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PARA ALÉM DO COMÉRCIO: MERCOSUL, DEMOCRACIA E SEGURANÇA REGIONAL

BEYOND TRADE: MERCOSUR, DEMOCRACY AND REGIONAL SECURITY

Resumo

No marco dos trinta anos do Mercado Comum do Sul (Mercosul), o presente artigo busca elucidar e discutir como o bloco contribuiu, desde sua formação, com a estabilidade democrática e a promoção da paz regional. Embora a agenda comercial tenha relevância na conformação desse projeto e seja sua face pública mais visível, a criação do Mercosul foi fundamental para distensionar a área de segurança e defesa entre os países do bloco, buscando sepultar desconfianças mútuas de décadas. Ademais, o Mercosul procurou consolidar a democracia em um momento-chave, pós-autoritário, de retorno aos governos democráticos entre os Estados-membros. As instituições regionais desenvolvidas no âmbito do Mercosul conferiram e ainda conferem rele­vância às agendas de paz e proteção democrática na região. Não obstante, sua baixa institucionalidade e dependência quanto às dinâmicas políticas dos governos em exercício ilustram as dificuldades recentes em avançar nas agendas regionais.

Palavras-chave:
Mercosul; Democracia; Segurança Regional; Integração Regional; Instituições Democráticas; América do Sul

Abstract

In the context of the 30 years of the Southern Common Market (Mercosur), this article seeks to discuss how the bloc has contributed to democratic stability and the promotion of peace in the region since its creation. Although the commercial agenda has relevance in shaping this project and has become its most visible dimension, the creation of Mercosur was fundamental to distend the area of security and defense among the countries of the bloc, seeking to bury mutual mistrust of decades. Moreover, Mercosur helped to promote the consolidation of democracy in the moment of the returning to democratic governments in the region. Regional institutions developed within Mercosur have conferred and still give relevance to peace and democratic protection agendas in the region. Nonetheless, its loose institutions and high dependence on political dynamics of ruling national governments emphasize its current difficulties in advancing in both regional agendas.

Keywords:
Mercosur; Democracy; Regional Security; Regional Integration; Democratic institutions; South America

Introdução

O Mercosul, objeto deste Dossiê, derivou do ressurgimento do regionalismo observado na década de 1980, o qual está associado a mudanças políticas e econômicas que levaram os Estados, bem como outros atores internacionais, a valorizar oportunidades decorrentes da proximidade geográfica como estratégia de inserção no final do século XX. Para teóricos institucionalistas, esse ressurgimento do regionalismo seria explicado pelo aumento dos níveis de interdependência, o que aumentou a demanda por cooperação internacional e pela criação de instituições que visam solucionar os vários tipos de problemas de ação coletiva (Hurrell, 1995HURRELL, Andrew. 1995. O ressurgimento do regionalismo na política mundial. Contexto Internacional, v. 17, n. 1, pp. 23-59.).

No entanto, pretendemos ressaltar nesse artigo que o processo de integração do Mercosul foi impulsionado por três fatores principais: a superação das divergências geopolíticas entre Argentina e Brasil; o retorno ao regime democrático entre os países envolvidos; e a crise do sistema econômico multilateral, que induzia à busca por outras oportunidades e alternativas. Portanto, argumentamos que o Mercosul, em sua gênese, não se limitou apenas ao desenvolvimento de uma agenda de liberalização comercial. A integração do Cone Sul também culminou em desdobramentos políticos e sociais para além do comércio intra e extrabloco. Ao demandar coordenação entre seus membros, o bloco criou expectativas nas elites políticas e econômicas, gerando novos objetivos e valores no plano doméstico, revelando-se como instrumento para consecução de objetivos políticos no plano internacional.

No âmbito regional, o Mercosul foi um mecanismo relevante para a estabilidade democrática recém-instaurada entre seus membros. A despeito do déficit democrático que acomete os países latino-americanos - caracterizado pela falta de participação popular efetiva, pela deficiência na representação dos cidadãos nas instâncias deliberativas e pelo escasso controle das instituições democráticas e da atuação de seus representantes -, em alguma medida os blocos regionais podem colaborar para a estabilidade e a manutenção da democracia nos países-membros (Haas, 1963HAAS, Ernst B. 1963. El reto del regionalismo. In: HOFFMANN, Stanley H. (ed.). Teorías contemporáneas sobre las relaciones internacionales. Madrid: Tecnos. pp. 273-295.). A compatibilidade entre preceitos democráticos e a integração proporciona sinergia entre as duas áreas, implicando a sustentação da última pela primeira. Na década de 1980, a própria redemocratização aproximou os países que originalmente conformam o Mercosul. A condição democrática foi defendida desde o princípio como fundamental ao bloco recém-criado. Portanto, enquanto a estabilidade democrática desafia o fortalecimento dos projetos de integração regional, esses podem contribuir para qualificar e arregimentar as democracias dos países envolvidos (Bressan, 2011BRESSAN, Regiane Nitsch. 2011. O desafio democrático para a integração latino-americana. Paper apresentado no 3º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais, São Paulo, 20 a 22 de julho. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/39P0F1Y . Acesso em: 13 jan. 2021.
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).

Tendo em vista esse contexto, o presente artigo pretende discutir em que medida o Mercosul, ao longo de seus trinta anos de existência, pode ser visto como um projeto de construção de paz e democracia regional, o que seria uma explicação alternativa àquela dada pela literatura, que tem entendido a constituição do bloco a partir da lógica do regionalismo aberto (Baptista, 1998; Bernal-Meza, 2002BERNAL-MEZA, Raúl. (2002). A política exterior do Brasil: 1990-2002. Rev. bras. polít. int., Brasília, v. 45, n. 1, p. 36-71, June 2002. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3f6K4Zh . Acesso em: 19 abr. 2021.
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; Vaz, 2002VAZ, Alcides Costa. 2002. Cooperação, integração e processo negociador: a construção doMercosul . Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão; Instituto Brasileiro de Relações Internacionais.). Esse questionamento ao argumento basilar para a fundação do bloco se tornou especialmente oportuno na atualidade, tendo em vista as mensagens difundidas nos últimos anos pelos governos da região, segundo as quais o Mercosul estaria “voltando às origens” na medida em que as lideranças políticas têm priorizado a agenda comercial, tanto interna quanto externamente. Além de ressaltar a importância do Mercosul para o desenvolvimento dessas duas agendas não comerciais (paz e democracia regional), destaca-se que a baixa institucionalidade e a dependência dos rumos políticos-ideológicos dos executivos dos Estados­-membros têm criado fragilidades e dificuldades no tratamento dos dois temas regionais.

Em primeiro lugar, introduzimos aspectos relevantes com relação aos antecedentes democráticos e securitários da integração regional promovida pelo Mercosul. Posteriormente, destacamos o desenvolvimento das agendas de estabilidade/proteção democrática e de segurança regional nas últimas três décadas, no sentido de dar luz a agendas tão importantes quanto a dimensão comercial para consolidar essa organização regional. Finalmente, tecemos algumas reflexões finais para destacar a importância de se relativizar a primazia dada a explicações para a fundação do Mercosul derivadas da noção de regionalismo aberto.

O Mercosul para além do regionalismo aberto

O Mercosul foi fruto do regionalismo aberto, advento do sistema internacional no final do século XX que buscou estreitar laços comerciais e aumentar as condições de competitividade dos Estados de uma região para inseri-la no mercado mundial (Vaz, 2002VAZ, Alcides Costa. 2002. Cooperação, integração e processo negociador: a construção doMercosul . Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão; Instituto Brasileiro de Relações Internacionais.). Dentro da lógica do regionalismo aberto, os países vislumbraram como estratégia a busca de maior eficiência econômica a partir da integração regional. Os Estados adotaram o regionalismo para se inserir no plano econômico e político internacional, atendendo às novas demandas domésticas e externas.

Além das necessidades de dinamizar a economia e aumentar o peso político dos Estados-partes, o Mercosul foi considerado um meio pelo qual os quatro sócios poderiam fazer frente ao processo de globalização (Baptista, 1995BAPTISTA, Luiz Olavo. 1995. A solução de divergências no Mercosul. In: BASSO, Maristela (org.). Mercosul. Porto Alegre: Livraria do Advogado. pp. 155-167.). Além disso, a iniciativa foi considerada uma resposta estratégica para melhorar a posição de barganha dos quatro Estados-membros no comércio exterior, a partir de ação conjunta e coordenada, principalmente para enfrentar barreiras protecionistas aos produtos agrícolas (Saha, 2000SAHA, Suranjit Kumar. 2000. Mercosul , competitividade e globalização. In: LIMA, Marcos Costa; MEDEIROS, Marcelo de Almeida. O Mercosul no limiar do Século XXI. São Paulo: Cortez.). A agenda de predominância comercial confirmava o prognóstico de abertura unilateral das economias dos países participantes (Bernal-Meza, 2002BERNAL-MEZA, Raúl. (2002). A política exterior do Brasil: 1990-2002. Rev. bras. polít. int., Brasília, v. 45, n. 1, p. 36-71, June 2002. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3f6K4Zh . Acesso em: 19 abr. 2021.
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).

O estímulo à competitividade e à liberalização comercial, incluindo o setor de serviços, ocuparam o centro dos novos acordos adotados pela América Latina, em contraposição às concepções defensivas, dirigistas e autárquicas que caracterizaram os primeiros modelos de integração da região (Rosenthal, 1991ROSENTHAL, Gert K. 1991. Un informe crítico a 30 años de integración en América Latina. Nueva Sociedad, n. 133.). No passado, a integração foi concebida como instrumento de defesa coletiva contra as adversidades originadas externamente. No regionalismo aberto, ela poderia ser entendida como um elemento mais amplo e flexível, que contribuiu para a inserção internacional do continente. O novo regionalismo consistia em melhorar a competitividade internacional e promover a liberalização conjunta (Klaveren, 1997KLAVEREN, Alberto van. 1997. América Latina en el mundo. Santiago: Los Andes.).

Antes, o objetivo central da integração era o modelo de desenvolvimento baseado na substituição de importações e nas economias fechadas. No regionalismo aberto procurou-se que a região se adaptasse às novas concepções econômicas que se impunham, enquanto a liberalização comercial e a abertura econômica ocorriam em paralelo (Pizarro, 1995PIZARRO, Roberto. 1995. Renovación y dinamismo de la integración latinoamericana en los años noventa. Estudios Internacionales, ano 28, n. 110.). A opção dos países por um processo de integração sub­-regional procurou ampliar a competitividade internacional das economias dos países-membros através de novas possibili­dades de comércio e investimento. A formação do Mercosul não era uma resposta isolada, mas um impulso sub-regional vinculado às políticas comerciais latino­-americanas (Hirst, 1991HIRST, Mónica. 1991. Reflexiones para un análisis político del Mercosur. Buenos Aires: Flacso.). Destarte, o Mercosul era uma expressão das “novas formas de integração”, resultado da abertura e desregulamentação das economias, cujo destino estaria ligado à lógica das iniciativas extrarregionais e à dinâmica da globalização (Bernal-Meza, 2002BERNAL-MEZA, Raúl. (2002). A política exterior do Brasil: 1990-2002. Rev. bras. polít. int., Brasília, v. 45, n. 1, p. 36-71, June 2002. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3f6K4Zh . Acesso em: 19 abr. 2021.
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).

Não obstante, Vaz (2002VAZ, Alcides Costa. 2002. Cooperação, integração e processo negociador: a construção doMercosul . Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão; Instituto Brasileiro de Relações Internacionais.) aponta que, desde seu início, o processo de integração do Mercosul não era um fim em si mesmo, mas um meio para alcançar objetivos consagrados no âmbito da política externa dos países envolvidos, que não se limitavam a planos comerciais e econômicos nem ao espaço regional alcançado pelo processo. Assim, o Mercosul foi um instrumento para que os Estados pudessem atender suas variadas aspirações no cenário internacional e no plano doméstico, pois havia uma preocupação latente com a arregimentação democrática dos países da região.

Na América Latina, a década de 1980 foi marcada pelo fim de governos militares e pela transição para regimes democráticos, consagrados por eleições realizadas no período seguinte. Em 1985, com a democracia formal restaurada, os presidentes do Brasil e da Argentina, José Sarney e Raúl Alfonsín, assinaram a Declaração de Iguaçu, o mais importante antecedente do Mercosul. O documento concretizou a aproximação entre os dois países após quase dois séculos de rivalidade e governos autoritários (Freixo e Ristoff, 2008FREIXO, Adriano de; RISTOFF, Taís. 2008. Democracia e integração regional: a experiência do Mercosul . Agenda Social, v. 2, n. 1, pp. 32-47.).

Evidentemente, a Declaração de Iguaçu contribuiu para consolidar a agenda democrática. O documento representou a união de esforços na defesa dos interesses de ambos os países em foros internacionais, acentuando a disposição para cooperar no Cone Sul em momento de transição da percepção das elites dirigentes dos dois países. As lideranças regionais passaram a valorizar as vantagens advindas da integração regional em detrimento do ambiente de competição não cooperativa que envolvia Argentina e Brasil até aquele momento (Vigevani, Mariano e Oliveira, 2000VIGEVANI, Tullo; MARIANO, Karina L. Pasquariello; OLIVEIRA, Marcelo Fernandes de. 2000. Democracia e atores políticos noMercosul . In: LIMA, Marcos Costa; MEDEIROS, Marcelo de Almeida (org.). O Mercosul no limiar do século XXI. São Paulo: Cortez . pp. 183-228.). A aproximação também endossou a percepção de crescente interdependência que começava a se conformar entre os países que adotaram a cooperação como mecanismo de estratégia econômica e política.

Para além dos aspectos comerciais e econômicos que envolviam o Mercosul no marco do regionalismo aberto, o tema da democracia se mostrou uma preocupação constante dos governos de Brasil e Argentina. Vislumbrando assegurar a legitimidade do processo, seus representantes buscaram incorporar representantes da sociedade na fundação do bloco (Vigevani, Mariano e Oliveira, 2000VIGEVANI, Tullo; MARIANO, Karina L. Pasquariello; OLIVEIRA, Marcelo Fernandes de. 2000. Democracia e atores políticos noMercosul . In: LIMA, Marcos Costa; MEDEIROS, Marcelo de Almeida (org.). O Mercosul no limiar do século XXI. São Paulo: Cortez . pp. 183-228.). O termo “democracia”, em referência aos seus aspectos formais, teve relevância nos discursos oficiais, sendo considerado um pressuposto para a integração, ainda que não tenha sido incorporado de forma explícita nos primeiros tratados de integração regional, como o Tratado de Assunção, que constituiu o Mercosul em 1991.

Segundo o marco teórico adotado pelo presente estudo, o sistema político democrático é condição para a integração regional. A incompatibilidade entre regimes políticos autoritários e a integração regional é defendida por autores consagrados, como Etzioni (1968ETZIONI, Amitai. 1968. The active society: a theory of societal and political processes. New York: Free Press.) e Haas (1963HAAS, Ernst B. 1963. El reto del regionalismo. In: HOFFMANN, Stanley H. (ed.). Teorías contemporáneas sobre las relaciones internacionales. Madrid: Tecnos. pp. 273-295.). Os preceitos de um sistema autoritário são contrários às condições exi­gidas pelas teorias integracionistas.

Na América Latina, os países compartilham um sistema democrático com fragilidades e distorções. Etimologicamente, a definição da palavra “democracia” é “governo do povo”. Contudo, reconhece-se que a concepção teórica do termo concilia diversos significados e definições, invocando um conceito aberto, dinâmico e plural, em transformação constante. Em especial na América Latina, Guillermo Alberto O’Donnell (1991)O’DONNELL, Guillermo Alberto. 1991. Democracia delegativa? Novos Estudos CEBRAP, v. 31, pp. 25-40. desenvolveu o termo “democracia delegativa”, o modelo mais factível para os regimes considerados democráticos que predominam na região, inclusive nos países do Mercosul. A democracia delegativa é caracterizada pela pouca transparência no exercício das regras do jogo eleitoral, pela baixa definição e institucionalização das práticas democráticas e pela alta capacidade discricionária do chefe do Executivo, associada à alta exclusão social (O’Donnell, 1991O’DONNELL, Guillermo Alberto. 1991. Democracia delegativa? Novos Estudos CEBRAP, v. 31, pp. 25-40.). Essa forma de regime democrático, portanto, não incorpora todos os preceitos inerentes à concepção plena do termo, como controle social, participação política, transparência e legitimidade de determinadas práticas políticas, entre outros.

No entanto, ainda que na prática o regime democrático dos países do bloco apresente obstáculos e distorções, a democracia pode ser entendida como pressuposto para a cooperação e condição das iniciativas de integração. Uma das motivações básicas da formação de blocos regionais é reduzir a incerteza de cada Estado em relação ao comportamento dos demais, possibilitando a criação de estruturas institucionais (Keohane e Nye, 1989KEOHANE, Robert O.; NYE JR., Joseph S. 1989. Power and interdependence. Boston: Scott, Foresman and Company.). Estas estruturas institucionais influenciariam o comportamento dos Estados, que passariam a considerar as ações dos demais atores como reflexo das regras, normas e convenções estabelecidas no escopo da estrutura institucional da integração.

Segundo esse marco teórico, a democracia é condição para aprofundar o processo de integração regional, pois nele as elites políticas e econômicas da sociedade devem depositar expectativas de benefícios e interesses próprios do Estado nacional em uma instituição regional. Segundo os teóricos clássicos, a integração regional acontece em razão da transferência de lealdade dos atores políticos para um centro de poder, resultado de certo grau de satisfação com as repartições governamentais democráticas (Haas, 1963HAAS, Ernst B. 1963. El reto del regionalismo. In: HOFFMANN, Stanley H. (ed.). Teorías contemporáneas sobre las relaciones internacionales. Madrid: Tecnos. pp. 273-295.).

Essa transferência de lealdade ocorreria de forma gradual, partindo de um setor específico para os demais, caracterizando um efeito spillover. Nesse sentido, a democracia revela-se como condição prévia ao processo de integração, já que este pressupõe a participação e envolvimento das diversas camadas da sociedade, além das próprias elites e governos. A integração regional deve servir às demandas e interesses de toda a sociedade, sejam as elites, seja a população geral. Ademais, aprofundar a integração exige a criação de novos valores surgidos no âmago desse processo, como livre circulação de pessoas e entrelaçamento das culturas, pressupostos dificultados em regimes autoritários. Portanto, a conciliação entre a própria integração regional e a democracia, é evidente ao estudo da integração regional (Haas, 1963HAAS, Ernst B. 1963. El reto del regionalismo. In: HOFFMANN, Stanley H. (ed.). Teorías contemporáneas sobre las relaciones internacionales. Madrid: Tecnos. pp. 273-295.), conforme será defendido neste trabalho.

Outrossim, como veremos mais adiante, é importante assinalar que movimentos anteriores, no sentido de distensionar o campo da segurança regional entre os então antípodas Argentina e Brasil, ganharam força e forma ao longo dos anos 1980, com evidentes reflexos no processo integracionista. Em suma, estavam lançadas as bases para um processo de cooperação muito mais profícuo, para além da dimensão comercial.

Bases democráticas do Mercosul e agenda de proteção à democracia

Nesta seção busca-se discutir o papel da agenda de proteção democrática ao longo dos trinta anos de existência do Mercosul. Em primeiro lugar, ressalta-se que elementos democráticos estão presentes desde as origens do bloco, muito embora referências diretas à proteção da democracia na região somente apareçam ao longo da década de 1990, em virtude da instabilidade política vivenciada pelos Estados-membros.

Posteriormente, o trabalho apresenta a evolução dos instrumentos de proteção democrática estabelecidos ao longo do tempo, destacando em que medida o Mercosul contribuiu para resolver episódios de instabilidade democrática nos Estados-membros. Por fim, destacam-se os últimos desenvolvimentos na agenda democrática e as limitações contemporâneas que o bloco tem enfrentado para proteger as instituições democráticas da região.

A maior parte da literatura ressalta o contexto de globalização do período pós-Guerra Fria na fundação do Mercosul a partir da lógica liberalizante do regionalismo aberto, mas pouco trata dos pressupostos democráticos envolvidos na criação do bloco. Conforme destacado, o Tratado de Assunção não surge em um vácuo globalizante, mas sim em um contexto de intensa reaproximação entre Argentina e Brasil, observado desde a metade da década de 1980 e devido, em larga medida, ao simultâneo processo de redemocratização dos dois países, mas também à relativa superação de suas rivalidades, identificada a partir da assinatura do Acordo Tripartite Itaipu-Corpus (1979) e do apoio brasileiro à Argentina na Guerra das Malvinas. No preâmbulo da Ata para a Integração Argentino-Brasileira, assinada em 1986 pelos presidentes dos dois países, Alfonsín e Sarney, observa-se uma referência à “importância desse momento histórico do relacionamento entre as duas nações, empenhadas na consolidação da democracia como sistema de vida e de governo” (Ata…, 1986ATA para a integração brasileiro-argentina. 1986. Buenos Aires, 29 jul., p. 1). Esse compartilhamento de desafios domésticos, tanto no plano político quanto econômico, levou a uma convergência nos objetivos de política exterior da Argentina e do Brasil, estabelecendo as bases para um projeto regional comum (Gomez-Mera, 2005GOMEZ-MERA, Laura. 2005. Explaining Mercosur’s survival: strategic sources of Argentine-Brazilian convergence. Journal of Latin American Studies, v. 37, pp. 109-140.). O Mercosul, portanto, é reflexo do processo de redemocratização da região, que nos anos seguintes também levou à transição democrática no Paraguai e no Uruguai, fazendo convergir princípios necessários para o surgimento do bloco (Phillips, 2004PHILLIPS, Nicola. 2004. The Southern Cone model: the political economy of regional capitalist development in Latin America. London; New York: Routledge.).

Apesar do contexto de retorno das democracias na região, e embora se destaque a criação da Comissão Parlamentar Conjunta e do Foro Consultivo Econômico­-Social como forma de institucionalizar a participação parlamentar e social nos assuntos de integração, os dois documentos fundacionais do Mercosul (Tratado de Assunção e Protocolo de Ouro Preto) não fizeram referências diretas à democracia como princípio basilar. No entanto, em 1992, os presidentes dos países-membros assinaram um comunicado em Las Leñas em que esclareceram o pressuposto democrático: “Os Presidentes ratificaram que a plena vigência das instituições democráticas é um pressuposto indispen­sável para a existência e o desenvolvimento do MERCOSUL” (Mercosur, 1992MERCOSUL. 1992. Comunicado de Las Leñas, 27 de junio de 1992. Revista de Relaciones Internacionales, n. 3, p. 1., p. 1, tradução nossa), reforçando que as bases do bloco não são somente a economia de mercado e a abertura comercial.

Contudo, somente na segunda metade da década de 1990 observam-se declarações mais assertivas a respeito da proteção da democracia na região, as quais surgiram como reações a episódios de instabilidade democrática, observados especialmente no Paraguai. Os anos 1990 puseram à prova algumas das novas democracias estabelecidas no Cone Sul, testando os limites das instituições democráticas domésticas em face da sombra do golpismo que se manteve presente em parte dos partidos políticos e grupos de interesse na região. Nesse sentido, o presidencialismo do Paraguai, dos anos 1990 até a primeira década século XX, foi marcado pela instabilidade. Nesse período, somente um presidente paraguaio diretamente eleito, Nicanor Duarte, conseguiu exercer completamente seu mandato sem sofrer tentativas de interrupção do mandato (Jatobá e Luciano, 2018JATOBÁ, Daniel; LUCIANO, Bruno Theodoro. 2018. The deposition of Paraguayan president Fernando Lugo and its repercussions in South American regional organizations. Brazilian Political Science Review, v. 12, n. 1.).

As crises democráticas ocorridas no Paraguai levaram os países vizinhos, utilizando arenas regionais como o Mercosul, a desenhar as primeiras declarações e instrumentos do bloco para reagir a possíveis rupturas democráticas. Nesse sentido, merecem destaque a Declaração sobre Compromisso Democrático, de 1996, e o Protocolo de Ushuaia, de 1998, assinado não só pelos quatro Estados­-membros do Mercosul, mas também por Bolívia e Chile, como Estados associados. Van der Vleuten e Hoffmann (2010VAN DER VLEUTEN; Anna; HOFFMANN, Andrea Ribeiro. 2010. Explaining the enforcement of democracy by regional organizations: comparing EU, Mercosur and SADC. Journal of Common Market Studies, v. 48. n. 3, pp. 737-758.) ressaltam que, embora durante a crise paraguaia de 1996 o Mercosul não contasse com uma cláusula democrática, os presidentes dos demais Estados-membros reagiram com veemência à crise, referindo­-se à defesa dos pressupostos democráticos do bloco. Já na segunda crise, ocorrida em 1999, o Mercosul já havia aprovado seu compromisso de proteção democrática, que pela primeira vez forneceu ao bloco instrumentos relevantes para pressionar os Estados­-membros que não respeitassem valores democráticos e do Estado de direito.

Novas crises democráticas observadas não somente nos países do Mercosul, mas também em outros países da América do Sul, levaram os governos da região a desenvolver instrumentos mais assertivos para proteger a democracia na região, tanto no contexto do Mercosul quanto do novo projeto sul-americano, a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL). Em virtude desse contexto, um novo compromisso democrático foi assinado pelo bloco em 2011. O documento, intitulado Protocolo de Ushuaia II, atualiza os termos do protocolo anterior e adiciona novas medidas restritivas, como fechamento de fronteiras e sanções econômicas, a Estados-membros que desrespeitem os pressupostos democráticos do bloco.

Em 2012, novamente foram utilizados instrumentos de proteção democrática. A deposição sumária do presidente paraguaio Fernando Lugo, em procedimento de impeachment realizado em cerca de 24 horas, levou a uma rápida reação dos Estados-membros, os quais - referindo-se ao compromisso de Ushuaia de 1998 - decidiram suspender politicamente o Paraguai do Mercosul até a realização de eleições democráticas (Jatobá e Luciano, 2018JATOBÁ, Daniel; LUCIANO, Bruno Theodoro. 2018. The deposition of Paraguayan president Fernando Lugo and its repercussions in South American regional organizations. Brazilian Political Science Review, v. 12, n. 1.).

Até a crise paraguaia de 2012 foi possível observar uma tendência de fortalecimento da agenda de proteção da democracia no Mercosul. Embora referências a essa proteção não tenham sido incluídas nos Tratado de Assunção e de Ouro Preto, por conta das crises políticas no Paraguai a agenda democrática foi se consolidando e se aprimorando até a assinatura do Protocolo de Ushuaia II. Nos episódios observados, houve rápida reação de todos os demais países do Mercosul, que condenaram a instabilidade democrática e chegaram a fazer uso da suspensão política em 2012, o que pressionou o Paraguai a realizar novas eleições para retornar ao bloco. No entanto, novos episódios de instabilidade política, tanto na Venezuela (Estado-membro do Mercosul desde 2012) quanto no Brasil, ressaltaram as fragilidades da agenda e dos instrumentos de proteção democrática, pondo em xeque a real capacidade do bloco de garantir a democracia e o Estado de direito em um contexto regional adverso.

A entrada da Venezuela no Mercosul em 2012 - simultânea à suspensão paraguaia do bloco - trouxe novos desafios ao fortalecimento da agenda de proteção democrática. O contexto de crise econômica e polarização política observado no país desde 2010 se acirrou nos anos seguintes. O falecimento de Hugo Chávez, o início do mandato presidencial de Nicolás Maduro (2013) e a vitória da oposição ao chavismo nas eleições à Assembleia Nacional em 2015 geraram maior polarização e descontentamento popular no país. Como reação à vitória parlamentar da oposição, em 2017 Maduro convocou eleições para uma Assembleia Nacional Constituinte, formada por maioria governista, que passaria a substituir os poderes do Parlamento venezuelano (Moleiro, 2020MOLEIRO, Alonso. 2020. Constituinte do Chavismo encerrará suas funções em dezembro. El País, 19 ago. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3rT5BJz . Acesso em: 7 abr. 2021.
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).

Frente a esse episódio, com o tempo os demais países do Mercosul passaram de uma posição de moderação e apoio ao diálogo entre governo e oposição - formalizado por meio da Mesa de Diálogo Nacional - e ao papel de mediação exercido pela Secretaria-Geral da UNASUL, para uma postura mais condenatória ao governo venezuelano, o que levou à suspensão da Venezuela do bloco, que segue até os dias atuais. Essa mudança de abordagem dos países­-membros em grande medida se deve ao aprofundamento da crise político-econômica na Venezuela, a qual tomou dimensões humanitárias que afetam diretamente países vizinhos como Colômbia e Brasil, e à emergência de governos de direita nos países do Mercosul, especialmente na Argentina (2015) e no Brasil (2016).

Nesse sentido, a primeira proposta de suspensão da Venezuela ocorreu em 2016, fruto de declaração emitida pelos chanceleres dos demais países, a qual suspendeu as atividades da presidência venezuelana pro tempore, em virtude da falta de implementação das normas do Mercosul no prazo acordado no momento de adesão do país ao bloco:

A Declaração estabelece que a presidência do Mercosul no corrente semestre não passa à Venezuela, mas será exercida por meio da coordenação entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, que poderão definir cursos de ação e adotar as decisões necessárias em matéria econômico-comercial e em outros temas essenciais para o funcionamento do Mercosul. O mesmo ocorrerá nas negociações comerciais com terceiros países ou blocos de países.

Em 1º de dezembro de 2016, a persistir o descumprimento de obrigações, a Venezuela será suspensa do MERCOSUL. (Itamaraty, 2016ITAMARATY. 2016. Aprovação da “Declaração Relativa ao Funcionamento do Mercosul e ao Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela”. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3fNIKMT . Acesso em: 7 abr. 2021.
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, p. 1)

Em 2017, após as eleições para a Assembleia Nacional Constituinte venezuelana, os países do Mercosul decidiram aplicar o protocolo de Ushuaia e suspender a Venezuela sob justificativa de ruptura democrática no país (Mercosul, 2017MERCOSUL. 2017. Decisão sobre a suspensão da Venezuela no Mercosul . Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2R4Uj87 . Acesso em: 7 abr. 2021.
https://bit.ly/2R4Uj87...
). Diferentemente da suspensão política do Paraguai em anos anteriores, a suspensão venezuelana apresenta duas características particulares. Por um lado, é a primeira vez que um país relativamente grande do bloco sofre uma sanção dessa natureza. Em contraste com os episódios de instabilidade política no Paraguai e em outros países da região (Bolívia e Equador), a crise na Venezuela é muito mais complexa, e a suspensão exige muito mais recursos dos países do bloco (Breitegger, 2018BREITEGGER, Melina. 2018. Democracy promotion through regional organisations: a missed opportunity for South African and Brazilian leadership? South African Journal of International Affairs, v. 25, n. 2, pp. 219-238.). Em segundo lugar, distintamente da aplicação anterior de cláusulas democráticas na América do Sul, essa é a primeira vez que um mecanismo de proteção democrática não é empregado para defender um mandato presidencial vigente contra tentativas de deposição, mas é utilizado para punir um governo em exercício que atentou contra a plena vigência de instituições democráticas (Palestini, 2020PALESTINI, Stefano. 2020. Regional organizations and the politics of sanctions against undemocratic behaviour in the Americas. International Political Science Review, pp. 1-15.).

Ademais, a instabilidade política observada no Brasil desde 2015 afetou a capacidade do Mercosul de reagir às crises democráticas na região. A inexistência de declaração a respeito do conturbado processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff demonstra a incapacidade de reação institucional quando um episódio de instabilidade política emerge no maior país do bloco. À exceção de uma visita realizada pelo Secretário-Geral da UNASUL a Dilma Rousseff durante o processo de impeachment, não houve manifestação regional concertada acerca da crise política no Brasil. Essa falta de ação reforça a necessidade de consentimento e participação do líder regional ou Estado-pivô para materializar a intervenção democrática (Van der Vleuten e Hoffmann, 2010VAN DER VLEUTEN; Anna; HOFFMANN, Andrea Ribeiro. 2010. Explaining the enforcement of democracy by regional organizations: comparing EU, Mercosur and SADC. Journal of Common Market Studies, v. 48. n. 3, pp. 737-758.). Ademais, o exemplo brasileiro destaca que graus relevantes de institucionalidade e liderança regional são fundamentais para que as organizações regionais sejam mais assertivas com relação a episódios de instabilidade democrática (Ramanzini Júnior e Luciano, 2020RAMANZINI JÚNIOR, Haroldo; LUCIANO, Bruno Theodoro. 2020. Regionalism in the Global South: Mercosur and ECOWAS in trade and democracy protection. Third World Quarterly, v. 41, n. 9, pp. 1498-1517.). Além disso, os escândalos de corrupção revelados no país, o próprio processo de impeachment e o mandato interino de Michel Temer reduziram a legitimidade do Brasil, necessária para exercer um papel mais assertivo no Mercosul, especialmente com relação à agenda de proteção democrática do bloco, impactando a capacidade de liderança brasileira desde 2016 (Breitegger, 2018BREITEGGER, Melina. 2018. Democracy promotion through regional organisations: a missed opportunity for South African and Brazilian leadership? South African Journal of International Affairs, v. 25, n. 2, pp. 219-238.).

Em suma, a análise da evolução da agenda de proteção da democracia no Mercosul nesses trinta anos de existência é derivada de dois principais fatores. Por um lado, em todas as crises observadas em que o bloco apresentou alguma reação houve relevante liderança dos dois maiores países, Argentina e Brasil. Mesmo na crise de 1996, quando ainda não havia um mecanismo formal de proteção democrática no Mercosul, os governos dos dois países - na figura de seus presidentes - exerceram liderança relevante na estabilização e resolução dos conflitos políticos no Paraguai.

Por outro lado, também é importante destacar que o alinhamento ideológico (tanto à direita quanto à esquerda) dos países-membros contribuiu para uma ação mais assertiva e coordenada dos países do Mercosul nos casos observados nas últimas três décadas, o que demonstra que a solidariedade presidencial é mais frequente quando há aproximação ideológica entre os governos do bloco. No entanto, a dependência de forte convergência ideológica entre os Estados­-membros para um efetivo ativismo na agenda de proteção democrática também releva as fragilidades institucionais do bloco nesse tema, haja vista a ausência de fortes mecanismos supranacionais de defesa da democracia. Na década de 1990, no contexto do regionalismo aberto, todos os países da região eram governados por presidentes que adotaram políticas domésticas neoliberais e buscaram desenvolver formas de proteção coletiva de seus mandatos presidenciais a partir de uma cláusula democrática. Na década de 2000, a ascensão de governos de esquerda em todos os países do Mercosul levou a um novo alinhamento na região, que contribuiu para a rápida reação contra a destituição do presidente Fernando Lugo por setores políticos da direita. Já na segunda metade da década de 2010, ocorreu um novo alinhamento à direita nos países da região, o que contribuiu para a suspensão da Venezuela e o estabelecimento de diálogo de alguns países do bloco com a oposição venezuelana.

Segurança e estabilidade regional no Mercosul

Ainda que as bases para a associação que resultaria no Mercosul sejam frequentemente remetidas ao campo econômico e comercial, não seria errôneo combinar tais condicionantes a elementos no amplo campo da segurança. Em primeiro lugar, vale lembrar o Acordo Tripartite Itaipu­-Corpus de outubro de 1979, que, se por um lado respondeu às questões da forma como ambicionava Buenos Aires, por outro contemplou o conteúdo desejado por Brasília, com a evidente e interessada anuência de Assunção, pondo fim ao impasse em torno dos projetos para aproveitamento hidrelétrico no rio Paraná. Eis aqui um verdadeiro ponto de inflexão entre a disputa geopolítica e a política de cooperação no Cone Sul (Fajardo, 2004FAJARDO, José Marcos Castellani. 2004. Acordo Tripartite Itaipu-Corpus: ponto de inflexão entre a disputa geopolítica e a política de cooperação. Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Porto Alegre: UFRGS.; Ferres, 2004FERRES, Virginia Perez. 2004. A solução do conflito de Itaipu como início da cooperação política argentino-brasileira na década de 80. Projeto História, v. 29, n. 2, pp. 661-672.; Seitenfus, 1987SEITENFUS, Ricardo A. S. (org.). 1987. Bacia do Prata: desenvolvimento e relações internacionais. Porto Alegre: Editora UFRGS.).

Dando mais corpo a este distensionamento, temos a posição brasileira ao longo da Guerra das Malvinas/Falklands em 1982. A despeito de não ter se envolvido diretamente no conflito bélico e da posição oficial de neutralidade, o Brasil apoiou politicamente a Argentina - na mesma linha adotada desde a tomada das ilhas pelos ingleses em 1833 - e ajudou secretamente o país platino por meio de várias medidas. Ao lado disso, como bem frisam Russell e Tokatlian (2003RUSSELL, Roberto; TOKATLIAN, Juan Gabriel. 2003. O lugar do Brasil na política externa da Argentina: a visão do outro. Novos Estudos CEBRAP , v. 65, pp. 71-90., p. 83), já na última fase dos regimes militares autoritários a cooperação expande-se para outras áreas, por exemplo na coordenação de posições em fóruns como a Assembleia Geral das Nações Unidas, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) e o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), abrindo espaço para o adensamento crescente que se seguiria instaurando nos regimes civis democráticos.

Sob Raúl Alfonsín e José Sarney, a criação em 1986 da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), por iniciativa do Brasil mas contando com o decisivo apoio da Argentina, seria um novo degrau vencido neste contexto de crescente proximidade e concertação de posições no campo da segurança. O conflito no arquipélago rochoso no extremo sul do continente poucos anos antes desnudou que a validade do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) - instaurado no imediato pós-Segunda Guerra Mundial, num momento de transição da “política de boa vizinhança” norte-americana para a doutrina de contenção ao comunismo, e que dizia que um ataque armado de qualquer Estado não americano contra um país americano seria considerado como uma agressão contra todos - era nula na medida em que não atendia os interesses estadunidenses naquela oportunidade. Os Estados Unidos não só não ficaram ao lado do parceiro hemisférico como não tiveram uma postura neutra, em verdade apoiando seu histórico parceiro estratégico, aliado da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e antigo colonizador.1 1 Para detalhes sobre o TIAR, ver Fuccille (2018). A ZOPACAS - cuja instituição já havia sido tentada anteriormente sem sucesso, a exemplo da Organização do Tratado do Atlântico Sul (OTAS) - foi aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas por meio da Resolução nº 41/11, em outubro de 1986, com 124 votos favoráveis, oito abstenções e um voto contrário, o dos EUA.2 2 Miyamoto (1987, p. 20) afirma que isso se devia ao fato de os EUA se oporem a qualquer forma de limitação de emprego de suas forças, adotando a política de poder das grandes potências, não obstante o foro prever apenas o caráter recomendatório.

No mesmo ano em que foi firmado o Tratado de Assunção, assistimos ao início de uma experiência até então inédita, que uniu dois concorrentes diretos pela hegemonia e poder nuclear na América do Sul. Trata-se da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), fruto de uma engenhosa arquitetura política, diplomática e técnica de alta complexidade, cujas atividades iniciam-se em 1991 e cujo nascedouro pode ser buscado na proposta argentina de um sistema bilateral de controles nucleares mútuos (Mallea, Spektor e Wheeler, 2015MALLEA, Rodrigo; SPEKTOR, Matias; WHEELER, Nicholas J. (ed.). 2015. Origens da cooperação nuclear: uma história oral crítica entre Argentina e Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas; Washington: Woodrow Wilson International Center for Scholars.).3 3 O documento seminal, conhecido como Declaração de Foz do Iguaçu sobre Políticas de Salvaguardas Nucleares, havia sido assinado em 28 de novembro de 1990. Quando a ABACC completou seu Jubileu de Prata em 2016, o secretário da agência destacou que até então mais de 2.500 inspeções haviam sido reali­zadas coordenadamente pela agência bilateral e a Agência Internacional de Energia Atômica (Declaração…, 2016). Não só: mesmo que de forma descoordenada, ainda na década de 1990 Brasil e Argentina aderiram ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), encerrando formalmente seus programas nucleares para fins militares.

Ainda que a construção da confiança mútua seja uma tarefa permanente, importantes sementes já haviam sido lançadas, como mostram as iniciativas aqui recordadas, que começaram a dissipar desconfianças recíprocas na área militar. Ou seja, a busca de estabilidade e segurança regional não se inicia com a criação do Mercosul, mas é certamente impactada pelos altos e baixos desta iniciativa integracionista, com avanços, retrocessos, contradições e outros desdobramentos esperados na arena internacional quando avaliamos tentativas de aprofundamento da cooperação envolvendo diferentes atores.

Na literatura especializada de então, era comum encontrar autores como Hurrell (1998HURRELL, Andrew. 1998. Security in Latin America. International Affairs, v. 74, n. 3, pp. 529-546.) destacando que:

O regionalismo econômico institucionalizado é importante para a segurança, não porque os custos da luta se tornem muito altos de acordo com alguma medida abstrata, mas porque ancora e promove processos de socialização e enredamento através do qual as definições de interesses e identidades podem mudar, alterando os valores dos membros e as formas em que os custos/benefícios e ação racional são interpretados (Hurrell, 1998HURRELL, Andrew. 1998. Security in Latin America. International Affairs, v. 74, n. 3, pp. 529-546., p. 538, tradução nossa).

Ao lado disso, assistia-se então a um cenário de relativa tranquilidade, já que, afora pequenos incidentes, os últimos conflitos intraestatais no subcontinente remetiam à década de 1930, o que colaborava para certo negligenciamento das questões de segurança e defesa, a despeito de avanços pontuais, com analistas até mesmo apontando a constituição de uma possível comunidade de segurança4 4 A comunidade de segurança consiste em um conjunto de instituições e práticas capazes de assegurar mudanças pacíficas em uma comunidade política para que a ocorrência de conflitos seja mínima (Deutsch, 1968). (Flemes, 2005FLEMES, Daniel. 2005. Notas teóricas sobre a formação de uma comunidade de segurança entre a Argentina, o Brasil e o Chile. Revista de Sociologia e Política, n. 24, pp. 217-231.; Hirst, 1998HIRST, Mónica. 1998. Security policies, democratization, and regional integration in the Southern Cone. In: DOMÍNGUEZ, J. I. (Ed.). Security & democracy: Latin America and the Caribbean in the post-Cold War era. Pittsburgh: University of Pittsburgh. pp. 102-118.; Rudzit, 2003RUDZIT, Gunther. 2003. Segurança nacional e segurança cooperativa no contexto brasileiro contemporâneo de defesa. Tese de Doutorado em Ciência Política. São Paulo: USP.). Mas esse quadro de “paz negativa” - valendo-nos do conceito galtungiano, de ausência de conflito violento manifesto ou direto, leia-se guerra, uma vez que a “violência estrutural”5 5 A violência estrutural se concretiza precisamente na negação das necessidades. Trata-se de um tipo de violência indireta, impessoal, pois não há apenas um autor identificável como perpetrador, já que essa forma de agressão ocorre via de regra por meio do sistema socioeconômico (Galtung, 1996). é uma constante nas sociedades latino-americanas - seria ameaçado pela eclosão do conflito armado que opôs as Forças Armadas do Equador e do Peru em 1995. O presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) atuou rápida e decididamente na apresentação de uma proposta de cessar-fogo e assim nasceu a Missão de Observadores Militares Equador-Peru (MOMEP), com a participação de Argentina, Brasil, Chile e EUA como países garantes.6 6 A cerimônia de assinatura do acordo global de paz entre o Equador e o Peru, realizada em Brasília em 26 de outubro de 1998, eliminou o último importante conflito territorial com potencial desestabilizante na América do Sul (Biato, 1999).

Como desdobramento desta crescente comunicação Brasília-Buenos Aires na área militar, após 1995 assistimos ao incremento de exercícios combinados envolvendo as duas nações (seja sob a forma de Forças Singulares ou de emprego conjunto) que se mantêm até os dias atuais - muitas vezes com convites extensivos aos demais países do Cone Sul.7 7 Essas atividades, que estimulam os laços do que se convencionou chamar “diplomacia militar”, visam reduzir tensões entre os participantes, fortalecer um ambiente de paz e aumentar a confiança mútua, além de eventualmente dissuadir possíveis aventureiros extrarregionais. Posteriormente, em 1997, os presidentes FHC e Carlos Menem institucionalizaram o conceito de “aliança estratégica” por meio da Declaração do Rio de Janeiro, que criou o Mecanismo Permanente de Consulta e Coordenação Bilateral em Matéria de Defesa e Segurança Internacional, dando início ao Processo de Itaipava, que por seu turno desembocou no Mecanismo de Consulta entre Estados-Maiores.

Mas não só êxitos caracterizam este período. Se, por um lado, conseguiu-se resistir ao canto da sereia yankee de que no pós-Guerra Fria as Forças Armadas deviam ser alistadas contra as “novas ameaças” na ausência das ameaças tradicionais, deslocando as ameaças “de” fronteira para ameaças “na” fronteira, por outro, iniciativas como o status de major non-NATO ally (aliado preferencial extra-OTAN) alcançado pela Argentina em 1998 e a frustrada tentativa em 1999 de se tornar full member da Aliança Atlântica causaram mal-estar e fizeram acender a luz amarela em Brasília. Em paralelo, havia ainda a aberta oposição ao pleito brasileiro em vir a se tornar membro permanente em uma eventual reconfigu­ração do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. De todo modo, esses não foram eventos que chegaram a turvar a relação bilateral e, ainda que o Brasil não tenha militado pela promoção de arranjos específicos na área de segurança regional ou sub-regional, o balanço de uma década de existência do Mercosul é positivo, em especial quando cotejado com décadas anteriores, não obstante a persistência do padrão dicotômico Pacífico (arco de instabilidade/subcomplexo norte-andino) versus Atlântico (arco de estabilidade/subcomplexo do Cone Sul) e a indefinição de uma agenda pública mais consistente.

Ao longo da segunda década do Mercosul a região seria sacudida pela emergência de governos nacionais progressistas ou à esquerda - fenômeno que ficou conhecido como “onda rosa”, ainda que caracterizado por uma não desprezível heterogeneidade -, por importantes alterações na agenda internacional pós-11 de setembro, por crescentes reveses em diversos campos e por um declínio relativo dos Estados Unidos no sistema internacional, bem como pela retomada russa e pelo espetacular crescimento chinês e seu desembarque por estas paragens, acabando por instaurar um novo quadro completamente distinto do que tivemos por décadas. Foi neste brevíssimo novo contexto geopolítico aqui descrito que se assistiu ao relançamento do Mercosul, em especial “para além do econômico”, como frequentemente destacado pelos novos líderes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner. Mas antes de avançarmos, é importante frisar que tal retórica teve imensas dificuldades práticas, dadas as diferentes percepções acerca da construção do Mercosul, com foco no campo econômico e comercial ou no campo político e social.

Ainda que o ponto alto ao longo do seu segundo decênio de existência no tocante a segurança regional tenha sido a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), o Mercosul - inclusive na sua forma ampliada com Estados associados - lançou as bases para entendimentos prévios que desaguariam na pactuação de uma nova estrutura institucional em dezembro de 2008.8 8 Nesse período, para além da cooperação Brasil-Argentina, que caminhava satisfatoriamente, tivemos iniciativas brasileiras de Acordos Bilaterais-Quadro com Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela, além dos Acordos-Quadro de segurança regional assinados pelo Mercosul com Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. Apenas Guiana e Suriname, inexpressivos militarmente, ficaram de fora. Assim, em 2002 era aprovada a Declaração da América do Sul como Zona de Paz e Cooperação, que proibia a ameaça ou o uso de força entre os países da região, bem como o armazenamento, desenvolvimento, fabricação, posse, emprego, experimento e utilização de armas de destruição em massa, entre outros pontos. Em 2003, eram inauguradas as Reuniões de Ministros da Defesa da América do Sul. Em 2005, era assinado o Acordo-Quadro sobre Cooperação em Matéria de Defesa, contemplando Brasil e Argentina, e pelo qual o vizinho platino e o Chile acertavam definitivamente 23 pontos de questões fronteiriças pendentes e lançavam a Fuerza de Paz Binacional “Cruz del Sur”, entre outras iniciativas de fomento à confiança mútua.

O Brasil, potência regional com interesses globais, valer-se-ia da proposta do CDS - um dos doze conselhos no interior do bloco-multipropósito UNASUL - para instrumentalizar seus interesses no tocante à segurança regional. Na verdade, apesar de distintos, Mercosul e UNASUL não se contradizem necessariamente e, nessa direção, a instauração do último deslocou as questões de segurança de um âmbito sub-regional para uma dimensão ampliada, subcontinental. Do ponto de vista brasileiro, acelerar a conformação deste arranjo visava evitar ou frear: (1) o transbordamento das chamadas “novas ameaças” a outros países, como o narcotráfico colombiano para o Brasil e a contenda envolvendo Colômbia, Equador e Venezuela pela morte de Raúl Reyes; (2) conflitos sub-regionais, como os contenciosos envolvendo Peru e Equador, Bolívia e Chile, entre outros; (3) movimentos autóctones que poderiam difundir um sentimento separatista, como ilustram Bolívia e Paraguai; (4) os ímpetos bolivarianos na região, sobretudo via Venezuela ou países integrantes da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA); (5) uma corrida armamentista na região (o que motivou a adoção crescente de medidas de confiança mútua); e (6) a materialização de uma política estratégica de segurança hemisférica definida a partir dos EUA para o subcontinente. Por outro lado, o arranjo visava: (1) solidificar o Atlântico Sul como área de paz, livre de armas nucleares, e vital para a projeção de poder do Brasil, não se permitindo a presença de potências extrarregionais (como o Reino Unido na questão Malvinas/Falklands); (2) rearticular a Base Industrial de Defesa (BID) com a América do Sul enquanto espaço primeiro para a colocação de seus produtos; e (3) concretizar os objetivos estratégicos da política externa brasileira de consolidação de um processo de integração sul-americano (Fuccille, 2019FUCCILLE, Alexandre. 2019. A vacilante atuação brasileira na integração regional: o (o)caso do Conselho de Defesa Sul-Americano. Agenda Política, v. 7, n. 1, pp. 62-85.).

Para além do grande interesse do Brasil, autor da iniciativa de criação do Conselho de Defesa Sul-Americano, idiossincrasias locais, regionais e extrarregionais parecem ter dado alento à concretização desse arranjo. Em um breve périplo pelo subcontinente percebemos que o CDS poderia vir a cumprir diferentes desígnios, com todos os países-membros tendo eventualmente algo a ganhar. Para a Argentina, interessava aglutinar novos atores ao pleito de que “as Ilhas Malvinas são argentinas”, com todos os desdobramentos que esta questão encerra. Para o Paraguai, acossado por problemas internos que culminaram no surgimento do grupo guerrilheiro Exército do Povo Paraguaio (EPP), era importante sensibilizar os vizinhos ante o novo problema. Para a Venezuela, ainda que aquém do modelo de aliança militar desejado pelo comandante Chávez, o CDS era visto como um importante instrumento para evitar o encapsulamento ou até mesmo uma ação direta por parte dos EUA. Aos outros bolivarianos da região, Bolívia e Equador, interessava buscar garantias ante ações desestabilizadoras como a que se passou com e após o episódio de Angostura. Para a Colômbia, ainda que reticente a princípio e temendo o isolamento, o Conselho era a possibilidade de maior comprometimento e compreensão dos países vizinhos com o flagelo do conflito vivido internamente. Peru e Chile, por sua vez, com preparo e capacidade militar bastante distintos, buscavam reforçar a solução dos litígios por vias diplomáticas e eventualmente por meio de tribunais internacionais. Ao norte, Guiana e Suriname enxergavam uma possibilidade para aprofundar sua “sulamericanização” (em contraste com a histórica vocação caribenha). E, finalmente, com o CDS o Uruguai conseguia superar suas ressalvas a uma preocupante colaboração militar mercosulina entre Brasil e Argentina, que causava grande desconforto em Montevidéu. Enfim, por diferentes leituras e compreensões, parecia que o CDS não seria o tipo de estrutura que tolheria ou dificultaria o exercício das soberanias nacionais na América do Sul, e os países concordavam quanto à oportunidade e à conveniência da iniciativa.

Nos seus anos iniciais, o CDS aparecia como um importante espaço de concertação onde, a despeito das idiossincrasias regionais/ideológicas entre a Comunidade Andina (CAN), o Mercosul, ou ainda a ALBA, importantes avanços vinham sendo registrados, como a definição de Planos de Ação comuns na temática de segurança e defesa, a ampliação das Confidence Building Measures (CBMs), a criação do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa (CEED) em Buenos Aires, a construção de uma metodologia comum de medição dos gastos em defesa e um importante intercâmbio em matéria de formação e capacitação militar, entre outros. Ademais, o conselho se apresentava como um mecanismo célere ante outros hemisféricos (Organização dos Estados Americanos, Junta Interamericana de Defesa etc.), trazendo suas digitais claramente e permitindo lançar luz sobre problemas de segurança invariavelmente complexos de uma ótica de quem os vivia. Todavia, desafios permaneciam, e a transição de uma modelo tradicionalmente alicerçado na segurança coletiva para um de novo tipo, assentado na segurança cooperativa, seguia como desafio.9 9 A ideia de “segurança coletiva” difundida por meio do sistema onusiano diz respeito a uma série de práticas institucionalizadas pelas quais os Estados-membros acordam, via tratado, reagir de forma coletiva a qualquer ato de agressão ou outra forma ilegal de recurso à força. Já a “segurança cooperativa” é mais comumente entendida - na ausência de um léxico universalmente aceito - como forma (vertebrada pela cooperação) pela qual se busca, precipuamente, criar condições de segurança alicerçadas na estabilidade da confiança mútua, na regulação da capacidade militar e na previsibilidade das ações dos atores envolvidos.

No entanto, ainda que muitas tratativas tenham avançado no espaço sul-americano, isso não pode eclipsar as dificuldades que se seguiam no plano sub-regional, sendo o episódio da “crise das papeleras” entre Argentina e Uruguai o mais emblemático neste sentido. Naquela oportunidade, a crise terminou em arbitragem numa corte europeia, evidenciando as debilidades e vazios institucionais do Mercosul, incapaz de resolver um contencioso local.10 10 Por vezes chamado de “guerra das papeleras”, o episódio envolvendo o litígio sobre a construção de fábricas de pasta de celulose às margens do rio Uruguai foi o mais sério conflito diplomático envolvendo Buenos Aires e Montevidéu nas últimas décadas. A solução, após a infrutífera mediação pelo Sistema de Solução de Controvérsias do Mercosul, foi arbitrada pela Corte Internacional de Justiça de Haia.

Na entrada da terceira década de existência do Mercosul, muitas iniciativas do CDS da UNASUL (recordando que neste momento a cooperação em segurança havia se deslocado do nível sub-regional para o regional) passavam a ganhar musculatura, estruturando uma cooperação vista com desconfiança por muitos atores, entre eles os militares brasileiros. Entre as críticas mais comuns, era comum ouvir de oficiais-generais, off the record, que se tratava de um projeto extravagante, fruto de devaneios de um governo esquerdista, que não encontrava correspondência na realidade. Resumidamente: uma política de governo, e não uma política de Estado, que não sobreviveria à alternância de poder. A despeito de tais considerações, é necessário analisar este período em dois lustros.

No primeiro deles, os avanços se seguiam, e o anúncio de criação da Escola Sul-Americana de Defesa (ESUDE) em Quito foi o zênite desse processo, com uma dimensão simbólica clara. Nessa linha, ainda que uma identidade estratégica comum sul-americana seguisse como promessa não concretizada, a não publicização de conceitos como “segurança multidimensional” nos documentos do órgão era um avanço importante. O que se percebia era um esforço em separar as políticas de defesa dos assuntos de segurança pública, mesmo que, grosso modo, o papel das Forças Armadas seguisse inalterado. Apropriadamente, temas complexos e que não devem ser afeitos à defesa nacional, como emprego dos militares na segurança pública, no combate ao narcotráfico e em outras tarefas de polícia, vinham ficando de fora das atribuições do Conselho de Defesa Sul-Americano, em que pese este não explicitar defesa contra quem ou o quê.

Já o segundo lustro (correspondente, aproximadamente, ao período de 2016 a 2020) merece mais atenção pelas ações desestruturantes que se seguiram. Tanto o presidente Maurício Macri, desde sua posse em dezembro de 2015, quanto o presidente Michel Temer, empossado em maio de 2016, vinham falando em relançar suas políticas externas em novas bases, o que afetava diretamente as possibilidades e expectativas com respeito à cooperação em segurança e defesa, tendo em vista se tratar dos presidentes dos dois maiores países do subcontinente. Sem presidência pro tempore e sem secretário-geral nos últimos anos, o esvaziamento institucional da UNASUL - além dos vários países que já denunciaram seu Tratado Constitutivo - pode ser ilustrado em razão de os últimos planos de ação do CDS publicizados terem sido os de 2015, 2016 e 2017.11 11 Os planos de ação normalmente eram lançados no fim de cada ano, para ter validade no exercício seguinte, mas desde 2017 não são mais publicados. Ou seja, há mais de quatro anos o CDS vem, na prática, sendo sistematicamente “desidratado”. É importante também frisar que nos anos finais de atuação do CDS assistia-se a uma crescente militarização da participação governamental em diferentes âmbitos e estruturas, o que aponta para o problema histórico do débil (quando não ausente) controle civil democrático sobre os membros da caserna. Vale recordar que, sob os governos petistas, a Estratégia Nacional de Defesa (END) e o CDS se conectavam à política exterior do país. Tanto o documento como o órgão regional de defesa se ligavam à busca brasileira por alargar a articulação sul-americana e incorporar a região na discussão interna em torno dos planos de desenvolvimento nacional do Brasil, a despeito dos resultados estarem distantes do inicialmente delineado.

Com a disruptiva eleição de Jair Bolsonaro, desde 2019 temos visto um forte alinhamento com os EUA e total abandono e desmonte de iniciativas regionais como o Mercosul e a UNASUL. No início do segundo semestre de 2020, o Brasil era designado aliado preferencial extra-OTAN pela grande potência do Norte, e o Palácio do Planalto anunciava a novidade com regozijo, tendo no semestre anterior formalizado sua saída da UNASUL e aderido ao Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul (PROSUL). Pelo lado argentino, se na primeira década deste século nosso vizinho se valia do México e da Venezuela, tentando balancear possíveis aspirações hegemônicas do gigante verde-amarelo, hoje é a forte presença da segunda economia do planeta que tem deslocado a importância e relevo crescente que o Brasil havia ganho nos últimos anos (esta parceria na imprensa platense já é designada pelo neologismo “ArgenChina”). Somam-se a esse quadro nada auspicioso as abertas hostilidades do mandatário brasileiro e sua equipe com nosso principal vizinho, as declarações pejorativas acerca do Mercosul e o fato de o primeiro contato com Alberto Fernández, presidente da Argentina, ter tardado um ano (algo inédito desde a redemocratização de ambos os países na década de 1980, denotando o atual baixo nível das relações bilaterais). Na prática, o Brasil tem atuado como um ator desestabilizador na região e, em virtude de seu comportamento, a primazia por protagonismo tem mantido acesa a chama de rivais velados entre Brasil e Argentina, ainda que não antagonistas, como no passado. Embora a estabilidade e a segurança no plano mercosulino estejam melhores que nos primórdios do bloco, estamos bastante distantes dos avanços que tivemos há não muito tempo atrás.

Considerações finais

Ao apresentar o desenvolvimento das agendas de proteção democrática e segurança regional ao longo dos trinta anos de existência do Mercosul, este artigo buscou destacar - em oposição à literatura tradicional, que vem des­tacando a noção de regionalismo aberto - que o bloco, desde sua fundação, sempre se apresentou como iniciativa que busca ir além da agenda de liberalização comercial. O trabalho apresentou um debate triangular entre o processo de integração do Mercosul, a defesa da democracia e a estabilidade regional. A hipótese sustentada é a de que o processo de integração regional do Mercosul, além de levar à liberalização comercial, favoreceu a manutenção do sistema democrático nos países-membros, contribuindo para a estabilidade regional e a redução de rivalidades regionais.

Inicialmente, o artigo realizou uma discussão teórica que sustenta a sinergia entre as duas esferas, integração e democracia. Para os teóricos explorados, o sistema democrático seria o mais adequado para garantir a evolução do processo regional, visto que esse engloba interesses e valores de toda a sociedade envolvida. A participação dos diferentes segmentos que constituem uma sociedade é fundamental para o desenvolvimento de um processo amplo, abrangente e aprofundado em suas etapas.

Por um lado, os documentos fundacionais do bloco já apresentavam a democracia como precondição para a integração do Mercosul, aspecto reforçado ao longo dos anos pelos sucessivos compromissos assinados pelos Estados-membros e associados (Protocolos de Ushuaia I e II). Ademais, em momentos de instabilidade democrática regional, os países do Mercosul reafirmaram sua preocupação com a democracia na região ao rejeitar tentativas de afastamentos inconstitucionais como os observados no Paraguai. Em 1998, perante a tentativa de golpe político, o próprio Paraguai valeu-se do Protocolo de Ushuaia, que garante a cláusula democrática no Mercosul para garantir a estabilidade doméstica. O documento determina o regime democrático como condição para permanência no bloco mercosulino. Portanto, nesse caso, o processo de integração regional foi fundamental para a manutenção da democracia no Estado paraguaio.

Mais recentemente, a deterioração da democracia na Venezuela levou os demais países do bloco a novamente suspender um Estado-membro ao acionar a cláusula democrática, o que infelizmente não gerou, até o momento, o retorno da democracia ao país. Além disso, a instabilidade política gerada pelo processo de impeachment sofrido por Dilma Rousseff no Brasil evidenciaram os limites do Mercosul na agenda de proteção democrática quando a estabilidade política do maior país do bloco é posta em xeque.

Por outro lado, com a desaparição prática da UNASUL, voltamos ao status quo ante do Mercosul, quando questões de segurança e defesa sequer eram pautadas. Todavia, apesar das fragilidades estruturais, os claudicantes avanços do Mercosul permitiram seu transbordamento para outras áreas. Finalmente, vale frisar que não só a estabilidade é colocada em xeque a partir de atitudes inamistosas gratuitas, mas também a segurança regional pouco avança (por vezes até mesmo retrocedendo) quando o Brasil, a despeito de seu tamanho e peso, prefere bilateralizar as relações na ampla área de segurança para não ver eventualmente diluída sua influência num processo em que seu peso formal seria semelhante ao de outros atores. Concretamente, os resultados não permitem divisar que esta tenha sido a melhor nem a mais acertada opção.

Em suma, este trabalho buscou reforçar que o Mercosul, ao longo de seus trinta anos, sempre se apresentou como projeto de integração para além da agenda comercial, trazendo importantes contribuições nos campos da estabilização democrática e da segurança regional. Contudo, os desdobramentos políticos dos últimos anos mostram que as perspectivas para aprofundar a integração têm se reduzido em ambas as agendas, haja vista a recente instabilidade política no Brasil e na Venezuela, bem como a falta de diálogo diplomático entre os principais países do bloco, Argentina e Brasil. No entanto, apesar da ausência de um prognóstico otimista, existe a expectativa de que o Mercosul siga facilitando a cooperação na América do Sul e se mantenha como a principal iniciativa regional para seus Estados-membros.

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  • 1
    Para detalhes sobre o TIAR, ver Fuccille (2018)FUCCILLE, Alexandre. 2018. Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR). In: SAINT-PIERRE, Héctor Luis; VITELLI, Marina Gisela (org.). Dicionário de segurança e defesa. São Paulo: Editora Unesp; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. pp. 1005-1008..
  • 2
    Miyamoto (1987MIYAMOTO, Shiguenoli. 1987. Atlântico Sul: zona de paz e de cooperação? Lua Nova, v. 3, n. 3, pp. 20-23., p. 20) afirma que isso se devia ao fato de os EUA se oporem a qualquer forma de limitação de emprego de suas forças, adotando a política de poder das grandes potências, não obstante o foro prever apenas o caráter recomendatório.
  • 3
    O documento seminal, conhecido como Declaração de Foz do Iguaçu sobre Políticas de Salvaguardas Nucleares, havia sido assinado em 28 de novembro de 1990. Quando a ABACC completou seu Jubileu de Prata em 2016, o secretário da agência destacou que até então mais de 2.500 inspeções haviam sido reali­zadas coordenadamente pela agência bilateral e a Agência Internacional de Energia Atômica (Declaração…, 2016DECLARAÇÃO do Secretário da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), durante a 60ª Conferência Geral da AIEA. 2016. Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares, Rio de Janeiro, 29 ago. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3d1j4ur . Acesso em: 8 abr. 2021.
    https://bit.ly/3d1j4ur...
    ).
  • 4
    A comunidade de segurança consiste em um conjunto de instituições e práticas capazes de assegurar mudanças pacíficas em uma comunidade política para que a ocorrência de conflitos seja mínima (Deutsch, 1968DEUTSCH, Karl W. 1968. The impact of communications upon international relations theory. In: SAID, Abdul (ed.). Theory of international relations: the crisis of relevance. Englewood Cliffs: Prentice-Hall. pp. 78-131.).
  • 5
    A violência estrutural se concretiza precisamente na negação das necessidades. Trata-se de um tipo de violência indireta, impessoal, pois não há apenas um autor identificável como perpetrador, já que essa forma de agressão ocorre via de regra por meio do sistema socioeconômico (Galtung, 1996GALTUNG, Johan. 1996. Peace by peaceful means: peace and conflict, development and civilization. London: SAGE Publications.).
  • 6
    A cerimônia de assinatura do acordo global de paz entre o Equador e o Peru, realizada em Brasília em 26 de outubro de 1998, eliminou o último importante conflito territorial com potencial desestabilizante na América do Sul (Biato, 1999BIATO, Marcel. 1999. O processo de paz Peru-Equador. Parcerias Estratégicas, n. 6, pp. 241-247.).
  • 7
    Essas atividades, que estimulam os laços do que se convencionou chamar “diplomacia militar”, visam reduzir tensões entre os participantes, fortalecer um ambiente de paz e aumentar a confiança mútua, além de eventualmente dissuadir possíveis aventureiros extrarregionais.
  • 8
    Nesse período, para além da cooperação Brasil-Argentina, que caminhava satisfatoriamente, tivemos iniciativas brasileiras de Acordos Bilaterais-Quadro com Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela, além dos Acordos-Quadro de segurança regional assinados pelo Mercosul com Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. Apenas Guiana e Suriname, inexpressivos militarmente, ficaram de fora.
  • 9
    A ideia de “segurança coletiva” difundida por meio do sistema onusiano diz respeito a uma série de práticas institucionalizadas pelas quais os Estados-membros acordam, via tratado, reagir de forma coletiva a qualquer ato de agressão ou outra forma ilegal de recurso à força. Já a “segurança cooperativa” é mais comumente entendida - na ausência de um léxico universalmente aceito - como forma (vertebrada pela cooperação) pela qual se busca, precipuamente, criar condições de segurança alicerçadas na estabilidade da confiança mútua, na regulação da capacidade militar e na previsibilidade das ações dos atores envolvidos.
  • 10
    Por vezes chamado de “guerra das papeleras”, o episódio envolvendo o litígio sobre a construção de fábricas de pasta de celulose às margens do rio Uruguai foi o mais sério conflito diplomático envolvendo Buenos Aires e Montevidéu nas últimas décadas. A solução, após a infrutífera mediação pelo Sistema de Solução de Controvérsias do Mercosul, foi arbitrada pela Corte Internacional de Justiça de Haia.
  • 11
    Os planos de ação normalmente eram lançados no fim de cada ano, para ter validade no exercício seguinte, mas desde 2017 não são mais publicados. Ou seja, há mais de quatro anos o CDS vem, na prática, sendo sistematicamente “desidratado”. É importante também frisar que nos anos finais de atuação do CDS assistia-se a uma crescente militarização da participação governamental em diferentes âmbitos e estruturas, o que aponta para o problema histórico do débil (quando não ausente) controle civil democrático sobre os membros da caserna.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2021
  • Aceito
    25 Mar 2021
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