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SEGURANÇA PÚBLICA E POLICIAMENTO: NOVAS ABORDAGENS

No Brasil, como na maioria das cidades latino-americanas, “os cidadãos aprendem desde cedo a temer a polícia tanto quanto os criminosos” (Chevigny, 1995CHEVIGNY, P. 1995. Edge of the Knife: Police Violence in the Americas. New York: The New Press., p. 15). Nossa experiência cotidiana mostra que os agentes públicos responsáveis pelo policiamento podem também se tornar transgressores da lei e os dados estatísticos provam que centenas de mortes são atribuídas anualmente a policiais em grandes cidades, como São Paulo ou Rio de Janeiro. Os números da corrupção são igualmente alarmantes, de modo que se corrobora o que vários pesquisadores já afirmaram, que “a polícia é uma ocupação de alto risco para a corrupção” (Prenzler, 2000PRENZLER, Tim. 2000. Civilian Oversight of Police: A Test of Capture Theory. British Journal of Criminology. v. 40, n. 4, pp. 659-674. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3ruV88L . Acesso em: 19 jan. 2022.
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, p. 663), e “estudar a história da polícia é estudar os desvios, a corrupção e as más condutas da polícia” (Kappeler, Sluder e Alpert, 1994KAPPELER, Victor; SLUDER, Richard; ALPERT, Geoffrey. 1994. Forces of Deviance: Understanding the Dark Side of Policing. Prospect Heights: Waveland., p. 28). Nesse contexto, é legítimo perguntar se, ao sermos abordados pela polícia, “o Estado vai nos trazer de volta” (Tanner, 2000TANNER, Murray Scot. 2000. Will the State Bring You Back In? Policing and Democratization. Comparative Politics, v. 33, n. 1, pp. 101-124. DOI: 10.2307/422426
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, p. 101), num trocadilho com o título do já clássico livro sobre a abordagem neoinstitucionalista Bringing the State Back In (Evans, Rueschemeyer e Skocpol, 1985EVANS, Peter; RUESCHEMEYER, Dietrich; SKOCPOL, Theda. 1985. Bringing the State Back In. Cambridge: Cambridge University Press.).

Para entender as contribuições das pesquisas recentes sobre o assunto, trazemos neste número de Lua Nova o dossiê “A segurança em mutação: concepções, práticas e experiências no século XXI”, organizado por Cleber Lopes (UEL) e Eduardo Paes-Machado (UFBA). No artigo de apresentação ao dossiê, os organizadores chamam a atenção para o caráter escorregadio e controverso da noção de segurança e propõem abordar a questão a partir da análise de fenômenos relacionados à “pluralização do policiamento” da forma como acontece no Brasil. No artigo que abre o dossiê, “Failure to impose control: private security and the mexican state”, Logan Puck analisa um dos principais desafios colocados pelo policiamento: o de controlar e dirigir o setor comercial de segurança privada em países onde as agências regulatórias são fracas ou inoperantes, como é o caso do Brasil e dos países da América Latina e da África. Em seguida, Gabriel Patriarca investiga, no artigo “A âncora da segurança: centralidades e capitais na rede de segurança do porto de Santos”, as posições ocupadas por atores estatais e não estatais em redes de provisão de segurança, a partir de uma pesquisa desenvolvida no porto de Santos. No terceiro artigo do dossiê, “Transnational policing field: the relations between the drug enforcement administration (DEA) and the Brazilian Federal Police (PF)”, Priscila Villela busca compreender as relações entre a DEA e a PF no combate ao tráfico internacional de drogas, que se desenvolveram de maneira relativamente autônoma e paralela às relações governamentais, a partir do conceito de policiamento transnacional, ainda pouco discutido por pesquisadores brasileiros. Em seguida, Susana Durão, Erika Robb Larkins e Carolina Andrei Fischmann, abordam no artigo “Securing the shopping: everyday hospitality security practices in São Paulo” as práticas de segurança em shopping centers em São Paulo de modo a criar um mundo seguro e limpo para os clientes, distinguindo-se de uma paisagem urbana que é vista como violenta, perigosa e povoada de criminosos. Por fim, para fechar o dossiê, Alcides Eduardo dos Reis Peron e Marcos César Alvarez argumentam no artigo “O governo da segurança: modelos securitários transnacionais e tecnologias de vigilância na cidade de São Paulo” que a segurança pública em São Paulo tem sido impactada por discursos associados à noção de smart city, que se traduz pela introdução de sistemas de câmeras de vigilância compartilhadas por empresas privadas e o governo municipal.

Ainda trazemos três artigos avulsos. Em “Caliban ou Canibal?”, Bernardo Ricupero procura entender como se forma depois da Revolução Cubana uma certa ideia da América Latina, num processo ainda pouco estudado de circulação de ideias entre países periféricos. No artigo seguinte, “Decifrar a esfinge: figuração e escritura em Clarice Lispector”, Fernando Antonio Pinheiro Filho busca desvelar o sentido da aura de mistério que envolve Clarice Lispector a partir da análise de suas crônicas publicadas na grande imprensa e argumenta que esse afastamento da representação mais canônica do escritor contribuiu para a conquista de certo tipo de autonomia na literatura que produziu em sua fase final. Por fim, no artigo “Teoria sociológica e cidadania: velhos e novos desafios da sociologia política”, Fernando Cardoso Lima Neto oferece um panorama sobre as inflexões teóricas mais recentes da sociologia política sobre a noção de cidadania.

Todos os nove artigos foram enviados por seus autores ao sistema de submissão da SciELO e receberam uma avaliação positiva dos nossos pareceristas, aos quais muito agradecemos.

Bibliografia

  • CHEVIGNY, P. 1995. Edge of the Knife: Police Violence in the Americas. New York: The New Press.
  • EVANS, Peter; RUESCHEMEYER, Dietrich; SKOCPOL, Theda. 1985. Bringing the State Back In. Cambridge: Cambridge University Press.
  • KAPPELER, Victor; SLUDER, Richard; ALPERT, Geoffrey. 1994. Forces of Deviance: Understanding the Dark Side of Policing. Prospect Heights: Waveland.
  • PRENZLER, Tim. 2000. Civilian Oversight of Police: A Test of Capture Theory. British Journal of Criminology. v. 40, n. 4, pp. 659-674. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3ruV88L Acesso em: 19 jan. 2022.
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  • TANNER, Murray Scot. 2000. Will the State Bring You Back In? Policing and Democratization. Comparative Politics, v. 33, n. 1, pp. 101-124. DOI: 10.2307/422426
    » https://doi.org/10.2307/422426

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021
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