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IMAGINAÇÕES POLÍTICAS PARA O SÉCULO XXI

POLITICAL IMAGINATION FOR THE 21ST CENTURY

Resumo

Neste texto de apresentação do dossiê “Imaginações políticas para o século XXI” propomos explorar uma fronteira de pesquisa que nasce do encontro entre o exercício da imaginação política e a formulação teórica de princípios e proposições sobre a justiça social. Para tanto, (1.) apresentamos uma definição geral do conceito de “imaginação política” para, em seguida, organizar seu duplo sentido enquanto (2.) passado-presente e (3.) presente-futuro da realidade política. É neste terceiro passo que localizamos o argumento estruturante deste número especial. Ao recolocarmos a relação entre utopia e imaginações políticas, a obra de John Rawls ganha centralidade precisamente por sua definição do exercício da produção de “utopias realistas”. Com essa definição, Rawls nos ensina sobre uma maneira de localizar nossas formulações sobre a justiça como parte de um movimento político de transfiguração. O movimento de alargar os limites do nosso possível, nos termos de uma política da transfiguração rawlsiana, argumentaremos, continua a ecoar o chamado para continuarmos produzindo utopias realizáveis sobre o que a justiça requer de nós, cidadãs e cidadãos, de uma sociedade democrática que falha insistentemente em realizar-se por completo. E, na esteira desse eco, concluímos apresentando os artigos que compõem este dossiê.

Palavras-chave:
Imaginação Política; Justiça Social; Democracia; Utopia Realista; John Rawls

Abstract

This presentation of the dossier “Political imaginations for the 21st century” aims to explore a research frontier stemming from the crossing between the exercise of political imagination and the theoretical formulation of social justice principles and propositions. For this, (1.) we offer a general definition of the concept of political imagination to then organize its double meaning as the (2.) past-present and (3.) present-future of political reality. This third step sets the structuring argument of this special issue. By relocating the relation between political utopia and imaginations, we focus on John Rawls’ work precisely for its definition of producing “realistic utopias.” With this definition, Rawls teaches us how to locate our formulations on justice as belonging to a transfiguring political movement. This broadening of the limits of what is possible to us (regarding a Rawlsian politics of transfiguration) continues to echo the call for us to keep producing achievable utopias on what justice requires from us, citizens of a democratic Society which insistently fails to fully realize itself. Thus, following this echo, we conclude by showing the articles constituting this dossier.

Keywords:
Political Imagination; Social Justice; Democracy; Realistic Utopia; John Rawls

Introdução

60% dos jovens de periferia

Sem antecedentes criminais já sofreram violência policial

A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras

Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros

A cada quatro horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo

Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente

Capítulo 4, Versículo 3 - Racionais MC’s

Como tragédia que se refaz no tempo, no território e em certos corpos, a realidade de quem precisa sobreviver continua se impondo no século XXI como promessa não cumprida de nossa sociedade democrática cambaleante.

No ano de 2020, 76,2% das pessoas assassinadas eram negras. Na última década 405.811 pessoas negras foram mortas no Brasil. A chance de uma pessoa negra ser vítima de homicídio no país é 2,6 vezes maior do que a de uma pessoa não negra. A maioria das crianças vítimas de violência letal são negras: 63% das crianças até nove anos e 81% dos adolescentes de 15 a 19 anos. Já as mulheres negras concentram os piores índices de qualidade de vida quando comparadas com as mulheres brancas. Durante a pandemia, retratam os números, 57% das mulheres negras diminuíram sua renda familiar e 41,5% perderam seu emprego. Ainda sobre as mulheres, 61,8% das vítimas de feminicídio, em 2020, eram mulheres negras (FBSP, 2021FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA - FBSP. 2021. A violência contra pessoas negras no Brasil 2021. Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 19 nov. 2021. Infográfico. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3tf9jjI . Acesso em: 7 nov. 2022.
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). Nas universidades brasileiras, se as políticas de cotas foram responsáveis por transformar a normalidade desses espaços majoritariamente brancos (em mais de um sentido), ainda esperamos pela mesma revolução nos espaços da pós-graduação - onde apenas 2,7% da(o)s aluna(o)s são negra(o)s e 12,7% são parda(o)s1 1 De acordo com um levantamento de junho de 2020, feito pela Liga de Ciência Preta Brasileira (Hanzen, 2021). - e na docência e nos cargos administrativos da universidade -, se considerarmos todas as instituições de ensino superior do país, em 2021, 23,6% do(a)s docentes eram preta(o)s ou parda(o)s (Righetti e Gamba, 2021RIGHETTI, Sabine; GAMBA, Estêvão. 2021. Inclusão de professores negros no ensino superior pouco avança em dez anos. Folha de S.Paulo, 21 nov. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3NQVP7h . Acesso em: 7 nov. 2022.
https://bit.ly/3NQVP7h...
).

Com essa reatualização rápida dos dados do verso - que na voz dos Racionais’ é também um chamado - e com o reconhecimento incontornável de outros tantos problemas urgentes que compõem os diagnósticos de uma sociedade democrática cambaleante,2 2 É cambaleante, no sentido empregado, por falhar reiteradamente em cumprir o que prevê em sua carta constitucional, tanto do ponto de vista do respeito aos seus fundamentos - ressaltamos o valor da dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político - quanto falha em cumprir com seus objetivos mais fundamentais: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. buscamos abrir um espaço que é resultado do exercício de imaginarmos politicamente o século XX.

Assim nasceu o Seminário Internacional “Imaginações políticas para o século XXI. John Rawls: Democracia e Justiça Social”. Acompanhando os eventos que comemoraram o aniversário da publicação de Uma Teoria da Justiça (1971), reunimos, em novembro de 2021, no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA), pesquisadoras e pesquisadores de diferentes campos do conhecimento - da ciência política, da educação, da economia, da sociologia, do direito e da filosofia - e de diferentes territórios - do Brasil, do Uruguai, dos Estados Unidos, da Itália e de Portugal -, para discussões que orbitaram a centralidade de uma obra indiscutivelmente clássica responsável por revolucionar a natureza e as consequências dos argumentos normativos para debates e ações políticas, principalmente, mas não apenas, relacionadas aos conflitos distributivos do nosso tempo. A iniciativa surge de uma parceria interinstitucional entre pesquisadoras e pesquisadores do Grupo Direitos Humanos, Democracia e Memória (GPDH), do IEA-USP, do Grupo de Estudos sobre Desigualdades e Injustiça (DesJus), vinculado ao IPP do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Vale notar que o evento foi também apoiado pelo Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC)3 3 Aproveitamos a oportunidade para agradecer à Lucas Petroni, Andrei Koerner, Álvaro de Vita, Frederico Almeida, Maria José Rezende, Flavia Schilling, Ludmilla Murta, Gustavo Pereira, Sebástian Rudas, Núnzio Ali, Roberto Merrill, Fábio Domingues Waltenberg, Leandro Ferreira, Denílson Werle e Júlio César Casarin por terem composto o Seminário e, com isso, tornado possível este número especial que apresentamos em forma de dossiê. Gostaríamos de agradecer o trabalho imprescindível de toda(o)s a(o)s pareceristas anônima(o)s que contribuíram diretamente para a construção dos textos aqui reunidos. Por fim, agradecemos, de maneira especial, o trabalho de Bruno Comparato e Pedro Vasques na edição e preparação deste dossiê. Para mais informações sobre o Seminário Internacional conferir: https://imaginacoespoliticas.com.br/ .

Localizamos o Seminário como parte de um movimento que se coloca em confronto, quando não recusa aberta, àquelas posições que amarram a vida política ao domínio da conformidade. O lado oposto da proposta da qual nasce o Dossiê ora apresentado poderia então ser definido pela imagem de um nó feito com duas pontas: de um lado, apresenta-se o que seria incontornável e possível no presente e, de outro, é dito que o terreno da política é firmado pelos limites do que podemos ser e fazer, aqui e agora, enquanto nós. Quando a primeira-ministra, Margaret Thatcher, afirmou “Não há alternativa”; quando Francis Fukuyama (1992FUKUYAMA, Francis. 1992. The end of History and the Last Man. New York: Free Press.) concluiu sobre a impossibilidade de imaginarmos qualquer outro mundo diferente e mais adequado do que aquele que se consolidava com o fim da Guerra Fria, suas posições podem ser lidas como forças que refazem a dureza desse nó que expressa um horizonte sem saídas para além de um possível atado ao presente. Contudo, no espaço conceitual aberto pelo encontro entre “imaginações” e “política” podemos retomar as pontas desse nó e recolocá-las como parte de uma imagem mais complexa, plural, em forma de trama aberta e inacabável.4 4 Como aquelas peças costuradas pelas mãos das bordadeiras que criam Linhas no [nosso] Horizonte. Com o propósito de unirem bordados e democracia, coletivos de mulheres começaram a se formar para tramar, no tecido, suas posições de contestação contra os ataques mais recentes à democracia brasileira. O coletivo Bordadeiras pela Democracia, em São Paulo, e Linhas no Horizonte, de Minas Gerais, são iniciativas inovadoras nesse sentido.

Reposicionar o nó nessa trama significa acessar as palavras de Thatcher, Fukuyama, agora, com outros elementos. O que parece ser dito, neste momento, não é uma declaração sobre o fim das energias utópicas ou sobre o esgotamento da nossa capacidade de imaginar politicamente outros mundos possíveis. Ao seguirem uma longa tradição de definição da política “como a arte do possível”, tais posições parecem anunciar a vitória de certas energias utópicas e de certas imaginações políticas. Pelo anúncio da impossibilidade - seja pelo esgotamento, seja pela vitória de uma ou outra posição - declara-se o fim da busca pela transposição dos limites do que se quer possível. O que, no caso brasileiro, podemos traduzir pela aceitação inescapável da desigualdade social, da pobreza, do racismo, da misoginia, de um modelo de desenvolvimento predatório, e assim por diante.5 5 Numa outra direção, aprendemos com Enzo Traverso (2021; 2022), que o século XXI parece ter uma diferença fundamental em relação aos dois séculos anteriores. Essa diferença diz respeito ao que ele chamou de “eclipse das utopias”. Um eclipse explicado por mais de um evento que acompanha o esgotamento da ideia e das revoluções do século XX. Um século que, além de ter sido o século do totalitarismo e de duas guerras mundiais, também foi o século em que o “princípio da esperança” (Bloch, 1916) ganhou sentido na medida em que o comunismo se tornou uma utopia concreta e possível. Com tal posição, Traverso não supõe que não exista caminho, hoje, para a transformação radical. Ao contrário, nos anos recentes, afirma o historiador, houve “revoluções” importantes - um exemplo é a Primavera Árabe -, porém, tais movimentos não criaram identificações com os modelos do passado: socialismo, nacionalismo libertário, panarabismo. Modelos que, por sua vez, passaram a ser taxados como obsoletos, exauridos, derrotados. O que, uma vez mais, não significa ceder a qualquer posição fatalista sobre a impossibilidade da mudança. Nas palavras de Traverso: “A ideia de transformação radical persiste apesar de não se reconhecer como herdeira dos modelos herdados do século XX, em particular do comunismo e do anti-colonisalismo. Porém, um novo modelo ainda não está à vista. Esse vazio está na origem de uma criatividade incrível, diria até mesmo uma sofisticação teórica, presente em movimentos forçados a reinventar-se. Na base dessa criatividade está uma questão revolucionária: Como mudar o mundo, colocar fim no capitalismo, salvar o planeta, superar as terríveis desigualdades que assolam as nossas sociedades?” (Traverso, 2022; 2021)

Seja definida como neoliberal, como conservadora, como neoconservadora, como populista ou até mesmo como fascista, a suposta vitória de quem anuncia o fim de “outras alternativas” é contestada porque permanece contestável. Com tal afirmação estamos longe de diminuir a força e o papel das diferentes posições responsáveis por assaltar os princípios, as práticas, os valores, os sujeitos e as instituições democráticas (mais ou menos consolidadas) (Brown, 2015BROWN, Wendy. 2015. Undoing the demos: Neolibaralism’s Stealth Revolution. New York: Zone Books. DOI: https://doi.org/10.2307/j.ctt17kk9p8.
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, p. 9). Nosso objetivo é outro. Ele começa quando aceitamos notar tanto aquelas práticas políticas e alianças sociais permeadas por valores outros - como a solidariedade, a igualdade, a justiça e a responsabilidade -, que nunca deixaram de existir,6 6 Há uma tradição, especialmente entre feministas antirracistas brasileiras, que nos ensina tanto como “o protagonismo político das mulheres negras tem se constituído em força motriz para determinar as mudanças nas concepções e o reposicionamento político feminista no Brasil” (Carneiro, 2003, p. 129) quanto como esse protagonismo, que tem como alvo a injustiça racial, a injustiça social e a incompletude da democracia brasileira, tem em sua base movimentos e formas de organizações sociais alternativas ao individualismo, à meritocracia, à responsabilização individual, à autossuficiência. Judith Butler, nessa mesma direção, chama a atenção para movimentos e alianças políticas, que nascem na condição partilhada de precariedade, e que existem como alternativas às lógicas neoliberais - significando aqui o capital monopolista, a supressão de direitos políticos, a tentativa de alguns/algumas de se manterem em uma condição de invulnerabilidade enquanto outras vidas são reiteradamente tornadas mais vulneráveis, o desmantelamento de formas de democracia social e socialismos, a erradicação de empregos, exposição de certas parcelas da população à pobreza, e o assalto ao acesso a direitos de saúde e educação (Butler, 2018). quanto aquelas vozes e teorias que continuam buscando desenhar e traçar outras rotas, novas alternativas ao que se apresenta como possível, imutável e insolucionável.

Se, então, a urgência do chamado nasce do tipo de injustiça que precisamos endereçar como cidadãs e cidadãos de uma sociedade que se pretende democrática - e fundada em valores como a tolerância, a igualdade, a liberdade, o pluralismo e o estado de direito, para ficarmos com aqueles que deveriam ser os menos controversos -, no campo das reflexões teóricas e conceituais precisamos começar a definir o terreno sobre o qual tal chamado está assentado. Nos ocuparemos dessa tarefa na primeira parte desta Introdução (1). Um alerta, no entanto, se faz necessário. Como em outros casos, a literatura sobre imaginações, em geral, e as imaginações políticas, em particular, abre uma espécie de porta que nos levaria a uma biblioteca borgeana, equipada com muitas portas, salas, prateleiras, manuscritos, livros e artigos. A imagem serve, aqui, para limitar os nossos propósitos de definição e reconstrução do debate ao nosso objetivo central. Pretendemos apresentar os termos que compõem a proposta deste dossiê como parte de uma fronteira de pesquisa que se abre com a publicação de Uma Teoria da Justiça (1971) e a subsequente retomada e consolidação do debate sobre a justiça na teoria política contemporânea.

Depois de assentar o conceito de “imaginação política”, seguiremos com a proposta de organizar os seus usos diversos - (2) do passado-presente para (3) o presente-futuro das imaginações políticas. Nesse momento final, nos dedicaremos tanto a justificar porquê retomar John Rawls importa quanto apresentaremos os manuscritos que compõem este número especial da Revista Lua Nova.

Assentando os termos e apresentando os conceitos

Não representa qualquer novidade entre teórica(o)s sociais e política(o)s reflexões sobre a imaginação, o “circuito dos afetos” (Safatle, 2015SAFATLE, Vladimir. 2015. O circuito dos afetos. Corpos políticos, desamparos e o fim do indivíduo. São Paulo: Cosac Naify.) ou das emoções (Ahmed, 2004AHMED, Sara. 2004. The Cultural Politics of Emotion. Edinburgh: Edinburgh University Press.) que a acompanha - esperança, medo, ódio, dor, desejo, raiva, melancolia e assim por diante. O que reaparece com força, conforme apresenta Avshalom M. Schwartz (2021SCHWARTZ, Avshalom M. 2021. Political imagination and its limits. Syntheses. v. 199, n. 1-2, pp. 3325-3343. DOI: https://doi.org/10.1007/s11229-020-02936-1.
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), pelas vozes de Cornelius Castoriadis (1987CASTORIADIS, Cornelius. 1987. The imaginary institutions of society. Cambridge: MIT Press ., 1997), Charles Taylor (2003) e Paul Ricoeur (1986RICOEUR, Paul. 1986. In G. H. Taylor (Ed.), Lectures on ideology and Utopia. New York: Columbia University Press ., 1994RICOEUR, Paul. (1994). Imagination in discourse and action. In: ROBINSON, Gillian; RUNDELL, John F. (ed.). Rethinking Imagination: Culture and creativity. Abingdon: Routledge . pp. 118-135.), no entanto, é o debate em torno do papel que a imaginação tem nas diferentes formas de vida política e social. Num sentido mais relacionado à concepção de “imaginação social”, o conceito abriu um espaço de debate e formulação, por um lado, afastado dos limites e dos termos da filosofia da mente, seu campo por excelência, e, por outro, levou o conceito para o terreno da sociologia e da filosofia/teoria política.

Entre as diferentes perspectivas, a imaginação, passa a ser mobilizada, em uma direção, para explicar inovações políticas e sociais. Ou seja, expressa uma preocupação com o tipo de radicalidade criativa que permite a ação coletiva e as mobilizações e mudanças em larga escala (Arendt, 2006ARENDT, Hannah. 2006. On revolution. London: Penguin Books.; Castoriadis, 1987CASTORIADIS, Cornelius. 1987. The imaginary institutions of society. Cambridge: MIT Press .; Ezrahi, 2012EZRAHI, Yaron. 2012. Imagined democracies: Necessary political fictions. Cambridge: Cambridge University Press .; Frank, 2010FRANK, Jason. 2010. Constituent moments: Enacting the people in postrevolutionary America. Durham: Duke University Press., 2013FRANK, Jason. 2013. Publius and political imagination. Lanham: Rowman & Littlefield.). Em outra direção, a imaginação é evocada por perspectivas sobre o fenômeno oposto ao explicar o sentido da estabilidade e da rigidez de certas ordens sociais e da persistência de certos fenômenos políticos e sociais (Bottici, 2011BOTTICI, Chiara. 2011. From imagination to the imaginary and beyond: towards a theory of imaginal politics. In: BOTTICI, Chiara; CHALLAND, Benoît. (eds.). The politics of imagination. London: Birkbeck, pp. 16-37.; 2014BOTTICI, Chiara. (2014). Imaginal politics: Images beyond imagination and the imaginary. New York: Columbia University Press .; Bottici; Challand, 2011BOTTICI, Chiara; CHALLAND, Benoît. 2011. Introduction. In: BOTTICI, Chiara; CHALLAND, Benoît. (eds.). Politics of imagination. Abingdon: Birkbeck Law Press. pp. 1-16.; Castoriadis, 1997CASTORIADIS, Cornelius. 1997. World in fragments: Writing on politics, society, psychoanalysis, and the imagination. Stanford: Stanford University Press.; Ricoeur, 1986RICOEUR, Paul. 1986. In G. H. Taylor (Ed.), Lectures on ideology and Utopia. New York: Columbia University Press .).

Parece relevante pausarmos sobre os sentidos dessa dupla e contraditória direção em que os usos do conceito de imaginação parecem nos encaminhar.

A “imaginação”, de acordo com uma das definições do dicionário Houaiss (2001HOUAISS, Antônio. 2001. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva.), é uma faculdade de criar a partir da combinação de ideias, criatividade - é a atividade do cientista político, do matemático. Pode ser igualmente, em outra definição, a capacidade de criar ou fabular - temos, assim, a imaginação criadora. Agora, se nos distanciarmos dessa primeira aproximação, encontramos mais dificuldades de acordarmos sobre sua definição. Longe de haver qualquer consenso sobre sua o que a imaginação é, especialistas frequentemente optam por definir o que a imaginação não é. Nesse sentido, definições negativas, propõe Schwartz (2021SCHWARTZ, Avshalom M. 2021. Political imagination and its limits. Syntheses. v. 199, n. 1-2, pp. 3325-3343. DOI: https://doi.org/10.1007/s11229-020-02936-1.
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), costumam concordar com a afirmação segundo a qual a imaginação é um estado mental irredutível em relação a outros estados - como a percepção, a crença e a memória. A imaginação, ainda nessa acepção mais geral, é intencional e diferente da percepção ou da crença, não está restrita ou pode ser reduzida a verdade. Compartilha com a memória as representações daquilo que não está presente, além de poder ser experimental. Entretanto, sugere Dorothea Debus (2016DEBUS, Dorothea. 2016. Imagination and memory. In: KIND, Amy (ed.), The Routledge Handbook of philosophy of imagination. Abingdon: Routledge. pp. 135-148.), memória e imaginação diferem entre si em relação ao seu contexto de coerência, sua força e vivacidade. A imaginação, ainda que envolva, como a crença, o acesso à representação, estamos diante de diferentes estados representacionais que não devem ser reduzidos um ao outro (Currie e Ravenscroft, 2002CURRIE, Gregory; RAVENSCROFT, Ian. (2002). Recreative minds: Imagination in philosophy and psychology. Oxford: Oxford University Press .). Por fim, a imaginação costuma se apresentar e ser enquadrada em oposição ao puramente sensorial e ao puramente racional (Currie, 2020CURRIE, Gregory. 2020. Imagining and knowing: The shape of fiction. Oxford: Oxford University Press.; Egan, 2008EGAN, Andy. 2008. Imagination, delusion, and self-deception. In: BAYNE, Tim; FERNANDEZ, Jordi. (ed.). Delusion and self-deception: Affective and motivational influences on belief formation. East Sussex: Psychology Press.; Gendler, 2007GENDLER, Tamar Szabó. 2007. Self-deception as pretense. Philosophical Perspectives. v. 21, n. 1, pp. 231-258. https://doi.org/10.1111/j.1520-8583.2007.00127.x.
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; Kind, 2013KIND, Amy. 2013. The Heterogeneity of the Imagination. Erkenn. v. 78, n. 1, pp. 141-159. DOI: http://doi.org/10.1007/s10670-011-9313-z.
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). “Tal compreensão da imaginação”, sugere Schwartz (2021SCHWARTZ, Avshalom M. 2021. Political imagination and its limits. Syntheses. v. 199, n. 1-2, pp. 3325-3343. DOI: https://doi.org/10.1007/s11229-020-02936-1.
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, p. 3327), “é suplementada por uma variedade de perspectivas filosóficas que a vê como parte de um processo central de cognição e reconhecimento e como tendo um papel ao menos de mediação no senso de percepção e interpretação”.7 7 As referências para a “variedade de perspectivas filosóficas” são: Aristóteles (1907), Hobbes (Hobbes, 2003; Schwartz, 2020) e Kant (2008). Não obstante diferenças significativas entre suas posições, concordam sobre o papel epistemológico e psicológico da imaginação também na produção de conhecimento. Para uma análise compreensiva sobre o papel da imaginação especificamente na produção de julgamentos e razões morais, por um lado, e na nossa capacidade de compreensão, conferir os textos organizados por Ronald Beiner e Jennifer Nedelsky, no livro Judment Imagination and Politics (2001).

Quando qualificada como “política” a imaginação, em um sentido também ampliado, passa a “designa[r] todos aqueles processos imaginativos pelos quais a vida em comum é simbolicamente experenciada e essas experiências são mobilizadas em visões que buscam alcançar fins políticos” (Glăveanu e Laurent, 2015GLĂVEANU, Vlad Petre; SAINT LAURENT, Constance de. 2015. Political Imagination, Otherness and the European Crisis. Europe’s Journal of Psychology. v. 11, n. 4, pp. 557-564. DOI: https://doi.org/10.5964/ejop.v11i4.1085.
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, p. 559). Nos termos de Wanderley Guilherme dos Santos (1970SANTOS, Wanderley Guilherme dos. 1970. “Raízes da Imaginação Política Brasileira”. Dados, n. 7, p. 137-161. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3fLjVDV . Acesso em: 7 nov. 2022.
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, p. 138), “[a] imaginação política […] é aquele primeiro laboratório onde as ações humanas, não importa se significantes ou insignificantes, relacionadas ou não umas às outras, entram como matéria-prima, são processadas e transformam-se em história política”.

Estamos, portanto, diante de uma capacidade da mente de ser criativa e criadora de outros modos de refletir, compreender, explicar e encontrar saídas que não nos torna dependentes dos nossos contextos, da nossa realidade política e social imediata nem, tampouco, das nossas experiências individuais nesses contextos. As novas imagens, os novos atos e as novas visões criada(o)s pela imaginação carregam a potencialidade de disputarmos tanto a rigidez da fixação espacial quanto os sentidos da linearidade temporal (Duncombe e Harrebye, 2021DUNCOMBE, Stephen; HARREBYE, Sylas. 2021. Political Imagination. In: GLĂVEANU, Vlad Petre. (ed.). The Palgrave Encyclopedia of the Possible. Palgrave Macmillan. DOI: https://doi.org/10.1007/978-3-319-98390-5_177-1.
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). A imaginação política aqui requer a nossa capacidade de transformar a esperança em verbo: imaginamos na direção de esperançarmos sobre o passado, presente e futuro, em especial, que queremos construir.

Nesse primeiro sentido, imaginar algo distante, improvável ou até mesmo impossível não confere à atividade um sentido necessariamente negativo ou cujos resultados seriam inapropriados. Distante disso, parece morar precisamente nessa capacidade de desvinculação imediata com o possível, com o dado inescapável, com a linearidade temporal e com a fixação territorial, a força dessa faculdade. A imaginação política carregaria, portanto, a potencialidade de criar uma fenda, um espaço para desafiarmos o nosso presente e, com isso, o nosso passado e nosso futuro.

O exercício de imaginar, no entanto, em outra concepção, assegura a nossa capacidade de manter a ordem e a estabilidade numa direção contrária à da inovação e da mudança. É esse o sentido “constitutivo” da imaginação, segundo Schwartz (2021SCHWARTZ, Avshalom M. 2021. Political imagination and its limits. Syntheses. v. 199, n. 1-2, pp. 3325-3343. DOI: https://doi.org/10.1007/s11229-020-02936-1.
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, p. 3329). A imaginação permite que tenhamos, por exemplo, no raciocínio de Charles Taylor (2003), um entendimento compartilhado que nos permite continuar no tempo com as nossas práticas coletivas conformadoras da nossa vida comum e que, em última instância, promove o sentido partilhado da ordem moral e de ideais como a soberania popular. O imaginário social, define Taylor (2007)TAYLOR, Charles. 2007. A Secular Age. Cambridge: Harvard University Press ., é aquele entendimento comum que torna possível nossas práticas e um sentido partilhado de legitimidade. Em uma acepção bastante próxima, Cornelius Castoriadis (1997CASTORIADIS, Cornelius. 1997. World in fragments: Writing on politics, society, psychoanalysis, and the imagination. Stanford: Stanford University Press.) sustenta o argumento, segundo o qual, a imaginação permite a autocriação das sociedades, além de ser responsável - e garantir, até certo ponto - determinado sistema de normas e instituições que conferem sentido aos valores e orientam a vida coletiva e individual. Nessa mesma direção, poderíamos ainda lembrar do significado empregado por Benedict Anderson (2008ANDERSON, Benedict. 2008. Comunidades Imaginadas. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras.), da nação como uma comunidade política imaginada continuada no tempo e no espaço.

Retomaremos cada uma dessas definições na sequência. Não sem antes destacar o seguinte ponto: a imaginação política, seja como parte do que pode compor a mudança, seja como parte do que permite a estabilidade, carrega um componente que pode ser qualificado como especificamente político. Com Schwartz (2021SCHWARTZ, Avshalom M. 2021. Political imagination and its limits. Syntheses. v. 199, n. 1-2, pp. 3325-3343. DOI: https://doi.org/10.1007/s11229-020-02936-1.
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), aprendemos que, do mesmo modo que a imaginação social pode ser definida como um subgrupo da imaginação em geral, a imaginação política pertence a um subgrupo da imaginação social. Nesse sentido,

a imaginação política é definida não apenas em termos da institucionalização política de imaginários sociais, mas está também baseada em preocupações relativas a esses imaginários com o poder e as relações de poder e com as práticas políticas tais como a legitimação e a coerção. Tal enquadramento sugere uma classificação que depende da aplicação e do contexto em que se usa a imaginação, e não se reduz ao conteúdo do que a imaginação produz. (Schwartz, 2021SCHWARTZ, Avshalom M. 2021. Political imagination and its limits. Syntheses. v. 199, n. 1-2, pp. 3325-3343. DOI: https://doi.org/10.1007/s11229-020-02936-1.
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, p. 3328)

A imaginação política, segue o autor, é conformada por três elementos distintivos. Enquanto a imaginação constitutiva opera para estabelecer e assegurar a legitimidade, a ordem, a estabilidade e a identidade de determinada sociedade, o elemento crítico e criativo da imaginação diz respeito à sua capacidade de inventar e redefinir o que está dado, determinado e posto.

Estabelecido o espaço conceitual sobre o qual este dossiê está assentado, passaremos, na sequência, à organização de uma parte do debate contemporâneo sobre as imaginações políticas que se move entre os dois sentidos apresentados até aqui.8 8 O que deixamos de lado no nosso recorte são os debates no campo da psicologia (por exemplo, Freud, 1900 e Vygotsky, 2004), da ciência política (por exemplo, Browne e Diehl, 2019), da teoria crítica de matriz frankfurtiana (por exemplo, Benhabib, 1986; Adorno e Bloch, 1964; Benjamin, 1968), da teoria crítica de matriz focaultiana (por exemplo, Foucault, 1984; Balibar, 2022; Ranciére,1991), da teoria organizacional (por exemplo, Laloux e Wilber, 2014), das teorias dos movimentos sociais (por exemplo, Duncombe, 2007; Haiven e Khasnabish, 2014) e da educação (por exemplo, Freire, 2013; 1970; Halpin, 2003; Lewis, 2006; Ozmon, 1969), para ficarmos apenas com alguns campos de debate.

Imaginando politicamente o passado-presente

Imaginar aquilo que nos constitui enquanto nós- unidade política fixada no tempo e no espaço - é uma prática rotineira da construção, no presente, das nossas comunidades políticas. Enquanto os estados podem aparecer como entidades políticas “novas”, “históricas” e até mesmo recentes, em alguns casos, as nações, ao contrário, costumam apresentar-se como parte de um passado imemorial, quando não mítico e inalcançável. O nacionalismo, como o que coloca a lógica da nação em movimento, é capaz de transformar sorte, acaso e arbitrariedade em destino. “Sim”, dizia Debray nessa direção: “é puro acaso que eu tenha nascido francês; mas, afinal, a França é eterna”9 9 A afirmação de é retomada por Benedict Anderson (2008, p. 39). .

Seguindo uma concepção já clássica definimos, com Benedict Anderson, a “nação” como “uma comunidade política imaginada - e imaginada como sendo intrinsecamente limitada e, ao mesmo tempo, soberana” (Anderson, 2008, p. 38-39). A comunidade política nacional - a nação - é imaginada, em um primeiro sentido, precisamente porque “mesmo os membros da mais minúscula das nações jamais conhecerão, encontrarão, ou sequer ouvirão falar da maioria de seus companheiros, embora todos tenham em mente a imaginem viva da comunhão entre eles” (Anderson, 2008, p. 32). Ela é imaginada, em segundo lugar, como limitada, porque as fronteiras são uma realidade e para além delas existem outras nações. A nação é imaginada como soberana, continua Anderson, em terceiro lugar, porque o conceito nasce quando o reino dinástico legitimado pela ordem divina estava sendo destruído. Com essa destruição e com a consolidação do pluralismo vivo representado pelas diferenças religiosas e “com o alomorfismo entre as pretensões ontológicas e a extensão territorial de cada credo, as nações” passaram a sonhar em ser livres. Nesse contexto, a garantia da liberdade caminha com a consolidação do estado soberano. Por fim, a nação é imaginada como comunidade “porque, independentemente da desigualdade e da exploração efetivas que possam existir dentro dela, a nação sempre é concebida como uma profunda camaradagem horizontal” (Anderson, 2008, p. 34).10 10 Recorremos à tradução de Denise Bottmann.

Leitor de Anderson, Charles Taylor defende que um imaginário social compartilhado pode ser definido como um “pano de fundo” comum que torna possível práticas comunais e um sentido partilhado de legitimidade. É nesse imaginário partilhado que se busca a resposta para como nós mantemo-nos junta(o)s como uma comunidade política; as definições das expectativas que podemos ter umas/uns em relação às/aos outras/os; e as imagens e ordens normativas enraizadas nas nossas práticas comuns (Taylor, 2004TAYLOR, Charles. 2004. Modern Social Imaginaries. Durham: Duke University Press .; 2007TAYLOR, Charles. 2007. A Secular Age. Cambridge: Harvard University Press .). Estamos, para traduzirmos em outra linguagem conceitual, no domínio do que John Searle (1995SEARLE, John R. 1995. The construction of social reality. New York: The Free Press.) chamou de “fatos institucionais”. Diferente dos “fatos brutos” aqueles que existem independentemente das atividades humanas, os “fatos institucionais” são aqueles aspectos da vida em comum que existem porque acordamos que seria desse modo e não de outro; porque imaginamos, acreditamos e projetamos a sua existência. Ou seja, são aqueles “fatos” que só existem porque acreditamos que existem daquela maneira enquanto parte da nossa autoconcepção. Tais fatos não são, desse modo, um dado bruto da natureza (Searle, 1995; Schwartz, 2021SCHWARTZ, Avshalom M. 2021. Political imagination and its limits. Syntheses. v. 199, n. 1-2, pp. 3325-3343. DOI: https://doi.org/10.1007/s11229-020-02936-1.
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).

Ainda de acordo com esse sentido mais geral, mas, agora, em outro terreno conceitual, autores como Castoriadis (1987CASTORIADIS, Cornelius. 1987. The imaginary institutions of society. Cambridge: MIT Press .) e Ricoeur (1986RICOEUR, Paul. 1986. In G. H. Taylor (Ed.), Lectures on ideology and Utopia. New York: Columbia University Press .; 1991RICOEUR, Paul. 1991. The Creativity of Language. In: VALDES, Mario J. (ed.). A Ricoeur Reader: Reflection and Imagination. Buffalo: Toronto University Press.) chamam nossa atenção para os modos pelos quais a imaginação política pode se assemelhar e se aproximar dos significados e dos usos das ideologias políticas. Se aceitarmos que a imaginação sobre a fundação e o fundamento das nossas instituições tende a apagar suas origens sociais, não parece difícil concluir que essas mesmas instituições estão fadadas a se manterem em um estado de heteronomia no qual o que é dito - sobre um passado imemorial e sobre o que fundamenta o presente - não pode ser colocado em questão, com o risco de se perder a estabilidade e a segurança dos “fatos institucionais” que nos conformam (Castoriadis, 1987, p. 265). Na mesma direção, Ricoeur (1991RICOEUR, Paul. 1991. The Creativity of Language. In: VALDES, Mario J. (ed.). A Ricoeur Reader: Reflection and Imagination. Buffalo: Toronto University Press.; 1986RICOEUR, Paul. 1986. In G. H. Taylor (Ed.), Lectures on ideology and Utopia. New York: Columbia University Press .) sustenta que a imaginação operaria não apenas quando cria a estrutura simbólica elementar de uma sociedade - o que é, sem dúvida, primordial. Mas a imaginação também estaria em funcionamento quando reafirma e reforça essa estrutura social na forma de uma ideologia. Ou seja, a imaginação política operaria como ideologia, na medida em que asseguraria e promoveria a estabilidade política, sem que, para isso, precisasse recorrer ao uso da coerção (Schwartz, 2021SCHWARTZ, Avshalom M. 2021. Political imagination and its limits. Syntheses. v. 199, n. 1-2, pp. 3325-3343. DOI: https://doi.org/10.1007/s11229-020-02936-1.
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; Thompson, 1982THOMPSON, John B. 1982. Ideology and the social imaginary: An appraisal of Castoriadis and Lefort. Theory and Society v. 11, n. 5, pp. 659-681. DOI: https://doi.org/10.1007/BF00182263.
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).

Num outro sentido, mas ainda sobre o encontro entre imaginações e ideologias, podemos ler Michael Freeden (1996FREEDEN, Michael. 1996. Ideologies and Political Theories: A Conceptual Approach. Oxford: Clarendon Press.) e com ele definir as ideologias não apenas como estruturas de poder que manipulam as ações humanas ou como um peso repressivo que recai sobre a existência humana. Poderíamos seguir e interpretar as ideologias como sistemas ideacionais - resultado também da nossa capacidade partilhada de imaginar - que nos permitem escolhermos quem gostaríamos de ser. Isto é, as ideologias políticas seriam “uma manifestação da variedade infinita da nossa imaginação política” (Freeden, 1996 p. 116). Com Freeden podemos olhar para o encontro entre as ideologias políticas e as imaginações políticas e definir um conjunto de ideias e prescrições sobre como poderíamos guiar nossa ação política no presente. Ideias, propõe Keally McBride (2005)MCBRIDE, Keally D. 2005. Collective Dreams: Political Imagination and Community. Penn State University Press., reveladas por nossas imaginações políticas que podem carregar a potencialidade de criar uma tensão entre a realidade política, de um lado, e a possibilidade política, de outro. É nessa fricção (entre possibilidade e atualidade) que podemos localizar as ideologias políticas, tal como Freeden as define. Uma fricção que nasce quando nos perguntarmos sobre se o modo como imaginamos nossa comunidade política representa ou não um empecilho para que sejamos capazes de transformá-la; quando questionamos a relação entre os modos como imaginamos nossa comunidade política e o modo como definimos socialmente formas de violência aceitáveis e formas de violência não aceitáveis. Fricção que também nasce quando formulamos a questão sobre: Por que não dar atenção (analítica) para o modo como imaginamos o fundamento e a fundação das nossas comunidades no passado e, com isso, definimos os limites do nosso possível no presente? (McBride, 200MCBRIDE, Keally D. 2005. Collective Dreams: Political Imagination and Community. Penn State University Press.5, p. 6)

Iris Young (1990YOUNG, Iris Marion. 1990. Justice and the Politics of Difference. New Jersey: Princeton University Press .), ao localizar o tema da violência no espaço conceitual das imaginações, parece estar precisamente preocupada com as maneiras pelas quais o modo como imaginamos nossa comunidade política tem implicações para a manutenção de formas injustas de organização social e política. A violência, nos ensina Young, é uma prática social que todos nós sabemos da existência ainda que não necessariamente recorramos a ela no nosso cotidiano. O ponto é que ela compõe o horizonte das nossas imaginações sociais e está presente inclusive entre aquelas pessoas que não a perpetuam. Nesse sentido, e de acordo com a lógica social imaginada por nós, para ficarmos apenas com o contexto brasileiro, algumas formas de violência são mais aceitáveis do que outras, sabemos. Os exemplos são muitos e passam pela violência contra corpos negros, pelas diferentes formas de violência sexual e de gênero perpetuadas sobre os corpos das mulheres, pela violência contra existências e corpos LGBTQIA+, pela violência contra comunidades indígenas. Quando olhamos mais detidamente para os casos, parece difícil não aceitar a conclusão de que a violência é parte de um fenômeno de injustiça social que não se encerra em um problema moral individual. Isso porque se trata de uma ação sistemática, cuja existência é prática social que encontra raízes no modo como nos imaginamos socialmente como uma sociedade bastante determinada - branca, composta por determinados corpos, falantes de certas línguas, adoradores de determinado deus e membros de certa família. O nosso imaginário social, nos ensina Young, é parte do que permite e justifica que certas vidas tenham mais valor do que outras e que, portanto, algumas violências, determinadas injustiças, sejam mais intoleráveis do que outras.

Com essa última definição, apontamos para uma outra direção que nos parece fundamental. Mas, antes de mudarmos a rota, propomos retomar um último ponto sobre o que foi apresentado até aqui. Seja na forma de ideologias políticas ou como aquilo que permite práticas comuns e enraizamentos sociais profundos, com as primeiras definições trazidas nos parágrafos anteriores estamos nos movendo naquele terreno no qual as imaginações políticas e sociais desempenham um papel importante na manutenção da estabilidade e da segurança de certa ordem social e política. De acordo com esses usos, o passado é o que garante, no presente e no futuro, a manutenção de um certo nós formado pelo compartilhamento de uma língua, determinadas normas sociais, instituições e ideais.

A visão política implicada nessa primeira concepção de imaginação parece estar de acordo com a definição proposta por Seyla Benhabib (1986BENHABIB, Seyla. 1986. Critique, Norm, and Utopia. New York: Columbia University Press., p. 13), de “política da realização” [“politics of fulfillment”]. Uma dimensão da política, vale lembrar, relacionada com o conceito de norma. Para os nossos propósitos, basta destacar a definição de que a política da realização visa uma sociedade do futuro atada àquilo que, no presente, podemos realizar. Ou seja, o presente é a realização da lógica implícita no passado; na imaginação política está impresso o modo como nos autoconcedemos socialmente. Poderíamos recolocar os termos para afirmar o argumento de que a nossa realização no presente e no futuro dependeria do que as normas sociais, imaginadas e cultivadas já no passado, permitem como parte do seu escopo.

Ainda que indispensável para compreendermos o que permite a existência persistente de comunidades políticas, no tempo e no território, a imaginação política sobre o passado também pode ser empregada numa outra direção, inclusive normativa. Como uma forma de rebelião aberta contra o mundo, tal como ele se impõe hoje, aqui e agora, o exercício de imaginar politicamente atrapalha a linearidade do tempo. Rebelar-se, em um sentido, significa contranarrar o passado e, com isso romper com o que permite certa sequencialidade entre passado-presente-futuro (Hartman, 2020HARTMAN, Saidiya. 2020. Vênus em dois atos. Tradução de Fernanda Silva e Sousa e Marcelo Ribeiro. Revista Eco-Pós. v. 23, n. 3, pp. 12-33. DOI: https://doi.org/10.29146/eco-pos.v23i3.27640.
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), mas, em outro sentido, nos levaria ao passado para produzirmos memória, também com o objetivo de buscar o que antecipa os obstáculos para a constituição, no presente, da justiça e, com ela, da constituição de uma sociedade democrática (Du Bois, 1997DU BOIS, William Edward Bughardt. 1997. The Souls of Black Folk. Boston: Bedford Books. Publicado originalmente em 1903.).

A impunidade, o silêncio e a continuação no presente de certas injustiças -trataremos, mais detidamente, da injustiça racial na sua forma contemporânea - depende da nossa incapacidade, individual e coletiva, de apagarmos constantemente determinadas memórias. A memória “daquilo que foi, dos feitos de Comissões e omissões, de uma responsabilidade abdicada - afetam a conduta futura do poder em todas as suas formas”, propõe Wole Soyinka (1999SOYINKA, Wole. 1999. The Burden of Memory, the Muse of Forgiveness. New York: Oxford University Press ., p. 81-82). “Fracassos em adotar algum tipo de reconhecimento imaginativo de tal princípio apenas resulta na entronização [enthronement] de uma cultura política que parece não conhecer fronteiras - a cultura da impunidade” (Soyinka, 1999, p. 81-82).

Quem, talvez, melhor interpretou e nomeou tal fenômeno tenha sido W. E. B. Du Bois. Segundo Du Bois, o enfrentamento da injustiça racial no presente dependeria de uma nova reorientação no presente sobre o passado. Ao retomar as maneiras pelas quais o projeto democrático dos Estados Unidos capenga [hobbled] pela e na negação do significado da escravidão nas décadas do Jim Crow e na segregação que se seguiu dali, o autor nos mostra por quais meios o passado se recoloca no presente em mais de um sentido. Du Bois vai além, ao argumentar que é também na incapacidade de reconhecer e confrontar o passado que encontrariam abrigo as falhas subsequentes da apresentação da igualdade formal como um remédio para as diferentes faces da injustiça racial no seu país (Du Bois 1997DU BOIS, William Edward Bughardt. 1997. The Souls of Black Folk. Boston: Bedford Books. Publicado originalmente em 1903.; Balfour, 2003BALFOUR, Lawrie. 2003. Unreconstructed Democracy: W. E. B. Du Bois and the Case for Reparations. American Political Science Review. v. 97, n. 1, pp. 33-44. https://doi.org/10.1017/S0003055403000509.
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).

Como leitora(e)s do The Souls of Black Folk (1903) e do Black Reconstruction in America (1935), aprendemos mais. A ponte a ser construída entre as garantias formais, a cidadania igual e a igualdade racial substantiva, sugere Du Bois, dependeria do enfrentamento da questão sobre o que uma comunidade política marcada pela escravidão - mas, também imaginada como livre e igual - deve aos homens e mulheres negra(o)s que foram escravizados, no passado, e, poderíamos adicionar, que continuam vivendo no presente de acordo com os mapas determinados pela “linha da cor” [color line] (Du Bois 1964DU BOIS , William Edward Bughardt. 1964. Black Reconstruction in America: An Essay toward a History of the Part Which Black Folk Played in the Attempt to Reconstruct Democracy in America, 1860-1880. Cleveland: Meridian. Publicado originalmente em 1935.; 1997DU BOIS, William Edward Bughardt. 1997. The Souls of Black Folk. Boston: Bedford Books. Publicado originalmente em 1903.; Balfour, 2003BALFOUR, Lawrie. 2003. Unreconstructed Democracy: W. E. B. Du Bois and the Case for Reparations. American Political Science Review. v. 97, n. 1, pp. 33-44. https://doi.org/10.1017/S0003055403000509.
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).

Existem, sabemos, mais de um modo de recontar esse passado, acessar as memórias e recolocá-la no presente como parte do que podemos chamar de rebelião aberta contra a sobrevida de estruturas sociais e relações que continuam a injustiça racial no presente. Uma das alternativas foi apresentada por Saidiya Hartman em seu “Venus in Two Acts” (2020HARTMAN, Saidiya. 2020. Vênus em dois atos. Tradução de Fernanda Silva e Sousa e Marcelo Ribeiro. Revista Eco-Pós. v. 23, n. 3, pp. 12-33. DOI: https://doi.org/10.29146/eco-pos.v23i3.27640.
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) nos termos da busca por uma “história do presente”.

A história do presente, define Hartman, é formada pela “luta para iluminar a intimidade da nossa experiência com as vidas dos mortos, para escrever nosso agora enquanto ele é interrompido por esse passado e para imaginar um estado livre, não como o tempo antes do cativeiro ou da escravidão, mas como o antecipado futuro dessa escrita” (Hartman, 2020HARTMAN, Saidiya. 2020. Vênus em dois atos. Tradução de Fernanda Silva e Sousa e Marcelo Ribeiro. Revista Eco-Pós. v. 23, n. 3, pp. 12-33. DOI: https://doi.org/10.29146/eco-pos.v23i3.27640.
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, p. 17).11 11 Usamos a tradução de “Venus in Two Acts” (2008) publicada no dossiê “Crise, Feminismo e Comunicação” e proposta por Fernanda Silva e Sousa e Marcelo Ribeiro. Em todos os outros casos em que o contrário não for indicado a responsabilidade pela tradução é nossa. A história do nosso passado começa a ser contada como uma história continuada no e do nosso presente. Hartman parece cavar um espaço, um movimento de contranarrativa sobre o passado-presente que depende, por sua vez, da nossa capacidade de imaginar o que não pode ser dito e contado pelos fatos e pelo arquivo oficial. Uma capacidade, adiantamos, que é também política.

Tal exercício de imaginar o passado é político não apenas porque com ele garantiríamos a composição de um espaço de liberdade ainda não realizado no presente - a injustiça racial é uma realidade em toda parte. Estamos diante de um exercício de imaginação política também porque com ele aprendemos sobre como as respostas para a “trama para acabar com ela” (Hartman, 2022HARTMAN, Saidiya. 2022. A trama para acabar com ela. Tradução de Stephanie Borges. Revista Serrote, n. 40.)12 12 Fazemos referência ao manifesto feminista “A trama para acabar com ela” [The Plot of Her Undoing], de Saidiya Hartman (2022), traduzido por Stephanie Borges e publicado na Revista Serrote 40. já estão em curso desde que elas se recusaram a desempenhar os papéis sociais que lhes cabiam; desde o momento em que recusaram o trabalho doméstico; desde o momento em que subverteram as fronteiras impostas pelas linhas da cor [color line]. O que só poderia ser recontado se formos capazes de imaginar politicamente outros modos de ação e organização política. Nesse sentido, convida-nos Hartman à reflexão: Se pudermos imaginar que jovens, mulheres, negras não apenas habitaram os espaços como “escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteras, prostitutas”13 13 Os termos são de Sueli Carneiro: “Nós, mulheres negras”, pontua a autora, “fazemos parte de um contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram a si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteras, prostitutas […] Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar! Fazemos parte de um contingente de mulheres com identidade de objeto. Ontem, a serviço de frágeis sinhazinhas e de senhores de engenho tarados. Hoje, empregadas domésticas de mulheres liberadas e dondocas, ou de mulatas tipo exportação.” (Carneiro, 2003a, p. 1-2). , mas também agiram em concerto criando um repertório de práticas desviantes - em relação às normas de gênero, à sexualidade(s) e à identidade racializada - a conclusão a que chegaremos seria radicalmente diferente daquelas narrativas convencionais sobre as mudanças estruturais da esfera privada, da esfera da intimidade e, finalmente, do espaço público, anunciadas como promessas da modernidade. A radicalidade dessa nova história do presente, que contranarra o passado e o reinventa para combater a violência do silêncio e de certa representação, encontra morada precisamente na possibilidade de nos aliarmos àqueles movimentos de transformação já em curso (Hartman, 2019HARTMAN, Saidiya. 2019. Wayward Lives, Beautiful Experiments. First edition. New York, NY: W.W. Norton & Company.).

A noção de política que acompanha essa capacidade de imaginar o passado é aquela que Benhabib chamou de “política da transfiguração” [politics of transfiguration]. Se, como afirmarmos anteriormente, a noção que acompanha a concepção de imaginação política e social atada à norma, às instituições e o que possibilita a estabilidade das nossas comunidades políticas é uma dimensão da política como realização, o que acompanha a concepção de imaginação política como rebelião aberta é a noção de política como transfiguração atrelada, agora, à uma concepção de utopia. Por política da transfiguração, com Benhabib (1986BENHABIB, Seyla. 1986. Critique, Norm, and Utopia. New York: Columbia University Press., p. 13), definimos aquela dimensão da política responsável por enfatizar a emergência qualitativa de novas relações sociais, necessidades e modos de associação. A política da transfiguração do presente recarrega a potencialidade utópica como parte do antigo, do passado [within the old]. Um passado, nos ensina Hartman, que precisa ser (re)imaginado, contranarrado, fabulado criticamente.

É precisamente sobre a dimensão da utopia, presente nos exercícios de imaginação, que trataremos a seguir. Mas, agora, olhando para a relação entre presente e futuro.

Imaginando politicamente o presente-futuro

“Utopismo”, definimos com Lyman Sargent, é um rótulo geral dado para diferentes modos de sonhos ou de pensar sobre, de descrever ou de tentar criar uma outra ordem social e política. Trata-se, portanto, de um fenômeno em que sonhamos socialmente - sonhos e pesadelos que dizem respeito aos modos pelos quais as pessoas organizam suas vidas e visionam novas formas de organização social e política radicalmente diferente daquela em que vivem no presente. No entanto, a radicalidade não é sua marca distintiva ou necessária. Sabemos, nem toda(o)s a(o)s sonhadora(e)s são radicais e, em alguns casos, os sonhos dizem respeito a algo que é próximo e bastante familiar à/ao autora/autor do sonho (Sargent, 1994SARGENTE, Lyman Tower. 1994. The Three Faces of Utopianism Revisited. Utopian Studies v. 5, n. 1, pp. 1-37. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3hu0Whm . Acesso em: 7 nov. 2022.
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, p. 3; 2021). Nessa mesma direção, define Fredric Jameson, “utopia” refere-se a um fenômeno peculiar na medida em que o conceito é indistinguível da sua realidade; isto é, a “ontologia coincide com a sua representação” (Jameson, 2004JAMESON, Frederic. 2004. The politics of Utopia. New Left Review. n. 25, pp. 35-54. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3fSOXJQ . Acesso em: 7 nov. 2022.
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, p. 35; 2005JAMESON, Frederic. 2005. Archaeologies of the Future: the Desire Called Utopia and Other Science Fictions. New York: Verso.).

Seja definida como sonho, seja interpretada como descrição criadora, ao falarmos sobre utopia e imaginações políticas parece incontornável passarmos pela obra de Thomas More. Isso porque ao mirar o futuro, em sua Utopia (1516), More continua a nos oferecer um guia de instruções sobre como podemos imaginar politicamente. Mais, com More, podemos retomar a relação entre imaginação e experiência, o que talvez nos interesse especialmente (Baker-Smith, 2019BAKER-SMITH, Dominic. 2019. Thomas More. In: ZALTA, Edward N. (ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Disponível em:Disponível em: https://stanford.io/3zVfTj4 . Acesso em: 7 nov. 2022.
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).

O mundo imaginado por More nos leva para um espaço bastante diferente do seu tempo - século XVI - e do seu território - a Europa. A ilha da Utopia, lembram Stephen Duncombe e Sylas Harrebye (2019), tem um governo eleito democraticamente, as mulheres poderiam acender à cargos de poder; a educação e a saúde seriam públicas e os cidadãos e cidadãs gozariam de liberdade religiosa e de expressão. Utopia estaria engajada em deveres do que hoje chamaríamos de justiça social nacional e internacional, já que não apenas teria obrigações com os mais pobres do mundo, como também planejaria o trabalho e a vida em comum para o bem de toda(o)s. Nas palavras de More: “Cada casa tem uma porta para a rua e outra para o jardim. As portas, feitas com duas folhas, abrem-se facilmente e fecham-se por vontade própria, deixando entrar livremente qualquer pessoa (pois não há propriedade privada) (More, 1949MORE, Thomas. 1949. Utopia. Editado por H. V. S. Ogden (ed.). New York: Appleton-CenturyCrofts. Publicado originalmente em: 1515-16., p. 31).

O poder da Utopia, como o próprio nome parece indicar, está

na sua habilidade de ser possível e impossível, real e irreal, tudo ao mesmo tempo. […] O que é estrangeiro torna-se familiar e o que não é natural passa a ser naturalizado. A leitora não é apenas informada sobre a possibilidade de existência de um modelo alternativo para a estruturação da sociedade, a alternativa é mostrada e sentida como possível; More é um mestre da afecção [affect]. Através da sua escrita vívida, ele provê à sua leitora uma visão de um outro mundo, melhor. E, na sequência, More retira essa visão chamando toda a coisa de não-lugar (Duncombe e Harrebye, 2019, p. 3).

Sabemos, para ficarmos apenas com a história do século XX e do início do século XXI, quanto esse modelo de projeção sobre o futuro e de determinação sobre a ação política no presente foi mobilizado por atores e partidos políticos alinhados à direita e à extrema-direita. Os idealizadores dos regimes totalitários imaginaram politicamente um mundo organizado pela lógica da natureza e pela lógica da história (Arendt, 2007ARENDT, Hannah. 2007. Origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras .). No mesmo sentido, poderíamos lembrar da tentativa felizmente fracassada de criação de uma Nueva Germania e sua “utopia racista” em terras latino- americanas. Nesse território e mais contemporaneamente, há quem chame de “utopia reacionária” o atual governo Bolsonaro (Lynch, 2020LYNCH, Christian. 2020. A utopia reacionária do governo Bolsonaro (2018-2020). Insight Inteligência, edição 89, 9 ago. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3hlBbjp . Acesso em: 7 nov. 2022.
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). Os exemplos históricos são muitos e o ponto é sempre o mesmo: o exercício da imaginação política e da produção de utopias não está limitado ao campo democrático e progressista. Ou então as utopias nem sempre nos levam até um futuro melhor.14 14 Max Beerbohm representa exatamente tal posição ao afirmar: “Então, isso é utopia, É isso? Bem - Peço suas desculpas; Eu pensava que fosse o Inferno” (Beerbohm apud Sargent, 1994, p. 1). Na mesma direção, propôs o whig Thomas Macaulay, em um dos seus aforismos: “O bem real mais insignificante é melhor do que as mais magníficas promessas de impossibilidades” (Macaulay, 1943, p. 460 apud Sargent, 1994, p. 1). Se retomarmos à More, a saída para que a sua posição não ocupasse o espaço de quem pode dar uma resposta completa sobre a imaginação e o planejamento do que deveríamos ser enquanto comunidade política é a de recusar respostas acabadas: utopia é, como afirmado, um não-lugar. E não uma resposta completa e totalizante sobre o que deveríamos ser e fazer. Ou seja, ao mesmo tempo em que ele apresenta à sua leitora para a possibilidade de um lugar imaginário, a certeza da sua afirmação é questionada quando a utopia é definida como um não-lugar.

Há, como naquela imagem da biblioteca borgeana, um labirinto de possibilidades, discussões e sentidos adquiridos, entre diferentes autoras(e)s, do conceito de utopia e do exercício da imaginação política como produção de utopias.15 15 Além dos trabalhos de Sargent, para definições das diferentes tradições e usos do conceito de utopia conferir: The concept of Utopia (Levitas, 1990). Nossa proposta aqui é a de abrir uma dessas salas do labirinto para explorarmos aquelas possibilidades que julgamos ser pouco elaboradas pela literatura que ecoa pelos labirintos mais ou menos tradicionais do campo. Chegamos, assim, no encontro entre os debates sobre a justiça social, a imaginação política e a utopia. Aqui John Rawls torna-se autor indispensável.

Quando estamos diante de uma/um autora(r) indiscutivelmente clássica(o), normalmente não precisamos gastar muita tinta justificando a sua centralidade entre os nossos esforços exegéticos, interpretativos, tampouco quando recorremos à sua obra para construirmos com ou contra sua perspectiva. No caso deste número especial, a obra de John Rawls foi ponto de partida - ainda que não necessariamente de chegada - para a constituição da sua proposta inicial. O que talvez requeira a nossa atenção não é, portanto, apresentar provas relativas à centralidade do filósofo para discussões sobre a justiça social. O que ainda está em aberto e nos parece relevante, todavia, é o que, quais as razões que nos levaram a circunscrever o convite para retomarmos os debates sobre as imaginações políticas para o século XXI aos termos da teoria política rawlsiana.16 16 Demanda que ganha contornos mais específicos quando lembramos das muitas críticas endereçadas à Rawls e à literatura rawlsiana quando não enfrentou ou precisou enfrentar e o fez de modo inadequado problemas relativos ao racismo (por exemplo, Mills, 2017; 2017a; 2009; Terry, 2021), à pobreza (por exemplo, Sen, 1992), à família e à desigualdade de gênero (por exemplo, Benhabib, 1992; Nussbaum, 2003), à justiça internacional (por exemplo, Nath, 2020; Blake, 2020; Pogge, 2004), ao colonialismo e suas heranças (por exemplo, Mills, 2015). Para uma referência recente sobre como podemos interpretar a obra rawlsiana, e seus limites, como parte de um contexto histórico e acadêmico específico, nascido com o fim da Segunda Guerra Mundial, conferir o livro In the Shadow of Justice: Postwar Liberalism and the Remaking of Political Philosophy (2019), de Katrina Forrester.

Em uma primeira aproximação é bastante evidente o papel que o exercício da imaginação tem na maquinaria rawlsiana. Poderíamos citar, por exemplo, o dispositivo da posição original e o modo como estamos diante de um convite à imaginação. Imaginemos uma situação em que cada cidadã e cidadão tem um representante que, em conjunto com outros, precisam definir, em certas condições ideais, os princípios de justiça social que guiariam uma sociedade de cidadãos e cidadãs livres e iguais. A resposta a que se chega é resultado desse convite inicial para imaginarmos uma situação ideal, uma posição original.

Contudo, de um modo menos direto, e talvez por isso mesmo mais significativo, a imaginação tem papel relevante em outro momento da teoria rawlsiana. Em Justice as Fairness (2001), Rawls é bastante literal ao afirmar que a imaginação, ao lado da nossa capacidade de julgar e de raciocinar é condição para que tenhamos um “senso de justiça” (Rawls, 2001, p. 29). O senso de justiça, para resumir, é uma faculdade moral - os interesses de ordem superior da personalidade moral - que em um só tempo possibilita e exige a construção e a aplicação de princípios de justiça.

Então, se o nosso objetivo fosse o de mostrar o papel que a “imaginação” tem na obra rawlsiana, talvez a discussão devesse começar pelo dispositivo da posição original e deveria passar pela concepção de senso de justiça ralwsiana. Contudo, nosso objetivo é outro. Devemos à nossa leitora uma justificativa sobre a centralidade de Rawls em uma discussão sobre imaginações políticas o que não dependeria, por sua vez, de uma exegese sobre o lugar das imaginações políticas na teoria rawlsiana.

A resposta para essa demanda por justificação, argumentamos, está precisamente no modo como Rawls pensou o exercício da produção de “utopias realistas” e relacionou esse modo de teorização às tarefas da sua filosofia. Com esse movimento, Rawls não apenas oferece uma resposta metodológica interessante sobre o lugar da proposição normativa - como as coisas deveriam ser - nas teorizações sobre a política, como nos ensina a circunscrever nossas formulações sobre a justiça - que não devem estar limitadas necessariamente ao vocabulário ralwsiano - no centro do movimento político da transfiguração.17 17 Com isso nos distanciamos sobremaneira de Critique, Norm, and Utopia para seguirmos refletindo sobre as categorias de Benhabib (1989) e não sobre a letra do seu texto. Alargar os limites do nosso possível significa continuarmos produzindo utopias realizáveis sobre o que a justiça requer de nós, cidadãos e cidadãs, de uma sociedade democrática que falha insistentemente em realizar-se por completo.

Rawls, no sentido da nossa interpretação, demonstrou como uma teoria política normativa pode refletir acerca das condições de possibilidade da justiça em uma sociedade democrática. Com isso, ao contrário do que parece supor a interpretação, por exemplo de Bernard Williams (2008WILLIAMS, Bernard. 2008. In the beginning was the deed: realism and moralism in political argument. Princeton, N.J.: Princeton University Press.), Rawls não pretendida afirmar que o vocabulário moral seria a matéria primeira e exclusiva das práticas políticas; isto é, que as nossas imaginações políticas devam ser subordinadas ao imperativo moral. Ao oferecer uma concepção de justiça para sociedades democráticas, Rawls está propondo um modo de refletir que se pretende parte da cultura pública e política dessas mesmas sociedades. E é nesse espaço que a filosofia/teoria política carrega a potencialidade de ser realisticamente utópica.

Isso significa, em primeiro lugar, que o exercício da teorização sobre a política deve ser capaz de fornecer um exame sobre os limites e as possibilidades políticas reais, praticáveis sem, com isso, sucumbir à tentação de afirmar apenas aquilo que está dado como absoluto, imutável e permanente. Nas palavras do autor:

As expectativas para nossa sociedade futura residem na crença de que o mundo social nos permite, ao menos, uma ordem política aceitável [decent], de tal forma que um regime democrático razoavelmente justo, ainda que não perfeitamente justo, seja possível. Dessa forma perguntamos: o que seria uma sociedade democrática justa, estruturada a partir de condições razoavelmente favoráveis, mas ainda assim historicamente possíveis, permitidas pelas leis e tendências do mundo social? Quais princípios e ideais essa sociedade deveria satisfazer, dadas as circunstâncias da justiça em uma cultura democrática tal como a conhecemos? […] o problema aqui é que os limites do possível não são dados por aquilo que é efetivo, uma vez que podemos alterar, em maior ou menor grau, nossas instituições políticas e sociais (Rawls, 2001RAWLS, John. 2001. Justice as fairness: a restatement. Cambridge: Harvard University Press . ., p. 4-5).

Para que a teoria se reconcilie com a realidade política e social, ela deve ser capaz de estender os limites daquilo que está estabelecido, tendo como horizonte as possibilidades políticas aplicáveis. Isso significa que o exercício da teorização que, nos nossos termos, é também um exercício de imaginação, não pode se resignar frente ao possível. Essa atitude de não resignação não pode ser interpretada, porém, como se a tarefa última das nossas teorizações/imaginações fosse a de ser capaz de determinar o tempo e o espaço da realização do que ela definiu como o ideal de sociedade e de justiça. De acordo, uma vez mais, com a letra do texto:

[d]o mesmo modo que temos boas razões para acreditar que uma ordem política e social autossustentada e razoavelmente justa seja possível, tanto no plano doméstico como no plano internacional, também podemos acreditar que nós iremos, algum dia, em algum lugar, alcançá-la; e, se esse é o caso, podemos fazer algo para realizá-la. Isso por si só, a despeito de nossos eventuais sucessos ou fracassos, é o bastante para eliminar os perigos da resignação e do cinismo. Ao mostrarmos como o mundo social poderia realizar as características de uma utopia realista, a filosofia política fornece um objetivo político de longo prazo e buscar realizá-las fornece o sentido necessário para o que podemos fazer hoje (Rawls, 1999RAWLS, John. 1999. The Law of Peoples. Cambridge: Harvard University Press ., p. 128)

A leitora, o leitor encontrarão neste número empregos diversos do exercício da reflexão sobre a política em um espaço que não se encerra nos limites de uma razão puramente teórica. Imaginar o que a justiça requer de nós - enquanto sociedade democrática, mas também enquanto indivíduos - significa localizar os nossos esforços de compreensão e interpretação na definição do que poderia guiar nossas ações. De um lado, o exercício da teorização pode ser interpretado como um esforço de prescrição na medida em que oferece um ponto de vista a partir do qual podemos avaliar arranjos institucionais existentes e, na sequência, avançar no sentido da busca por alternativas normativamente mais atrativas. De outro lado, as conclusões que resultam desse exercício de imaginar politicamente como poderíamos nos organizar - e, em alguns casos, agir - de acordo com determinados princípios de justiça social precisam passar por um “exercício de realidade”. Um exercício, ensina William Galston (2016GALSTON, William A. 2016. What “realistic utopias” are - and aren’t. Social Philosophy and Policy. v. 33, n. 1-2, pp. 235-251. DOI: https://doi.org/10.1017/S0265052516000297.
https://doi.org/https://doi.org/10.1017/...
), de distanciamento crítico em relação ao status quo que não pode funcionar como nosso benchmark. O que é realista não se reduz ao que está posto atualmente; o que podemos chamar de realista é o possível e o nosso entendimento sobre a possibilidade deve ser apropriado ao domínio do político - e não reduzido, portanto, ao domínio da moral. Nesse sentido, podemos concluir, que a verdade sobre a justiça das nossas instituições e das nossas normas sociais “é mais do que contemplativa”. Carrega, ao contrário da pura contemplação, uma força imperativa movida pelo “dever ser” (Galston, 2016). É precisamente o que nos ensina Rawls já na abertura de Uma Teoria da Justiça (1971):

A justiça é a virtude primeira das instituições sociais, assim como a verdade é dos sistemas de pensamento. Por mais elegante e econômica que seja, deve-se rejeitar ou retificar a teoria que não seja verdadeira; da mesma maneira que as leis e as instituições, por mais eficientes e bem organizadas que sejam, devem ser reformuladas ou abolidas se forem injustas. (Rawls, 2008RAWLS, John. 2008. Uma Teoria da Justiça. Tradução Álvaro De Vita. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes . Publicado originalmente em 1971. - Selo Martins., p. 4)

Na esteira de quem continua a refletir com Rawls, William Edmundson, no artigo que abre este número, “Political Equality, Epistocracy and Expensive Tastes”, articula de uma maneira particularmente radical a tarefa de ressignificar o potencial igualitário e, no caso, profundamente democrático, da filosofia política de John Rawls. Edmundson argumenta que, diferentemente da imagem frequentemente recebida, os princípios de justiça rawlsiano não apenas exigem a democracia como uma forma intrinsecamente valiosa de organização social - o que nem sempre foi aceito pela tradição liberal clássica acostumada a defender instituições democráticas enquanto meios instrumentais de proteção de liberdades individuais - como também alerta para modos distintivamente oligárquicos (e, portanto, antidemocráticos) de exercício da competição eleitoral. De acordo com Edmundson, devemos distinguir duas concepções de igualdade política e, portanto, duas maneiras diferentes de interpretarmos o compromisso democrático na teoria política contemporânea. De um lado, afirma-se que a auto-organização democrática da sociedade deve ser valorizada e avaliada de acordo com o grau de resultados positivos que o processo tende a produzir. Segundo essa visão, defendida por autora(e)s ditos “epistemocráticos” e encontrada na teoria democrática de Ronald Dworkin, resultados democráticos são “bons” na medida em que atendem à critérios previamente determinados de precisão e qualidade da decisão - como por exemplo, promover o bem-estar geral ou proteger direitos individuais. Do outro lado, argumenta Edmundson, autores como Rawls interpretam a igualdade política como uma exigência da igualdade de influência no processo decisório, uma forma de poder de participação que precisa ser protegido contra formas estruturais de dominação oligárquica, tais como o elevado custo material de participação política por parte de cidadãos e cidadãs sem capital econômico, e os mecanismos de controle de agenda típicos de sociedades desiguais, como o controle sobre a informação política. A exigência de que as liberdades políticas de todas as pessoas sejam equitativamente distribuídas de acordo com seu valor efetivo, e não apenas formal, possui implicações radicais para o modo como as democracias liberais constrangem os limites de aceitabilidade do autogoverno entre iguais. E encontra morada nessa conclusão a radicalidade da interpretação de William Edmundson da teoria de John Rawls.

Se, quando lemos Edmundson, parece inegável reconhecermos a força da “revolução rawlsiana”,18 18 Para uma definição da extensão do que podemos nomear como revolução cf. Petroni, 2021. Gustavo Pereira, em seu “Imaginarios y aplicación de la justicia cincuenta años después de Teoría de la justicia” parte do diagnóstico de que aquelas contribuições sobre qual caminho deveríamos seguir para traduzir os termos de uma justiça como equidade para o “mundo real” tem provocado menos abalos. Ocupando esse espaço entre a definição dos princípios e a sua aplicação nas sociedades reais, Pereira oferece uma reflexão consolidada e precisa sobre o que significa posicionar a aplicação da justiça como tarefa primordial e urgente dos nossos esforços de teorização. Tarefa que passa, por sua vez, pela elaboração de ferramentas que contribuam para as lutas engajadas no compromisso com o fim da pobreza, da exclusão e da dominação que nos afetam de diferentes formas. Seguir imaginando politicamente, nos ensina Pereira, significa, do ponto de vista da construção dessas ferramentas, uma articulação com uma teoria ideal sobre a justiça em sociedades democráticas.19 19 Uma versão rawlsiana desse argumento foi apresentada por Álvaro de Vita na conferência “Por que uma teoria ideal de justiça?”, parte do Simpósio “Imaginações Políticas para o Século XXI” (Vita, 2021).

De uma defesa sobre o papel da teoria ideal na proposição de um certo modo de imaginar politicamente sobre a justiça social passamos para as Imaginações políticas para um outro mundo possível, de Eduardo Rezende de Melo, Flávia Schilling e Maria José Rezende. Em um movimento de “avizinhamentos” - ou o que poderíamos definir como “pensar com” - as autoras e o autor reinterpretam as contribuições de Amartya Sen, Nancy Fraser, Luc Boltanski e Judith Butler, estabelecendo como ponto de partida a definição segundo a qual imaginar politicamente é um exercício potente e de liberdade. Um exercício, importa ressaltar, com consequências para as tarefas da crítica na medida em que questiona a naturalidade daquilo que sempre foi. Imaginar politicamente carrega a potencialidade de abrir intervalos, nos ensinam as autoras. Ainda na mesma direção, na letra de um texto que busca oscilações e deslocamentos (ao invés de sínteses), imaginar politicamente ganha o sentido oposto da resignação e do conformismo. O texto em tela pode, por fim, ser lido também como um convite - que se expressa em uma demanda ética - à reflexão sobre a possibilidade de uma vida em comum na qual nenhuma vida poderia ser simplesmente descartada.

Retornamos ao maquinário rawlsiano e suas implicações sobre os temas da justiça, mas, principalmente, para um debate sobre o valor da igualdade com Lucas Petroni. Pelos termos da tradição da filosofia analítica, em “Igualdade como não subordinação” lemos uma análise sobre o igualitarismo social baseada em uma interpretação específica do valor da igualdade que ganhará, pelos termos de Petroni, um sentido específico: trata-se da igualdade como não subordinação. Com o conceito, Petroni pretende identificar um rationale normativo comum para expressões diversas do igualitarismo social coerente tanto com o pano de fundo histórico das lutas por igualdade social como com o fundamento normativo do igualitarismo. Estamos diante de uma concepção, importa notar, que se pretende orientada pelas lutas contra formas injustas de subordinação social. Nesse movimento, Petroni se distancia da tradição analítica e acena para outros modos de compreender o exercício da reflexão normativa e analítica no nosso tempo histórico e em certo território. Seja como for, a sua aposta é a de que compreender os ganhos legados pelo igualitarismo social é esforço incontornável para enfrentarmos, como cidadãs e cidadãos, os regimes de desigualdades atuais, como também na criação coletiva de novas imaginações políticas para o século XXI. Caminhar com a tradição política igualitária na fabricação dessas imaginações políticas significaria, para Lucas Petroni, passar pela tradução da tese de que a igualdade não é uma reivindicação moral demasiadamente exigente naqueles contextos marcados por liberdade política, diferença interpessoal e afluência econômica.

Com Nunzio Ali em seu “Enlarging Political Imagination: Ideal Types of Social Systems and a Pluralistic Distributive Approch” aprendemos, em uma primeira aproximação, sobre como uma teoria democrática da justiça não pode, com o risco de anular-se, simplesmente apagar os mecanismos sociais responsáveis por levar uma cidadã a dominar outras cidadãs. Ou seja, imaginar politicamente sobre justiça, em contextos democráticos, passa, segundo Ali, por uma reflexão sobre os mecanismos da dominação política e social e as soluções que podemos encontrar para endereçá-los. Nunzio Ali e Lucas Petroni são leitores de Edmundson nesse sentido. No entanto, o que está em questão nessa teorização centrada no problema da justiça não é redutível, portanto, ao problema da definição de um conceito de igualdade ou de democracia, mas sim relaciona-se com o que poderíamos chamar de questão de poder. Nunzio Ali alia-se de maneira não trivial àquelas posições que afirmam a tese de que questões de justiça distributiva não poderiam ser simplesmente separadas do problema da inclusão e do poder socioeconômico. É com esse enquadramento que Ali chega até a definição do seu objeto, aliado a uma defesa estimulante e inovadora sobre como precisamos olhar, de acordo com uma “perspectiva distributiva pluralista”, para o gap entre, de um lado, os mais bem situados e, de outro, os sujeitos piores situados de uma sociedade democrática. A preocupação aqui, tal como proposto por Gustavo Pereira, é também com o lugar da teoria ideal na resposta para questões relativas à desigualdade e à dominação. Pereira e Ali avizinham-se, no sentido apresentado por Melo, Schilling e Rezende, na busca por uma ponte entre modelos ideais de sociedade e implementações concretas em circunstâncias não ideais - entre, nos nossos termos, a imaginação política e a transformação social.

Movendo-se sobre territórios republicanos e em circunstâncias não ideais, Sebastian Rudas em seu “Laicidade como não dominação”, inova ao localizar propósitos descritivos e normativos em uma reflexão sobre a “laicidade” em cenas latino-americanas. De um movimento descritivo, identificando os usos de certo vocabulário no embate político, para um movimento normativo, a laicidade como não dominação é definida como o ideal-guia das nossas ações quando precisamos enfrentar contextos em que certas religiões - em especial, as religiões dos povos indígenas e as religiões afro-diaspóricas - são vítimas de injustiças - seja na forma da violência aberta, seja na forma da restrição por diferentes meios da sua liberdade religiosa - que devem e podem ser combatidas. É nesse sentido que encontramos a afirmação de que a laicidade como não dominação previne relações de dominação naquelas situações em que podem surgir de tensões religiosas. No horizonte aberto por Rudas, a laicidade como não dominação deve compor nossas imaginações políticas sobre sociedades democráticas que precisam responder à contextos em que conflitos religiosos expressam também relações de dominação - relativas, especialmente, à raça, à étnica e ao território. Com Rudas, de um lado, e Petroni e Ali, de outro, encontramos maneiras de ler as diferentes faces das lutas sociais e suas expressões contra formas injustas para, em um caso, a subordinação social e, para os outros dois, da dominação social.

Antecipando novas utopias (Wright, 2010WRIGHT, Erik Olin. 2010. Envisioning Real Utopias. London: Verso.), Roberto Merril e Pedro Silva exploram os sentidos normativos da Renda Básica Incondicional, definida como um modelo de política pública cujo alvo são as desigualdades econômicas. A arquitetura da discussão proposta em “Predistribution and Unconditional Basic Income” está fundada em um projeto ambicioso e urgente. Se, de um lado, o texto nasce do encontro entre princípios normativos e o desenho de políticas públicas, de outro lado, os autores apresentam argumentos substantivos sobre a superioridade normativa da Renda Básica Incondicional em relação às políticas de pleno emprego na qual o Estado é entendido como empregador de última instância. Tal como Núnzio Ali, Merril e Silva identificam no fosso crescente entre ricos e pobres o problema normativo central das democracias contemporâneas, incidindo não apenas sobre o bem-estar de seus membros, mas também sobre os próprios termos da cooperação social. Seguindo a tendência dos outros textos, e também reimaginado o legado rawlsiano, o debate sobre políticas públicas aqui não está circunscrito à defesa da superioridade normativa de determinado ideal de sociedade justa sobre os demais. Trata-se de oferecer uma maneira de interpretar a relação entre princípios normativos abstratos e as bases institucionais da justiça social para sociedades como as nossas, no aqui e agora da luta política. Estamos, uma vez mais, buscando respostas para a pergunta sobre o que a justiça requer de nós, cidadãs e cidadãos democráticos, e, sobretudo nesse caso, dos nossos governos, que, em ação, são os responsáveis por garantir as bases sociais da democracia.

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  • WRIGHT, Erik Olin. 2010. Envisioning Real Utopias. London: Verso.
  • YOUNG, Iris Marion. 1990. Justice and the Politics of Difference. New Jersey: Princeton University Press .
  • 1
    De acordo com um levantamento de junho de 2020, feito pela Liga de Ciência Preta Brasileira (Hanzen, 2021HANZEN, Elstor. 2021. Mesmo sendo maioria na população brasileira, negros ainda têm baixa representatividade no meio acadêmico. Jornal UFRGS. ).
  • 2
    É cambaleante, no sentido empregado, por falhar reiteradamente em cumprir o que prevê em sua carta constitucional, tanto do ponto de vista do respeito aos seus fundamentos - ressaltamos o valor da dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político - quanto falha em cumprir com seus objetivos mais fundamentais: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
  • 3
    Aproveitamos a oportunidade para agradecer à Lucas Petroni, Andrei Koerner, Álvaro de Vita, Frederico Almeida, Maria José Rezende, Flavia Schilling, Ludmilla Murta, Gustavo Pereira, Sebástian Rudas, Núnzio Ali, Roberto Merrill, Fábio Domingues Waltenberg, Leandro Ferreira, Denílson Werle e Júlio César Casarin por terem composto o Seminário e, com isso, tornado possível este número especial que apresentamos em forma de dossiê. Gostaríamos de agradecer o trabalho imprescindível de toda(o)s a(o)s pareceristas anônima(o)s que contribuíram diretamente para a construção dos textos aqui reunidos. Por fim, agradecemos, de maneira especial, o trabalho de Bruno Comparato e Pedro Vasques na edição e preparação deste dossiê. Para mais informações sobre o Seminário Internacional conferir: https://imaginacoespoliticas.com.br/
  • 4
    Como aquelas peças costuradas pelas mãos das bordadeiras que criam Linhas no [nosso] Horizonte. Com o propósito de unirem bordados e democracia, coletivos de mulheres começaram a se formar para tramar, no tecido, suas posições de contestação contra os ataques mais recentes à democracia brasileira. O coletivo Bordadeiras pela Democracia, em São Paulo, e Linhas no Horizonte, de Minas Gerais, são iniciativas inovadoras nesse sentido.
  • 5
    Numa outra direção, aprendemos com Enzo Traverso (2021TRAVERSO, Enzo. 2021. Revolution: An Intellectual History. New York: Verso .; 2022TRAVERSO, Enzo. 2002. Revolutions are still breathing life into history. Verso Blog, 1 ago. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3WJbXeW . Acesso em: 7 nov. 2022.
    https://bit.ly/3WJbXeW...
    ), que o século XXI parece ter uma diferença fundamental em relação aos dois séculos anteriores. Essa diferença diz respeito ao que ele chamou de “eclipse das utopias”. Um eclipse explicado por mais de um evento que acompanha o esgotamento da ideia e das revoluções do século XX. Um século que, além de ter sido o século do totalitarismo e de duas guerras mundiais, também foi o século em que o “princípio da esperança” (Bloch, 1916) ganhou sentido na medida em que o comunismo se tornou uma utopia concreta e possível. Com tal posição, Traverso não supõe que não exista caminho, hoje, para a transformação radical. Ao contrário, nos anos recentes, afirma o historiador, houve “revoluções” importantes - um exemplo é a Primavera Árabe -, porém, tais movimentos não criaram identificações com os modelos do passado: socialismo, nacionalismo libertário, panarabismo. Modelos que, por sua vez, passaram a ser taxados como obsoletos, exauridos, derrotados. O que, uma vez mais, não significa ceder a qualquer posição fatalista sobre a impossibilidade da mudança. Nas palavras de Traverso: “A ideia de transformação radical persiste apesar de não se reconhecer como herdeira dos modelos herdados do século XX, em particular do comunismo e do anti-colonisalismo. Porém, um novo modelo ainda não está à vista. Esse vazio está na origem de uma criatividade incrível, diria até mesmo uma sofisticação teórica, presente em movimentos forçados a reinventar-se. Na base dessa criatividade está uma questão revolucionária: Como mudar o mundo, colocar fim no capitalismo, salvar o planeta, superar as terríveis desigualdades que assolam as nossas sociedades?” (Traverso, 2022TRAVERSO, Enzo. 2002. Revolutions are still breathing life into history. Verso Blog, 1 ago. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3WJbXeW . Acesso em: 7 nov. 2022.
    https://bit.ly/3WJbXeW...
    ; 2021TRAVERSO, Enzo. 2021. Revolution: An Intellectual History. New York: Verso .)
  • 6
    Há uma tradição, especialmente entre feministas antirracistas brasileiras, que nos ensina tanto como “o protagonismo político das mulheres negras tem se constituído em força motriz para determinar as mudanças nas concepções e o reposicionamento político feminista no Brasil” (Carneiro, 2003CARNEIRO, Sueli. 2003. Mulheres em Movimento. Estudos Avançados. v. 17, n. 49, pp. 177-132. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3TfRFa3 . Acesso em: 7 nov. 2022.
    https://bit.ly/3TfRFa3...
    , p. 129) quanto como esse protagonismo, que tem como alvo a injustiça racial, a injustiça social e a incompletude da democracia brasileira, tem em sua base movimentos e formas de organizações sociais alternativas ao individualismo, à meritocracia, à responsabilização individual, à autossuficiência. Judith Butler, nessa mesma direção, chama a atenção para movimentos e alianças políticas, que nascem na condição partilhada de precariedade, e que existem como alternativas às lógicas neoliberais - significando aqui o capital monopolista, a supressão de direitos políticos, a tentativa de alguns/algumas de se manterem em uma condição de invulnerabilidade enquanto outras vidas são reiteradamente tornadas mais vulneráveis, o desmantelamento de formas de democracia social e socialismos, a erradicação de empregos, exposição de certas parcelas da população à pobreza, e o assalto ao acesso a direitos de saúde e educação (Butler, 2018BUTLER, Judith. 2018. Notes Toward a Performative Theory of Assembly. Cambridge: Harvard University Press.).
  • 7
    As referências para a “variedade de perspectivas filosóficas” são: Aristóteles (1907)ARISTÓTELES. 1907. De Anima. Traduzido e editado por E. R. D. Hicks. Cambridge: Cambridge University Press., Hobbes (Hobbes, 2003HOBBES, Thomas. 2003. Leviatã. Ou a matéria, forma e poder de uma República Eclesiástica e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Martins Fontes. Publicado originalmente em 1651.; Schwartz, 2020SCHWARTZ, Avshalom M. 2020. The sleeping subject: On the use and abuse of imagination in Hobbes’s Leviathan. Hobbes Studies. v. 33, n. 2, pp. 153-175. DOI: https://doi.org/10.1163/18750257-bja10016.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1163/...
    ) e Kant (2008). Não obstante diferenças significativas entre suas posições, concordam sobre o papel epistemológico e psicológico da imaginação também na produção de conhecimento. Para uma análise compreensiva sobre o papel da imaginação especificamente na produção de julgamentos e razões morais, por um lado, e na nossa capacidade de compreensão, conferir os textos organizados por Ronald Beiner e Jennifer Nedelsky, no livro Judment Imagination and Politics (2001BEINER, Ronald; NEDELSKY, Jennifer (ed.). 2001. Judgment Imagination and Politics: Themes from Kant to Arendt. London: Rowman & Littlefield Publisher.).
  • 8
    O que deixamos de lado no nosso recorte são os debates no campo da psicologia (por exemplo, Freud, 1900FREUD, Sigmund. 2019. A interpretação dos sonhos: Obras Completas. Vol. 4. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras . Publicado originalmente em 1900. e Vygotsky, 2004VYGOTSKY, Lev Semenovich. 2004. Imagination and creativity in childhood. Journal of Russian & East European Psychology. v. 42, n. 1, pp. 7-97. DOI: https://doi.org/10.1080/10610405.2004.11059210.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
    ), da ciência política (por exemplo, Browne e Diehl, 2019BROWNE, Craig; DIEHL, Paula. 2019. Conceptualising the political imaginary: An introduction to the special issue. Social Epistemology. v. 33, n. 5, pp. 393-397. DOI: https://doi.org/10.1080/02691728.2019.1652859.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
    ), da teoria crítica de matriz frankfurtiana (por exemplo, Benhabib, 1986BENHABIB, Seyla. 1986. Critique, Norm, and Utopia. New York: Columbia University Press.; Adorno e Bloch, 1964ADORNO, Theodor W; BLOCH, Ernest. 1964. Möglichkeiten der Utopie heute. Arquivo de áudio on-line. SWF (62’57’’) . Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3UjstAH . Acesso em: 7 nov. 2022.
    https://bit.ly/3UjstAH...
    ; Benjamin, 1968BENJAMIN, Walter. 1968. Illuminations: Essays and Reflections. Hannah Arendt (ed.). New York: Schocken Books.), da teoria crítica de matriz focaultiana (por exemplo, Foucault, 1984FOUCAULT, Michel. 1984. Des Espaces Autres. Conférence au Cercle d’études architecturales. In: Architecture, Mouvement, Continuité, octobre, n°5, pp. 46-49.; Balibar, 2022BALIBAR, Étiene. 2022. Uncovering lines of escape: towards a concept of concrete utopia in the age of catastrophes. Introductory Lecture. Utopia 13/13, “A History of the Future,” 13 Seminars at Columbia, 2022-2023, 1 out. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3hd7sJm . Acesso em: 7 nov. 2022.
    https://bit.ly/3hd7sJm...
    ; Ranciére,1991), da teoria organizacional (por exemplo, Laloux e Wilber, 2014LALOUX, Frederic; WILBER, Ken. 2014. Reinventing organizations: A guide to creating organizations inspired by the next stage of human consciousness. Brussels: Nelson Parker.), das teorias dos movimentos sociais (por exemplo, Duncombe, 2007DUNCOMBE, Stephen. 2007. Dream: Re-imagining progressive politics in an age of fantasy. New York: New Press.; Haiven e Khasnabish, 2014HAIVEN, Max; KHASNABISH, Alex. 2014. The radical imagination: Social movement research in the age of austerity. London: Zed Books.) e da educação (por exemplo, Freire, 2013FREIRE, Paulo. 2013. Ação cultural: para a liberdade e outros escritos. São Paulo: Paz e Terra .; 1970FREIRE, Paulo. 1970. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra.; Halpin, 2003HALPIN, David. 2003. Hope and Education: the role of the utopian imagination. London: Routledge. DOI: https://doi.org/10.4324/9780203468012.
    https://doi.org/https://doi.org/10.4324/...
    ; Lewis, 2006LEWIS, Tyson. 2006. Utopia and Education in Critical Theory. Policy Futures in Education. v. 4, n. 1, pp. 6-17. DOI: https://doi.org/10.2304/pfie.2006.4.1.6.
    https://doi.org/https://doi.org/10.2304/...
    ; Ozmon, 1969OZMON, Howard. 1969. Utopias and Education. Minneapolis: Burgess.), para ficarmos apenas com alguns campos de debate.
  • 9
    A afirmação de é retomada por Benedict Anderson (2008, p. 39).
  • 10
    Recorremos à tradução de Denise Bottmann.
  • 11
    Usamos a tradução de “Venus in Two Acts” (2008) publicada no dossiê “Crise, Feminismo e Comunicação” e proposta por Fernanda Silva e Sousa e Marcelo Ribeiro. Em todos os outros casos em que o contrário não for indicado a responsabilidade pela tradução é nossa.
  • 12
    Fazemos referência ao manifesto feminista “A trama para acabar com ela” [The Plot of Her Undoing], de Saidiya Hartman (2022)HARTMAN, Saidiya. 2022. A trama para acabar com ela. Tradução de Stephanie Borges. Revista Serrote, n. 40., traduzido por Stephanie Borges e publicado na Revista Serrote 40.
  • 13
    Os termos são de Sueli Carneiro: “Nós, mulheres negras”, pontua a autora, “fazemos parte de um contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram a si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteras, prostitutas […] Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar! Fazemos parte de um contingente de mulheres com identidade de objeto. Ontem, a serviço de frágeis sinhazinhas e de senhores de engenho tarados. Hoje, empregadas domésticas de mulheres liberadas e dondocas, ou de mulatas tipo exportação.” (Carneiro, 2003aCARNEIRO, Sueli. 2003a. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: ASHOKA Empreendedores Sociais; TAKANO Cidadania (org.). Racismos contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano Editora, 2003., p. 1-2).
  • 14
    Max Beerbohm representa exatamente tal posição ao afirmar:
    “Então, isso é utopia,
    É isso? Bem -
    Peço suas desculpas;
    Eu pensava que fosse o Inferno” (Beerbohm apud Sargent, 1994SARGENTE, Lyman Tower. 1994. The Three Faces of Utopianism Revisited. Utopian Studies v. 5, n. 1, pp. 1-37. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3hu0Whm . Acesso em: 7 nov. 2022.
    https://bit.ly/3hu0Whm...
    , p. 1).
    Na mesma direção, propôs o whig Thomas Macaulay, em um dos seus aforismos: “O bem real mais insignificante é melhor do que as mais magníficas promessas de impossibilidades” (Macaulay, 1943MACAULAY, Thomas Babington. 1943. Lord Bacon. In: MACAULAY, Thomas Babington. The Works of Lord Macauley. 6 vols. in 3. Boston: Houghton, Mifflin., p. 460 apud Sargent, 1994SARGENTE, Lyman Tower. 1994. The Three Faces of Utopianism Revisited. Utopian Studies v. 5, n. 1, pp. 1-37. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3hu0Whm . Acesso em: 7 nov. 2022.
    https://bit.ly/3hu0Whm...
    , p. 1).
  • 15
    Além dos trabalhos de Sargent, para definições das diferentes tradições e usos do conceito de utopia conferir: The concept of Utopia (Levitas, 1990LEVITAS, Ruth. 1990. The Concept of Utopia. Hemel Hempstead: Philip Allan.).
  • 16
    Demanda que ganha contornos mais específicos quando lembramos das muitas críticas endereçadas à Rawls e à literatura rawlsiana quando não enfrentou ou precisou enfrentar e o fez de modo inadequado problemas relativos ao racismo (por exemplo, Mills, 2017MILLS, Charles W. 2017. Rawls on Race/Race in Rawls. In: MILLS, Charles W. Black Rights/White Wrongs: The Critique of Racial Liberalism. New York: Oxford University Press . DOI: https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780190245412.001.0001.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1093/...
    ; 2017aMILLS, Charles W. 2017a. Black Rights/White Wrongs: The Critique of Racial Liberalism. New York: Oxford University Press . DOI: https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780190245412.001.0001.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1093/...
    ; 2009MILLS, Charles W. 2009. Rawls on Race/Race in Rawls. Southern Journal of Philosophy. v. 47, n. S1, pp. 161-184. DOI: https://doi.org/10.1111/j.2041-6962.2009.tb00147.x.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
    ; Terry, 2021TERRY, Brandon M. 2021. Conscription and the Color Line: Rawls, Race and Vietnam. Modern Intellectual History. v. 18, n. 4, pp. 960-983. DOI: http://doi.org/10.1017/S1479244320000463.
    http://doi.org/10.1017/S1479244320000463...
    ), à pobreza (por exemplo, Sen, 1992), à família e à desigualdade de gênero (por exemplo, Benhabib, 1992BENHABIB, Seyla. 1992. Situating the Self: Gender, Community, and Postmodernism in Contemporary Ethics. New York: Routledge.; Nussbaum, 2003NUSSBAUM, Martha. 2003. Rawls and Feminism. In: FREEMAN, Samuel. The Cambridge Companion to Rawls. Cambridge: Cambridge University Press . DOI: https://doi.org/10.1017/CCOL0521651670.015.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1017/...
    ), à justiça internacional (por exemplo, Nath, 2020; Blake, 2020BLAKE, Michael. 2020. Right-Wing Populism and Noncoercive Injustice: On the Limits of the Law of Peoples., In: Jon Mandle, Sarah Roberts-Cady (eds). John Rawls: Debating the Major Questions. New York: Oxford University Press. DOI: https://doi.org/10.1093/oso/9780190859213.003.0030.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1093/...
    ; Pogge, 2004POGGE, Thomas W. . 2004. The Incoherence Between Rawls’s Theories of Justice. Fordham Law Review. v. 72, n. 5, 1739-1759. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3zYk9ym . Acesso em: 7 nov. 2022.
    https://bit.ly/3zYk9ym...
    ), ao colonialismo e suas heranças (por exemplo, Mills, 2015MILLS, Charles W. 2015. Decolonizing Western Political Philosophy. New Political Science. v. 37, n. 1, pp. 1-24. DOI: https://doi.org/10.1080/07393148.2014.995491.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
    ). Para uma referência recente sobre como podemos interpretar a obra rawlsiana, e seus limites, como parte de um contexto histórico e acadêmico específico, nascido com o fim da Segunda Guerra Mundial, conferir o livro In the Shadow of Justice: Postwar Liberalism and the Remaking of Political Philosophy (2019FORRESTER, Katrina. 2019. In the Shadow of Justice: Postwar Liberalism and the Remaking of Political Philosophy. New Jersey: Princeton University Press.), de Katrina Forrester.
  • 17
    Com isso nos distanciamos sobremaneira de Critique, Norm, and Utopia para seguirmos refletindo sobre as categorias de Benhabib (1989) e não sobre a letra do seu texto.
  • 18
    Para uma definição da extensão do que podemos nomear como revolução cf. Petroni, 2021PETRONI, Lucas Cardoso. 2021. A Revolução Rawlsiana. In: FORONI, Cristina; MOURA, Julia; OLIVEIRA, Nythamar de. (org.). A Tribute to John Rawls. 1. ed. Porto Alegre: Editora Fundação Fênix. pp. 353-383..
  • 19
    Uma versão rawlsiana desse argumento foi apresentada por Álvaro de Vita na conferência “Por que uma teoria ideal de justiça?”, parte do Simpósio “Imaginações Políticas para o Século XXI” (Vita, 2021VITA, Álvaro de. 2021. Ciclo de Palestras 2021.2: Por que uma teoria ideal de justiça? Youtube, 20 set. 2021. Abertura do Seminário Internacional Imaginações Políticas para o Século XXI. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados - USP.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    14 Out 2022
  • Aceito
    07 Nov 2022
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