência, até mesmo as análises da governabilidade ficaram limitadas (cf. Weinblum e Brack, 2011WEINBLUM, Sharom; BRACK, Nathalie. 2011. ‘Political opposition’: towards a renewed research agenda. Interdisciplinary Political Studies, v. 1, n. 1, pp. 69-79.; Helms, 2008bHELMS, Ludger. 2008b. StudyingParliamentary opposition in old and new democracies : issues and perspectives. The Journal of Legislative Studies, v. 14, n. 1-2, pp. 6-19.; 2004HELMS, Ludger. 2004. Five ways of institutionalizing political opposition: lessons from the advanced democracies. Government and Opposition, v. 39, n. 1, pp. 22-54.; Neunreither, 1998NEUNREITHER, Karlheinz. 1998. Governance without opposition: the case of the European Union. Government and Opposition , v. 33, n. 4, pp. 419-441.; Blondel, 1997BLONDEL, Jean. 1997. Political opposition in the contemporary world. Government and Opposition, v. 32, n. 4, pp. 462-486.). Os estudos sobre o Legislativo brasileiro, por exemplo, concentraram-se nos resultados das votações em plenário e na tramitação de projetos, com o foco voltado exclusivamente para a avaliação da governabilidade alcançada pelo presidente da República e suas variáveis explicativas (por exemplo: Figueiredo e Limongi 1999FIGUEIREDO, Argelina Cheibub Figueiredo; LIMONGI, Fernando. 1999. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: FGV.; 2000FIGUEIREDO, Argelina Cheibub; LIMONGI, Fernando. 2000. Presidential power, legislative organization, and party behavior in Brazil. Comparative Politics, v. 32, n. 2, pp. 151-170.; 2007FIGUEIREDO, Argelina Cheibub; LIMONGI, Fernando. 2007. Instituições políticas e governabilidade: desempenho do governo e apoio legislativo na democracia. In: MELO, Carlos Ranulfo; SÁEZ, Manuel A. (org.). A democracia brasileira: balanço e perspectivas para o século 21. Belo Horizonte: Editora UFMG. pp. 31-46.; Pereira e Mueller, 2000PEREIRA, Carlos; MUELLER, Bernardo. 2000. Uma teoria da preponderância do Poder Executivo: o sistema de comissões no Legislativo brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 15, n. 43, pp. 45-67.; Santos, 2003SANTOS, Fabiano. 2003. O Legislativo no presidencialismo de coalizão. Belo Horizonte: Editora UFMG .; Melo e Pereira, 2013MELO, Marcus André; PEREIRA, Carlos. 2013. Making Brazil work: checking the president in a multiparty system. New York: Springer.; Freitas, 2016FREITAS, Andréa. 2016. O presidencialismo da coalizão. Rio de Janeiro: Fundação Konrad-Adenauer .; Almeida, 2019ALMEIDA, Acir. 2019. Do plenário às comissões: mudança institucional na Câmara dos Deputados. In: PERLIN, Giovana; SANTOS, Manoel Leonardo (org.). Presidencialismo de coalizão em movimento. Brasília: Edições da Câmara. pp. 403-432.).6 6 Para análises críticas dessa literatura, indicamos Peres e Carvalho (2012) e Corrêa e Peres (2018). Devido a isso, praticamente não se investigaram os dispositivos institucionais que podem favorecer a sua atuação estratégica das oposições parlamentares no que se refere ao controle das ações do governo, tais como a proposição de medidas alternativas, a postergação das tramitações de projetos, a tentativa de veto às suas políticas, entre outros (Bezerra, 2017BEZERRA, Gabriella Maria Lima. 2017. Oposições parlamentares no Brasil: uma análise dos incentivos institucionais e de suas práticas, 1995-2014. Tese de Doutorado em Ciência Política. Porto Alegre: UFRGS.).7 7 Inácio (2007; 2009), Rabelo-Santos (2009), Inácio, Carvalho e Peres (2012), Tarouco (2012) e Bezerra (2017) são alguns dos raros pesquisadores que abordaram ou chamaram a atenção para a necessidade de formação de uma agenda de pesquisas voltada à compreensão do comportamento das oposições partidárias no contexto do desenho constitucional brasileiro.

Essa lacuna é problemática por diversas razões (Weinblum e Brack, 2011WEINBLUM, Sharom; BRACK, Nathalie. 2011. ‘Political opposition’: towards a renewed research agenda. Interdisciplinary Political Studies, v. 1, n. 1, pp. 69-79.). Em primeiro lugar, por ser indicativa dos reduzidos avanços na abordagem de uma variável reconhecidamente relevante para o funcionamento da democracia. De fato, além da polissemia conceitual, os modelos de análise que orientam as pesquisas atuais ainda são oriundos das obras fundadoras desse campo de investigação (por exemplo, Dahl, 1973DAHL, Robert (ed.). 1973. Regimes and oppositions. New Heaven: Yale University Press.; 1966DAHL, Robert (ed.). 1966. Political oppositions in Western democracies. New Haven: Yale University Press .; 1965DAHL, Robert. 1965. Reflections on opposition in Western democracies. Government and Opposition , v. 1, n. 1, pp. 7-24.; Schapiro, 1972SCHAPIRO, Leonard Bertram (ed.). 1972. Political opposition in one-party States. London: MacMillan.; 1967SCHAPIRO, Leonard Bertram. 1967. Putting the Lid on Leninism: opposition and dissent in the communist one-party States. Government and Opposition , v. 2, n.2, pp. 181-203.; 1965SCHAPIRO, Leonard Bertram. 1965. Foreword. Government and Opposition , v. 1, n. 1, pp. 1-6.). O problema é que tais classificações se tornaram inadequadas para lidar com esse tema depois das drásticas mudanças ocorridas nos contextos político, econômico e social nas últimas décadas - tais como as alterações no padrão de relação entre Executivo e Legislativo e nas formas de atuação dos partidos políticos (cf. Andeweg, 1992ANDEWEG, Rudy B. 1992. Executive-Legislative Relations in Netherlands: Consecutive and Coexisting Patterns. Legislative Studies Quarterly, v. 7, n. 2, pp. 161-182.; Andeweg, Winter e Müller, 2008ANDEWEG, Rudy B.; WINTER, Lieven de; MÜLLER, Wolfgang C. 2008. Parliamentary opposition in post-consociational democracies: Austria, Belgium and the Netherland. The Journal of Legislative Studies, v. 14, n. 1-2, pp. 77-112.; Copeland e Paterson, 1994COPELAND, Gary; PATERSON, Samuel. 1994. Parliaments in Modern World. Ann Arbor: The University of Michigan Press.; Norton, 2008NORTON, Philip. 2008. Making sense of opposition. The Journal of Legislative Studies , v. 14, n. 1-2, pp. 236-250.; Katz e Mair, 1995KATZ, Richard S.; MAIR, Peter. 1995. Changing models of party organization and party democracy: the Emergence of the Cartel Party. PartyPolitics , v. 1, n. 1, pp. 5-28.; Ignazi, Farrel e Römmelle, 2005IGNAZI, Piero; FARREL, David; RÖMMELE, Andrea. 2005. The prevalence of linkage by reward in contemporary parties. In: RÖMMELE, Andrea; FARREL, David; IGNAZI, Piero (ed.). Political Parties and Political Systems: the concept of linkage revisited. Westpoint: Praeger. pp. 101-124.; Poguntke e Webb, 2007POGUNTKE, Thomas; WEBB, Paul. 2007. The Presidentialization of Politics: a Comparative Study of Modern Democracies. Oxford: Oxford University Press.). Em segundo lugar, esse quadro demonstra a diminuta relevância que os analistas atribuíram ao controle do governo pela oposição parlamentar.

O paradoxo da oposição parlamentar

Além do déficit de estudos sobre as oposições parlamentares, a literatura especializada viu-se enredada num paradoxo cuja “solução” acabou imprimindo aos estudos um viés analítico e normativo favorável ao governo. Por um lado, os analistas aderiram a uma noção de democracia em que as oposições parlamentares são fundamentais; por outro, eles intuíram que, se as oposições forem muito poderosas, elas se tornam um empecilho à governabilidade e, no limite, ameaçam o regime democrático.8 8 Vide o debate subsequente sobre a relação entre desenho institucional e democracia entabulado por Shugart e Carey (1992) e Foweraker (1998). Como lidar com esse dilema? Como fazer oposição ao governo sem ameaçar a estabilidade institucional? Seria possível identificar o ponto ótimo de articulação da governabilidade com uma oposição parlamentar efetiva? Mais precisamente, seria possível determinar o valor que estabelece o limiar até onde a oposição pode ir para atuar de modo eficaz em contraponto ao governo sem, no entanto, gerar “paralisia decisória” e crise institucional?

Dahl (1965DAHL, Robert. 1965. Reflections on opposition in Western democracies. Government and Opposition , v. 1, n. 1, pp. 7-24., p. 8) já havia reconhecido esse paradoxo ao formular duas questões centrais: “O quanto e que tipo de oposição é desejável? Qual é o melhor equilíbrio entre consenso e dissensão?”. Para Sartori (1966SARTORI, Giovanni. 1966. Opposition and control problems and prospects. Government and Opposition , v. 1, n. 2, pp. 149-154. p. 151), a resposta é a seguinte: “Uma oposição deve se opor, mas não obstruir; deve ser construtiva, não destrutiva. Também podemos dizer que oposição é diferente de facciosismo; [podemos dizer] que a ‘real oposição’ tem em conta o interesse geral, e não meramente o antagonismo pessoal”. Jouvenel (1966JOUVENEL, Bertrand de. 1966. The means of contestation. Government and Opposition , v. 1, n. 2, pp. 155-174.), na mesma sintonia, alertou que “muita oposição, ou seja, uma oposição que puxa para os extremos, pode esgarçar o sistema político, e o mesmo é verdadeiro para uma oposição desleal, ao menos se alguns limites não forem respeitados”.

Mas, então, poderíamos questionar, tudo depende de um compromisso moral? Dependemos de bons ganhadores e bons perdedores para assegurar a existência de oposições leais e governos que respeitem seus opositores, como sugerido por Jouvenel (1966JOUVENEL, Bertrand de. 1966. The means of contestation. Government and Opposition , v. 1, n. 2, pp. 155-174.)? Dependemos da honra dos competidores, como parece sugerir Sartori ao se referir aos atores políticos da Casa dos Comuns inglesa, aparentemente cheios de senso de dever, e para os quais a trapaça que leva à vitória é mais degradante do que não ter vencido? Mais do que isso, devemos supor que, “em muitos aspectos, a oposição [deve ser] entendida como uma forma de colaboração […]”? (Sartori, 1966SARTORI, Giovanni. 1966. Opposition and control problems and prospects. Government and Opposition , v. 1, n. 2, pp. 149-154., p. 152).

Longe de oferecer uma resposta às questões formuladas por Dahl, Sartori, na verdade, apenas recolocou o problema por outro ângulo, e, de maneira alguma, isento de contradições. Afinal, se, assim como os governos, as oposições visassem ao interesse geral, não haveria razões para a sua existência, pois se pressupõe que o interesse geral seja o mesmo. Por outro lado, se por acaso houver mais de um interesse geral, e eles forem conflitantes o bastante para permitir a existência de uma oposição ao governo, então não há interesse geral, mas, sim, interesses variados. Logo, como uma oposição poderia apenas se opor sem nunca obstruir? Como a atuação opositiva poderia ser uma forma de colaboração com o governo e, ainda assim, continuar a ser uma oposição? Ou seja, o problema inicial persiste: como estimular uma oposição que se opõe sem, entretanto, investir na inviabilização ou deposição do governo, ou, ainda, na dissolução do regime político?

Sendo assim, embora o compromisso moral dos atores seja necessário - não se trata aqui de negá-lo -, isso não é insuficiente para estimular a oposição a atuar com lealdade às regras e com responsabilidade para com a governação. Esse incentivo, portanto, deve ser alicerçado em algo mais pragmático, como a própria teoria da democracia, de Dahl, sugere de maneira implícita. Podemos depreender de seus axiomas que a oposição será responsável e leal ao regime sempre que houver a possibilidade real de que ela venha a ocupar o governo num futuro próximo. Isso significa que a efetividade da oposição na arena parlamentar é essencial para aumentar suas chances de vencer o candidato governista na arena eleitoral; porém, para preservar o sistema político cuja direção, espera-se, ficará em breve sob o seu comando, essa mesma oposição sentir-se-á compelida a respeitar, ao máximo, as “regras do jogo”.

Porém, essa relação pragmática da oposição com o governo, ao mesmo tempo que escapa da “solução moral”, desliza para uma “solução enviesada”. Nela, a contestação pública mais contundente deve se restringir à arena eleitoral, sendo, portanto, menor sua capacidade de interferência nas decisões governamentais. Por isso, a contestação pública, requisito inalienável da normatividade democrática concebida pelo autor, refere-se mais diretamente à competição partidária nas eleições, um processo que se vincula ao dispositivo da rotatividade no poder. Não nos esqueçamos de que o seu modelo bidimensional, que permite situar os países num plano cartesiano, tem dois eixos que descrevem o processo político das transições de maneira circunscrita à arena eleitoral. Dito de outro modo, a competição política se aplica apenas à disputa das diversas elites pelos votos, situados no eixo da participação, e não ao processo de governo; destarte, assim como a participação, a competição se dá na arena eleitoral, espaço por excelência da contestação pública mais incisiva. Nesse contexto, as críticas e objeções parlamentares ao governo mostram-se como um elemento involucrado no processo competitivo pelos votos, responde às urnas, mas são, de forma alguma, um elemento capaz de provocar redução drástica da governabilidade.

Fundamentada desse modo, essa posição intrinsecamente favorável à governabilidade impregnou as análises comparadas subsequentes. De fato, ela veio a reboque da teoria da democracia pluralista, amplamente aceita pelos pesquisadores especializados no tema, e foi reforçada pelo debate institucionalista sobre os efeitos da forma de governo na consolidação das novas democracias. Desencadeada por Juan Linz, essa reflexão sedimentou, ainda, a visão normativa de que o presidencialismo é prejudicial à democracia porque, além de ser desprovido dos instrumentos que asseguram a governabilidade, seu arranjo institucional não oferece nenhuma saída regular para as suas autoinfligidas crises políticas (Linz, 1990LINZ, Juan. 1990. The perils of presidentialism. Journal of Democracy, v. 1, n. 1, pp. 51-69.). Todo o debate subsequente acerca da relação entre desenho constitucional e estabilidade democrática foi, então, motivado a avaliar os mecanismos institucionais que favorecem a governabilidade.

Procedendo dessa forma, os analistas perceberam as oposições parlamentares como um problema prático a ser superado pelo processo de governo, e não como um problema de pesquisa a ser investigado. Obviamente, quando os comparativistas examinam os governos democráticos, já admitem que tais países se caracterizam pela tolerância às oposições partidárias, ou seja, que existem atribuições constitucionais e regimentais previstas para a sua atuação na arena legislativa; mas isso, por si só, não justifica relegá-las ao segundo plano da análise ou, quando muito, tomá-las como constantes nos seus modelos explicativos, como se todas fossem iguais, dispusessem dos mesmos recursos institucionais e agissem da mesma maneira. Sendo assim, pode-se dizer que o paradoxo das oposições parlamentares não foi devidamente solucionado. A “solução” convencional da literatura, favorável à governabilidade, pagou o preço de negligenciar a atuação institucional das oposições parlamentares; porém, uma solução contrária que pendesse favoravelmente para a oposição pagaria o preço da potencial instabilidade democrática. Em realidade, tudo indica que não há solução inequívoca, se é que existe alguma. A governabilidade plena, de fato, tem um potencial tirânico, pois significa a anulação da oposição parlamentar; da mesma forma, a efetividade plena da oposição parlamentar tem um potencial obstrutivo passível de paralisar o governo e provocar crises institucionais.

Mas quem disse que, necessariamente, temos de equacionar esse paradoxo? É possível lidar com ele de outra maneira. Em vez de tentarmos resolvê-lo, podemos tomá-lo como o problema de fundo que rege a relação entre esses dois macroatores da democracia. Às vezes, a oposição pode criar obstáculos ao governo, desestabilizá-lo, substituí-lo sem maiores problemas, mas, às vezes, ela pode desestabilizar o sistema político; outras vezes, a oposição não consegue interferir na governação, pois não dispõe de recursos institucionais ou operacionais para postergar as decisões, para alterar os projetos e, menos ainda, para vetar as políticas. Devemos conhecer as condições que propicia cada um desses cenários, as variáveis que explicam por que, em dadas circunstâncias, um prepondera perante o outro. Podemos analisar essa relação como um processo de permanente disputa pelo poder e pela distribuição dos recursos públicos.

Para compreender o que explica essas circunstâncias e esses resultados, devemos observar como as oposições parlamentares (a) controlam as ações do governo, (b) tentam influenciar as suas políticas, (c) procuram retardar o andamento de projetos governistas no processo legislativo e, na medida do possível, (d) vetam, ou tentam vetar, os seus projetos. A observação desse comportamento depende das respostas a algumas perguntas fundamentais: quais são as funções das oposições parlamentares? Em que estrutura institucional essas funções são exercidas? Que instrumentos constitucionais podem ser mobilizados para o desempenho efetivo de tais funções? Como as oposições parlamentares fazem uso estratégico desses recursos em sua interação com o governo? A seguir, procuramos responder tais questões dando início à construção conceitual do que se pode entender por oposição parlamentar. Analisamos sua institucionalização mediante a aquisição histórica de funções específicas, as quais darão os subsídios para a proposição de uma definição delimitada desse conceito.

A institucionalização da oposição parlamentar

A emergência das oposições parlamentares

A história dos regimes políticos envolvendo a constitucionalização da soberania, a partir do século XVII, e a formação dos Parlamentos modernos, a partir do século XVIII e, mais acentuadamente, do século XIX, mostra que as oposições institucionalizadas resultaram da articulação da divisão dos Poderes com a emergência da democracia representativa e dos partidos políticos organizados (Foley, 1999FOLEY, Michel. 1999. The politics of the British Constitution. Manchester: Manchester University Press.; Hockin, 1971HOCKIN, Thomas. 1971. The roles of the loyal opposition in britain’s house of commons: three historical paradigms. Parliamentary Affairs, v. 25, n. 1, pp. 50-68.; Mckenzie, 1955MCKENZIE, Robert. 1955. British political parties: the distribution of power within the conservative and labour parties. London: William Heinemann.; Jennings, 1941JENNINGS, Ivor. 1941. The British Constitution. Cambridge: Cambridge University Press .; 1936JENNINGS, Ivor. 1936. Cabinet Government. Cambridge: Cambridge University Press .). Antes disso, toda oposição era desleal ao governo, pois visava à sua destruição - a oposição, em geral, era violenta diante de um governo igualmente violento. Um claro ponto de inflexão nessa dinâmica foi a “Revolução Gloriosa”, com a consequente consolidação da monarquia constitucional na Inglaterra (Hill, 1940HILL, Christopher. 1940. The English Revolution. London: Lawrence and Wishart.; Bogdanor, 1996BOGDANOR, Vernon . 1996. The Monarchy and the Constitution. New York: The Clarendon Press.).

Retrocedendo ao debate contratualista dos séculos XVII e XVIII, encontramos na defesa das garantias individuais contra o arbítrio do Estado, realizada pelo jusnaturalismo, o ponto de partida para a aceitação da oposição política à soberania constituída (Foord, 1964FOORD, Archibald S. 1964. His majesty’s opposition 1714-1830. Oxford: Oxford University Press.). Thomas Hobbes é um exemplo desse tipo de posicionamento, assim como John Locke, notório defensor do direito de resistência do indivíduo perante o governo que se desviasse de suas atribuições. Nesse caso, opor-se a um soberano tirânico seria uma prerrogativa do cidadão, uma vez que a tirania é uma clara violação dos termos do pacto político.9 9 J. J. Rousseau é um caso à parte, pois seu contratualismo veio em defesa da vontade geral ilimitada, portanto, da prevalência da vontade da Assembleia. Supunha ele ser possível um consenso nas decisões, mesmo naquelas divididas, por acreditar que todos se juntariam à vontade geral depois de sua “revelação” ao final do processo deliberativo. A oposição, portanto, é dissolvida na vontade geral. Hobbes e Locke, inclusive, estão diretamente vinculados aos desdobramentos institucionais dos “dois tempos” da Revolução Inglesa, cujo resultado mais significativo foi o fortalecimento da arena parlamentar em oposição à soberania do monarca - embora uma oposição fiel à Coroa.10 10 O político e historiador Barão Thomas Macauly foi um dos mais destacados defensores da tese de que a “revolução gloriosa” produziu a maior contribuição da história política inglesa à civilização humana - a monarquia constitucional (Burrow, 1983). Nela, segundo ele, o rei reina, mas não governa; o governo cabe ao Parlamento por intermédio do Gabinete Ministerial. Portanto, esse desenho constitucional restringiu o poder do rei ao atribuir a supremacia da governação ao Parlamento. Muito criticada à época, sua maior obra, a História da Inglaterra, editada em vários volumes de 1849 a 1855, acabou se tornando referência para boa parte da historiografia inglesa posterior, que aderiu à interpretação de que as negociações políticas travadas desde 1688, intensificadas pelos acordos derivados da revolução de 1832, conduziram à relação harmônica entre a Coroa e o Parlamento, por um lado, e entre o Parlamento e a nação (Jann, 1986), por outro. Os ingleses veriam, assim, o surgimento da monarquia constitucional, o que significava um arranjo político com limites à atuação do soberano; limites estes baseados nos direitos naturais (Foley, 1999FOLEY, Michel. 1999. The politics of the British Constitution. Manchester: Manchester University Press.; Hockin, 1971HOCKIN, Thomas. 1971. The roles of the loyal opposition in britain’s house of commons: three historical paradigms. Parliamentary Affairs, v. 25, n. 1, pp. 50-68.).11 11 Até onde se sabe, o primeiro registro do termo “monarquia constitucional” se deve a W. Dupré, um polemista francês que o mencionou em dois panfletos publicados em 1801, intitulados “La Monarchie Constitutionnelle” e “Un Roi Constitutionnell” (cf. Bogdanor, 1996). Entretanto, enquanto uma soberania que governa de acordo com as leis fundamentais que limitam o seu poder, esse é um fenômeno que já podia ser encontrado na Antiguidade, como no povo judeu, que estabeleceu a possibilidade de deposição do rei que infringisse a Lei Mosaica (Finer, 1988). Como decorrência, o Parlamento assumiria, cada vez mais claramente, a função de opositor ao governo, identificado com o gabinete ministerial a serviço da realeza (Jennings, 1941JENNINGS, Ivor. 1941. The British Constitution. Cambridge: Cambridge University Press .; 1936JENNINGS, Ivor. 1936. Cabinet Government. Cambridge: Cambridge University Press .).

Dessa maneira, é possível dizer que, em termos históricos, a oposição política institucionalizada surgiu no século XVIII, na Inglaterra, onde se decidiu limitar a monarquia pelo mecanismo da divisão dos Poderes, opondo, de um lado, o monarca e seu conselho, e, de outro, os nobres e os comuns, alojados num Legislativo bicameral (Hockin, 1971HOCKIN, Thomas. 1971. The roles of the loyal opposition in britain’s house of commons: three historical paradigms. Parliamentary Affairs, v. 25, n. 1, pp. 50-68.; Bogdanor, 1996BOGDANOR, Vernon . 1996. The Monarchy and the Constitution. New York: The Clarendon Press.). Apesar de ser usual a aliança de interesses entre o Executivo, na figura do rei, e a Casa dos Lordes, representativa de parte do Parlamento, ainda assim cabia à parcela sobrante do Legislativo, a Casa dos Comuns, o direito de criticar as políticas do governo (Foley, 1999FOLEY, Michel. 1999. The politics of the British Constitution. Manchester: Manchester University Press.), e até de se opor a elas. Tratava-se, obviamente, de uma oposição “ao governo”, ou seja, ao conselho de ministros, e não ao Estado ou à monarquia. Nesse período, a oposição se manifestava de maneira individualizada e só podia se opor às políticas locais e bastante específicas.

Já com a monarquia constitucional e a emergência da Constituição Balanceada, que dividia os Poderes de acordo com o desempenho de funções específicas, os parlamentares podiam se opor às políticas de maior abrangência ou de interesse nacional, mas ainda não se organizavam em partidos permanentes (Hockin, 1971HOCKIN, Thomas. 1971. The roles of the loyal opposition in britain’s house of commons: three historical paradigms. Parliamentary Affairs, v. 25, n. 1, pp. 50-68.; Foord, 1964FOORD, Archibald S. 1964. His majesty’s opposition 1714-1830. Oxford: Oxford University Press.). A oposição seguiu então seu percurso de institucionalização no âmbito do Parlamento, mantendo a sua lealdade à Coroa, mas, ao mesmo tempo, viu o seu escopo de atuação ampliado ao adquirir novas funções (Jennings, 1941JENNINGS, Ivor. 1941. The British Constitution. Cambridge: Cambridge University Press .; 1936JENNINGS, Ivor. 1936. Cabinet Government. Cambridge: Cambridge University Press .). Inclusive, o fundamento desse tipo de oposição residia no pressuposto de que, ao se opor ao governo, o Legislativo, ou uma parte dele, estava apenas defendendo a verdadeira intenção do monarca, maculada pelos desvios provocados pelo governo exercido pelo conselho. Portanto, “culpar os ‘conselheiros perversos do rei’, e não o rei, faz com que os dissidentes se mostrem mais leais ao princípio, secular ou religioso, do sistema monárquico do que aqueles que realmente exercem o poder [em nome do rei]” (Parry, 1997PARRY, Geraint. 1997. Opposition questions. Government and Opposition , v. 32, n. 4, pp. 457-461., p. 459).

Assim, nos anos de 1720-1780, a oposição parlamentar foi se estruturando enquanto uma parte normal e essencial da política inglesa. De acordo com Foord (1964FOORD, Archibald S. 1964. His majesty’s opposition 1714-1830. Oxford: Oxford University Press., p. 488), “o que emergiu disso foi o reconhecimento dos direitos dos políticos do Parlamento e, particularmente, da Casa dos Comuns, de fazer oposição ao governo, de criticá-lo e de buscar sua substituição, embora ainda não se questionasse a prerrogativa real de fazer a escolha do chefe dos ministros e de seus colegas”. Porém, no século XVIII, inexistiam as organizações partidárias modernas, que ganhariam vida somente no século seguinte; do mesmo modo, as eleições com amplo sufrágio só seriam incorporadas ao arranjo institucional no século XIX, depois de uma sucessão de mudanças legislativas que passaram a permitir a inclusão cada vez maior da sociedade no sistema político - a reforma eleitoral de 1867 deu o direito de voto aos operários industriais, e, em 1884, foi a vez de os trabalhadores rurais serem incorporados no sistema representativo. Nesse contexto, surgiram os primeiros partidos políticos societários, oriundos de organizações sindicais e movimentos socialistas e comunistas (Mckenzie, 1955MCKENZIE, Robert. 1955. British political parties: the distribution of power within the conservative and labour parties. London: William Heinemann.). Essa nova forma de organização correspondia ao que Duverger (1951DUVERGER, Maurice. 1951. Les partis politiques. Paris: Armand Colin.) chamou de “partidos de massa”, mobilizados fora do Parlamento, e que passaram a competir com os “partidos de quadros”, organizados dentro do Parlamento.

A estruturação das oposições partidárias

O surgimento das organizações partidárias alteraria drasticamente não apenas o processo eleitoral, cada vez mais competitivo, como também a relação entre os Poderes Executivo e Legislativo (Mckenzie, 1955MCKENZIE, Robert. 1955. British political parties: the distribution of power within the conservative and labour parties. London: William Heinemann.). Mais estruturados e com atuação permanente de mobilização e doutrinação, os partidos modernos ameaçavam a posição majoritária dos partidos tradicionais no Parlamento. Naquele período, duas forças partidárias dominavam o processo eleitoral e as cadeiras parlamentares - os Whig, reunindo as tendências liberais, e os Tory, agregando os grupos conservadores.12 12 Esses dois grupos ideológicos dariam origem aos dois principais partidos da cena britânica até os anos 1920, o Partido Liberal e o Partido Conservador. Até o final daquela década, liberais e conservadores se alternavam no poder, dentro dos princípios do regime parlamentarista que foi se impondo desde meados do século XIX. O Partido Trabalhista, considerado o arquétipo dos partidos de massa, seria organizado nas décadas finais do século XIX e ultrapassaria o Partido Liberal décadas depois, ocupando a segunda vaga do sistema bipartidário, ao lado do Partido Conservador. Desse modo, uma nova evolução ocorreu durante o século XIX quando os grupos Whigs e Tories se estruturaram enquanto organizações, dando ensejo ao posterior surgimento do sistema bipartidário inglês (Mckenzie, 1955MCKENZIE, Robert. 1955. British political parties: the distribution of power within the conservative and labour parties. London: William Heinemann.).

Em seu desenvolvimento, o parlamentarismo bipartidário foi, portanto, resultado da evolução da monarquia constitucional, cujo desfecho foi atribuir cada vez mais prerrogativas ao Poder Legislativo, a ponto de o Parlamento se apropriar, digamos assim, do Poder Executivo em decorrência da fusão prática desses Poderes, provocada pelo mecanismo de escolha do chefe de governo (Bagehot, 1867BAGEHOT, Walter. 1867. The English Constitution. London: Chapman and Hall.). Como a indicação do chefe do Poder Executivo transformara-se numa atribuição da maioria dos membros do Parlamento, processou-se uma alteração muito importante na relação entre os dois Poderes - a oposição não se daria mais na relação entre Executivo e Parlamento, uma vez que, doravante, o governo englobaria essas duas arenas institucionais; o governo, agora, corresponderia justamente à maioria partidária que controla o Parlamento e o Gabinete Ministerial (Bogdanor, 1996BOGDANOR, Vernon . 1996. The Monarchy and the Constitution. New York: The Clarendon Press.). Dessa forma, o sistema bipartidário inglês favoreceu a simplificação da relação entre oposição e governo, pois garantia a eleição de um partido majoritário no Parlamento, o que, por sua vez, assegurava a formação automática do governo; garantia, ainda, maior estabilidade à governação, pois o chefe de governo e a maioria parlamentar agiam em uníssono, conforme mostrou Walter Bagehot ao salientar o “segredo da eficiência” do modelo constitucional inglês (Bagehot, 1867BAGEHOT, Walter. 1867. The English Constitution. London: Chapman and Hall.). Ao partido minoritário não cabia outra alternativa a não ser atuar como oposição ao governo, ou seja, ao partido majoritário que controla o Executivo e a maioria das cadeiras do Parlamento.

Não obstante, seria igualmente assegurada, nesse contexto, uma posição institucional mais demarcada à oposição parlamentar. Para se contrapor ao governo, o partido oposicionista passava a se organizar na forma de um “governo em espera”, com um programa alternativo, um primeiro-ministro alternativo e um gabinete de ministros também alternativo - a oposição organizar-se-ia, institucionalmente, enquanto um Shadow Government, com um Shadow Cabinet liderado por um Shadow Prime-Minister (Punnett, 1973PUNNETT, R. 1973. Frontbench Opposition: the role of the leader of the opposition, the Shadow Cabinet, and the Shadow Government in BritishPolitics. London: Heinemann.). Além de exercer as funções de fiscalização do Executivo e das decisões legislativas, bem como de defensor dos direitos das minorias, o partido de oposição incumbir-se-ia de apresentar suas políticas alternativas e, mais do que isso, de mostrar-se preparado para assumir as funções de governo a qualquer momento (Turner, 1969TURNER, Duncan. 1969. The shadow cabinet in British politics. London: Routledge.). Esse modelo, em princípio, permitiria uma nítida identificação de quem é governo e de quem é oposição; permitiria, assim, maior accountability e rotatividade no poder.

Para alguns teóricos, apesar de não abrir muitos espaços para as interferências da oposição nas decisões de governo, o modelo constitucional inglês daria a ela, no entanto, um status de grande relevo; ou seja, seria possível a existência daquilo que Potter (1966POTTER, Allen. 1966. Great Britain: opposition with Capital ‘O’. In: DAHL, Robert (ed.). Political oppositions in Western democracies . New Haven: Yale University Press . pp. 17-32.) chamou de uma oposição com “O maiúsculo”. De acordo com Foord (1964FOORD, Archibald S. 1964. His majesty’s opposition 1714-1830. Oxford: Oxford University Press.), esse modelo começou a se consolidar a partir dos anos 1820, acima de tudo como um movimento retórico que pavimentou o caminho para a legitimação de uma oposição parlamentar institucionalizada; o que, por sua vez, teria permitido uma clara distinção entre se opor ao Estado e se opor ao regime, por um lado, e opor-se aos ministros de Estado, por outro. Começava a se formar o que, no século XIX, viria a ser denominado de Her Majesty’s Loyal Opposition (Foord, 1964FOORD, Archibald S. 1964. His majesty’s opposition 1714-1830. Oxford: Oxford University Press.; Potter, 1966POTTER, Allen. 1966. Great Britain: opposition with Capital ‘O’. In: DAHL, Robert (ed.). Political oppositions in Western democracies . New Haven: Yale University Press . pp. 17-32.).13 13 Esse termo foi utilizado pela primeira vez por John Hobhouse, primeiro Barão de Broughton, num discurso proferido na House of Parliament, em 1826, quando ele era parlamentar e membro do grupo Whig (Kleinig, 2014). Suas palavras exatas, em resposta crítica e irônica ao pronunciamento de um ministro, teriam sido: “Diz-se que é difícil para os ministros de Sua Majestade levantar-lhe objeções, mas é mais difícil para a oposição de Sua Majestade obrigá-los a seguir esse curso” (citado em Foord, 1964, p. 1).

Evolutivamente, portanto, o governo exercido pelo Gabinete Ministerial tornou-se, cada vez mais, uma derivação do Parlamento, que foi se fortalecendo diante da Coroa (Todd, 1887TODD, Alpheus. 1887. On parliamentary government in England: its origins, development and operation. London: Longman.; Turner, 1969TURNER, Duncan. 1969. The shadow cabinet in British politics. London: Routledge.; Punnett, 1973PUNNETT, R. 1973. Frontbench Opposition: the role of the leader of the opposition, the Shadow Cabinet, and the Shadow Government in BritishPolitics. London: Heinemann.).14 14 Registrando esse novo padrão de relação, no final do século XIX, Todd (1887, pp. 415-416) destacou o seguinte: “A oposição exerce grande influência no debate parlamentar e também na condução dos negócios da Coroa, uma vez que ela é a crítica constitucional de todos os temas públicos; e qualquer que seja o curso de ação perseguido pelo governo, a oposição naturalmente se aventura na busca de algum flanco passível de ataque. É função da oposição se posicionar contra a administração; dizer tudo o que pode ser plausivelmente dito contra cada medida, ato ou pronunciamento de todos os membros do Gabinete Ministerial; em suma, é função da oposição se constituir como uma barreira de censura ao governo, sujeitando todos os seus atos e medidas a um rigoroso escrutínio”. Uma consequência direta disso foi a emergência da moção de desconfiança como um mecanismo de defesa da maioria parlamentar diante do chefe de governo que cometesse abusos ou que perdesse o seu apoio. Com efeito, a moção de desconfiança fez cair em desuso a prática do impeachment, amplamente utilizada até o século XVIII contra funcionários de alto escalão e ministros. Ocorre que a evolução da monarquia constitucional deu ensejo à democracia parlamentarista e, com ela, aos governos dos partidos majoritários que podiam destituir primeiros-ministros de maneira muito mais rápida e fácil por intermédio da moção de desconfiança do que por processos de impeachment. Nos Estados Unidos, porém, o impeachment foi adotado como uma forma de defesa do Parlamento contra presidentes que cometessem crimes de responsabilidade, mas que, devido ao mandato fixo, só poderiam ser depostos por um processo acusatório. Esse modelo tornar-se-ia uma das principais matrizes do instituto do impeachment nas democracias presidencialistas contemporâneas (Rotta, 2019ROTTA, Arthur Augusto. 2019. Como depor um presidente: análise comparada dos modelos de impeachment em 77 países. Tese de Doutorado em Ciência Política. Porto Alegre: UFRGS.).

Assim, a partir do final do século XIX, e ao longo do século XX, consolidou-se um modelo de oposição leal não apenas à Coroa, mas à democracia parlamentarista. Agora, a oposição era claramente partidária diante de um governo nitidamente partidário, e num contexto institucional no qual havia espaço assegurado à atuação oficial da oposição, tanto dentro do Parlamento como na política nacional. Destarte, a oposição democrática atuaria como fiscalizadora do governo e como instância crítica às suas políticas, procurando ressaltar que está mais bem preparada para governar do que os atuais ocupantes do cargo. Consequentemente, o desenvolvimento do regime parlamentarista, em conjunção com a emergência dos partidos organizados, provocou uma mudança estrutural na relação entre governo e oposição - esta não seria mais estabelecida simplesmente entre os Poderes Legislativo e Executivo, mas entre os partidos políticos. Na perspectiva de vários estudiosos da democracia, devido a essas características e aos seus supostos efeitos positivos para a atuação, seja do governo, seja da oposição, o modelo político inglês se tornou um tipo idealizado de arranjo político (Johnson, 1997JOHNSON, Nevil. 1997. Opposition in the British political system. Government and Opposition , v. 32, n. 4, pp. 487-510.).

Mas a eventual institucionalização da oposição política no âmbito do Parlamento não ficaria restrita apenas à Inglaterra ou aos regimes parlamentaristas. Nos Estados Unidos da América, onde surgiu a inovação constitucional do presidencialismo, também se designou um espaço de atuação institucional para os opositores ao governo. Conforme observou Polsby (1997POLSBY, Nelson W. 1997. Political Opposition in the United States. Government and Opposition , v. 32, n. 4, pp. 511-521., p. 511), “por causa do desenho constitucional, a oposição política nos Estados Unidos é onipresente e delimitada, e opera de maneira pacífica”. Mais ainda, o desenvolvimento de uma sociedade marcadamente pluralista deu oportunidade à emergência de oposições as mais variadas, bem como o desenvolvimento de diversas formas de se contrapor ao governo que se tornaram estreitamente entrelaçadas com as suas instituições. Essa dinâmica, aliás, correspondeu à perspectiva de James Madison, um dos “pais fundadores” da República, sobre a essência inevitavelmente facciosa da política e os arranjos legais que poderiam ser utilizados para transformá-la em estímulos positivos à sociedade e ao Estado. Para ele, o governo deveria ser concebido de tal forma que se pusessem as facções [forças opositoras] em constante disputa umas com as outras, para, dessa maneira, colocar-se em movimento inercial aos controles mútuos.15 15 No seminal Artigo 51, dos Federalistas, Madison se pergunta, logo de início, “a que meios devemos, afinal, recorrer para manter, na prática, a necessária repartição de poder […]”, ao que responde: “[Isso] deve ser suprido imaginando-se a estrutura interna do governo de tal modo que as suas partes constituintes possam, por meio de suas relações mútuas, constituir os meios de se manter umas às outras nos devidos lugares” (Madison, 2011, pp. 467-468). Mecanicamente, as oposições são percebidas como peças indispensáveis da engrenagem dos checks-and-balances (Poslby, 1997).

Oposições parlamentares, governabilidade e consolidação democrática

Se as oposições parlamentares institucionalizadas são um elemento que os desenhos constitucionais inglês e norte-americano têm em comum, não decorre disso que a sua interação com os demais aspectos de cada modelo político produza os mesmos resultados, muito pelo contrário, inclusive em outros países que desenharam suas Constituições seguindo esses modelos (Lijphart, 1984LIJPHART, Arend. 1984. Democracies: patterns of majoritarian and consensus government in twenty-one countries. New Haven: Yale University Press .; 1999LIJPHART, Arend. 1999. Patterns of democracy: government forms and performance in thirty-six countries. New Haven: Yale University Press .). Com o intuito de delinear tais diferenças, a agenda de pesquisas comparadas da “terceira onda de democratização” elegeu como um de seus temas centrais o estudo dos efeitos de cada variação de arranjo institucional na consolidação do regime. O conflito entre Executivo e Legislativo, potencialmente induzido pela forma de governo e pelo formato do sistema partidário, como já mencionado, tornou-se o ponto nevrálgico dessas avaliações. Em razão disso, cada vez mais, parlamentarismo e presidencialismo, por um lado, e bipartidarismo e multipartidarismo, por outro, passaram a ser contrapostos e examinados à luz de seus incentivos à governabilidade (Shugart e Carey, 1992SHUGART, Mathew Søberg; CAREY, John M. 1992. Presidents and assemblies: constitutional design and electoral dynamics. Cambridge: Cambridge University Press .; Mainwaring, 1993MAINWARING, Scott. 1993. Presidentialism, multiparty systems and democracy: the difficult equation. Comparative Political Studies, n. 26, pp. 198-228.; 1999MAINWARING, Scott. 1999. Rethinking party systems in the third wave of democratization: the case of Brazil. Stanford: Stanford University Press.; Foweraker, 1998FOWERAKER, Joe. 1998. Institutional design, party systems and governability: differentiating the presidential regimes of Latin America. British Journal of Political Science, v. 28, n. 4, pp. 651-676.; Cheibub e Limongi, 2002CHEIBUB, José Antonio; LIMONGI, Fernando. 2002. Democratic institutions and regime survival: parliamentary and presidential democracies reconsidered. Annual Review of Political Science, v. 5, pp. 151-179.; Cheibub, 2006CHEIBUB, J. 2006. Presidentialism, Parliamentarism, and Democracy. Cambridge: Cambridge University Press .).

Cumulativamente, as análises comparadas firmaram uma sabedoria convencional acerca dos efeitos de cada combinação. Aceitou-se que regimes presidencialistas bipartidários podem produzir “governo dividido” - uma situação em que o partido do presidente é minoritário no Legislativo, de modo que a relação entre governo e oposição é desfavorável à governabilidade -; em contrapartida, há situações em que o partido do presidente é majoritário no Parlamento, então sua governabilidade é elevada na mesma proporção em que a oposição é incapaz de obstaculizar suas ações (Shugart e Carey, 1992SHUGART, Mathew Søberg; CAREY, John M. 1992. Presidents and assemblies: constitutional design and electoral dynamics. Cambridge: Cambridge University Press .). No caso do presidencialismo multipartidário, concluiu-se que todas as situações são desvantajosas para o governo, uma vez que o partido do presidente sempre será minoritário no Parlamento (Linz, 1990LINZ, Juan. 1990. The perils of presidentialism. Journal of Democracy, v. 1, n. 1, pp. 51-69.; Linz e Valenzuela, 1994LINZ, Juan; VALENZUELA, Arturo (ed.). 1994. The failure of presidential democracy: the case of Latin America. Baltimore: Johns Hopkins University Press.; Mainwaring, 1993MAINWARING, Scott. 1993. Presidentialism, multiparty systems and democracy: the difficult equation. Comparative Political Studies, n. 26, pp. 198-228.; 1999MAINWARING, Scott. 1999. Rethinking party systems in the third wave of democratization: the case of Brazil. Stanford: Stanford University Press.; Mainwaring e Shugart, 1997MAINWARING, Scott; SHUGART, Matthew. 1997. Presidentialism and democracy in Latin America. Cambridge: Cambridge University Press .). Mesmo no caso de se formar uma coalizão de governo majoritária, a governabilidade será difícil e custosa, pois os membros da aliança sempre exigirão mais recursos em troca do seu apoio, além de serem mais fiéis aos seus eleitores e partidos do que à agenda do presidente (Ames, 2001AMES, Barry. 2001. The Deadlock of Democracy in Brazil: interests, identities, and institutions in comparative perspective. Ann Arbor: University of Michigan Press.; Coppedge, 2001COPPEDGE, Michael. 2001. Party systems, governability, and the quality of democracy in Latin America. Conference on Representation and Democratic Politics in Latin America, Department of Political Science of the University of Pittsburgh.). Esse quadro tem ainda um agravante; aos olhos do eleitorado, oposição e governo não são facilmente distinguíveis.

Por esse prisma teórico, que também se converteu em posicionamento normativo, o modelo parlamentarista multipartidário é mais propenso a gerar governabilidade do que o presidencialismo multipartidário, pois, em princípio, opera com coalizões majoritárias responsáveis, embora não seja tão eficiente como o parlamentarismo bipartidário quanto à distinção entre governo e oposição (Linz, 1990LINZ, Juan. 1990. The perils of presidentialism. Journal of Democracy, v. 1, n. 1, pp. 51-69.). Nesse desenho constitucional, a fragmentação do Parlamento é forçosamente restringida em favor de uma lógica bipartidária, pois a fusão entre Executivo e Legislativo, promovida pelo sistema parlamentarista, incentiva os atores à formação de coalizões majoritárias coesas o suficiente para assegurar a captura do governo (Shugart e Carey, 1992SHUGART, Mathew Søberg; CAREY, John M. 1992. Presidents and assemblies: constitutional design and electoral dynamics. Cambridge: Cambridge University Press .). Uma vez formada a aliança, todos os parceiros teriam fortes incentivos para cooperar com o Executivo, pois somente assim persistirão no poder por longo tempo. Mesmo no caso de um Parlamento fragmentado, seria mais fácil a distinção de quem governa e de quem faz oposição; por extensão, seria mais viável a atuação mais consistente e estável do governo. Não obstante, o arranjo mais propenso à estabilidade política é o parlamentarismo bipartidário, em decorrência de sua aptidão para promover a governabilidade - nele, a oposição não dispõe da maioria necessária para bloquear a agenda do governo e, além disso, esses dois atores são nitidamente diferenciados aos olhos dos eleitores, favorecendo maior accountability e a eventual rotatividade no poder.

Dados tais parâmetros institucionais, a maior parte dos especialistas chegou à conclusão de que a forma de governo presidencialista, em especial quando combinada com excessiva fragmentação partidária, provoca recorrentes crises de governabilidade (Mainwaring, 1993MAINWARING, Scott. 1993. Presidentialism, multiparty systems and democracy: the difficult equation. Comparative Political Studies, n. 26, pp. 198-228.; 1999MAINWARING, Scott. 1999. Rethinking party systems in the third wave of democratization: the case of Brazil. Stanford: Stanford University Press.). Sem contar com o apoio consistente da maioria parlamentar, os presidentes ficam de mãos atadas, e sua administração sempre corre o risco de ser paralisada por causa dos bloqueios da oposição no Legislativo. Entretanto, pesquisas mostraram que há diversos tipos de desenhos presidencialistas, o que significa que as análises focadas apenas na forma de governo e no formato dos sistemas partidários são incompletas (cf. Cheibub e Limongi, 2002CHEIBUB, José Antonio; LIMONGI, Fernando. 2002. Democratic institutions and regime survival: parliamentary and presidential democracies reconsidered. Annual Review of Political Science, v. 5, pp. 151-179.). Há de se observar os poderes constitucionais atribuídos aos presidentes, assim como a estrutura institucional do processo legislativo (cf. Shugart e Carey 1992SHUGART, Mathew Søberg; CAREY, John M. 1992. Presidents and assemblies: constitutional design and electoral dynamics. Cambridge: Cambridge University Press .). Em geral, a literatura concluiu que há presidencialismos multipartidários capazes de escapar do problema dos governos minoritários devido à centralização do processo decisório no Legislativo e aos recursos institucionais à disposição do Executivo para incentivar a formação de coalizões majoritárias e coesas. Não obstante, a constatação dessa variabilidade reforça o argumento de que a preocupação central da literatura é a proposição do arranjo institucional mais eficiente para produzir governabilidade. Logicamente, isso depende da contenção das funções de controle e de veto das oposições parlamentares.

Inusitadamente, portanto, o percurso das oposições parlamentares no debate da literatura de política comparada perfez um movimento pendular. No pós-Segunda Guerra, os analistas se preocuparam com os oppositionless states, conforme a designação de Ionescu e Madariaga (1968IONESCU, Ghita; MADARIAGA, Isabel de. 1968. Opposition: past and present of a political institution. Penguin Non-Classics.), e se sentiram conclamados à reflexão acerca da relevância da oposição para a sustentação da democracia dos direitos individuais (Kirchheimer, 1957KIRCHHEIMER, Otto. 1957. The waning of opposition in parliamentary regimes. Social Research, v. 24, n. 1, pp. 127-156.). Os regimes totalitários [o nazismo, o fascismo e o socialismo, tanto o soviético como, depois, o cubano e o chinês] eram arranjos que se ergueram sobre partidos únicos, recorrendo até mesmo à eliminação física dos opositores; mais adiante, o refluxo das democracias frente à instalação de governos autoritários na América Latina e a proliferação das ditaduras na África levaram à repressão e, muitas vezes, à supressão dos opositores. Mas, a partir dos anos 1990, no contexto da redemocratização de vários países, a atenção dos analistas se deslocou para o primado da governabilidade, em detrimento de oposições parlamentares institucionalmente poderosas.

Hipoteticamente, as oposições terão maior ou menor capacidade de intervenção nas decisões governamentais conforme o tipo de institucionalização que lograram alcançar no Parlamento. O modo pelo qual foram absorvidas pelo desenho constitucional pode lhes prover de prerrogativas e recursos os mais variados, favorecendo seu potencial de influência ou, conforme o caso, de veto ao governo. Acima de tudo, quando a oposição é minoritária, terá de contar com muitas prerrogativas para fazer frente à agenda governista; mas, quando a oposição é majoritária, a mera exigência de que os projetos do governo têm de ser aprovados pelo Parlamento se converte num dispositivo institucional propenso ao poder de veto oposicionista. Em sistemas parlamentaristas, essa situação provoca a substituição do primeiro-ministro; no presidencialismo, se se formar uma oposição legislativa majoritária, o resultado pode ser mais drástico, pois há a possibilidade de o impeachment ser mobilizado como arma política para destituir o presidente (Lameira, 2019LAMEIRA, R. 2019. Por que caem os presidentes? Rejeição popular, oposição majoritária e impeachments no Brasil, 1990-2018. Tese de Doutorado em Ciência Política. Porto Alegre: UFRGS.; Pérez-Liñán, 2007PÉREZ-LIÑÁN, Aníbal. 2007. Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin America. Cambridge: Cambridge University Press .; Baumgartem e Kada, 2003BAUMGARTEM, Jody; KADA, Naoko. 2003. Checking the Executive Power: Presidential Impeachment in Comparative Perspective. Westport/London: Praeger.). Sendo assim, fazem diferença os tipos de incentivos institucionais - alguns podem favorecer ou não a adesão dos partidos ao governo, outros podem atribuir vastos ou escassos recursos às oposições minoritárias, e há, ainda, os que podem estimular as oposições majoritárias a atitudes mais ou menos obliterantes às políticas de interesse do governo.

Kirchheimer (1957KIRCHHEIMER, Otto. 1957. The waning of opposition in parliamentary regimes. Social Research, v. 24, n. 1, pp. 127-156.), um dos pioneiros nesse tipo de estudo, identificou três tipos de institucionalização das oposições parlamentares. A primeira é a oposição clássica inglesa, formada nos séculos XVIII e XIX - uma oposição leal que segue os princípios constitucionais e não cria obstáculos ao governo. A segunda é a oposição por princípio, que emergiu no século XIX no contexto da luta pelos direitos políticos e da ampliação do sufrágio na Europa - trata-se de uma oposição potencialmente desleal ao sistema político, uma vez que o seu objetivo maior é impor a sua visão de mundo à comunidade, mesmo que isso implique a violação dos dispositivos constitucionais e a dissolução do regime. A terceira modalidade é a oposição parlamentar que se afirmou no ambiente eleitoral altamente competitivo do pós-Segunda Guerra, cujo resultado foi a especialização dos partidos na “caça” aos votos necessários à conquista dos cargos eletivos. Essencialmente, esta modalidade de oposição não prioriza a apresentação de políticas alternativas, ao contrário: está sempre pronta a aderir ao governo mediante a negociação de acordos que satisfaçam as suas conveniências conjunturais.

Sendo assim, na catalogação realizada pelo autor, as oposições que se institucionalizaram de acordo com os padrões da segunda e da terceira modalidades são nocivas à democracia, por razões distintas. A oposição por princípio é desleal ao regime, o que significa que é antissistêmica; a oposição pragmática provoca a indiferença dos eleitores, com a consequente deslegitimação do sistema representativo. A conclusão, portanto, é óbvia: o modelo clássico inglês é o mais desejável, pois opera com partidos que defendem programas que não ameaçam a ordem constitucional e, ao mesmo tempo, não confere à oposição funções legislativas que bloqueiam a governação. Assim, é melhor adotar um arcabouço institucional que dê corda ao governo para ele se enforcar, permitindo à oposição nutrir esperanças de que chegará ao poder na próxima eleição (Birch, 1991BIRCH, Anthony. 1991. The British System of Government. London: Unwin Hyman.).

Mais recentemente, Helms (2004HELMS, Ludger. 2004. Five ways of institutionalizing political opposition: lessons from the advanced democracies. Government and Opposition, v. 39, n. 1, pp. 22-54.) reexaminou a institucionalização das oposições em democracias consolidadas e identificou cinco padrões mais nuançados: (1) uma oposição parlamentar com incentivos à colaboração com o governo, que se formou na Alemanha;16 16 A literatura, de maneira geral, corrobora essa perspectiva, ao afirmar que, na Alemanha, estabeleceu-se uma “democracia de chanceler”, com um estilo de “oposição colaborativa” (Mayantz, 1980; Smith, 1991; Helms, 2001), situação que levou Kirchheimer (1967) a soar o alerta sobre o possível desaparecimento da oposição parlamentar no Bundestag, a Câmara Baixa. Potenciais resistências ao governo, entretanto, espreitam o Bundesrat, o equivalente ao Senado, devido ao fato de que seus componentes não são eleitos, mas indicados pelos governos estaduais, orientados pelos interesses locais (Saalfeld, 2007). (2) uma oposição restringida em regime semipresidencialista centralizado, que surgiu na Quinta República francesa;17 17 A chamada Quinta República francesa corresponde à atual Constituição, promulgada em 1958. Em substituição ao modelo anterior, parlamentarista, adotou-se o regime semipresidencialista, com um primeiro-ministro e um presidente da República com consideráveis poderes. Sendo um modelo semipresidencialista, a oposição pode surgir tanto no Parlamento como na Presidência. Se o presidente é oposicionista, pode utilizar o direito de dissolução da Assembleia Nacional, embora apenas em circunstâncias muito especiais e uma única vez. O presidente também pode judicializar o processo legislativo e até se recusar a sancionar algum projeto, remetendo-o de volta ao Parlamento para novas deliberações, apesar de ser elevado o custo de recorrer a tal prerrogativa. Porém, a “racionalização do Parlamento” - que nada mais é do que a centralização do processo legislativo - vem atuando de maneira a favorecer a agenda do governo e a coibir os obstáculos eventualmente interpostos pela oposição (Huber, 1996). (3) uma oposição inativa, como emergiu na Suíça;18 18 As peculiaridades do país e do seu desenho constitucional são responsáveis pela inatividade da oposição parlamentar (Kerr, 1978). Sua organização é federativa - 26 cantões e 2.250 comunas -, bastante descentralizada, cuja inspiração foi o modelo norte-americano; porém, diferentemente dos Estados Unidos, o arranjo institucional adotado na Suíça, em 1948 e ainda em vigência, não contemplou o presidencialismo como forma de governo, mas, sim, um modelo de gestão coletiva, aos moldes da tradição política dos seus cantões. Dessa forma, o governo é uma incumbência do Conselho Federal, composto por sete membros pertencentes aos principais partidos. Nesse contexto, as oposições operam de modo diferente, pois nem mesmo as funções de fazer críticas mais contundentes e se portar como um governo em espera são atribuições factíveis. Dois fatores, não obstante, vêm contribuindo para alterar um pouco esse quadro - em primeiro lugar, reformas institucionais promovidas nos anos 1990 deram maiores poderes e autonomia à Assembleia Federal, que vem tomando maior iniciativa no processo legislativo; em segundo, o aumento da polarização partidária e o crescimento da direita radical, a partir dos anos 2000, tornaram um pouco mais nítida a oposição parlamentar. (4) uma oposição com poder moderado em regime com separação de Poderes, como despontou nos Estados Unidos;19 19 Nos Estados Unidos, o Executivo tem poder de veto e, para derrubá-lo, são necessários dois terços dos membros presentes no Congresso, dificultando sobremaneira a anulação dos vetos presidenciais - até mesmo quando a oposição é majoritária, é muito difícil que esse partido detenha um número tão elevado de cadeiras. Não obstante, em virtude do sistema de divisão dos Poderes, com presidencialismo bipartidário, a oposição pode se tornar mais poderosa nas situações denominadas de “governo dividido”, caracterizadas pelo controle de uma ou das duas Casas Legislativas pelo partido de oposição ao do presidente. Seu poder de veto pode até ajudá-lo a se contrapor ao Congresso, mas não o auxiliará na aprovação de suas políticas. Essas conjunturas ocorreram com alguma frequência, mas foram raras as vezes que o impasse se aproximou de uma crise institucional - os governos divididos com os republicanos na Presidência da República ocorreram em 1911-1913, 1931-1933, 1955-1961, 1969-1977 e 1981-1993; já com os democratas, em 1919-1921, 1947-1949 e 1995-2001. e (5) uma oposição parlamentar com poucas chances concretas de se contrapor ao governo, a não ser diante da opinião pública, fazendo críticas, fiscalizando os seus atos e propondo políticas alternativas, representada pelo já aludido modelo inglês.20 20 O modelo inglês contempla, simultaneamente, dois aspectos que reduzem a efetividade da oposição parlamentar. Por um lado, o sistema partidário, assentado na fórmula eleitoral do tipo first-past-post, e em combinação com a forma de governo parlamentarista, assegura que o governo seja majoritário, reduzindo, assim, o poder de veto da oposição. Em outras palavras, em virtude do bipartidarismo, o governo, quase invariavelmente, detém maiorias seguras e imbatíveis - houve poucos episódios em que nenhum partido obteve a maioria absoluta das cadeiras da Casa dos Comuns, demandando a formação de governos minoritários ou de governos de coalizão, numa situação caracterizada como hung parliament, como em 1910, 1929, 1974, 2010 e 2017 (Butler, 1986). Ademais, caso o governo entre em crise por qualquer razão, esse modelo oferece uma saída constitucional para se evitar que impasses ou desgastes conduzam a uma crise institucional mais grave: a “moção de desconfiança” ou a antecipação das eleições. Sua análise, sem dúvida, ampliou o escopo dos desenhos constitucionais passíveis de incentivar a prevalência de oposições leais e pouco obstrutivas. Além do parlamentarismo bipartidário inglês, a governabilidade também é induzida institucionalmente no mitigado parlamentarismo multipartidário alemão, na democracia semidireta de governação coletiva suíça, no semipresidencialismo centralizado francês e até mesmo no presidencialismo norte-americano, no qual há maior potencial de embates entre governo e oposição parlamentar.

A despeito disso, a literatura que analisa as novas democracias logo percebeu que as oposições são capazes de ser tornar uma ameaça à governabilidade mesmo quando leais ao regime democrático. Ou seja, há circunstâncias em que as oposições podem estressar o arranjo institucional e provocar uma crise de governo independentemente da sua modalidade de institucionalização; isso também pode decorrer de falhas estratégicas dos atores sob determinadas condições. Por exemplo, a capacidade do presidente para formar coalizões coesas e para gerir essa aliança é fundamental, assim como a habilidade das lideranças partidárias para assegurar a disciplina de suas bancadas (Hiroi, 2013HIROI, Taeko. 2013. Governability and accountability in Brazil: dilemma of coalitional presidentialism. The Journal of Social Sciences, v. 75, pp. 39-59.). Se o presidente adotar um comportamento de confronto com o Congresso, isso obviamente acarretará animosidades passíveis de se converter numa ação coordenada de retaliação contra as suas iniciativas e, talvez, contra o seu mandato (Mayantz, 1993MAYANTZ, Renate. 1993. Governing failures and the problem of governability: some comments on a theoretical paradigm. In: KOOIMAN, Jan (ed.). Modern Governance . London: Sage. pp. 63-102.). Há ainda outra situação para além da estrutura institucional. Quando minoritária, a oposição parlamentar consegue desempenhar algumas funções relevantes, mas terá subtraída, ou pelo menos sensivelmente reduzida, a sua capacidade de retardar a aprovação de projetos e de vetar a agenda governista, assim como de destituir o chefe de governo. Porém, qualquer oposição tornar-se-á irresistivelmente poderosa toda vez que for majoritária e conseguir coordenar suas ações contra o governo - vale repetir, a própria exigência democrática de que as políticas dependam da aprovação do Legislativo já se transforma numa formidável “arma política” com potencial de desestabilizar e até de derrubar o governo.

Isso reforça a necessidade de investigações voltadas ao comportamento das oposições parlamentares. Essa é uma variável que deve estar presente nos modelos de análise já consolidados sobre a relação entre os desenhos constitucionais e o desempenho das democracias. Conforme o arranjo institucional e o comportamento estratégico das lideranças políticas, emergirão determinadas circunstâncias em que as oposições parlamentares conseguirão desempenhar apenas algumas de suas funções menos obliterantes à agenda do governo, assim como poderão surgir configurações em que as oposições desempenharão as suas funções de bloqueio ao governo. Para compreender tais condições e o comportamento estratégico das oposições devemos ter uma definição funcional desse conceito, que permita a sua operacionalização empírica.

Definindo o conceito de oposição parlamentar

Procedimentos para a construção conceitual

Conforme observou Norton (2008NORTON, Philip. 2008. Making sense of opposition. The Journal of Legislative Studies , v. 14, n. 1-2, pp. 236-250., p. 246), “tomado como intrínseco à sociedade democrática, o conceito [de oposição] ainda é nebuloso”. Contribui para isso a natureza complexa desse problema, propícia à profusão de definições (Beyme, 1993BEYME, Klaus von. 1993. Regime Transition and Recruitment of Elites in Eastern Europe. Governance, v. 6, n. 3, pp. 409-425.; Hlavácek e Holzer, 2009HLAVÁCEK, Petr; HOLZER, Jan. 2009. Opposition in non-democratic regimes: notes on possibilities and limits of current theory. World Political Science, v. 5, n. 1, pp. 1-16.). Barker (1971BARKER, Rodney. 1971. Introduction. In: BARKER, Rodney (ed.). Studies in Opposition. London: McMillan. pp. 7-10.), por exemplo, propôs seis significados diferentes para o termo, enquanto Norton (2008)NORTON, Philip. 2008. Making sense of opposition. The Journal of Legislative Studies , v. 14, n. 1-2, pp. 236-250., seguindo de perto os parâmetros de Sartori (1966SARTORI, Giovanni. 1966. Opposition and control problems and prospects. Government and Opposition , v. 1, n. 2, pp. 149-154.), alegou que todos eles, em realidade, podem ser reduzidos a dois tipos, o constitucional e o antissistêmico. King (1976KING, Anthony. 1976. Modes of Executive-Legislative relations: Great Britain, France and West Germany. Legislative Studies Quarterly , v. 1, n. 1, pp. 11-34.), entretanto, ponderou que, por trás do convencional padrão de relação Executivo/Legislativo, subsistem pelo menos cinco modelos de interação do governo com a oposição, e que, portanto, há diferentes subtipos de oposição constitucional. A complexidade é ainda maior se levarmos em conta que, no caso dos governos de coalizão, especialmente em sistemas presidencialistas, pode haver mais de uma oposição partidária (Morgenstern, Negri e Pérez-Liñán, 2008MORGENSTERN, Scott; NEGRI, Juan Javier; PÉREZ-LIÑÁN, Aníbal. 2008. Parliamentary opposition in non-parliamentary regimes: Latin America. The Journal of Legislative Studies , v. 14, n. 1-2, pp. 113-132.; Sartori, 1966SARTORI, Giovanni. 1966. Opposition and control problems and prospects. Government and Opposition , v. 1, n. 2, pp. 149-154.; Duverger, 1951DUVERGER, Maurice. 1951. Les partis politiques. Paris: Armand Colin.), capaz, inclusive, de brotar no terreno da aliança governista (Norton, 2008NORTON, Philip. 2008. Making sense of opposition. The Journal of Legislative Studies , v. 14, n. 1-2, pp. 236-250.). Ademais, no interior das organizações partidárias, parlamentares indisciplinados podem se comportar como opositores.

Sem dúvida, a multidimensionalidade do fenômeno favoreceu a polissemia do conceito, mas também foi um contributo o procedimento de construção conceitual adotado. Em vez de optarem por uma definição delimitada da oposição parlamentar, focada nas suas funções, os pesquisadores, como vimos, investiram na identificação das modalidades de oposição. Antes disso, é primordial uma definição que não só demarque esse tipo de oposição como, ainda, possibilite a sua observação empírica de modo mais abrangente. As modalidades de oposição nos obrigam a procurar oposições que se enquadrem nessas modalidades, sem a devida flexibilidade para analisar suas variações e, sobretudo, para compreender as razões de seu comportamento em cada caso. Enfim, em vez da busca das modalidades de oposição, consideramos ser mais apropriado explicar o seu comportamento em face de alternativas de ação disponíveis em cada contexto. Nossa definição conceitual seguirá esse propósito.

Em princípio, a construção de um conceito envolve dois níveis, o ontológico e o factual. A definição ontológica é o nível inicial e indispensável desse protocolo, pois se trata da identificação do objeto enquanto uma entidade relevante do universo de investigação - é necessário propor o que ele é enquanto tal, apoiando-se nos seus atributos essenciais e exclusivos. A partir disso, a construção conceitual avança para o segundo nível, que consiste em apontar como esse objeto/conceito se manifesta no mundo factual - como ele se comporta. É preciso, então, indicar o que caracteriza a sua existência enquanto fenômeno, ou seja, o que denota sua presença e o distingue dos demais objetos, tanto de categorias diversas como de categorias semelhantes. Por exemplo, um partido político não é um sindicato [categorias diversas], assim como um “partido de massa” não é um “partido catch-all” [categorias semelhantes].

Implicitamente ou não, como se pode notar, ambos os níveis da construção dos conceitos envolvem a identificação de tipos. Mesmo quando a intenção é definir um conceito aparentemente isolado de outros, em realidade, ele corresponderá a mais um dos tipos de uma classificação já existente, ou então a um dos tipos de uma classificação latente. Enfim, os dois níveis de definição conceitual consistem num procedimento tipológico tácito ou declarado. Por exemplo, ao se definir, ontologicamente, “capital social”, pressupõe-se a existência de outros tipos de capital, assim como quando se define “violência de gênero”, pressupõe-se que existam violências de outros tipos; o mesmo se aplica à “classe”, à “democracia”, a “comportamento eleitoral”, à “cultura política”, à “elite política”, a “instituições políticas”, e assim por diante. Evidentemente, sempre há uma categoria matricial de onde deveriam as demais - “capital em geral”, ou sua ideia abstrata, é de onde derivam o “capital econômico”, o “capital social” e o “capital cultural”; “regime político em geral” é de onde provêm os conceitos de democracia, de autoritarismo e de totalitarismo. Da mesma maneira, esses conceitos [tipos] são o que são porque, em termos factuais [observacionais], cada um deles exibe um tipo de “comportamento” específico - aquele que tem “capital social” age de uma maneira que difere daquele que tem outros tipos de capital, um regime democrático opera de uma forma distinta da de outros regimes.

Com efeito, a construção da tipologia/conceito tem como subsídio o inventário das características distintivas que correspondem a cada um dos tipos, o que significa que tipos diferentes até podem compartilhar algumas características, mas devem ser discrepantes em outras - similaridades e dissimilaridades são fatores discriminantes. Em termos analíticos, pode-se dizer, a construção tipológica é um exercício de proposição das características que os elementos devem possuir [similaridades] para que pertençam a um determinado conjunto [tipo], e não a outro. Estabelecidos os conjuntos cujas características permitem agrupar elementos similares, teremos, por fim, os conjuntos que possibilitam a classificação discriminante dos objetos em análise, ou seja, a tipologia.

Há duas formas de identificação das características que são próprias de um conjunto [tipo] a que determinados elementos pertencem: a atributiva e a funcional. A atributiva é aquela que indica os atributos ou qualificativos que um elemento deve ter para se enquadrar num dado tipo; são os predicados do objeto estudado, inerentes, portanto, ao seu modo de ser - dessa maneira, podemos ter uma oposição cooperativa, conflituosa, leal, desleal, responsável, irresponsável, pragmática, ideológica, de esquerda, de direita, fragmentada, coesa, e assim por diante. A funcional, por seu turno, visa à catalogação das funções específicas que o objeto desempenha no ambiente - essas funções podem ser inatas e estáticas, no caso de uma perspectiva mecânica a respeito do fenômeno, ou então adquiridas, no caso de uma abordagem dinâmica e orgânica. Com efeito, as funções adquiridas são respostas adaptativas às mudanças contextuais, o que quer dizer que elas podem sofrer mutações e até desaparecer, com o eventual surgimento de funções totalmente novas.

A identificação dos atributos e das funções, por sua vez, pode seguir dois caminhos - o dedutivo ou o indutivo. O procedimento dedutivo, por ser lógico, é de caráter eminentemente teórico e universalista, pressupondo que toda e qualquer oposição sempre existiu e existirá do mesmo modo, já que se trata de antecipar as manifestações concretas de possibilidades abstratas e esgotáveis. O procedimento indutivo é observacional, recorre à manifestação sensível do fenômeno no tempo e no espaço, a fim de capturar suas características observáveis em seu processo de formação e mutação. Isso significa que a análise da emergência e da transformação de um conceito expressa um objeto ou um fenômeno real que tem uma história e responde, de forma adaptativa, a cada contexto ambiental.

Nossa proposta de definição conceitual envolve os dois níveis. No nível ontológico, delimitamos a oposição parlamentar no âmbito das oposições políticas em geral, com base em seus atributos. Quanto ao nível factual, identificamos o comportamento específico e observável desse tipo de oposição em termos funcionais. Neste caso, seguimos o procedimento indutivo, ou seja, inferimos o desenvolvimento das suas funções constitucionais do processo histórico de institucionalização das oposições parlamentares, analisado anteriormente. O Fluxograma 1 sintetiza os critérios que fundamentam a nossa proposição.

Fluxograma 1
Síntese dos critérios da construção conceitual

Definição ontológica e funcional

A análise anterior deu subsídios para a apresentação da nossa proposta de definição conceitual, que consiste numa complementação dos níveis ontológico e funcional adotados pela literatura. No nível ontológico, a definição da literatura partiu da suposição de que o mundo político é dualista, habitado por duas forças estruturalmente antagônicas: o governo e a oposição (Dahl, 1966DAHL, Robert (ed.). 1966. Political oppositions in Western democracies. New Haven: Yale University Press .; Ionescu e Madariaga, 1968IONESCU, Ghita; MADARIAGA, Isabel de. 1968. Opposition: past and present of a political institution. Penguin Non-Classics.). Percebida desse modo, a oposição foi concebida de maneira relacional, uma vez que não se pode saber o que é a oposição sem o entendimento do que é o governo (Norton, 2008NORTON, Philip. 2008. Making sense of opposition. The Journal of Legislative Studies , v. 14, n. 1-2, pp. 236-250.). Apoiando-se nessa dualidade, tal definição ontológica guarda o pressuposto de que “ser governo” é o estímulo exclusivo que orienta a relação entre os dois polos (Schapiro, 1967SCHAPIRO, Leonard Bertram. 1967. Putting the Lid on Leninism: opposition and dissent in the communist one-party States. Government and Opposition , v. 2, n.2, pp. 181-203.); ou seja, o governo faz o que faz para permanecer governo, enquanto a oposição faz o que faz exclusivamente para tomar o seu lugar - como disse Edward Stanley, “a oposição deve se opor a tudo e não propor nada”.21 21 Frase atribuída ao parlamentar, que a teria proferido em discurso na House of Commons, em 4 de junho de 1841 (cf. Helms, 2008a). Portanto, uma vez que ambos possuem o mesmo objetivo, a oposição parlamentar não é meramente o oposto, mas uma força contrária ao governo até tomar o seu lugar, daí as coisas se invertem (King, 1976KING, Anthony. 1976. Modes of Executive-Legislative relations: Great Britain, France and West Germany. Legislative Studies Quarterly , v. 1, n. 1, pp. 11-34.).

Embora verdadeira, tal concepção é parcial. A oposição institucional, ou seja, a oposição parlamentar que protagoniza o embate político no âmbito constitucional, também é investida de poder e faz parte da governação (King, 1976KING, Anthony. 1976. Modes of Executive-Legislative relations: Great Britain, France and West Germany. Legislative Studies Quarterly , v. 1, n. 1, pp. 11-34.). Ou seja, a oposição é mais do que uma força oposta ou contrária ao governo somente à espera de ocupar o seu lugar; ela também é um dos atores legítimos do processo de tomada de decisão sobre as políticas (Norton, 2008NORTON, Philip. 2008. Making sense of opposition. The Journal of Legislative Studies , v. 14, n. 1-2, pp. 236-250.). Em realidade, a oposição institucional e leal ao sistema político não age contra o regime nem contra o governo enquanto tal, mas contra as suas políticas, no todo ou em parte. Isso porque ela própria tem a sua agenda e tentará implementá-la ao máximo. Então, não faz sentido supor que a oposição seja simplesmente uma força que combate o governo; ela se opõe aos seus projetos, nem sempre a todos eles ou a tudo que neles está contido. É claro que a oposição parlamentar almeja a conquista do governo, pois assim estará numa posição mais vantajosa para implementar as políticas de seu interesse, mas seu comportamento não se resume a esse desiderato. Enquanto isso não ocorre, ela age para fiscalizar a atuação dos governistas, para apresentar propostas de políticas alternativas, para tentar influenciar o debate público e as políticas em deliberação, para constranger o governo publicamente, aumentando os custos de implementação de seus projetos; e, desde que seja viável, ela pode recorrer a estratégias e dispositivos regimentais capazes de retardar a tramitação de projetos alheios ou impedir a sua aprovação (Norton, 1998).

Desse modo, podemos propor uma definição ontológica mais delimitada e uma definição funcional mais abrangente de oposição parlamentar. De maneira geral, o termo oposição política se refere a ações que pessoas isoladas, grupos articulados e organizações empreendem, de maneira circunstancial ou permanente:

  1. Contra a agenda do governo como um todo, ou em parte, visando (a) apresentar propostas alternativas, (b) influenciar os seus projetos ou, conforme o caso e as suas possibilidades, (d) dificultar a sua aprovação ou (e) vetá-los.

  2. Contra o governo enquanto tal, com o objetivo de inviabilizar a sua gestão para substituí-lo o mais brevemente possível, seja por (a) eleições regulares ou (b) antecipadas, seja por intermédio de alguma forma de (c) destituição constitucional ou (d) inconstitucional.

  3. Contra o regime político estabelecido, tendo como propósito a radical alteração da ordem institucional.

Devemos retirar dessa definição a oposição antissistêmica, o que nos leva a excluir a terceira modalidade. As duas primeiras, contudo, abrangem tanto as oposições sociais como as institucionais, de maneira que é necessário delimitá-las à arena parlamentar. Nesse caso, sobram todas as ações da segunda modalidade e as ações descritas nos itens (d) e (e) da primeira. Com essa delimitação, a oposição parlamentar pode, então, ser definida da seguinte forma: (A) Parlamentares individuais, bancadas suprapartidárias e partidos que atuam, circunstancial ou permanentemente, (a) para fiscalizar as ações do governo, (B) contra a sua agenda política, como um todo ou em parte, visando (C) apresentar propostas alternativas, (D) influenciar os seus projetos ou, conforme o caso e as suas possibilidades, (E) dificultar a sua aprovação ou (F) vetá-los; também podem atuar de maneira a (G) dificultar ou (H) inviabilizar a governabilidade, com o propósito de aumentar as suas chances de (I) substituir o governo (J) nas próximas eleições ou, a depender das circunstâncias, (L) por intermédio de alguma forma de destituição constitucional do chefe do Executivo.

A componente (a) da definição corresponde ao nível ontológico do conceito, pois enuncia o que é a oposição parlamentar enquanto uma entidade do universo político a ser analisado. Diferentemente das definições convencionais, esta compreende que uma oposição leal, mesmo quando não se comporta de maneira responsável - bloqueia os projetos governistas, aprova medidas inviáveis etc. -, opõe-se a políticas do governo, e não à ordem constitucional. As demais componentes são descritores comportamentais, ou seja, arrolam as competências inerentes à ação política da oposição parlamentar. Esse menu de ações, vale observar, não corresponde a inerências de qualquer oposição, mas a capacidades desenvolvidas de maneira evolutiva ao longo do processo histórico de interação, primeiro, do Executivo com o Parlamento e, finalmente, do governo com a oposição partidária parlamentar.

Isso nos leva ao nível funcional da definição, também explorado parcialmente pela literatura. De forma geral, apenas duas funções ganharam destaque nas análises especializadas - o controle das ações governamentais e a situação de “governo em espera” (cf. Norton, 2008NORTON, Philip. 2008. Making sense of opposition. The Journal of Legislative Studies , v. 14, n. 1-2, pp. 236-250.). Contudo, a análise da emergência e da institucionalização da oposição parlamentar mostrou que sua evolução consistiu no desenvolvimento de outras funções tão ou mais relevantes do que aquelas. Seis funções puderam ser identificadas: (1) fazer críticas ao governo; (2) fiscalizar suas ações; (3) propor políticas alternativas; (4) tentar influenciar as políticas propostas pelo governo; (5) tentar dificultar o andamento dos projetos do governo, de modo a adiar ao máximo sua aprovação; e (6) vetar as políticas propostas pelo governo, em parte ou na íntegra.22 22 Nos casos analisados por Helms (2004), pudemos observar que as três primeiras funções são desempenhadas de maneira efetiva pelas oposições parlamentares dos Estados Unidos, da Inglaterra, da França e da Alemanha, mas são pouco efetivas na Suíça. A quarta função é exercida de modo pouco efetivo em todos os países, exceto no caso suíço, em que a oposição é inefetiva nesse aspecto. As duas últimas são pouco efetivas nos Estados Unidos e inefetivas nos demais países. Tais funções são indissociáveis do arranjo democrático; podemos, inclusive, supor que seu desempenho efetivo indica a extensão das prerrogativas constitucionais da oposição e, consequentemente, o seu poder de interferir na governação. O Quadro 1 esquematiza as componentes da definição funcional, bem como a sua operacionalização e os seus efeitos políticos.

Quadro 1
Funções das oposições parlamentares, recursos institucionais acionados e efeitos na redução da governabilidade

Note-se que, conforme as funções desempenhadas eficazmente pela oposição parlamentar, a governabilidade pode ser elevada ou fazer emergir uma crise de governo e até provocar a sua paralisia. As funções relativas ao controle não são ameaçadoras para quem está no governo, pois não conferem capacidade de ação mais vigorosa à oposição. Em algumas circunstâncias, o governo pode se ver constrangido diante da opinião pública por causa de denúncias da oposição, mas se elas forem minoritárias, não conseguirão vetar as políticas do governo, tampouco abreviar o mandato do chefe do Executivo. As funções relativas à atuação como um governo em espera, algumas vezes, são passíveis de influenciar as políticas do governo e até gerar uma crise de governo, que eventualmente poderá ser superada. Paralisia e crise institucional somente surgirão se o desempenho das funções capazes de bloquear a governabilidade for efetivo. Todavia, como já salientado, essa efetividade depende mais da posse da maioria das cadeiras parlamentares do que de dispositivos constitucionais ou regimentais. Ou seja, enquanto a oposição for minoritária, sua ação efetiva restringir-se-á às funções de controle e de governo em espera; mas, se o governo não construir uma base de apoio legislativo majoritário ou, por qualquer razão, perder o apoio de uma maioria que lhe dava suporte, a oposição pode coordenar suas ações e formar uma maioria que desempenhará com efetividade as funções que criam obstáculos à governabilidade, e tudo isso dentro dos limites democráticos.

Conclusão

Como procuramos mostrar, a literatura de política comparada considera que as oposições são um elemento fundamental da democracia. Ou seja, para haver governo democrático, deve haver oposição. Temos, assim, um juízo de fato e um juízo de valor intrinsecamente articulados - por um lado, a concepção usual de democracia reivindica a existência da oposição, por outro, a existência factual da oposição constitui um dos principais indicadores de democracia. Porém, nas análises sobre os regimes democráticos da “terceira onda”, a governabilidade foi privilegiada em detrimento das oposições parlamentares, supondo-se que entraves à tramitação de projetos e vetos a propostas governistas poderiam paralisar o sistema político. Sendo assim, às oposições parlamentares caberiam somente as funções de controle e de governo em espera; basicamente, preconiza-se que as oposições se comportem como no idealizado modelo inglês: que façam críticas, que cobrem explicações e que aguardem a chancela das urnas para, finalmente, assumir o governo.

Contudo, a análise de sua institucionalização mostrou que também foram adquiridas funções que vão além da capacidade de reagir inofensivamente. Algumas delas, em realidade, têm o potencial de obliterar a governação e de desencadear crises institucionais, tais como retardar ao máximo a aprovação de projetos; impor a aprovação de políticas que dificultam a administração; e vetar, parcial ou totalmente, as medidas do governo. Não obstante, essas funções não devem ser olhadas com desconfiança ou simplesmente suprimidas; afinal, elas foram adquiridas ao longo do processo de constitucionalização do poder e, por fim, herdadas pela democracia liberal. Isso quer dizer que as funções capazes de obstaculizar o governo não apenas não violam as regras democráticas como, acima de tudo, fazem parte das prerrogativas institucionais das oposições parlamentares. Portanto, baixa governabilidade e eventuais crises de “paralisia decisória” podem decorrer da atuação de oposições que são leais ao regime e que jogam o jogo democrático.

Ademais, os desenhos constitucionais das democracias liberais replicaram o mesmo padrão de institucionalização das oposições parlamentares, o que significa que as mesmas funções poderiam ser exercidas em qualquer país que tenha esse modelo político. Por que, então, em alguns casos e circunstâncias, a oposição partidária atua de forma a bloquear o governo por intermédio das funções obliterantes, e em outros, não? Temos de observar, portanto, as especificidades regimentais e constitucionais de cada contexto, mas, sobretudo, precisamos analisar como e sob que condições as oposições conseguem usar de maneira eficaz esses recursos. Para isso, é indispensável que a análise tenha como foco a relação entre governo e oposição sem um viés normativo favorável ao primeiro. Inclusive, muitas crises políticas se devem mais a falhas dos governos na formação ou na manutenção de coalizões majoritárias do que ao poder desmesurado, ou à deslealdade, das oposições. De fato, como procuramos ressaltar, se o governo contar com o apoio da maioria legislativa, a oposição não terá condições de exercer as funções de obstáculo à sua agenda; o que é o mesmo que dizer que ter ou não a maioria dos votos no Parlamento é o que determina até onde a oposição pode ir no desempenho de suas funções institucionais. Na prática, isso depende do governo que, em última instância, é o maior responsável pelas crises de governabilidade.

Todo esse quadro indica que o estudo das oposições parlamentares é relevante não só para superar o hiato empírico da literatura sobre esse tema, mas também para que tenhamos um entendimento mais completo do processo de governo e da governabilidade. Em particular, seu estudo é necessário para se buscar uma explicação mais aprofundada do fenômeno recente das interrupções de mandato presidencial por meios constitucionais. Além das condições sociais e econômicas que favorecem as destituições de presidentes, há que se considerar com maior atenção o processo político parlamentar que resulta na formação de uma maioria oposicionista que se volta contra o seu mandato. Para o desenvolvimento dessa agenda de pesquisas, é imprescindível que tenhamos uma definição clara e delimitada do conceito de oposição parlamentar, assim como a identificação das suas funções e das condições de seu desempenho.

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    Agradecemos ao suporte financeiro do CNPq ao projeto de pesquisa que resultou nesta análise. Somos igualmente gratos aos pareceristas pela avaliação criteriosa do artigo, assim como à Editoria da Revista pelo precioso espaço destinado a estudos conceituais e metodológicos.
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    Governança deve ser diferenciada de governabilidade. Governabilidade se refere à capacidade do governo, liderado pelo Executivo, de aprovar sua agenda no Legislativo, num contexto de conflito partidário cuja superação demanda a formação de uma coalizão majoritária, quando se trata de sistemas multipartidários fragmentados. Já o termo governança, de significado variado, é aplicado tanto às empresas como aos governos, abrangendo não apenas o processo governamental, mas, acima de tudo, boas práticas administrativas, o que pressuporia uma forma mais inclusiva de administração pública, com o máximo possível de participação dos atores da sociedade civil na formulação e implantação das políticas (Senn, 2010SENN, Marcel. 2010. Sovereignty: some critical remarks on the genealogy of governance. Journal on European History of Law, v. 1, n. 2, pp. 9-13.; Türke, 2008TÜRKE, Ralf-Eckhard. 2008. Governance: systemic foundation and framework.New York: Springer .). A governança garantiria uma boa governação porque incluiria como partícipes das decisões os atores que são os alvos das políticas, promovendo mais equidade social, sustentabilidade e legitimidade do governo. Nesse contexto, não há opositores ao governo, mas, sim, formuladores conjuntos de políticas num processo que deveria se aproximar da deliberação. Governança, assim, distinguir-se-ia da governação política, dando maior ênfase à governação administrativa das decisões não conflituosas.
  • 3
    Mesmo o modelo tipológico de Dahl (1966)DAHL, Robert (ed.). 1966. Political oppositions in Western democracies. New Haven: Yale University Press ., bastante conhecido, foi construído de forma indutiva, com base em alguns poucos estudos de caso apresentados no volume organizado pelo autor. Seu propósito era desenvolver uma tipologia em conexão com sua teoria sobre a democracia, com a finalidade de diferenciar as modalidades de manifestação das oposições em cada contexto. A diferenciação nas oposições residiria nos seguintes aspectos: (1) nível de organização e coesão, (2) nível de competitividade, (3) na arena de embate com o governo, (4) capacidade de distinção em relação ao governo, (5) objetivos e (6) estratégias. Exemplos de outras tipologias podem ser encontrados em Linz (1973)LINZ, Juan. 1973. Opposition to and under an Authoritarian Regime: the case of Spain. In: DAHL, Robert (ed.). Regimes and oppositions . New Heaven: Yale University Press . pp. 135-152., sobre a ditadura de Franco, na Espanha; em Barghoorn (1973)BARGHOORN, Frederick C. 1973. Factional, Sectoral, and Subversive Opposition in Soviet Politics. In: DAHL, Robert (ed.). Regimes and Oppositions. New Haven: Yale University Press. pp. 39-72., sobre o regime totalitário da União Soviética; e em Skilling (1973SKILLING, H. Gordon. 1973. Opposition in communist East Europe. In: DAHL, Robert (ed.). Regimes and oppositions . New Heaven: Yale University Press . pp. 93-122.; 1968SKILLING, H. Gordon. 1968. Background to the study of opposition in Communist Eastern Europe. Government and Opposition , v. 3, n. 3, pp. 294-324.), sobre os regimes comunistas do Leste Europeu.
  • 4
    Não se trata de afirmar aqui que esse periódico não trouxe nenhuma contribuição a essa linha de investigação; ao contrário, ao que tudo indica, ele teve como estímulo as preocupações com os movimentos ditatoriais que tomaram lugar em diversas regiões do mundo e, principalmente, a disputa entre os “mundos” comunista e capitalista no que concerne à supressão de movimentos de oposição. A revista continua a ser publicada até hoje e conta com diversos estudos de caso sobre os processos de democratização e de “desdemocratização”, como também debates sobre tolerância e direitos humanos; mas, de fato, há poucos estudos sobre as oposições políticas em suas páginas.
  • 5
    Em 2008, um número especial do Journal of Legislative Studies [volume 14, número 1-2] trouxe várias análises focadas nas oposições parlamentares. Esse esforço conjunto, entretanto, não teve continuidade. A edição apresentou dois artigos teóricos (Helms, 2008bHELMS, Ludger. 2008b. StudyingParliamentary opposition in old and new democracies : issues and perspectives. The Journal of Legislative Studies, v. 14, n. 1-2, pp. 6-19.; Norton, 2008NORTON, Philip. 2008. Making sense of opposition. The Journal of Legislative Studies , v. 14, n. 1-2, pp. 236-250.) e outros focados na análise de países que adotam o modelo Westminster (Kaiser, 2008KAISER, André. 2008. Parliamentary Opposition in Westminster Democracies: Britain, Canada, Australia and New Zealand. The Journal of Legislative Studies , v. 14, n. 1-2, pp. 20-45.), da Escandinávia (Christiansen e Damgaard, 2008CHRISTIANSEN, Flemming Juul; DAMGAARD, Erik. 2008. Parliamentary opposition under Minority Parliamentarism: Scandinavia. The Journal of Legislative Studies , v. 14, n. 1-2 , pp. 46-76.), consociativos (Andeweg, Winter e Müller, 2008ANDEWEG, Rudy B.; WINTER, Lieven de; MÜLLER, Wolfgang C. 2008. Parliamentary opposition in post-consociational democracies: Austria, Belgium and the Netherland. The Journal of Legislative Studies, v. 14, n. 1-2, pp. 77-112.), pós-comunistas (Kopecky e Spirova, 2008KOPECKY, Petr; SPIROVA, Maria. 2008. Parliamentary opposition in post-communist democracies: power of the powerless. The Journal of Legislative Studies , v. 14, n. 1-2 , pp. 133-159.), da América Latina (Morgenstern, Negri e Pérez-Liñán, 2008MORGENSTERN, Scott; NEGRI, Juan Javier; PÉREZ-LIÑÁN, Aníbal. 2008. Parliamentary opposition in non-parliamentary regimes: Latin America. The Journal of Legislative Studies , v. 14, n. 1-2, pp. 113-132.), do Japão (Inoguchi, 2008INOGUCHI, Takashi. 2008. Parliamentary opposition under (post-)one-party rule: Japan. The Journal of Legislative Studies , v. 14, n. 1-2, pp. 113-132.), da África do Sul (Schrire, 2008SCHRIRE, Robert A. 2008. Parliamentary opposition after Apartheid: South Africa. The Journal of Legislative Studies , v. 14, n. 1-2, pp. 190-211.) e da União Europeia (Helms, 2008bHELMS, Ludger. 2008b. StudyingParliamentary opposition in old and new democracies : issues and perspectives. The Journal of Legislative Studies, v. 14, n. 1-2, pp. 6-19.).
  • 6
    Para análises críticas dessa literatura, indicamos Peres e Carvalho (2012)PERES, Paulo; CARVALHO, Ernani. 2012. Religando as arenas institucionais: uma proposta de abordagem multidimensional nos estudos legislativos. Revista de Sociologia e Política, v. 20, n. 43, pp. 81-106. e Corrêa e Peres (2018)CORRÊA, Carolina Pimentel; PERES, P. 2018. Governabilidade e comissões: três gerações de estudos legislativos no Brasil. In: DANTAS, Humberto (org.). Governabilidade: para entender a política brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Konrad-Adenauer. pp. 17-44..
  • 7
    Inácio (2007INÁCIO, Magna. 2007. Oposição e obstrução parlamentar no Brasil pós-redemocratização. Congresso Español de Ciencia Política y de la Administración Política para un mundo en cambio. Mimeo.; 2009INÁCIO, Magna. 2009. Mudança procedimental, oposições e obstrução na Câmara dos Deputados. In: INÁCIO, Magna; RENNÓ, Lucio (org.). Legislativo brasileiro em perspectiva comparada. Belo Horizonte: Editora UFMG .), Rabelo-Santos (2009)RABELO-SANTOS, Lourimar. 2009. Oposição e obstrução na Câmara dos Deputados. Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro., Inácio, Carvalho e Peres (2012)INÁCIO, Magna; CARVALHO, E.; PERES, P. 2012. O lugar das oposições na política subnacional: Relatório Técnico. Brasília: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico., Tarouco (2012)TAROUCO, Gabriela da Silva. 2012. Partidos de oposição nos estados: o ambiente da competição na arena eleitoral. Cadernos CRH, v. 25, n. 66, pp. 573-585. e Bezerra (2017)BEZERRA, Gabriella Maria Lima. 2017. Oposições parlamentares no Brasil: uma análise dos incentivos institucionais e de suas práticas, 1995-2014. Tese de Doutorado em Ciência Política. Porto Alegre: UFRGS. são alguns dos raros pesquisadores que abordaram ou chamaram a atenção para a necessidade de formação de uma agenda de pesquisas voltada à compreensão do comportamento das oposições partidárias no contexto do desenho constitucional brasileiro.
  • 8
    Vide o debate subsequente sobre a relação entre desenho institucional e democracia entabulado por Shugart e Carey (1992)SHUGART, Mathew Søberg; CAREY, John M. 1992. Presidents and assemblies: constitutional design and electoral dynamics. Cambridge: Cambridge University Press . e Foweraker (1998)FOWERAKER, Joe. 1998. Institutional design, party systems and governability: differentiating the presidential regimes of Latin America. British Journal of Political Science, v. 28, n. 4, pp. 651-676..
  • 9
    J. J. Rousseau é um caso à parte, pois seu contratualismo veio em defesa da vontade geral ilimitada, portanto, da prevalência da vontade da Assembleia. Supunha ele ser possível um consenso nas decisões, mesmo naquelas divididas, por acreditar que todos se juntariam à vontade geral depois de sua “revelação” ao final do processo deliberativo. A oposição, portanto, é dissolvida na vontade geral.
  • 10
    O político e historiador Barão Thomas Macauly foi um dos mais destacados defensores da tese de que a “revolução gloriosa” produziu a maior contribuição da história política inglesa à civilização humana - a monarquia constitucional (Burrow, 1983BURROW, J. W. 1983. A liberal descent: victorian historians and the English past. Cambridge: Cambridge University Press.). Nela, segundo ele, o rei reina, mas não governa; o governo cabe ao Parlamento por intermédio do Gabinete Ministerial. Portanto, esse desenho constitucional restringiu o poder do rei ao atribuir a supremacia da governação ao Parlamento. Muito criticada à época, sua maior obra, a História da Inglaterra, editada em vários volumes de 1849 a 1855, acabou se tornando referência para boa parte da historiografia inglesa posterior, que aderiu à interpretação de que as negociações políticas travadas desde 1688, intensificadas pelos acordos derivados da revolução de 1832, conduziram à relação harmônica entre a Coroa e o Parlamento, por um lado, e entre o Parlamento e a nação (Jann, 1986JANN, Rosemary. 1986. The art and the science of Victorian history. Columbus: Ohio State University Press.), por outro.
  • 11
    Até onde se sabe, o primeiro registro do termo “monarquia constitucional” se deve a W. Dupré, um polemista francês que o mencionou em dois panfletos publicados em 1801, intitulados “La Monarchie Constitutionnelle” e “Un Roi Constitutionnell” (cf. Bogdanor, 1996BOGDANOR, Vernon . 1996. The Monarchy and the Constitution. New York: The Clarendon Press.). Entretanto, enquanto uma soberania que governa de acordo com as leis fundamentais que limitam o seu poder, esse é um fenômeno que já podia ser encontrado na Antiguidade, como no povo judeu, que estabeleceu a possibilidade de deposição do rei que infringisse a Lei Mosaica (Finer, 1988FINER, Samuel. 1988. Notes towards a history of Constitutions. In: BOGDANOR, Vernon (ed.). Constitutions in democratic politics. Surrey: Gower. pp. 92-114.).
  • 12
    Esses dois grupos ideológicos dariam origem aos dois principais partidos da cena britânica até os anos 1920, o Partido Liberal e o Partido Conservador. Até o final daquela década, liberais e conservadores se alternavam no poder, dentro dos princípios do regime parlamentarista que foi se impondo desde meados do século XIX. O Partido Trabalhista, considerado o arquétipo dos partidos de massa, seria organizado nas décadas finais do século XIX e ultrapassaria o Partido Liberal décadas depois, ocupando a segunda vaga do sistema bipartidário, ao lado do Partido Conservador.
  • 13
    Esse termo foi utilizado pela primeira vez por John Hobhouse, primeiro Barão de Broughton, num discurso proferido na House of Parliament, em 1826, quando ele era parlamentar e membro do grupo Whig (Kleinig, 2014KLEINIG, John. 2014. On loyalty and loyalties: the contours of a problematic virtue. Oxford: Oxford University Press .). Suas palavras exatas, em resposta crítica e irônica ao pronunciamento de um ministro, teriam sido: “Diz-se que é difícil para os ministros de Sua Majestade levantar-lhe objeções, mas é mais difícil para a oposição de Sua Majestade obrigá-los a seguir esse curso” (citado em Foord, 1964FOORD, Archibald S. 1964. His majesty’s opposition 1714-1830. Oxford: Oxford University Press., p. 1).
  • 14
    Registrando esse novo padrão de relação, no final do século XIX, Todd (1887TODD, Alpheus. 1887. On parliamentary government in England: its origins, development and operation. London: Longman., pp. 415-416) destacou o seguinte: “A oposição exerce grande influência no debate parlamentar e também na condução dos negócios da Coroa, uma vez que ela é a crítica constitucional de todos os temas públicos; e qualquer que seja o curso de ação perseguido pelo governo, a oposição naturalmente se aventura na busca de algum flanco passível de ataque. É função da oposição se posicionar contra a administração; dizer tudo o que pode ser plausivelmente dito contra cada medida, ato ou pronunciamento de todos os membros do Gabinete Ministerial; em suma, é função da oposição se constituir como uma barreira de censura ao governo, sujeitando todos os seus atos e medidas a um rigoroso escrutínio”.
  • 15
    No seminal Artigo 51, dos Federalistas, Madison se pergunta, logo de início, “a que meios devemos, afinal, recorrer para manter, na prática, a necessária repartição de poder […]”, ao que responde: “[Isso] deve ser suprido imaginando-se a estrutura interna do governo de tal modo que as suas partes constituintes possam, por meio de suas relações mútuas, constituir os meios de se manter umas às outras nos devidos lugares” (Madison, 2011MADISON, James. 2011. A estrutura do governo deve fornecer os freios e contrapesos adequados entre os diversos departamentos. In: HAMILTON, A.; MADISON, J.; JAY, John. O federalista. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. pp. 81-114., pp. 467-468).
  • 16
    A literatura, de maneira geral, corrobora essa perspectiva, ao afirmar que, na Alemanha, estabeleceu-se uma “democracia de chanceler”, com um estilo de “oposição colaborativa” (Mayantz, 1980MAYANTZ, Renate. 1980. Executive Leadership in Germany: Dispersion of Power or Kanzler Democrakatie? In: ROSE, R.; SULEIMAN, E. (eds.). Presidents and Prime-Ministers. Washington: AEI. pp. 77-98.; Smith, 1991SMITH, Gordon. 1991. The resources of a German Chancellor. West European Politics , v. 14, n. 2, pp. 48-61.; Helms, 2001HELMS, Ludger. 2001. The changing chancellorship: resources and constraints revisited. GermanPolitics , v. 10, n. 2, pp. 155-168.), situação que levou Kirchheimer (1967)KIRCHHEIMER, Otto. 1967. “Germany: the Vanishing Opposition”. In: DAHL, R. (ed.). Political oppositions in Western democracies . New Haven: Yale. a soar o alerta sobre o possível desaparecimento da oposição parlamentar no Bundestag, a Câmara Baixa. Potenciais resistências ao governo, entretanto, espreitam o Bundesrat, o equivalente ao Senado, devido ao fato de que seus componentes não são eleitos, mas indicados pelos governos estaduais, orientados pelos interesses locais (Saalfeld, 2007SAALFELD, Thomas. 2007. The West German Bundestag after 40 years: the role of parliament in a ‘Party Democracy’. West EuropeanPolitics , v. 13, n. 3, pp. 68-90.).
  • 17
    A chamada Quinta República francesa corresponde à atual Constituição, promulgada em 1958. Em substituição ao modelo anterior, parlamentarista, adotou-se o regime semipresidencialista, com um primeiro-ministro e um presidente da República com consideráveis poderes. Sendo um modelo semipresidencialista, a oposição pode surgir tanto no Parlamento como na Presidência. Se o presidente é oposicionista, pode utilizar o direito de dissolução da Assembleia Nacional, embora apenas em circunstâncias muito especiais e uma única vez. O presidente também pode judicializar o processo legislativo e até se recusar a sancionar algum projeto, remetendo-o de volta ao Parlamento para novas deliberações, apesar de ser elevado o custo de recorrer a tal prerrogativa. Porém, a “racionalização do Parlamento” - que nada mais é do que a centralização do processo legislativo - vem atuando de maneira a favorecer a agenda do governo e a coibir os obstáculos eventualmente interpostos pela oposição (Huber, 1996HUBER, John. 1996. Rationalizing parliament: legislative institutions and party politics in France. Cambridge: Cambridge University Press .).
  • 18
    As peculiaridades do país e do seu desenho constitucional são responsáveis pela inatividade da oposição parlamentar (Kerr, 1978KERR, Henry. 1978. The structure of opposition in the Swiss Parliament. Legislative Studies Quarterly , v. 3, n. 1, pp. 51-62.). Sua organização é federativa - 26 cantões e 2.250 comunas -, bastante descentralizada, cuja inspiração foi o modelo norte-americano; porém, diferentemente dos Estados Unidos, o arranjo institucional adotado na Suíça, em 1948 e ainda em vigência, não contemplou o presidencialismo como forma de governo, mas, sim, um modelo de gestão coletiva, aos moldes da tradição política dos seus cantões. Dessa forma, o governo é uma incumbência do Conselho Federal, composto por sete membros pertencentes aos principais partidos. Nesse contexto, as oposições operam de modo diferente, pois nem mesmo as funções de fazer críticas mais contundentes e se portar como um governo em espera são atribuições factíveis. Dois fatores, não obstante, vêm contribuindo para alterar um pouco esse quadro - em primeiro lugar, reformas institucionais promovidas nos anos 1990 deram maiores poderes e autonomia à Assembleia Federal, que vem tomando maior iniciativa no processo legislativo; em segundo, o aumento da polarização partidária e o crescimento da direita radical, a partir dos anos 2000, tornaram um pouco mais nítida a oposição parlamentar.
  • 19
    Nos Estados Unidos, o Executivo tem poder de veto e, para derrubá-lo, são necessários dois terços dos membros presentes no Congresso, dificultando sobremaneira a anulação dos vetos presidenciais - até mesmo quando a oposição é majoritária, é muito difícil que esse partido detenha um número tão elevado de cadeiras. Não obstante, em virtude do sistema de divisão dos Poderes, com presidencialismo bipartidário, a oposição pode se tornar mais poderosa nas situações denominadas de “governo dividido”, caracterizadas pelo controle de uma ou das duas Casas Legislativas pelo partido de oposição ao do presidente. Seu poder de veto pode até ajudá-lo a se contrapor ao Congresso, mas não o auxiliará na aprovação de suas políticas. Essas conjunturas ocorreram com alguma frequência, mas foram raras as vezes que o impasse se aproximou de uma crise institucional - os governos divididos com os republicanos na Presidência da República ocorreram em 1911-1913, 1931-1933, 1955-1961, 1969-1977 e 1981-1993; já com os democratas, em 1919-1921, 1947-1949 e 1995-2001.
  • 20
    O modelo inglês contempla, simultaneamente, dois aspectos que reduzem a efetividade da oposição parlamentar. Por um lado, o sistema partidário, assentado na fórmula eleitoral do tipo first-past-post, e em combinação com a forma de governo parlamentarista, assegura que o governo seja majoritário, reduzindo, assim, o poder de veto da oposição. Em outras palavras, em virtude do bipartidarismo, o governo, quase invariavelmente, detém maiorias seguras e imbatíveis - houve poucos episódios em que nenhum partido obteve a maioria absoluta das cadeiras da Casa dos Comuns, demandando a formação de governos minoritários ou de governos de coalizão, numa situação caracterizada como hung parliament, como em 1910, 1929, 1974, 2010 e 2017 (Butler, 1986BUTLER, David. 1986. Governing without Majority: dilemmas for Hung Parliament in Britain. London: Sheridan House.). Ademais, caso o governo entre em crise por qualquer razão, esse modelo oferece uma saída constitucional para se evitar que impasses ou desgastes conduzam a uma crise institucional mais grave: a “moção de desconfiança” ou a antecipação das eleições.
  • 21
    Frase atribuída ao parlamentar, que a teria proferido em discurso na House of Commons, em 4 de junho de 1841 (cf. Helms, 2008aHELMS, Ludger. 2008a. Parliamentary opposition in old and new democracies. New York: Routledge.).
  • 22
    Nos casos analisados por Helms (2004)HELMS, Ludger. 2004. Five ways of institutionalizing political opposition: lessons from the advanced democracies. Government and Opposition, v. 39, n. 1, pp. 22-54., pudemos observar que as três primeiras funções são desempenhadas de maneira efetiva pelas oposições parlamentares dos Estados Unidos, da Inglaterra, da França e da Alemanha, mas são pouco efetivas na Suíça. A quarta função é exercida de modo pouco efetivo em todos os países, exceto no caso suíço, em que a oposição é inefetiva nesse aspecto. As duas últimas são pouco efetivas nos Estados Unidos e inefetivas nos demais países.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    12 Maio 2019
  • Aceito
    25 Mar 2020
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