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“O ESTADO BRASILEIRO VAI TER QUEM MANDA DENTRO DOS PRESÍDIOS”: ANÁLISE DO DISCURSO DE SENADORES NA VOTAÇÃO DA PEC DA POLÍCIA PENAL

“THE BRAZILIAN STATE WILL HAVE A BOSS INSIDE THE PRISONS”: DISCOURSE ANALYSIS OF SENATORS’ VOTE ON THE PENITENTIARY POLICE PROPOSAL

Resumo

Este artigo objetiva compreender os argumentos e as justificativas que estiveram na base dos discursos políticos que secundaram a criação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 14/2016, que transforma Agentes de Segurança Penitenciária (ASP) em policiais penais. Em termos metodológicos, optamos por selecionar os discursos dos parlamentares no âmbito do Senado Federal, produzindo a análise documental legislativa e o levantamento das justificativas para sua aprovação. Identificamos quatro principais argumentos: a profissionalização dos agentes; o porte de armas; a retomada do controle dos presídios pelo poder público; a resposta à “crise” do sistema prisional. Os discursos não foram calcados em pesquisas e dados, mas no senso comum e na ideia central do combate às facções, situando-se num processo de transformações globais no ideário sobre o controle do crime e a punição, marcados pelas assimetrias e desigualdades históricas e estruturais que atravessam a sociedade brasileira.

Palavras-chave:
Prisão; Agentes de Segurança Penitenciária; Populismo Penal; Polícia Penal; Facções

Abstract

The article sought to understand the arguments and reasoning that underlined the political speeches supporting the Constitutional Amendment Proposal (PEC) no. 14/2016, which transforms Penitentiary Security Agents (ASP) into police officers. The study selected speeches by parliamentarians in the Federal Senate during the vote, producing the legislative document analysis and a survey of justifications used for its approval. Four main arguments were identified: the agents’ professionalization; the possession of weapons; the reclaimed control of prisons by public authorities; and the response to the prison system “crisis.” These speeches were not grounded in research and data, but on common sense and the main idea of the ‘fight against factions,’ placing itself in a global transformation process of ideas about crime control and punishment, marked by the historical and structural asymmetries and inequalities that permeate Brazilian society.

Keywords:
Prison; Correctional Officers; Penal Populism; Penitentiary Police; Criminal Factions

Introdução

Conforme exposto no clássico Vigiar e Punir (Foucault, 1997FOUCAULT, Michel. 1997. Resumo dos cursos do Collège de France (1970-1982). Tradução Andréa Daher. Rio de Janeiro: Zahar.), entre o fim dos séculos XVIII e XIX, a prisão se tornou o instrumento técnico-corretivo mais relevante nas sociedades ocidentais e o método do aprisionamento se estabeleceu para exercer uma função social e um objetivo político. Como uma forma social, a prisão exerce com vigor a disciplina, a vigilância e a punição, fabricando uma categoria de indivíduos que ingressa no modus operandi determinado pelo sistema: os delinquentes. Na prisão não se busca corrigir os presos, mas os docilizar sempre, construindo uma população marginalizada que será usada como instrumento precípuo estatal de gestão de ilegalismos1 1 Noções sobre o ilegalismo podem ser encontradas nos livros A sociedade punitiva e Vigiar e Punir: nascimento da prisão, de Michel Foucault (2014b, 2015). A ideia de ilegalismo não foca na ação transgressora do indivíduo com relação às normas jurídicas, mas em uma certa “estratégia política que instrumentaliza a percepção social sobre a violência, visando, com isso, a criação de uma delinquência útil, legítima em última análise, que autoriza a adoção de expedientes jurídicos extraordinários, muitas vezes contrários à própria lei” (Ramos e Avila, 2019, p. 225). (Foucault, 1997FOUCAULT, Michel. 1997. Resumo dos cursos do Collège de France (1970-1982). Tradução Andréa Daher. Rio de Janeiro: Zahar.).

Corroborando com a perspectiva foucaultiana e aprofundando a reflexão sobre a compreensão dos aspectos culturais da punição, Garland (2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia.) constata que há, atualmente, uma opinião predominante de que a “prisão funciona” não para reabilitar o indivíduo, mas para garantir a sua neutralização e retribuição, essenciais à satisfação de demandas sociais repressivas de punição e políticas de segurança pública punitivistas (Garland, 2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia., p. 59). Assim, a prisão deixa de corresponder a um signo social de decadência para se tornar um pilar estrutural da sociedade contemporânea, cumprindo o objetivo para o qual foi criada, qual seja, o de encarcerar classes sociais específicas (Garland, 2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia.).

Se o chamado “previdenciarismo penal” que marcou o período de 1890 a 1970 foi caracterizado por uma atuação estatal mais ressocializadora e de valorização do conhecimento científico e técnico para a construção de políticas públicas, com a pretensão de identificar os motivos da delinquência e tratar os autores de crimes, sucedeu-se, a partir dos anos de 1970, a instauração de uma conjuntura2 2 A obra de Garland (2008) se debruça sobre as transformações ocorridas nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha do que ele chama de “previdenciarismo penal” para a ‘cultura do controle do crime e que corresponde, no campo da punição, à passagem da euforia política e econômica desenvolvimentista do pós-guerra, para as crises que colocarão em relevo as políticas neoliberais da década de 1970. A despeito do contexto do Norte Global, sua análise teve forte impacto nos estudos de outros países, incluindo o Brasil, a ponto de ser considerada “possivelmente como a mais importante matriz teórica dos estudos empíricos sobre o campo do controle do crime nas últimas duas décadas” (Fayet Jr. e Azevedo, 2020, p. 11). que implicou mudanças econômicas, sociais e culturais que, por sua vez, resultaram em alterações radicais das políticas de controle do crime e das concepções na base dos processos punitivos (Garland, 2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia.).

Admitindo-se que tais considerações de Garland (2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia.) também sejam aplicáveis em contextos histórico-sociais diferentes daqueles em que primitivamente foram concebidas, bem como em nossa margem latino-americana (Sozzo, 2020SOZZO, Máximo. 2020. Para além da cultura do controle? Porto Alegre: Aspas .; Zaffaroni, 1988ZAFFARONI, Eugenio Raúl. 1988. Criminología: aproximación desde un margen. Bogotá: Temis.), fatores como a notabilíssima e difusa incapacidade do Estado de assegurar o gozo mínimo de direitos fundamentais pelos cidadãos e o exponencial aumento do encarceramento nas últimas décadas reverberam na realidade das prisões nacionais e nos processos sociais correlatos.

Reconfigurações foram, então, produzidas, dentre as quais se destaca o surgimento de formas de organização de presos em grupos que se tornaram, mais tarde, as denominadas facções prisionais, como o Comando Vermelho (CV), no Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo.

Especialmente no caso do PCC, a hegemonia alcançada por tal facção no controle da massa carcerária paulista promoveu alterações nas dinâmicas interpessoais e de poder dentro dos presídios e a absoluta revelia da política criminal oficial estatal. Essa hegemonia atravessa, inclusive, os muros do cárcere para aos poucos se consolidar como mais um enorme foco de atuação repressiva oriunda das agências criminais, como objeto de discursos políticos e da opinião pública e como um dos principais desafios à concretização da segurança pública brasileira urbana do último século (Adorno e Salla, 2007ADORNO, Sérgio; SALLA, Fernando. 2007. Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC. Estudos Avançados, v. 21, n. 61, pp. 7-29.; Amorim, 2007AMORIM, Carlos. 2007. CV-PCC: a irmandade do crime. 8. ed. Rio de Janeiro: Record.; Biondi, 2010BIONDI, Karina. 2010. Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo: Terceiro Nome.; Dias, 2013DIAS, Camila Caldeira Nunes. 2013. PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva .; Feltran, 2018FELTRAN, Gabriel. 2018. Irmãos: uma história do PCC. São Paulo: Companhia das Letras.; Godoi, 2010GODOI, Rafael. 2010. Ao redor e através da prisão: cartografias do dispositivo carcerário contemporâneo. Dissertação de Mestrado em Sociologia. São Paulo: USP.; Manso e Dias, 2017MANSO, Bruno Paes; DIAS, Camila Nunes. 2017. PCC, sistema prisional e gestão do novo mundo do crime no Brasil. Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 11, n. 2, pp. 10-29.; Marques, 2010MARQUES, Adalton. J. 2010. Crime, proceder, convívio-seguro: um experimento antropológico a partir de relações entre ladrões. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social. São Paulo: USP.; Teixeira, 2009TEIXEIRA, Alessandra. 2009. Prisões da exceção: política penal e penitenciária no Brasil contemporâneo. Curitiba: Juruá.).

Mesmo diante dessas transformações sociopolíticas, o objetivo declarado da pena de prisão consiste na ressocialização do ofensor, objetivo esse que se foi incorporado explicitamente na legislação brasileira, como expresso no art. 10 da Lei de Execução Penal (LEP) nº 7.210 (Brasil, 1984BRASIL. 1984. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3hYf3bN . Acesso em: 29 mai. 2020.
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) e em instrumentos internacionais dos quais o Brasil é signatário. Com o intuito de situar as questões que serão analisadas adiante, importa assinalar como a práxis caminha em sentido diferente ao da legislação oficial quanto ao papel do Estado seja na estrutura ou no funcionamento das instituições prisionais. Em especial na função, carreira e atividade realizada pelos servidores públicos do sistema prisional, em particular, dos agentes penitenciários, podemos observar muitas das ambiguidades que estruturam o ideário da prisão.

Nesta análise optamos por destacar a carreira dos Agentes de Segurança Penitenciária (ASP)3 3 Para falar desse grupo de trabalhadores, neste artigo utilizaremos as nomenclaturas: Agentes de Segurança Penitenciária (ASP), agente prisional ou agente penitenciário. , que atuam na custódia de pessoas presas provisoriamente ou condenadas definitivamente por decisão da Justiça. Os ASP exercem atividades de: vigilância; manutenção da segurança; disciplina; movimentação dos presos entre unidades do sistema prisional e unidades do Poder Judiciário. Conforme se verifica na farta literatura existente sobre o tema (Arnold, 2016ARNOLD, Helen. 2016. The prison officer. In: JEWKES, Yvonne; BENNET, Jamie; CREWE, Ben (ed.). Handbook on prisons. New York: Routledge. pp. 265-283.; Calderoni, 2021CALDERONI, Vivian. 2021. Arquitetura da opressão: barreiras à atuação dos agentes penitenciários na reintegração social. Tese de Doutorado em Direito. São Paulo: USP.; Chies et al., 2005CHIES, Luiz Antônio Bogo et al. 2005. Prisionalização e sofrimento dos agentes penitenciários: fragmentos de uma pesquisa. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 13, n. 52, pp. 309-335.; Liebling, 2019LIEBLING, Alison. 2019. La importancia moral de la autoridad: por qué debemos interesarnos en el trabajo y la cultura del personal penitenciario. Revista de Criminología del Instituto de Criminología Servicio Penitenciario Federal, n. 5, pp. 17-40. ; Lourenço, A., 2010LOURENÇO, Arlindo da Silva. 2010. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere: entre gaiolas, ratoeiras e aquários. Tese de Doutorado em Psicologia Social. São Paulo: USP.; Lourenço, L., 2010LOURENÇO, Luiz Claudio. 2010. Batendo a tranca: impactos do encarceramento em agentes penitenciários da região metropolitana de Belo Horizonte. Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 3, n. 10, pp. 11-31.; Moraes, 2005MORAES, Pedro Rodolfo B. 2005. Punição, encarceramento e construção de identidade profissional entre agentes penitenciários. São Paulo: IBCCRIM.; 2013; Mouzo, 2016MOUZO, Karina. 2016. El cuerpo penitenciario. Delito y Sociedad, v. 2, n. 30, pp. 71-84.; Santos, 2010SANTOS, Márcia Maria. 2010. Agente penitenciário: trabalho no cárcere. Dissertação de Mestrado em Psicologia. Natal: UFRN.; Taets, 2012TAETS, Adriana Rezende F. 2012. Abrindo e fechando celas: narrativas, experiências e identidades de agentes de segurança penitenciária femininas. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social. São Paulo: USP.), as atribuições dos ASP são historicamente desenvolvidas num microcosmo de ambiguidades e contradições (Paixão, 1987PAIXÃO, Antônio Luiz. 1987. Recuperar ou punir? Como o Estado trata o criminoso. 2. ed. São Paulo: Cortez; Autores Associados.), em um lócus fronteiriço entre a lei e a ordem, o crime e a desordem (Lourenço, A., 2010LOURENÇO, Arlindo da Silva. 2010. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere: entre gaiolas, ratoeiras e aquários. Tese de Doutorado em Psicologia Social. São Paulo: USP.; Lourenço, L., 2010LOURENÇO, Luiz Claudio. 2010. Batendo a tranca: impactos do encarceramento em agentes penitenciários da região metropolitana de Belo Horizonte. Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 3, n. 10, pp. 11-31.; Moraes, 2013MORAES, Pedro Rodolfo B. 2013. A identidade e o papel de agentes penitenciários. Tempo Social, v. 25, n. 1, pp. 131-147.; Rumin, 2006RUMIN, Cassiano Ricardo. 2006. Sofrimento na vigilância prisional: o trabalho e a atenção em saúde mental. Psicologia, Ciência e Profissão, v. 26, n. 4, pp. 570-581.), em que vige perene e oficialmente o auspicioso plano de ortopedia moral por meio da “recuperação” e da “punição” do preso, mediante um mesmo instrumento técnico-disciplinar (Bitencourt, 2011BITENCOURT, Cezar Roberto. 2011. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 4. ed. São Paulo: Saraiva.; Paixão, 1987PAIXÃO, Antônio Luiz. 1987. Recuperar ou punir? Como o Estado trata o criminoso. 2. ed. São Paulo: Cortez; Autores Associados.; Ramalho, 2008RAMALHO, José Ricardo. 2008. Mundo do crime: a ordem pelo avesso. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais.; Sá, 2010SÁ, Alvino Augusto. 2010. Criminologia clínica e psicologia criminal. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais .; Sykes, 2017SYKES, Gresham. 2017. La sociedad de los cautivos: estudio de una cárcel de máxima seguridad. Buenos Aires: Siglo Veintiuno.; Thompson, 2002THOMPSON, Augusto. 2002. A questão penitenciária. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense.; 2007).

No cenário do ambiente prisional e das idiossincrasias quanto ao trabalho dos ASP e da complexidade analítica que este desperta (Fernandes et al., 2002FERNANDES, Rita de Cássia P. et al. 2002. Trabalho e cárcere: um estudo com agentes penitenciários da região metropolitana de Salvador, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 18, n. 3, pp. 807-816.; Sabaini, 2012SABAINI, Raphael Tadeu. 2012. Uma cidade entre presídios: ser agente penitenciário em Itirapina-SP. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social. São Paulo: USP.; Santos, 2010SANTOS, Márcia Maria. 2010. Agente penitenciário: trabalho no cárcere. Dissertação de Mestrado em Psicologia. Natal: UFRN.), é importante ressaltar a introdução de mais um componente recente: a legislação aprovada que transforma o agente penitenciário em policial penal. Esse será o mote empírico da reflexão proposta neste artigo.

Para o desenvolvimento desta investigação, buscamos, metodologicamente, compreender os discursos dos senadores durante a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da polícia penal no intuito de problematizar quais foram os parâmetros e os processos sociais e políticos subjacentes à trajetória da mudança legislativa, logrados pelos parlamentares para fundamentar a aprovação da PEC. A proposta foi chancelada à unanimidade no Senado e por maioria na Câmara dos Deputados4 4 No Senado, a PEC da Polícia Penal tramitou com o nº 14/2016 e, na Câmara dos Deputados, com o nº 372/2017. , resultando na Emenda Constitucional nº 104/2019 (Brasil, 2019aBRASIL. 2019a. Emenda Constitucional nº 104, de 4 de dezembro de 2019. Altera o inciso XIV do art. 21, o §4º do art. 32 e o art. 144 da Constituição Federal, para criar as polícias penais federal, estaduais e distrital. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 5 dez. 2019. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/36dCWcL . Acesso em: 29 mai. 2020.
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).

No momento, vale registrar que tal Emenda Constitucional transforma os agentes penitenciários em policiais penais e define como competência dos ASP “[…] outras atribuições definidas em lei específica de iniciativa do Poder Executivo” (Brasil, 2004BRASIL. Câmara dos Deputados. 2004. Proposta de Emenda à Constituição nº 308, de 11 de agosto de 2004. Altera os arts. 21, 32 e 144, da Constituição Federal, criando as polícias penitenciárias federal e estaduais. Câmara dos Deputados, Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3J4dXra . Acesso em: 29 mai. 2020.
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). Maiores detalhes serão especificados adiante, inclusive a respeito do caminho metodológico analítico desenvolvido pelas pesquisadoras para a análise qualitativa dos discursos dos senadores envolvidos na votação da aludida PEC.

Este artigo se baseia nos resultados de uma pesquisa qualitativa que partiu de análise documental legislativa e do levantamento dos discursos de senadores no Congresso Nacional. A análise foi feita mediante a leitura de duas notas taquigráficas (Brasil, 2017aBRASIL. Senado Federal. 2017a. Notas taquigráficas da sessão do 1º turno de votação da PEC nº 14, de 2016. Diário do Senado Federal, Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3DaVyGQ . Acesso em: 24 mar. 2022.
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, 2017bBRASIL. Senado Federal. 2017b. Notas taquigráficas: 113ª sessão deliberativa extraordinária. Diário do Senado Federal , Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3CyHAOG. Acesso em: 29 mai. 2020.
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) que registram os debates ocorridos nas sessões de votação da PEC.

Optamos pela seleção e análise das notas dos debates no Senado Federal após sopesarmos a viabilidade de uma análise qualitativa de discursos parlamentares protagonizados por 81 senadores, em detrimento dos 513 deputados federais que compõem a Câmara Federal. Ponderamos que, metodologicamente, esse recorte se justifica uma vez que tanto o Senado como a Câmara consubstanciam casas legislativas federais participantes do processo legislativo das PEC, como efetivamente se deu no processo referente à PEC nº 14/2016, o que torna razoável a análise desses embates democráticos focada em apenas uma delas.

No Senado5 5 A análise das notas taquigráficas da primeira sessão permite apontar que entre os 63 senadores presentes, 30 fizeram o uso da palavra e, desses, 14 fizeram-no para participar do debate a respeito especificamente da PEC. Já na segunda sessão, dos 62 senadores, 13 fizeram o uso da palavra e, desses, 12 participaram do debate específico da proposta. , a sessão do primeiro turno da votação ocorreu em 13 de setembro de 2017 e culminou na aprovação da PEC por 63 votos, ou seja, 100% de aprovação pelos presentes ou 77% do total de 81 senadores. A sessão do segundo turno da votação ocorreu em 24 de outubro de 2017 e a aprovação se deu por 62 votos, o que representa 100% de aprovação pelos presentes ou 76% do total de 81 senadores.

Fazendo um mapeamento cruzado a partir das informações dessas duas sessões e considerando os parlamentares que apresentaram alguma justificativa para votar favoravelmente à PEC, chegamos a 18 senadores.6 6 Aprofundando, dentre esses senadores temos: Ronaldo Caiado, José Medeiros, Aécio Neves, Hélio José, Wilder Morais, Ivo Cassol, Reguffe, Simone Tebet, Rose de Freitas, Waldemir Moka, Garibaldi Alves Filho, Otto Alencar, Cássio Cunha Lima, Valdir Raupp, José Agripino, Randolfe Rodrigues, Vanessa Grazziotin e Renan Calheiros. Provenientes de 14 unidades da federação brasileira, os parlamentares representam oito siglas partidárias, abrangendo praticamente todos os espectros ideológicos das legendas partidárias, isto é, partidos considerados à “direita”, como o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), e à “esquerda”, como o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a despeito da falibilidade de herméticas rotulações nesse particular (Bobbio, 1995BOBBIO, Norberto. 1995. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Editora Unesp.).

Para a realização da pesquisa, as notas taquigráficas das duas sessões de votação no Senado, que somam 24 páginas, obtidas por meio do portal do Senado na internet7 7 Portal do Senado disponível para consulta em: https://bit.ly/3w600Fx. Acesso em: 15 mai. 2020. , foram impressas. Posteriormente, com o uso de canetas marca texto de diferentes cores, as falas foram agrupadas em categorias. Para a análise, os dados foram organizados e manipulados em tabelas do programa Microsoft Excel. A partir disso, foi possível atribuir uma classificação aos discursos desses senadores, cujas alegações foram apartadas entre quatro grandes campos argumentativos: (1) atuação, profissionalização e valorização da carreira dos agentes penitenciários8 8 Foram doze os senadores que defenderam tal posição: Cássio Cunha Lima, José Agripino, Simone Tebet, Rose de Freitas, Aécio Neves, Hélio José, José Antônio Machado Reguffe, Garibaldi Alves Filho, Ivo Cassol, Otto Alencar, Valdir Raupp e Vanessa Grazziotin. ; (2) porte de armas9 9 Foram cinco os senadores que defenderam tal posição: José Medeiros, Simone Tebet, Waldemir Moka, Renan Calheiros e Randolfe Rodrigues. ; (3) retomada do controle sobre os presídios10 10 Foram quatro os senadores que defenderam tal posição: Ronaldo Caiado, José Medeiros, Cássio Cunha Lima e José Agripino. ; (4) ‘crise’ do sistema prisional.11 11 Foram dois os senadores que defenderam tal posição: Ronaldo Caiado e Wilder Morais.

Em termos de justificativa, vale registrar que a escassez de pesquisas que abordam as reivindicações em torno da PEC em estudo nos desperta para a novidade que ela representa na pauta da segurança pública brasileira e, por conseguinte, os seus possíveis efeitos nas relações multidimensionais estabelecidas pelos profissionais dentro da prisão, que, em toda sua complexidade, atua como o principal instrumento técnico-corretivo da contemporaneidade. Tal constatação suscita, ainda, pensar a relevância e a atualidade da temática pelas transformações na atividade profissional do servidor penitenciário, que serão provocadas pelo novo enquadramento jurídico-legal da carreira.

Espera-se, assim, que este artigo contribua para o desenvolvimento de uma razoável problematização sobre alguns dos argumentos que sustentam a criação da polícia penal e, no contexto mais amplo, as transformações sociais, culturais e políticas do sentido da punição (Foucault, 2014bFOUCAULT, Michel. 2014b. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 42. ed. Petrópolis: Vozes.; Garland, 2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia.) na especificidade brasileira. Isso sem desconsiderar, é certo, a reconfiguração da prisão enquanto lócus de atuação de grupos criminosos organizados dentro do processo de faccionalização que caracteriza o sistema carcerário brasileiro, cujas transformações prisionais e sociais se produziram de forma simultânea, recíproca e indissociável às mudanças operadas no trabalho dos ASP que culminaram da aprovação da PEC de alteração na sua carreira.

Sistema prisional e encarceramento em massa

A partir dos anos 1970, a punição passou a ser o foco central das políticas estatais repressivas, o que impulsionou o encarceramento massivo de pessoas como forma de reprimir e controlar os indivíduos (Wacquant, 1999WACQUANT, Loic. 1999. Crime e castigo nos Estados Unidos: de Nixon a Clinton. Revista de Sociologia e Política , n. 13, pp. 39-50.). Neste sentido, o sistema prisional brasileiro é sintomático desse ideário punitivista e torna explícita essa dinâmica da política carcerária, como indicam os dados do Banco Nacional de Monitoramento de Prisão (BNMP), mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)12 12 Dados fornecidos por e-mail, no dia 13/04/2020, pela Secretaria de Comunicação Social do CNJ. Este banco é abastecido por informações das Varas de Execuções Penais (VEP) do país e considera decisões judiciais, transferências de estabelecimento e mandados de prisão executados. : havia, em fevereiro de 2020, 862.292 pessoas presas no Brasil. Desse total, 368.977, ou seja, 42,79% não foram julgadas.

O perfil da população prisional brasileira é ilustrativo, também, da seletividade do sistema de justiça criminal, a partir de elementos raciais e sociais. Essencialmente, a população carcerária é jovem, pobre com baixa escolaridade (Dias, 2017DIAS, Camila Caldeira Nunes. 2017. Encarceramento, seletividade e opressão: a “crise carcerária” como projeto político. Análise, n. 28, pp. 5-30.) e nada menos que 66% é negra, consoante dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen, 2020DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. 2020. Composição da população por cor e raça no sistema prisional: período de janeiro a junho de 2020. Microsoft Power Bi, [S. l.]. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3i1VQGs . Acesso em: 23 dez. 2021.
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).

Nada obstante a essa realidade, a política de encarceramento em massa, a superlotação dos estabelecimentos prisionais e o aprofundamento das violências, violações e degradações dos espaços carcerários produziram, como um de seus efeitos colaterais, as chamadas facções prisionais, que representam “[…] um dos produtos contemporâneos mais concretos e objetivos de escolhas políticas que fazem parte de um projeto em cujo centro está a prisão” (Dias, 2017DIAS, Camila Caldeira Nunes. 2017. Encarceramento, seletividade e opressão: a “crise carcerária” como projeto político. Análise, n. 28, pp. 5-30., p. 6). Nesse sentido, a prisão tanto configura um local perverso e precário de privação da liberdade de pessoas quanto propicia condições para que os presos aprofundem vínculos e relações com a criminalidade (Dias, 2017DIAS, Camila Caldeira Nunes. 2017. Encarceramento, seletividade e opressão: a “crise carcerária” como projeto político. Análise, n. 28, pp. 5-30.).

Por outro lado, essa via de mão dupla também proporciona deletérios efeitos à saúde biopsicológica dos agentes penitenciários, em virtude de serem atribuídos no cotidiano exercícios de indiscutível natureza perigosa e insalubre num ambiente de tensão e riscos de toda ordem, cada vez mais incrementados no vigente contexto de encarceramento em massa, de “[…] superpopulação carcerária, condições desumanas de custódia, violação massiva de direitos fundamentais e falhas estruturais […]”. Em outras palavras, um “[…] estado de coisas inconstitucional” (Brasil, 2015aBRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2015a. Medida cautelar na arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 347. Ementa. Brasília, DF: Supremo Tribunal Federal. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3vZDUEG . Acesso em: 13 jan. 2022.
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, p. 3), como exposto pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Nesse sentido, é elucidativa a referência ao conceito de prisionização (Clemmer, 1958CLEMMER, Donald. 1958. The prison community. New York: Rinehart & Company.; Chies et al., 2005CHIES, Luiz Antônio Bogo et al. 2005. Prisionalização e sofrimento dos agentes penitenciários: fragmentos de uma pesquisa. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 13, n. 52, pp. 309-335.), que permite propor uma chave de leitura dessa problemática, por exemplo, quando se observa que uma demanda genérica da categoria profissional, visando à melhoria de condições de trabalho e à valorização profissional, em linha de princípio, granjearia legitimidade no senso de justiça inerente à racionalidade e à solidariedade humanas.

É nesse universo de paradoxos que observamos os discursos dos parlamentares diretamente envolvidos na votação da recente e paradigmática alteração legislativa brasileira.

Junto a isso, consideramos o fato “[…] de que o papel do agente penitenciário vem se transformando nos últimos anos, assim como as mudanças na arquitetura prisional, na criação, extensão, usos e funções dos espaços” (Calderoni, 2021CALDERONI, Vivian. 2021. Arquitetura da opressão: barreiras à atuação dos agentes penitenciários na reintegração social. Tese de Doutorado em Direito. São Paulo: USP., p. 321). Ademais, a criação da polícia penal “[…] é emblemática e compõe o movimento de transformação do papel dos agentes”, que se enxergam em posição de vulnerabilidade no exercício de sua profissão (Calderoni, 2021CALDERONI, Vivian. 2021. Arquitetura da opressão: barreiras à atuação dos agentes penitenciários na reintegração social. Tese de Doutorado em Direito. São Paulo: USP., p. 321).

A nova emenda constitucional

Debates em torno da criação de uma polícia penal ocorrem no Congresso Nacional desde o início dos anos 2000 com a tramitação de projetos (Silva, 2019SILVA, Vanessa Ramos. 2019. A transformação da atuação profissional do agente de segurança penitenciária em São Paulo no contexto de hegemonia do PCC: da perspectiva de reintegração social para a polícia penal. Monografia de Especialização em Direitos Humanos, Diversidade e Violência. São Paulo: UFABC.). Por meio da PEC nº 372, de 2017, convertida na Emenda Constitucional nº 104, de 4 de dezembro de 2019, alterou-se o inciso XIV do art. 21, o §4º do art. 32 e o art. 144 da Constituição Federal (Brasil, 1988BRASIL. 1988. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União , Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/35OzOEw . Acesso em: 11 mar. 2022.
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) para criar as polícias penais federal, estaduais e distrital. A polícia penal passa, assim, a ser vinculada ao órgão administrativo do sistema penal da unidade federativa a que pertencer. Alguns benefícios são esperados para a segurança pública, conforme o Depen (2020DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. 2020. Composição da população por cor e raça no sistema prisional: período de janeiro a junho de 2020. Microsoft Power Bi, [S. l.]. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3i1VQGs . Acesso em: 23 dez. 2021.
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), como o retorno à função dos policiais que hoje estão nos presídios, a segurança externa dessas instituições e a padronização das atividades dessa categoria em todo o território nacional.

A ausência da denominação de polícia desses agentes públicos, até então, devia-se à compreensão prevalecente de que eles exerciam a função precípua de prevenção e apuração de ilícitos disciplinares ocasionados por detentos dentro dos presídios, respeitando as questões normativas da LEP. A nova polícia penal continuará com essas atribuições, mas, além delas, fará a escolta de presos, a vigilância externa dos estabelecimentos prisionais e, muito provavelmente, cumulará funções típicas policiais restritas aos policiais militares e civis até o advento da PEC sob enfoque. Nessa perspectiva, essa nova categoria compõe o rol das polícias ostensivas, na avaliação de Hoffmann e Roque (2019HOFFMANN, Henrique; ROQUE, Fábio. 12 dez. 2019. Polícia Penal é novidade no sistema de segurança pública. Conjur, São Paulo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3tN2yp3 . Acesso em: 29 mai. 2020.
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).

Se a atuação dos então agentes prisionais era voltada para dentro do espaço do cárcere, agora será desenvolvida, também, na parte externa, exercendo um trabalho anteriormente desempenhado pela Polícia Militar, como o de prevenção e repressão de delitos (Hoffmann e Roque, 2019HOFFMANN, Henrique; ROQUE, Fábio. 12 dez. 2019. Polícia Penal é novidade no sistema de segurança pública. Conjur, São Paulo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3tN2yp3 . Acesso em: 29 mai. 2020.
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).

Ilustrativamente, tramitam em São Paulo as PEC nº 1 e nº 4, ambas de 2021, tendentes à inclusão do art. 143-A ao texto constitucional estadual. De acordo com a PEC nº 1, a polícia penal terá a função de efetuar “[…] a segurança dos estabelecimentos penais” (São Paulo, 2021aSÃO PAULO. 2021a. Proposta de Emenda à Constituição nº 1, de 13 de fevereiro de 2021. Altera os artigos 74 e 139, §2º, e a denominação da seção IV do Capítulo III do Título III, e acrescenta o artigo 143-A à Constituição do Estado. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3hZ0q86 . Acesso em: 27 nov. 2021.
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), ao passo que a PEC nº 4 preconiza “[…] a segurança dos estabelecimentos penais, a custódia e a escolta de presos” (São Paulo, 2021bSÃO PAULO. 2021b. Proposta de Emenda à Constituição nº 4, de 25 de fevereiro de 2021. Acrescenta o item 19 ao artigo 23, altera o inciso II do artigo 74 e o §2º do artigo 139 e acrescenta o artigo 143-A à Constituição do Estado. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3tNgdfP . Acesso em: 27 nov. 2021.
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).

Em face desse panorama legislativo provisório, contudo, suscita-se a considerável plausibilidade de ampliação das atribuições da nova categoria, dando-lhe funções verdadeiramente de policiamento ostensivo e/ou de polícia judiciária, outrora típicas tão só das polícias militar e civil.

Vale mencionar como exemplo o estado do Acre, onde o processo legislativo está mais adiantado. Por meio do Projeto de Lei Complementar nº 13/2021, o legislativo estadual debateu a possibilidade de atribuir aos policiais penais locais tarefas como: patrulhamento externo dos presídios; incursões policiais; apuração de infrações praticadas dentro dos estabelecimentos prisionais; proteção do perímetro de estabelecimentos prisionais; revista de pessoas e veículos em locais públicos ou privados; execução de operações policiais de recapturas ou capturas de foragidos (Acre, 2021ACRE. Assembleia Legislativa do Estado do Acre. 2021. Projeto de Lei Complementar nº 13, de 16 de novembro de 2021. Institui, no âmbito do Poder Executivo Estadual, a carreira da Polícia Penal, com atribuições previstas na Constituição Federal, na Constituição Estadual, na Lei de Execuções Penais e em legislações específicas. Diário Oficial do Estado do Acre, Rio Branco. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/36gQZi4 . Acesso em: 28 nov. 2021.
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). Porventura aprovada a lei nesses termos, indubitavelmente restaria consagrado o caráter efetivamente policial à nova categoria, dada a autorização para o exercício até de atividades típicas de polícia ostensiva, inclusive fora dos presídios, vale pontuar.

Por ora, cabe assinalar que o processo de regulamentação da polícia penal dependerá do modo como as unidades federativas irão organizar a atuação dessa nova categoria, ou seja, a forma como irão desenvolver a regulamentação infraconstitucional da matéria em suas casas legislativas estaduais e distrital.

Ademais, existem estados em que definições legislativas locais ainda precisam ser atendidas, como é o caso de São Paulo, cuja Constituição Estadual prevê o respeito às regras mínimas da Organização das Nações Unidas (ONU) para o tratamento de reclusos (Maia, 2016MAIA, Tadeu Coelho R. 2016. O direito penitenciário e a proposta de criação das polícias penitenciárias: o equívoco incontroverso. Revista dos Tribunais, n. 967, pp. 229-247.). Com reforço, ainda, a Resolução SAP nº 144 (São Paulo, 2010SÃO PAULO. 2010. Resolução SAP nº 144, de 29 de junho de 2010. Insitui o Regimento Interno Padrão das unidades prisionais do estado de São Paulo. Diário Oficial de São Paulo , São Paulo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3hYHTsH . Acesso em: 29 mai. 2020.
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), instituidora do Regimento Interno Padrão das Unidades Prisionais do Estado de São Paulo, atribui aos agentes a missão precípua de ressocialização dos presos.

Outros aspectos merecem ser observados. O art. 144 da Constituição Federal (Brasil, 1988BRASIL. 1988. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União , Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/35OzOEw . Acesso em: 11 mar. 2022.
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) elenca os órgãos responsáveis pela manutenção da segurança pública, definindo as suas atribuições e competências sem, no entanto, regulamentar como devem desempenhar suas atribuições ou mesmo os limites de sua atuação. Não há, portanto, um procedimento nítido e inequívoco quanto aos estritos limites da função policial; um “cheque em branco”, segundo Muniz e Proença Jr. (2007MUNIZ, Jacqueline O.; PROENÇA JR., Domício. 2007. Muita politicagem, pouca política os problemas da polícia são. Estudos Avançados , v. 21, n. 61, pp. 159-172., p. 162), à míngua de regras explícitas sobre os limites dessa atuação repressiva estatal.

Por conseguinte, emerge a dificuldade de entender o papel desempenhado pela polícia e pelos policiais e as dinâmicas do próprio Estado brasileiro em termos de exercício do poder punitivo (Bretas e Rosemberg, 2013BRETAS, Marcos Luiz; ROSEMBERG, André. 2013. A história da polícia no Brasil: balanço e perspectivas. Topoi, v. 14, n. 26, pp. 162-173.), principalmente em um país em que as práticas policiais refletem a cultura jurídica, estruturada pela hierarquia, “[…] atribuindo diferentes graus de cidadania e civilização a diferentes segmentos da população, embora a Constituição brasileira atribua direitos igualitários a todos os cidadãos, indiscriminadamente” (Lima, 1989LIMA, Roberto Kant de. 1989. Cultura jurídica e práticas policiais: a tradição inquisitorial. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 4, n. 10, pp. 65-84., p. 82).

Em suma, importa salientar que a polícia penal é criada numa conjuntura em que muitas questões sobre a atuação policial se encontram, ainda, sem respostas categóricas. Os exemplos pululam: conveniência ou não da (des)militarização, o fracasso notório de políticas criminais pautadas em projetos como o das Unidades de Polícias Pacificadoras (UPP), a criminalização secundária e sua correlação com seletividade racial policial e penal (Taylor, Wayton e Young, 1997TAYLOR, Ian; WAYTON, Paul; YOUNG, Jock. 1997. La nueva criminología: contribución a una teoría social de la conducta desviada. Buenos Aires: Arnorrortu.).

Os discursos parlamentares sobre a criação da polícia penal: dados preliminares

Conhecida popularmente como “PEC da polícia penal”, a proposta teve como proponente o então senador Cássio Cunha Lima com o objetivo expresso de conferir “[…] aos agentes penitenciários os direitos inerentes à carreira policial” (Brasil, 2016BRASIL. Senado Federal. 2016. Proposta a de Emenda à Constituição nº 14, de 2016. Cria as polícias penitenciárias federal, estaduais e distrital. Câmara dos Deputados , Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3MLtBtu . Acesso em: 29 mai. 2020.
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).

Cabe destacar que tal reivindicação foi objeto de discussão no Congresso Nacional por dezesseis anos - desde o advento da PEC nº 308, de 2004, posteriormente apensada. Nesse interstício, o sistema prisional passou por inúmeras rebeliões com episódios brutais de violência, como práticas de decapitações e violações de corpos, que ganharam repercussão nacional e internacional (Anistia Internacional, 2018ANISTIA INTERNACIONAL. 2018. Anistia internacional - informe 2017/2018: o estado dos direitos humanos no mundo. Londres: Amnesty International. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3tRYLqu . Acesso em: 30 mai. 2021.
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; Gamba e Custódio, 2016GAMBA, Josiane; CUSTÓDIO, Rafael (coord.). 2016. Violação continuada: dois anos de crise em Pedrinhas. São Paulo: Conectas. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3CAJvlW . Acesso em: 29 mai. 2021.
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).

Na Câmara dos Deputados, a PEC teve tramitação entre outubro de 2017 e fevereiro de 2018 e obteve maciça aprovação no primeiro - 402 sim x 8 não - e no segundo - 385 sim x 16 não - turnos de votação (Brasil, 2016BRASIL. Senado Federal. 2016. Proposta a de Emenda à Constituição nº 14, de 2016. Cria as polícias penitenciárias federal, estaduais e distrital. Câmara dos Deputados , Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3MLtBtu . Acesso em: 29 mai. 2020.
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).

Com base na análise das notas taquigráficas das sessões, cuja metodologia foi descrita anteriormente, atribuímos uma classificação às falas desses senadores nos quatro grandes campos argumentativos anteriormente mencionados.

Atuação, profissionalização e valorização dos agentes

Dentre as justificativas mais utilizadas pelos senadores, destacou-se a necessidade da valorização dos agentes penitenciários no exercício de suas funções, a igualdade de direitos em relação às demais categorias policiais e a conveniência de exercício de novas tarefas, como a escolta de presos.13 13 A questão da escolta, bastante referenciada por senadores durante os discursos, é fruto de conflitos entre organismos. Para exemplificar, ainda utilizando o caso de São Paulo, estado onde há a maior número de pessoas presas de todo país, o Ministério Público (MP) paulista entrou com uma ação, em maio de 2019, contra o governo estadual exigindo que policiais militares parassem de fazer a escolta de presos. Na visão do MP, esse trabalho deveria ser feito apenas por agentes da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP). Segundo matéria do G1, foram contabilizadas 107.242 escoltas feitas por PM em 2018 (Lara, 2019). Algumas dessas funções, como a própria escolta, todavia, já são desempenhadas há muitos anos pelos ASP de estados como São Paulo e Minas Gerais, por meio de agentes públicos de carreiras especializadas, desde 2001 e 2003, respectivamente, a teor das Leis Estaduais nº 898/2001 (São Paulo, 2001SÃO PAULO. Lei Complementar nº 898, de 13 de julho de 2001. Institui no quadro da secretaria da administração penitenciária a classe de agente de escolta e vigilância penitenciária, e dá providências correlatas. Diário Oficial de São Paulo, São Paulo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3I6qWY3 . Acesso em: 29 mai. 2020.
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) e nº 14.695/2003 (Minas Gerais, 2003MINAS GERAIS. 2003. Lei nº 14.695, de 30 de julho de 2003. Cria a Superintendência de Coordenação da Guarda penitenciária, a Diretoria de Inteligência Penitenciária e a carreira de Agente de Segurança Penitenciário e dá outras providências. Diário Oficial de Minas Gerais, Belo Horizonte. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3tdrBmp . Acesso em: 29 nov. 2021.
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).

Na visão de alguns parlamentares, o trabalho dos agentes penitenciários não é socialmente valorizado, tampouco existe respeito à complexidade das funções desempenhadas por esses profissionais. A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) apontou para a “[…] necessidade de valorizar essa categoria profissional” que “[…] trabalha em condições tão penosas e não tem o seu trabalho reconhecido” (Brasil, 2017bBRASIL. Senado Federal. 2017b. Notas taquigráficas: 113ª sessão deliberativa extraordinária. Diário do Senado Federal , Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3CyHAOG. Acesso em: 29 mai. 2020.
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, p. 53).

Outros senadores assinalaram o aspecto da capacitação. Para o senador José Agripino, do partido Democratas (DEM-RN), a proposta garantirá “[…] a profissionalização, a criação de polícias penitenciárias, adestradas, instrumentalizadas do ponto de vista de armamento, de preparação técnica” (Brasil, 2017bBRASIL. Senado Federal. 2017b. Notas taquigráficas: 113ª sessão deliberativa extraordinária. Diário do Senado Federal , Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3CyHAOG. Acesso em: 29 mai. 2020.
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, p. 51), dando-lhes condições efetivas de exercer um trabalho de administração de conflito interno em penitenciárias, paritariamente ao volume da violência inerente à atuação de grupos criminosos existentes em muitos presídios brasileiros.

É plausível pontuar que a questão específica da valorização profissional deita raízes, em realidade, em históricas reivindicações dos próprios funcionários do sistema prisional por aumento salarial e melhoria das condições de trabalho, inclusive em razão do caráter nocivo à saúde e à integridade biopsicológica que promana da atividade em si, potencializada, ainda, pela situação insalubre de diversos estabelecimentos prisionais brasileiros (Calderoni, 2013CALDERONI, Vivian. 2013. O agente penitenciário aos olhos do judiciário paulista. Dissertação de Mestrado em Direito Penal. São Paulo: USP.; 2021CALDERONI, Vivian. 2021. Arquitetura da opressão: barreiras à atuação dos agentes penitenciários na reintegração social. Tese de Doutorado em Direito. São Paulo: USP.; Lourenço, A., 2010LOURENÇO, Arlindo da Silva. 2010. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere: entre gaiolas, ratoeiras e aquários. Tese de Doutorado em Psicologia Social. São Paulo: USP.; Moraes, 2013MORAES, Pedro Rodolfo B. 2013. A identidade e o papel de agentes penitenciários. Tempo Social, v. 25, n. 1, pp. 131-147.).

Já a ideia específica de profissionalização trazida pelos senadores, como a capacitação de um corpo policial, remete à mudança cultural abordada por Garland (2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia.) quando ele trata do contexto de conformação do Estado-Nação, na transição do século XIX para o século XX, em que as autoridades religiosas e seculares foram substituídas pelas instituições que compõem a justiça criminal na função de policiamento e do poder punitivo. Nesse contexto, o policiamento, até então considerado uma atividade dispersa, passa a se tornar uma “[…] tarefa desempenhada por agentes treinados, integrantes de uma organização especializada que fazia parte do Estado” (Garland, 2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia., p. 97).

Nessa direção, Garland (2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia.) trata de uma reafirmação do protagonismo estatal no controle do crime. Segundo o autor, “[…] o processo de criminosos cessou de uma forma privada de ação e se tornou uma atividade estatal […]” (Garland, 2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia., p. 97). Posteriormente, explica que “[…] as punições gradualmente perderam seu caráter local e passaram a ser mais firme e uniformemente reguladas por autoridades estatais” (Garland, 2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia., p. 97); ou seja, trata-se de uma forma de controle do crime que foi também resultado de uma polícia especializada, de maneira similar aos argumentos centrais dos senadores em seus discursos a favor da PEC da polícia penal.

A colocação do autor, entretanto, suscita uma dúvida preliminar concernente à plausibilidade da inserção de agentes penitenciários entre as forças policiais, na forma de mais um organismo estatal de segurança pública. Afinal, os profissionais em questão sempre estiveram comprometidos com a execução penal, isto é, com a missão de concretizar os fins declarados da pena de prisão.

Num sentido ainda mais amplo, esse debate nos remete à ideia de um Estado de Polícia, termo cunhado por Foucault (2018FOUCAULT, Michel. 2018. O nascimento da biopolítica. Tradução: Pedro Elói Duarte. Lisboa: Edições 70. ) para caracterizar o exercício do controle social desejado pelo Estado, que faz parte de uma governamentalidade, ou seja, uma forma de governar que nasce com a biopolítica.14 14 Foucault (2018, p. 393) explica este conceito: “Entendia por biopolítica a maneira como se tentou, desde o século XVIII, racionalizar os problemas criados à prática governamental pelos fenômenos específicos de um grupo de seres vivos constituído em população: saúde, higiene, natalidade, longevidade, raças…”. Nessa governamentalidade, constrói-se uma maneira de controle com um Estado de polícia permanente, a fim de assegurar a disciplina na sociedade.

Voltando à PEC nº 372/2017, verifica-se uma demanda sindical, a partir dos anos 2000, para a criação de uma nova categoria de trabalhadores da área penitenciária. Em uma pesquisa realizada no portal de notícias da Agência da Câmara dos Deputados em janeiro de 202215 15 Disponível em: https://www.camara.leg.br. Acesso em: 5. jan. 2022. , filtrando-se a busca por palavras, observou-se 16.400 conteúdos relacionados à “polícia penitenciária” e 25.000 notícias voltadas à polícia penal. Quando associamos a essas buscas a palavra “sindicato”, apareceram 7.320 conteúdos relacionados à “polícia penitenciária” e 14.500 materiais relacionados à polícia penal.

O site em questão, após realizada a procura por palavras selecionadas, forneceu a escolha de conteúdos jornalísticos e/ou documentos por grau de atualidade ou relevância. Na ocasião, elegeu-se a segunda opção, a fim de selecionar o material por sua importância. Ao selecionarmos os primeiros cinquenta conteúdos envolvendo a terminologia “polícia penitenciária”, nomenclatura usada no começo da reivindicação da categoria para a criação da polícia penal, em 200416 16 O ano de 2004 foi quando a primeira PEC - PEC nº 308 - começou a tramitar no Congresso Nacional, reivindicando a criação de uma nova polícia. , em conjunto com a palavra “sindicato”, percebemos várias movimentações em torno da pauta, as quais expomos a seguir.

A pesquisa exploratória de notícias jornalísticas e de documentos que constam no site da Câmara Federal contribuiu para o entendimento preliminar do movimento político realizado pelos agentes penitenciários para se tornarem policiais. Para exemplificar, em 6 de maio de 2008, entidades sindicais ligadas aos agentes penitenciários marcaram presença em audiência pública promovida pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Carcerário, em Brasília, para defender uma nova polícia (Miranda, 2008MIRANDA, Paulo Roberto. 6 mai. 2008. Agente penitenciário cobra melhores condições de trabalho. Agência Câmara de Notícias, Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3tOIHGa . Acesso em: 15 jan. 2022.
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). Em 8 de agosto de 2010, agentes penitenciários de diferentes unidades federativas ocuparam a Câmara em defesa da criação de uma nova polícia (Souza, 2010SOUZA, Murilo. 18 ago. 2010. Agentes penitenciários invadem a Câmara. Agência Câmara de Notícias , Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/37j9QJC . Acesso em: 15 jan. 2022.
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). E, em notícia de 13 de agosto de 2010, pôde-se observar divergências entre o governo e os sindicatos em torno do tema (Miranda, 2010MIRANDA, Tiago. 13 ago. 2010. Governo e sindicato divergem sobre criação da polícia penal. Agência Câmara de Notícias , Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3hX52Mh . Acesso em: 15 jan. 2022.
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).

O documento taquigráfico de audiência da CPI do Sistema Carcerário Brasileiro, ocorrida na capital paulista, na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), em 2015, contém os discursos de agentes penitenciários (Brasil, 2015bBRASIL. Câmara dos Deputados . 2015b. CPI - Sistema Carcerário Brasileiro: audiência pública, reunião nº 1078/15. São Paulo: Assembleia Legislativa de São Paulo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3hWxoWW . Acesso em: 17 jan. 2022.
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), as matérias citadas anteriormente e as razões para a reivindicação da polícia penal, tais como: a valorização da categoria; a possibilidade de se cumprir a ressocialização nas prisões; o fortalecimento do Estado em ações de retomada da ordem e do controle das unidades prisionais onde atuam grupos organizados por presos.

Na audiência realizada na ALESP, inclusive, o então presidente do Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária do Estado de São Paulo (SINDASP), Daniel Grandolfo, acrescenta a perspectiva da entidade:

[…] precisamos de uma polícia penitenciária, como temos na Itália17 17 Dirigentes do SINDASP, incluindo Daniel Grandolfo, realizaram viagem à Itália de 24 a 29 de junho de 2012, a fim de conhecer a experiência da Polizia Penitenziaria e do sistema penitenciário italiano, uma proposta de intercâmbio com o intuito de trazer a experiência ao Brasil. De posse desse conhecimento, as autoras deste artigo, inclusive, têm como perspectiva compreender a experiência da polícia penitenciária em outros países, a fim de desdobrar estudos científicos futuros em consonância com as transformações da realidade brasileira. Informações sobre a visita do SINDASP à Itália podem ser conferidas em: https://bit.ly/3MSiajX. Acesso em: 10 jan. 2022. , em toda Europa, nos Estados Unidos e em países desenvolvidos, que saiba e que ajude a combater, dentro da unidade prisional, esses escritórios do crime organizado […] precisamos de uma polícia que, além de fazer a segurança das unidades prisionais, possa combater esses criminosos que estão atuando livremente dentro dos presídios. (Brasil, 2015bBRASIL. Câmara dos Deputados . 2015b. CPI - Sistema Carcerário Brasileiro: audiência pública, reunião nº 1078/15. São Paulo: Assembleia Legislativa de São Paulo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3hWxoWW . Acesso em: 17 jan. 2022.
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)

A polícia penitenciária italiana, mencionada pelo sindicalista, é uma categoria de trabalhadores atualmente vinculada ao Departamento de Administração Penitenciária do Ministério da Justiça da Itália.18 18 Informação pode ser confirmada no site do Ministério da Justiça italiano, disponível em: https://bit.ly/3q6Uv5F. Acesso em: 15 jan. 2022. Grandolfo faz referência a ela em seu discurso (Brasil, 2015bBRASIL. Câmara dos Deputados . 2015b. CPI - Sistema Carcerário Brasileiro: audiência pública, reunião nº 1078/15. São Paulo: Assembleia Legislativa de São Paulo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3hWxoWW . Acesso em: 17 jan. 2022.
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), a despeito da história da formação da polícia italiana divergir do processo em curso no Brasil.

Em 1975, ocorreu na Itália a Reforma do Ordenamento Penitenciário, materializada pela Lei nº 354, que introduziu na legislação de execução penal do país os ideais ressocializadores da pena. A partir de então, uma sequência de inovações legislativas e normativas buscaram consolidar os princípios estabelecidos na reforma, como o Decreto Ministerial de 20 de julho de 1983, que acenava para “[…] uma mudança radical na consciência profissional e social dos trabalhadores prisionais […]” (Somma, 2005SOMMA, Emilio di. 2005. La riforma penitenziaria del 1975 e l’architettura organizzativa dell’amministrazione penitenziaria. Rassegna penitenziaria e criminológica, n. 2-3, pp. 1-14., p. 4), por meio da participação da categoria na renovação das estruturas organizacionais.

Ainda que no Brasil os ideais ressocializadores tenham chegado - tardiamente - com a redemocratização em meados da década de 1980, a experiência brasileira quanto aos profissionais das prisões se deu em sentido oposto à italiana, de modo geral. Em 1990, a Lei nº 395, que instituiu a polícia penitenciária italiana, estabeleceu-se em conformidade com os ideais reformadores, modificando-se significativamente no sentido da desmilitarização, da profissionalização, da sindicalização e da reinserção dos presos (Polícia Penitenciária, [s. d.]POLÍCIA PENITENCIÁRIA. [s. d.]. Contexto. Polícia Penitenciária, Roma. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3w3XnDZ . Acesso em: 17 jan. 2022.
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).

Apesar de o ideal de ressocialização ter sido estabelecido em lei como prática a ser exercida pela polícia penitenciária italiana, é preciso salientar que existem contradições nas relações cotidianas daqueles cárceres. É que, embora a legislação, a partir de 1975, tenha dado condições “[…] para começar a estruturar os regimes e a organização prisional de uma nova maneira […]” (Gariglio, 2018GARIGLIO, Luigi. 2018. ‘Doing’ coercion in male custodial settings: an ethnography of italian prison officers using force. Oxfordshire: Routledge., p. 2, tradução nossa), as atuações da categoria, no que se referem à ordem e segurança, de um lado, e à reabilitação, de outro, “[…] muitas vezes entram em conflito” (Gariglio, 2018GARIGLIO, Luigi. 2018. ‘Doing’ coercion in male custodial settings: an ethnography of italian prison officers using force. Oxfordshire: Routledge., p. 2, tradução nossa). Ademais, na prática, as “[…] condições materiais estruturais” (Gariglio, 2018GARIGLIO, Luigi. 2018. ‘Doing’ coercion in male custodial settings: an ethnography of italian prison officers using force. Oxfordshire: Routledge., p. 2, tradução nossa) na Itália acabam restringindo a aplicação dessa lei, ou seja, da mesma maneira que ocorre no Brasil.

Sobre esses temas apontados, o site do SINDASP discorre brevemente sobre a viagem de dirigentes sindicais à Itália, em 2012. Segundo a reportagem escrita pela entidade, um dos pontos importantes discutidos teve como referência o fato de que a polícia penitenciária “[…] é desmilitarizada, como deve ser também proposta no Brasil” (Assessoria de Imprensa do Sindasp, 2012ASSESSORIA DE IMPRENSA DO SINDASP. 25 jun. 2012. Na Itália, diretores do Sindasp são recebidos pelo Sappe e se reúnem com chefe do departamento da polizia penitenziaria. Sindasp, São Paulo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/37vAOxV . Acesso em: 18 jan. 2022.
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). A matéria trata, ainda, sobre a estrutura fornecida aos trabalhadores do sistema prisional e, posteriormente, fala sobre a ressocialização das pessoas presas como responsabilidade da polícia penitenciária italiana.

Além desses fatos, é importante salientar que a Federação Sindical Nacional de Servidores Penitenciários (FENASPEN), importante órgão representativo da categoria no Brasil, também se articulou não apenas apresentando a demanda por profissionalização da categoria, como também a situando no processo de encarceramento em massa e relacionando a ela outros fatores que trouxeram mudanças significativas à atuação dos agentes nas prisões (Anunciação, 2017ANUNCIAÇÃO, Fernando Ferreira. 2017. Ofício circular nº 05-2017/GPF. Solicitação de apoio à PEC 14/2016. Brasília, DF: Fenaspen. Disponível em: Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7224919&disposition=inline . Acesso em: 17 jan. 2022.
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). A pauta da criação de uma nova polícia foi ganhando, assim, proeminência no debate nacional com atos nas ruas e a ocupação de espaços no Congresso, diante de uma realidade em que “[…] a quantidade de agentes é diminuta e até decrescente frente a uma população carcerária cada vez mais numerosa e organizada” (Calderoni, 2021CALDERONI, Vivian. 2021. Arquitetura da opressão: barreiras à atuação dos agentes penitenciários na reintegração social. Tese de Doutorado em Direito. São Paulo: USP., p. 323).

No contexto da PEC sob enfoque neste artigo, a federação, ao lado de entidades sindicais representadas por ela em todo país, participou de audiências e protestos e remeteu documentos ao Congresso, como em 21 de agosto de 2017, durante a tramitação da proposta de criação da polícia penal (Anunciação, 2017ANUNCIAÇÃO, Fernando Ferreira. 2017. Ofício circular nº 05-2017/GPF. Solicitação de apoio à PEC 14/2016. Brasília, DF: Fenaspen. Disponível em: Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7224919&disposition=inline . Acesso em: 17 jan. 2022.
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), defendendo a plausibilidade do processo de institucionalização da polícia penal atender, precipuamente, a um difuso anseio de valorização da categoria, em termos de salários, condições de trabalho, recursos logísticos e humanos. Isso se configurou como o prevalecente vetor identitário dos profissionais, de certa forma comentado pelos parlamentares votantes da PEC frente à necessidade de combate aos grupos organizados de presos.

Além disso, a criação recente de uma polícia penal, num sentido profissional militarizado de atuação, pode ser explicada por meio da compreensão de uma mudança, ao longo da história, no cotidiano das prisões e no trabalho dos ASP. Oliveira (2018OLIVEIRA, Victor Neiva. 2018. Mudanças na administração prisional: os agentes penitenciários e a construção da ordem nas prisões de Minas Gerais. Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social , v. 11, n. 3, pp. 412-434.), após acompanhar o cotidiano de agentes penitenciários em presídios de Minas Gerais, relata as transformações culturais ocorridas nas últimas décadas, em que se desenvolveu “[…] uma maximização da segurança, com a introdução de elementos organizacionais nos moldes do estilo militar […]”, a fim de transformar esses trabalhadores em funcionários “[…] mais estratégicos, repressivos e eficientes na administração cotidiana das prisões” (Oliveira, 2018OLIVEIRA, Victor Neiva. 2018. Mudanças na administração prisional: os agentes penitenciários e a construção da ordem nas prisões de Minas Gerais. Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social , v. 11, n. 3, pp. 412-434., p. 430-431). Esse processo, chamado por ele de “policialização”, reforçou o trabalho voltado à segurança, à vigilância e à disciplina nos estabelecimentos prisionais.

Tal fenômeno também se reflete em São Paulo. Segundo Silvestre (2018SILVESTRE, Giane. 2018. Controle do crime e seus operadores: política e segurança pública em São Paulo. São Paulo: Annablume.), uma estratégia militarizada tem ganhado corpo a partir do empoderamento que vem sendo dado à Polícia Militar nas ações relacionadas ao controle do crime, prática que conquista apoio e legitimidade tanto do sistema de justiça como da política governamental. No sistema prisional, essa dinâmica não é diferente, já que a lógica da militarização também se fortaleceu por meio da criação de grupamentos especiais, como o Grupo de Intervenção Rápida (GIR) e o cargo de Agente de Vigilância e Escolta Penitenciária (AEVP)19 19 O cargo de AEVP foi criado em 2001 e o GIR em 2004, segundo informações da SAP, enviadas por e-mail às autoras, em 29 de maio de 2020. , que apresentam componentes fortemente militarizados desde a sua criação.

Nesse sentido, a crescente expansão do sistema prisional acabou produzindo uma espécie de autonomização da gestão das prisões em relação à segurança pública, acarretando o aumento do parque penitenciário, especialmente em estados que alcançaram patamares mais expressivos de encarceramento - caso de São Paulo. Aliado à diversidade das funções efetivamente cumpridas pelos agentes nos diferentes estados da federação, todas consubstanciam uma importante força motriz de intensificação de um movimento profissional para mudanças na categoria dos ASP.

É preciso considerar também as contradições na atuação dos agentes. Alguns estudos (Paixão, 1987PAIXÃO, Antônio Luiz. 1987. Recuperar ou punir? Como o Estado trata o criminoso. 2. ed. São Paulo: Cortez; Autores Associados.; Coelho, 2005COELHO, Edmundo Campos. 2005. A oficina do diabo e outros estudos sobre criminalidade. Rio de Janeiro: Record .) abordam a prisão como um paradoxo em sua função de punir e de recuperar ou reintegrar o preso. Pesquisas elaboradas em diferentes contextos apontam a prisão como uma “sociedade dentro de uma sociedade” (Sykes, 2017SYKES, Gresham. 2017. La sociedad de los cautivos: estudio de una cárcel de máxima seguridad. Buenos Aires: Siglo Veintiuno.)20 20 Sykes escreveu sobre o universo prisional para além dos muros e das celas, tratando sobre as relações e a forma de organização dentro desse ambiente. , em que há regras próprias a serem seguidas pelos presos, mas também onde o cotidiano é negociado e alterado o tempo todo (Coelho, 2005COELHO, Edmundo Campos. 2005. A oficina do diabo e outros estudos sobre criminalidade. Rio de Janeiro: Record .; Moraes, 2005MORAES, Pedro Rodolfo B. 2005. Punição, encarceramento e construção de identidade profissional entre agentes penitenciários. São Paulo: IBCCRIM.; Paixão, 1987PAIXÃO, Antônio Luiz. 1987. Recuperar ou punir? Como o Estado trata o criminoso. 2. ed. São Paulo: Cortez; Autores Associados.; Thompson, 2002THOMPSON, Augusto. 2002. A questão penitenciária. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense.). A prisão seria, assim, um ambiente que conduz o agente penitenciário a sofrimentos em distintos aspectos em decorrência dos conflitos relacionados à massa carcerária (Chies et al., 2005CHIES, Luiz Antônio Bogo et al. 2005. Prisionalização e sofrimento dos agentes penitenciários: fragmentos de uma pesquisa. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 13, n. 52, pp. 309-335.).

Retomando o debate parlamentar, a realidade contemporânea do sistema prisional brasileiro e os discursos formulados no âmbito da aprovação da PEC da polícia penal não nos permite entrever um avanço na redução das ambiguidades e dos problemas basilares das prisões. Ao contrário, é razoável supor que essas contradições e conflitos, em alguma medida, irão paulatinamente reduzir do horizonte os fins declarados da pena de prisão, em especial a ressocialização, em prol das funções latentes de vigilância, policiamento e controle.

Ademais, é interessante observar que os discursos apresentados não só defendem a criação de uma nova polícia, respaldados em uma lógica punitivista, mas também são construídos para atender os interesses particulares de uma determinada classe de agentes públicos21 21 Como é o caso da atuação de entidades sindicais defensoras da polícia penal, desde os anos 2000, que comentamos ao longo do artigo. , a partir de um viés policialesco. Ao mesmo tempo, não discutem a fundo as consequências sociais que essa transformação pode engendrar na prática desses profissionais.

Em suma, tais considerações pavimentam uma hipótese preliminar de que a justificativa nevrálgica da PEC, apresentada pelo relator Cássio Cunha Lima, estava voltada à intenção dos senadores de conferir “[…] aos agentes penitenciários os direitos inerentes à carreira policial […]” (Brasil, 2016BRASIL. Senado Federal. 2016. Proposta a de Emenda à Constituição nº 14, de 2016. Cria as polícias penitenciárias federal, estaduais e distrital. Câmara dos Deputados , Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3MLtBtu . Acesso em: 29 mai. 2020.
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), ou seja, o acolhimento de interesses da categoria, inclusive postulados na forma de lobby por entidades sindicais.

Porte de armas

De maneira a compor o debate relacionado à profissionalização dos agentes penitenciários, os senadores argumentaram, outrossim, sobre a suposta necessidade de inovação legislativa no tocante à concessão de porte de armas de fogo aos membros da categoria, o que viabilizaria tanto o adequado exercício de suas atribuições no âmbito das instituições quanto a defesa pessoal fora delas (Brasil, 2017bBRASIL. Senado Federal. 2017b. Notas taquigráficas: 113ª sessão deliberativa extraordinária. Diário do Senado Federal , Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3CyHAOG. Acesso em: 29 mai. 2020.
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).

Ocorre que, desde o advento da Lei Federal nº 12.993 (Brasil, 2014BRASIL. 2014. Lei nº 12.993, de 17 de junho de 2014. Altera a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para conceder porte de arma funcional. Diário Oficial da União , Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3tRa0Qc . Acesso em: 29 mai. 2020.
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), o art. 6º, inciso VII, do Estatuto do Desarmamento - norma de eficácia nacional - conferiu porte de armas a todos os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais e da escolta de presos, desde que satisfeitos os requisitos de dedicação exclusiva, formação funcional e subordinação a mecanismos de fiscalização e controle interno.

Aparentemente, contudo, os senadores que fizeram uso da palavra em alusão ao porte de armas ignoravam por completo o teor do Estatuto do Desarmamento e/ou da Lei nº 12.993/2014.

Dentre esses, porém, despontaram exceções. Os senadores Renan Calheiros e Randolfe Rodrigues teceram considerações elogiosas a respeito de uma notória política pública vigente no Brasil desde a edição do Estatuto do Desarmamento (Brasil, 2003BRASIL. 2003. Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - Sinarm, define crimes e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3ML3Z07 . Acesso em: 15 jan. 2022.
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), que preconiza a paulatina exasperação do desarmamento da sociedade civil.

Retomar o controle dos presídios

Ainda de acordo com os senadores, a discussão acerca da equiparação dos ASP às demais polícias, bem como o armamento desses profissionais, estão em sintonia com um debate mais amplo, pautado na suscitada necessidade de retomada do efetivo controle dos presídios pelo Estado brasileiro frente à atuação dos grupos organizados por presos.

Fato público e notabilíssimo, porém, é o de que, desde a década de 1990, houve aumento das taxas de encarceramento, a piora das condições dos estabelecimentos prisionais, a superlotação das prisões, a explosão de rebeliões e o surgimento e a expansão dos grupos criminosos dentro das cadeias, um dos mais relevantes fenômenos nascidos no ambiente carcerário (Adorno, 1991ADORNO, Sérgio. 1991. Sistema penitenciário no Brasil - problemas e desafios. Revista USP, n. 9, pp. 65-78.; Dias, 2013DIAS, Camila Caldeira Nunes. 2013. PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva .; Salla, 2006SALLA, Fernando. 2006. As rebeliões nas prisões: novos significados a partir da experiência brasileira. Sociologias, n. 16, pp. 274-307.; Shimizu, 2011SHIMIZU, Bruno. 2011. Solidariedade e gregarismo nas facções criminosas: um estudo criminológico à luz da psicologia das massas. Dissertação de Mestrado em Direito Penal. São Paulo: USP.; Teixeira, 2009TEIXEIRA, Alessandra. 2009. Prisões da exceção: política penal e penitenciária no Brasil contemporâneo. Curitiba: Juruá.). Entre esses grupos, destacam-se o Comando Vermelho, criado na década de 1970, no Rio de Janeiro, e o PCC22 22 O PCC ultrapassou os muros da prisão e está presente hoje em diferentes regiões do Brasil (Manso e Dias, 2018). Dias (2013) entende o processo de hegemonia do PCC dentro dos presídios de São Paulo como uma consequência da incapacidade do governo de manter o “[…] monopólio da violência física legítima”. Isso estaria vinculado às divisões observáveis na democracia brasileira, “[…] com todos os obstáculos para sua efetivação plena, postos por uma distribuição absolutamente desigual de recursos econômicos, sociais, políticos que incidem nas formas diferenciais de acesso à justiça e à garantia de direitos” (Dias, 2013, p. 439). , criado em 1993, em São Paulo (Adorno e Salla, 2007ADORNO, Sérgio; SALLA, Fernando. 2007. Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC. Estudos Avançados, v. 21, n. 61, pp. 7-29.; Lima, 2001LIMA, William da Silva. 2001. Quatrocentos contra um: uma história do Comando Vermelho. 2. ed. São Paulo: Labortexto.; Manso e Dias, 2018MANSO, Bruno Paes; DIAS, Camila Nunes. 2018. A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil. São Paulo: Todavia.; Shimizu, 2011SHIMIZU, Bruno. 2011. Solidariedade e gregarismo nas facções criminosas: um estudo criminológico à luz da psicologia das massas. Dissertação de Mestrado em Direito Penal. São Paulo: USP.).

Os parlamentares que utilizaram a retomada do controle dos presídios como justificativa para o voto favorável à aprovação da PEC ressaltaram a criminalidade organizada dentro das prisões e destacaram o aspecto do sentimento de “medo” como consequência da atuação das facções e a necessidade de restabelecimento de uma questão da ordem pública em face do poder dos grupos criminosos organizados dentro dos ambientes prisionais (Brasil, 2017aBRASIL. Senado Federal. 2017a. Notas taquigráficas da sessão do 1º turno de votação da PEC nº 14, de 2016. Diário do Senado Federal, Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3DaVyGQ . Acesso em: 24 mar. 2022.
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).

Nesse sentido, a fala do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) exemplifica alguns desses aspectos:

[…] A aprovação […] é de uma importância ímpar para este momento em que as facções estão tomando todas as penitenciárias do país. O Estado não tem mais controle delas. É fundamental que tenhamos uma polícia específica para poder implantar a ordem e dar condições para que as pessoas que estão ali detidas não possam continuar trafegando com informações e implantando esse clima de medo que implantam hoje no país. (Brasil, 2017aBRASIL. Senado Federal. 2017a. Notas taquigráficas da sessão do 1º turno de votação da PEC nº 14, de 2016. Diário do Senado Federal, Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3DaVyGQ . Acesso em: 24 mar. 2022.
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, p. 90)

Por igual, o senador José Medeiros, do Podemos (PODE-MT), defendeu que, a partir da constituição de uma nova polícia, “[…] o Estado brasileiro vai ter quem manda dentro dos presídios […]”, porque, em seu entendimento, “[…] hoje quem manda são as facções” (Brasil, 2017aBRASIL. Senado Federal. 2017a. Notas taquigráficas da sessão do 1º turno de votação da PEC nº 14, de 2016. Diário do Senado Federal, Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3DaVyGQ . Acesso em: 24 mar. 2022.
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, p. 91). O senador José Agripino (DEM-RN) defendeu que a nova polícia irá administrar de forma “instrumentalizada” e “adestrada” os conflitos internos de facções dentro dos presídios (Brasil, 2017bBRASIL. Senado Federal. 2017b. Notas taquigráficas: 113ª sessão deliberativa extraordinária. Diário do Senado Federal , Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3CyHAOG. Acesso em: 29 mai. 2020.
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, p. 51).

Em certa medida, denota-se que as falas dos parlamentares vão ao encontro de uma percepção comumente vista nas estruturas e instituições do Estado moderno. A centralidade das noções de controle e de ordem pública no debate sobre a criação da polícia penal indica o deslocamento da prisão e de suas funcionalidades clássicas nesse novo discurso, que carrega em si as ressignificações culturais, sociais e políticas da punição, tal como aludidas por David Garland (2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia.).

De acordo com Garland (2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia., p. 44), isso tem a ver com a reaparição mais acentuada, “[…] na política oficial, de sentimentos punitivos e de gestos expressivos, que parecem estranhamente arcaicos absolutamente antimodernos […]”, mas que se renovam e sustentam os discursos contemporâneos, substituindo as acepções relacionadas à compreensão sobre o crime e o criminoso por proposições relacionadas à proteção da vítima por meio da segregação do infrator, o que gerou efeitos na sociedade.

Nesse sentido, parece relevante ressaltar que não ignoramos as recentes críticas da literatura especializada em termos de inviabilidade de generalização da teoria em questão, concebida histórica e estruturalmente para específicos matizes de modernidade tardia, evidenciados nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha (Sozzo, 2020SOZZO, Máximo. 2020. Para além da cultura do controle? Porto Alegre: Aspas .). Se considerarmos que a realidade brasileira também pode ser compreendida a partir desta chave analítica, assumindo o nosso drama da margem latino-americana, entende-se, a partir de Sozzo (2020SOZZO, Máximo. 2020. Para além da cultura do controle? Porto Alegre: Aspas .), que a teoria de Garland (2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia.) pode ser utilizada de forma instrumental e empiricamente validada na forma de “caixa de ferramentas” (Sozzo, 2020SOZZO, Máximo. 2020. Para além da cultura do controle? Porto Alegre: Aspas ., p. 476), trazendo contribuições válidas em aspectos de racionalização e problematização crítica da realidade.

Logo, num contexto nacional marcado por profundas e abissais assimetrias econômicas, sociais e raciais, o instrumental teórico apresentado por Garland (2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia.) pode ser articulado com as dinâmicas de seletividade estrutural e históricas que definem a punição no Brasil e que fortalecem as premissas analíticas do autor no que concerne às conformações culturais dos processos punitivos e das políticas de controle do crime.

Assim, a lógica desenvolvida por Garland (2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia.), de certa forma, ressoaria no discurso do senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB). A aprovação da PEC, segundo ele, atende a um clamor da população brasileira por segurança pública, suprindo uma lacuna, no que tange à resposta do Estado à sociedade, “[…] ao reassumir o controle dos presídios; […] que, na sua esmagadora maioria, estão sob o controle e domínio do crime organizado” (Brasil, 2017bBRASIL. Senado Federal. 2017b. Notas taquigráficas: 113ª sessão deliberativa extraordinária. Diário do Senado Federal , Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3CyHAOG. Acesso em: 29 mai. 2020.
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, p. 50).

A partir desse discurso, faz-se necessário lembrar que o medo do crime, justificativa para a atuação mais rígida do Estado, principalmente a partir de 1970, assume caráter central nos discursos oficiais, fomentando mudanças na percepção da sociedade civil geral, o que, segundo Garland (2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia.), impacta o conteúdo das políticas de controle ao crime.

Além disso, é importante destacar que, se no período de bem-estar social a imagem do delinquente era construída a partir da perspectiva do ser humano desfavorecido, vítima da desigualdade social, mais recentemente essa compreensão se transformou significativamente e o criminoso passou a ser visto tanto como responsável por suas escolhas e seus atos quanto como a encarnação do mal e da crueldade, representando uma ameaça à sociedade.

Desse modo, percebemos que os discursos dos senadores não estão embasados em pesquisas acadêmicas ou dados quantificáveis, mas, na verdade, estão apoiados na perspectiva que Garland (2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia.) chamou de populismo penal. Em outras palavras, observa-se que os discursos que definem o cenário de decisões, em detrimento da avaliação e opinião de especialistas e/ou corpo profissional qualificado, estão pautados por uma “opinião pública” e por um “senso comum”.

Não desconsideramos, por certo, que a categoria populismo penal é mais ampla23 23 A socióloga argentina Karina Mouzo (2012) chama atenção para o fato de que a categoria de populismo penal deve ser repensada e não estabelecida de forma monocromática, mas sim de modo complexo e com consensos distintos. Ela defende que a área das ciências sociais desnaturalize ideias comuns que se sedimentaram sobre determinadas temáticas que envolvem a análise das relações em sociedade. do que a ideia de oportunismo político. Pratt (2007PRATT, J. 2007. Penal populism. London: Routledge., p. 3, tradução nossa) alerta sobre isso em sua obra e explica que essa categoria representa, de modo mais aprofundado, “[…] mudanças sociais e culturais [enraizadas] que começaram na década de 1970 […]” e se estenderam por setores da sociedade moderna. Mas, principalmente, representa “[…] uma mudança fundamental no eixo do poder penal contemporâneo a partir dessas mudanças, mesmo que a extensão da mudança seja distinta de sociedade para sociedade” (Pratt, 2007PRATT, J. 2007. Penal populism. London: Routledge., p. 3, tradução nossa).

Foi a partir dessa ponderação que buscamos compreender os discursos de parlamentares brasileiros e o sentido da utilização dessa categoria. Até mesmo porque, do populismo penal, pautado pelo incremento do rigor das sanções ao longo da história legislativa brasileira, surge uma degenerescência que vem sendo disseminada num “continuum” perene de representações sociais e opiniões públicas sensacionalistas estimuladas pela mídia brasileira. Regra geral, são narrativas exploradas por pretendentes a cargos políticos dos diversos espectros que mobilizam a opinião pública com finalidade eleitoral na conhecida perspectiva de direito penal populista e punitivista, com efeitos apenas simbólicos. Já na prática, os discursos e as propostas políticas que eles emulam não tem impactos efetivos nos fenômenos que eles pretendem impactar, como a criminalidade violenta (Gazoto, 2010GAZOTO, Luís Wanderley. 2010. Justificativas do congresso nacional brasileiro ao rigor penal legislativo: o estabelecimento do populismo penal no Brasil contemporâneo. Tese de Doutorado em Sociologia. Brasília, DF: UnB.).

Em realidade, na visão dos parlamentares, a criação de uma nova polícia dentro e fora dos presídios seria suficiente e necessária para resolver os problemas estruturais observados hoje nas prisões, como a existência das facções, embora inexista alguma prognose legislativa no discurso dos senadores.

Direcionando o olhar para a realidade brasileira, são muitos os problemas que decorrem das escolhas políticas, que nem sempre se encontram alinhadas ao conhecimento científico. Considerando o estado de São Paulo, Adorno e Salla (2007ADORNO, Sérgio; SALLA, Fernando. 2007. Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC. Estudos Avançados, v. 21, n. 61, pp. 7-29.) apontam que as políticas no campo do sistema carcerário no estado, onde se concentra a maior população prisional de todo país e onde o PCC foi fundado, não apresentam resultados quanto à interrupção do ciclo de crescimento e de arraigamento da “[…] criminalidade organizada na sociedade civil” (Adorno e Salla, 2007ADORNO, Sérgio; SALLA, Fernando. 2007. Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC. Estudos Avançados, v. 21, n. 61, pp. 7-29., p. 23). Há, ao contrário, “evidências” de que o encarceramento em massa e outras práticas têm causado efeitos diversos, como o fortalecimento das facções (Adorno e Salla, 2007ADORNO, Sérgio; SALLA, Fernando. 2007. Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC. Estudos Avançados, v. 21, n. 61, pp. 7-29.; Dias, 2013DIAS, Camila Caldeira Nunes. 2013. PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva .; Dias e Salla, 2019DIAS, Camila Nunes; SALLA, Fernando. 2019. Violência e negociação na construção da ordem nas prisões: a experiência paulista. Sociedade e Estado, v. 34, n. 2, pp. 539-564.).

Assim, refletimos sobre a constituição de uma nova polícia em um sistema carcerário em constante disputa de poder e negociação (Coelho, 2005COELHO, Edmundo Campos. 2005. A oficina do diabo e outros estudos sobre criminalidade. Rio de Janeiro: Record .) e, especialmente, dentro de um modelo que segue apresentando taxas crescentes de encarceramento (Dias, 2017DIAS, Camila Caldeira Nunes. 2017. Encarceramento, seletividade e opressão: a “crise carcerária” como projeto político. Análise, n. 28, pp. 5-30.; Sinhoretto, Silvestre e Melo, 2013SINHORETTO, Jacqueline; SILVESTRE, Giane; MELO, Felipe Athayde L. 2013. O encarceramento em massa em São Paulo. Tempo social, v. 25, n. 1, pp. 83-106.) sem, contudo, fornecer condições mínimas aos presos, como preconizam convenções internacionais - por exemplo, as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso, da ONU -, que buscam estabelecer princípios e práticas minimamente adequadas ao tratamento de pessoas presas e à gestão prisional.

Na contramão das recomendações de entidades de direitos humanos, das regras internacionais e normativas nacionais sobre condições mínimas de tratamento das pessoas privadas de liberdade, as condições precárias dos estabelecimentos prisionais brasileiros, somadas à ausência de políticas públicas assistenciais na área, resultam em permanentes rebeliões e revoltas dentro do sistema (Adorno e Salla, 2007ADORNO, Sérgio; SALLA, Fernando. 2007. Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC. Estudos Avançados, v. 21, n. 61, pp. 7-29.; Ramalho, 2008RAMALHO, José Ricardo. 2008. Mundo do crime: a ordem pelo avesso. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais.), implicando o fortalecimento e a expansão dos grupos organizados por presos (Dias, 2013DIAS, Camila Caldeira Nunes. 2013. PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva .; Marques, 2010MARQUES, Adalton. J. 2010. Crime, proceder, convívio-seguro: um experimento antropológico a partir de relações entre ladrões. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social. São Paulo: USP.; Teixeira, 2009TEIXEIRA, Alessandra. 2009. Prisões da exceção: política penal e penitenciária no Brasil contemporâneo. Curitiba: Juruá.). Não parece claro como a transformação do ASP em policial penal pode alterar esse quadro.

“Crise” do sistema prisional

De maneira geral, os discursos já analisados representam os desdobramentos de um objetivo ainda mais abrangente: dar respostas à “crise” do sistema penitenciário e aos supostos anseios da maioria dos cidadãos “de bem” por segurança, argumento utilizado para a aprovação da PEC.

Esse tipo de intervenção, que apresenta uma solução a um problema em geral angustiante na sociedade, fomenta, no âmago, a ilusão de que algo está sendo feito de maneira efetiva e rápida. Desse modo, o parlamentar, seja o governo ou outra autoridade, não tem como intuito final saber se a medida apresentada e defendida funciona ou não de fato, como é o caso da PEC da Polícia Penal, mas garantir o apoio popular (Garland, 1999GARLAND, David. 1999. As contradições da “sociedade punitiva”: o caso britânico. Revista de Sociologia e Política, n. 13, pp. 59-80.). Paradoxalmente, esses mesmos políticos contribuem para o agravamento da crise a que pretendem combater (Dias, 2017DIAS, Camila Caldeira Nunes. 2017. Encarceramento, seletividade e opressão: a “crise carcerária” como projeto político. Análise, n. 28, pp. 5-30.).

Em tom crítico, Dias (2017DIAS, Camila Caldeira Nunes. 2017. Encarceramento, seletividade e opressão: a “crise carcerária” como projeto político. Análise, n. 28, pp. 5-30.) aponta que o debate sobre a crise prisional é parte de um projeto político24 24 Esse é um debate feito pela Pastoral Carcerária. Em nota, a entidade critica as posturas governamentais e do Poder Judiciário em relação à situação dos presídios brasileiros: “Se a opção que alertávamos há tempos era pelo desencarceramento ou barbárie, o Estado de forma clara e reiterada optou pela barbárie. Parafraseando Darcy Ribeiro, já não se trata mais de uma crise, mas de um projeto” (Caos…, 2017). , na medida em que é resultado “[…] direto e concreto de determinadas escolhas políticas” (Dias, 2017DIAS, Camila Caldeira Nunes. 2017. Encarceramento, seletividade e opressão: a “crise carcerária” como projeto político. Análise, n. 28, pp. 5-30., p. 6). E esse projeto tem como executores não só os legisladores, como já ressaltamos, responsáveis por leis segregadoras cujo objetivo é punir parcelas específicas da população, mas também o Poder Judiciário, responsável pela manutenção dos indivíduos nos presídios, muitos deles sem julgamento, o que contribui para o aumento expressivo da massa carcerária (Dias, 2017DIAS, Camila Caldeira Nunes. 2017. Encarceramento, seletividade e opressão: a “crise carcerária” como projeto político. Análise, n. 28, pp. 5-30.). Assim, em suas distintas esferas de atuação, nos diferentes níveis federativos e na atuação nos três poderes da República, o Estado segue sendo o grande responsável pela:

[…] precariedade, insalubridade, pela violência imposta dentro dos estabelecimentos, pelas péssimas condições desses locais, pela promiscuidade e pela corrupção em larga escala que envolve as práticas dentro e fora das unidades prisionais (nas licitações para obras, alimentação, itens de higiene etc.). (Dias, 2017DIAS, Camila Caldeira Nunes. 2017. Encarceramento, seletividade e opressão: a “crise carcerária” como projeto político. Análise, n. 28, pp. 5-30., pp. 5-6)

Apesar disso, alguns dos parlamentares sustentam falas calcadas em senso comum e, por isso, tangentes à realidade do sistema prisional brasileiro, ignorando a correlação entre o funcionamento do sistema legislativo/justiça criminal e os problemas estruturais inerentes aos cárceres, inclusive no que se refere às facções criminosas (Dias, 2017DIAS, Camila Caldeira Nunes. 2017. Encarceramento, seletividade e opressão: a “crise carcerária” como projeto político. Análise, n. 28, pp. 5-30.). É evidente, portanto, que esses discursos não conectam o diagnóstico - a crise, as facções - com a suposta solução apresentada - a transformação do agente penitenciário em policial penal.

Assim, não há qualquer argumento que ao menos pretenda sustentar uma relação de causa e efeito formulada e sequer foi abordado na discussão um referencial teórico, uma proposta de política criminal metodologicamente validável, que seja. Ao revés, o debate fica na superficialidade do simbólico e alheio às contribuições das ciências sociais no diagnóstico dos problemas prisionais e nas discussões para a proposição de caminhos políticos que poderiam incidir sobre problemas específicos. Enquanto isso, o discurso que reivindica mudanças e que está desatrelado de quaisquer validações cientificas construídas a partir da elaboração de um diagnóstico, da proposição de políticas públicas e de sua avaliação, continua a produzir nefastos efeitos concretos, práticos e diários, sobre as mais de 820 mil vidas recolhidas nos estabelecimentos prisionais brasileiros (Gazoto, 2010GAZOTO, Luís Wanderley. 2010. Justificativas do congresso nacional brasileiro ao rigor penal legislativo: o estabelecimento do populismo penal no Brasil contemporâneo. Tese de Doutorado em Sociologia. Brasília, DF: UnB.).

Considerações finais

O trabalho desempenhado pelos agentes penitenciários, agora policiais penais, repercute, de forma significativa, no cotidiano das prisões e no modo de cumprimento das penas de prisão cautelares ou definitivas, considerando que tais profissionais estão no front dessa relevante função pública. Dessa forma, olhar para esses trabalhadores é fundamental e pode ajudar a compreender as relações de poder estabelecidas dentro do cárcere, em especial na presente conjuntura de exasperação de demandas repressivas, perenemente contrapostas pelo absoluto insucesso do projeto técnico-corretivo que historicamente justifica a pena de restrição de liberdade: a prisão (Liebling, 2019LIEBLING, Alison. 2019. La importancia moral de la autoridad: por qué debemos interesarnos en el trabajo y la cultura del personal penitenciario. Revista de Criminología del Instituto de Criminología Servicio Penitenciario Federal, n. 5, pp. 17-40. ; Moraes, 2005MORAES, Pedro Rodolfo B. 2005. Punição, encarceramento e construção de identidade profissional entre agentes penitenciários. São Paulo: IBCCRIM.).

A reflexão sobre as falas dos parlamentares defensores da aprovação da nova polícia penal, neste estudo, foi pautada pela perspectiva dos novos contornos assumidos pelo discurso político no decorrer das últimas décadas, ao lado do fenômeno do encarceramento em massa e da expansão das facções dentro do sistema carcerário brasileiro. Esses elementos se articulam em torno da produção de um novo significado cultural, social e político para a punição, nutrido por uma lógica de um Estado de polícia (Foucault, 2018FOUCAULT, Michel. 2018. O nascimento da biopolítica. Tradução: Pedro Elói Duarte. Lisboa: Edições 70. ; Garland, 2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia.), e também amparam e dão sustentação às justificativas para a transformação da carreira do agente penitenciário.

Nada obstante, o ainda pendente processo legislativo nos estados, ressaltado ao longo do texto, e a expectativa de ampliação das atribuições dos ASP, insinuam uma nova era do policiamento ostensivo - polícia judiciária - brasileiro, que, no ápice, reforça o incremento do aparato repressivo estatal. Uma nova agência estatal do poder punitivo e o reforço à criminalização secundária e à potencialização do populismo penal em voga são aspectos consideráveis desse novo panorama - ainda em curso - da realidade brasileira.

Nessa ordem de ideias, a criação da polícia penal, isoladamente, não inaugura reconfigurações sociais, políticas e culturais em termos de gestão dos ilegalismos de interesse da justiça criminal pelo Estado, secular detentor do monopólio do uso legítimo da força. Em vez disso, como procuramos apresentar neste texto, trata-se de um ponto de chegada importante de processos que se desenvolveram nas últimas décadas e que culminaram no deslocamento da prisão e do sentido do trabalho do profissional que ali atua.

No plano analítico, a verificação casuística dos discursos parlamentares propiciou perceber que preponderam debates não qualificados ou minimamente calcados em pesquisas acadêmicas, dados estatísticos ou mesmo fidedignas informações oriundas de relatórios de organismos internacionais e nacionais a respeito da realidade do sistema penitenciário nacional. Irremediavelmente, os discursos dos parlamentares se apoiam na perspectiva do que Garland (2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia.) chamou de populismo penal e na ideia de que militarizar a ação dos ASP seria suficiente e necessário para resolver os problemas observados nas prisões, como é o caso da existência das facções.

Desta feita, as consequências da transformação da carreira dos agentes penitenciários em policiais penais serão sentidas “[…] com o passar do tempo, mas já se podem antever alguns [impactos], como o aumento da violência e truculência na atuação dos agentes, e ainda menor atuação voltada à reintegração social” (Calderoni, 2021CALDERONI, Vivian. 2021. Arquitetura da opressão: barreiras à atuação dos agentes penitenciários na reintegração social. Tese de Doutorado em Direito. São Paulo: USP., p. 321).

Nesse contexto, é necessário destacar que os princípios constitucionais e normativos relacionados à ressocialização/reintegração dos presos, a despeito de serem também bases fundamentais de nosso ordenamento jurídico, em nenhum momento foram citados pelos parlamentares durante as sessões de votação da PEC nº 372/2017. Ademais, preocupações com a situação precária das prisões e as recorrentes, regulares e reiteradas violações dos direitos dos presos - por meio de práticas de tortura, castigos físicos ilegais, ausência de assistência médica, entre outros - sequer foram suscitadas na discussão que ocorreu no âmbito do Senado Federal envolvendo a criação da polícia penal (Brasil, 2017aBRASIL. Senado Federal. 2017a. Notas taquigráficas da sessão do 1º turno de votação da PEC nº 14, de 2016. Diário do Senado Federal, Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3DaVyGQ . Acesso em: 24 mar. 2022.
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; 2017bBRASIL. Senado Federal. 2017b. Notas taquigráficas: 113ª sessão deliberativa extraordinária. Diário do Senado Federal , Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3CyHAOG. Acesso em: 29 mai. 2020.
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).

Não por outra razão, a criação da polícia penal tem sido alvo de críticas mesmo antes de se concretizar no âmbito do Congresso Nacional e, agora, nos estados. Mariath e Santa Rita (2010MARIATH, Carlos Roberto; SANTA RITA, Rosângela P. 2010. Polícia penitenciária: reflexo do sistema penal simbólico. Revista Jus Navigandi, v. 15, n. 2602. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3pX9sXP . Acesso em: 11 mar. 2022.
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) defendem que a polícia penal é o reflexo de um sistema penal simbólico, ou seja, uma tentativa do Estado de apresentar uma “[…] resposta imediata de melhoria da segurança pública e do sucesso da execução penal […]” (Mariath e Santa Rita, 2010MARIATH, Carlos Roberto; SANTA RITA, Rosângela P. 2010. Polícia penitenciária: reflexo do sistema penal simbólico. Revista Jus Navigandi, v. 15, n. 2602. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3pX9sXP . Acesso em: 11 mar. 2022.
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) em meio a um cenário caótico. Portanto, não é a criação de uma polícia penal que será capaz de sanar as incongruências de todo um sistema penitenciário, repleto de déficits estruturais congênitos, mesmo quanto aos conflitos ali existentes.

Por fim, as mudanças na carreira de agente penitenciário, a partir da proposta da PEC da polícia penal, passam pela eliminação inequívoca e concreta das ambiguidades presentes no paradoxo da prisão: o binômio punição versus recuperação (Paixão, 1987PAIXÃO, Antônio Luiz. 1987. Recuperar ou punir? Como o Estado trata o criminoso. 2. ed. São Paulo: Cortez; Autores Associados.). A criação da polícia penal, conforme enunciada pelos senadores, aparentemente representa a face não ambígua da instituição carcerária, que se afasta dos princípios outrora norteadores da perspectiva de recuperação - por meio de processos denominados reinserção e ressocialização ou reintegração social -, voltando seu foco para o perene discurso de incremento da repressão nos cárceres, mediante recursos humanos e logísticos de toda ordem. Isso seria coerente em relação à instituição prisional, que se concretiza de maneira evidente pelos seus mecanismos de controle dos corpos (Foucault, 2014bFOUCAULT, Michel. 2014b. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 42. ed. Petrópolis: Vozes.), pela punição e pela segregação social, assumindo os contornos não ambíguos de uma fábrica de criminosos e, dessa forma, contraditoriamente fortalecendo as facções prisionais e sendo por elas fortalecida em sua dinâmica produtiva do ciclo crime-punição-segregação. Portanto, compreender os discursos que justificam a PEC que transforma a carreira do agente penitenciário em uma nova polícia envolve refletir sobre as contradições e os paradoxos que fundamentam a existência e o funcionamento das prisões no Brasil nas últimas décadas.

Nesse sentido, a criação da polícia penal, abordada neste artigo por meio de um recorte específico, qual seja, os argumentos de senadores no debate parlamentar, propicia (re)situar os novos contornos da reconfiguração do lugar da prisão no Brasil, atualizando, assim, a reflexão teórica e empírica desse campo do conhecimento e, ainda, possibilitando expandir as atuais discussões que perpassam os estudos sobre as polícias, a militarização e as demais formas de controle do crime e da punição no Brasil.

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  • ZAFFARONI, Eugenio Raúl. 1988. Criminología: aproximación desde un margen. Bogotá: Temis.
  • 1
    Noções sobre o ilegalismo podem ser encontradas nos livros A sociedade punitiva e Vigiar e Punir: nascimento da prisão, de Michel Foucault (2014bFOUCAULT, Michel. 2014b. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 42. ed. Petrópolis: Vozes., 2015). A ideia de ilegalismo não foca na ação transgressora do indivíduo com relação às normas jurídicas, mas em uma certa “estratégia política que instrumentaliza a percepção social sobre a violência, visando, com isso, a criação de uma delinquência útil, legítima em última análise, que autoriza a adoção de expedientes jurídicos extraordinários, muitas vezes contrários à própria lei” (Ramos e Avila, 2019RAMOS, Marcelo Buttelli; AVILA, Gustavo Noronha de. 2019. A persistência do fracasso/sucesso prisional: a hipótese do ilegalismo em Michel Foucault. Revista Direitos Humanos e Democracia, v. 7, n. 13, pp. 223-229., p. 225).
  • 2
    A obra de Garland (2008GARLAND, David. 2008. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia.) se debruça sobre as transformações ocorridas nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha do que ele chama de “previdenciarismo penal” para a ‘cultura do controle do crime e que corresponde, no campo da punição, à passagem da euforia política e econômica desenvolvimentista do pós-guerra, para as crises que colocarão em relevo as políticas neoliberais da década de 1970. A despeito do contexto do Norte Global, sua análise teve forte impacto nos estudos de outros países, incluindo o Brasil, a ponto de ser considerada “possivelmente como a mais importante matriz teórica dos estudos empíricos sobre o campo do controle do crime nas últimas duas décadas” (Fayet Jr. e Azevedo, 2020FAYET JR., Ney; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli. 2020. Para além da cultura do controle? Apresentação da edição em português. Porto Alegre: Aspas., p. 11).
  • 3
    Para falar desse grupo de trabalhadores, neste artigo utilizaremos as nomenclaturas: Agentes de Segurança Penitenciária (ASP), agente prisional ou agente penitenciário.
  • 4
    No Senado, a PEC da Polícia Penal tramitou com o nº 14/2016 e, na Câmara dos Deputados, com o nº 372/2017.
  • 5
    A análise das notas taquigráficas da primeira sessão permite apontar que entre os 63 senadores presentes, 30 fizeram o uso da palavra e, desses, 14 fizeram-no para participar do debate a respeito especificamente da PEC. Já na segunda sessão, dos 62 senadores, 13 fizeram o uso da palavra e, desses, 12 participaram do debate específico da proposta.
  • 6
    Aprofundando, dentre esses senadores temos: Ronaldo Caiado, José Medeiros, Aécio Neves, Hélio José, Wilder Morais, Ivo Cassol, Reguffe, Simone Tebet, Rose de Freitas, Waldemir Moka, Garibaldi Alves Filho, Otto Alencar, Cássio Cunha Lima, Valdir Raupp, José Agripino, Randolfe Rodrigues, Vanessa Grazziotin e Renan Calheiros.
  • 7
    Portal do Senado disponível para consulta em: https://bit.ly/3w600Fx. Acesso em: 15 mai. 2020.
  • 8
    Foram doze os senadores que defenderam tal posição: Cássio Cunha Lima, José Agripino, Simone Tebet, Rose de Freitas, Aécio Neves, Hélio José, José Antônio Machado Reguffe, Garibaldi Alves Filho, Ivo Cassol, Otto Alencar, Valdir Raupp e Vanessa Grazziotin.
  • 9
    Foram cinco os senadores que defenderam tal posição: José Medeiros, Simone Tebet, Waldemir Moka, Renan Calheiros e Randolfe Rodrigues.
  • 10
    Foram quatro os senadores que defenderam tal posição: Ronaldo Caiado, José Medeiros, Cássio Cunha Lima e José Agripino.
  • 11
    Foram dois os senadores que defenderam tal posição: Ronaldo Caiado e Wilder Morais.
  • 12
    Dados fornecidos por e-mail, no dia 13/04/2020, pela Secretaria de Comunicação Social do CNJ. Este banco é abastecido por informações das Varas de Execuções Penais (VEP) do país e considera decisões judiciais, transferências de estabelecimento e mandados de prisão executados.
  • 13
    A questão da escolta, bastante referenciada por senadores durante os discursos, é fruto de conflitos entre organismos. Para exemplificar, ainda utilizando o caso de São Paulo, estado onde há a maior número de pessoas presas de todo país, o Ministério Público (MP) paulista entrou com uma ação, em maio de 2019, contra o governo estadual exigindo que policiais militares parassem de fazer a escolta de presos. Na visão do MP, esse trabalho deveria ser feito apenas por agentes da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP). Segundo matéria do G1, foram contabilizadas 107.242 escoltas feitas por PM em 2018 (Lara, 2019LARA, Walace. 29 mai. 2019. MP entra com ação para que policiais militares de São Paulo parem de fazer escolta de presos. G1, São Paulo. Disponível em: Disponível em: https://glo.bo/3tVokXY . Acesso em: 8 mai. 2020.
    https://glo.bo/3tVokXY...
    ).
  • 14
    Foucault (2018FOUCAULT, Michel. 2018. O nascimento da biopolítica. Tradução: Pedro Elói Duarte. Lisboa: Edições 70. , p. 393) explica este conceito: “Entendia por biopolítica a maneira como se tentou, desde o século XVIII, racionalizar os problemas criados à prática governamental pelos fenômenos específicos de um grupo de seres vivos constituído em população: saúde, higiene, natalidade, longevidade, raças…”.
  • 15
    Disponível em: https://www.camara.leg.br. Acesso em: 5. jan. 2022.
  • 16
    O ano de 2004 foi quando a primeira PEC - PEC nº 308 - começou a tramitar no Congresso Nacional, reivindicando a criação de uma nova polícia.
  • 17
    Dirigentes do SINDASP, incluindo Daniel Grandolfo, realizaram viagem à Itália de 24 a 29 de junho de 2012, a fim de conhecer a experiência da Polizia Penitenziaria e do sistema penitenciário italiano, uma proposta de intercâmbio com o intuito de trazer a experiência ao Brasil. De posse desse conhecimento, as autoras deste artigo, inclusive, têm como perspectiva compreender a experiência da polícia penitenciária em outros países, a fim de desdobrar estudos científicos futuros em consonância com as transformações da realidade brasileira. Informações sobre a visita do SINDASP à Itália podem ser conferidas em: https://bit.ly/3MSiajX. Acesso em: 10 jan. 2022.
  • 18
    Informação pode ser confirmada no site do Ministério da Justiça italiano, disponível em: https://bit.ly/3q6Uv5F. Acesso em: 15 jan. 2022.
  • 19
    O cargo de AEVP foi criado em 2001 e o GIR em 2004, segundo informações da SAP, enviadas por e-mail às autoras, em 29 de maio de 2020.
  • 20
    Sykes escreveu sobre o universo prisional para além dos muros e das celas, tratando sobre as relações e a forma de organização dentro desse ambiente.
  • 21
    Como é o caso da atuação de entidades sindicais defensoras da polícia penal, desde os anos 2000, que comentamos ao longo do artigo.
  • 22
    O PCC ultrapassou os muros da prisão e está presente hoje em diferentes regiões do Brasil (Manso e Dias, 2018MANSO, Bruno Paes; DIAS, Camila Nunes. 2018. A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil. São Paulo: Todavia.). Dias (2013DIAS, Camila Caldeira Nunes. 2013. PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva .) entende o processo de hegemonia do PCC dentro dos presídios de São Paulo como uma consequência da incapacidade do governo de manter o “[…] monopólio da violência física legítima”. Isso estaria vinculado às divisões observáveis na democracia brasileira, “[…] com todos os obstáculos para sua efetivação plena, postos por uma distribuição absolutamente desigual de recursos econômicos, sociais, políticos que incidem nas formas diferenciais de acesso à justiça e à garantia de direitos” (Dias, 2013DIAS, Camila Caldeira Nunes. 2013. PCC: hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva ., p. 439).
  • 23
    A socióloga argentina Karina Mouzo (2012MOUZO, Karina. 2016. El cuerpo penitenciario. Delito y Sociedad, v. 2, n. 30, pp. 71-84.) chama atenção para o fato de que a categoria de populismo penal deve ser repensada e não estabelecida de forma monocromática, mas sim de modo complexo e com consensos distintos. Ela defende que a área das ciências sociais desnaturalize ideias comuns que se sedimentaram sobre determinadas temáticas que envolvem a análise das relações em sociedade.
  • 24
    Esse é um debate feito pela Pastoral Carcerária. Em nota, a entidade critica as posturas governamentais e do Poder Judiciário em relação à situação dos presídios brasileiros: “Se a opção que alertávamos há tempos era pelo desencarceramento ou barbárie, o Estado de forma clara e reiterada optou pela barbárie. Parafraseando Darcy Ribeiro, já não se trata mais de uma crise, mas de um projeto” (Caos…, 2017CAOS nos presídios não é uma crise, mas um projeto, diz Igreja Católica. 19 jan. 2017. Uol, São Paulo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3i8mkpw . Acesso em: 8 mai. 2020.
    https://bit.ly/3i8mkpw...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    05 Jun 2020
  • Aceito
    17 Fev 2022
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