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PENSAMENTO SOCIAL E INSTITUIÇÕES

Em um número anterior de Lua Nova, que trazia um dossiê sobre “pensamento social brasileiro”, organizado por Lilia Moritz Schwarcz e André Botelho, era ressaltado o alargamento da temática, resultado da multidisciplinariedade que as pesquisas haviam adquirido até então:

Observa-se, assim, o próprio alargamento da noção de “pensamento social”, operado, em parte, pelo caráter multidisciplinar da área de pesquisa, que compreende não apenas as três disciplinas básicas das ciências sociais - a antropologia, a ciência política e a sociologia -, como ainda a história, a teoria literária e a filosofia política, entre outras disciplinas. E um dos principais efeitos dessa orientação recente, e mais flexível e ampla, tem sido o de reverter a imagem, algo difundida no passado não tão remoto das ciências sociais brasileiras, que via a pesquisa em torno do pensamento social como um tipo de conhecimento antiquário, sem maior significação para a sociedade e para as ciências sociais contemporâneas. (Schwarcz e Botelho, 2011SCHWARCZ, Lilia Moritz; BOTELHO, André. 2011. Pensamento Social Brasileiro, um campo vasto ganhando forma. Lua Nova, n. 82, pp. 11-16. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3s7X8F0 . Acesso em: 3 maio 2022.
https://bit.ly/3s7X8F0...
, p. 11-12)

O número que ora se apresenta de Lua Nova é a demonstração cabal dessa constatação pois há uma linha de continuidade que pode ser vislumbrada nos artigos apresentados, sejam eles mais diretamente filiados a áreas que reivindicam seu espaço próprio como o pensamento social brasileiro, a política penal, a crítica literária, a sociologia do inconsciente e das mídias digitais, a regulação constitucional do direito de propriedade e da reforma agrária, a teoria democrática e a democracia deliberativa, ou ainda o sistema penal internacional. Mesmo que o ponto de partida de cada artigo seja tributário de tradições intelectuais e metodológicas específicas, o que moveu seus autores é a necessidade de alargar a compreensão do mundo. Trata-se do que Charles Wright Mills propunha na década de 1950 e que, hoje, conhecemos como a imaginação sociológica:

O que precisam, e o que sentem precisar, é uma qualidade de espírito que lhes ajude a usar a informação e a desenvolver a razão, a fim de perceber, com lucidez, o que está ocorrendo no mundo e o que pode estar acontecendo dentro deles mesmos. (Wright Mills, 1959WRIGHT MILLS, Charles. 1959. A Imaginação Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar., p. 11)

Para Wright Mills, o sentido das ciências sociais consistia no diálogo entre as abordagens literárias e científicas. Essa era, para ele, a promessa da sociologia.

Este número de Lua Nova se inicia com o artigo de Carmem Felgueiras, “Paulo Prado: desordem, desmesura e descontrole na formação do Brasil”, no qual a autora investiga, a partir da análise das obras Retrato do Brasil e Paulística, de que forma essa tríade influenciou decisivamente a formação histórica da sociedade brasileira. Para a autora o texto de Paulo Prado é radical na crítica dos temas caros ao conservadorismo e evidencia as dificuldades de constituição de uma ordem social moderna no país.

Em seguida, no artigo “Saúde, desenvolvimento e interpretações do Brasil: uma análise da perspectiva sociológica de Carlos Alberto de Medina”, passamos para uma reflexão feita por Carolina Arouca Gomes de Brito e Thiago da Costa Lopes sobre o modo como as perspectivas sociológicas contribuíram para a reflexão acerca das relações entre saúde, desenvolvimento e democracia na década de 1950, quando tanto o Brasil rural quanto o Brasil urbano estavam presos a uma mesma dinâmica sócio-histórica, autoritária e excludente, que remontaria ao latifúndio senhorial.

No terceiro artigo, intitulado “O Estado brasileiro vai ter quem manda dentro dos presídios: análise do discurso de senadores na votação da PEC da Polícia Penal”, Camila Caldeira Nunes Dias e Vanessa Ramos da Silva mostram que as assimetrias e desigualdades históricas e estruturais que atravessam a sociedade brasileira precisam ser levadas em conta para entender os argumentos dos senadores sobre a política penal, muito mais amparados pelo senso comum do que em pesquisas e dados.

No artigo seguinte, Ugo Urbano Casares Rivetti, nos oferece um estudo sobre Raymond Williams, que ele define como um escritor galês. De acordo com a sua argumentação, as raízes galesas de Williams é que explicam as suas atividades de crítico, romancista, intelectual socialista e militante político, pois os dilemas colocados por sua origem galesa nunca deixaram de estar presentes em seu horizonte.

No quinto artigo, intitulado “Ciberespaço e descentramento: a constituição subjetiva como questão de espaço e tempo”, Samira Feldman Marzochi analisa, a partir da abordagem pós-estruturalista e no quadro de uma sociologia do inconsciente, a constituição da subjetividade política mediada pelas tecnologias digitais.

Em seguida, Antonio Maués nos oferece, no artigo “Constituição e Desigualdade: Direito de Propriedade e Reforma Agrária no Brasil”, uma análise da regulação constitucional do direito de propriedade e da reforma agrária como um caso exemplar para a compreensão dos mecanismos pelos quais o sistema constitucional afeta a distribuição da riqueza no Brasil.

No sétimo artigo, “Democracia, legitimidade e justiça: um argumento sobre o diálogo interinstitucional”, Renato Francisquini investiga, à luz da teoria democrática, os procedimentos que asseguram a autoridade das decisões coletivas e argumenta em favor do método deliberativo para garantir o diálogo interinstitucional.

A tônica na justiça e nas instituições se mantém no oitavo artigo, intitulado “A dupla agência do Tribunal Penal Internacional e a resistência africana ao legado da colonialidade: a complexa relação entre os países africanos e o mecanismo internacional”, em que Marrielle Maia e Taynara Dias argumentam que a discussão sobre a colonialidade do direito ajuda a entender os conflitos surgidos pela reversão da postura dos países africanos que passaram de apoiadores da criação do Tribunal Penal Internacional para críticos dessa instituição.

Por fim, este número se encerra com um artigo de Daniela Costanzo e Rafael Marino, “Duas interpretações do Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico, de Fernando Henrique Cardoso”, em que os autores discutem a leitura da atuação política dos empresários industriais feita pelo autor em sua obra, ao mesmo tempo em que revelam como ele apreendeu as determinações específicas da burguesia nacional e seu comportamento político, sem decalques estrangeiros.

Todos os nove artigos foram enviados por seus autores ao sistema de submissão da SciELO e receberam uma avaliação positiva dos nossos pareceristas, aos quais muito agradecemos.

Bibliografia

  • SCHWARCZ, Lilia Moritz; BOTELHO, André. 2011. Pensamento Social Brasileiro, um campo vasto ganhando forma. Lua Nova, n. 82, pp. 11-16. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3s7X8F0 Acesso em: 3 maio 2022.
    » https://bit.ly/3s7X8F0
  • WRIGHT MILLS, Charles. 1959. A Imaginação Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022
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