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AS PAISAGENS DE MORTE E A COVID-19 NAS AMÉRICAS: AS RESPOSTAS NORMATIVAS DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS EM TORNO DA VULNERABILIDADE-MORTE

DEATH LANDSCAPES AND COVID-19 IN THE AMERICAS: NORMATIVE RESPONSES OF THE INTER-AMERICAN COMMISSION OF HUMAN RIGHTS TOWARDS VULNERABILITY-DEATH

Resumo

O artigo parte das paisagens de morte das duas maiores democracias das Américas - Brasil e Estados Unidos - na crise de covid-19, oferecendo uma engrenagem conceitual denominada binômio vulnerabilidade-morte para ponderar em que medida a política da tragédia é um ponto de inflexão no tratamento das vulnerabilidades e da morte na política institucional, enfatizando o trabalho da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Analisando as respostas normativas da CIDH, percebeu-se não a articulação, mas a bifurcação da vulnerabilidade e da morte. Embora revele um não entrelaçamento normativo, a bifurcação não significa uma escolha entre caminhos binários. Ainda que as duas democracias das Américas tenham suscitado desafios institucionais, a CIDH revelou um aprofundamento do sentido da vulnerabilidade e empreendeu normativamente em torno da morte: questões historicamente ausentes da estrutura básica internacional e capazes de lançar um desafio produtivo para a teoria da justiça internacional.

Palavras-chave:
Paisagens de Morte; Binômio Vulnerabilidade-Morte; Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Resposta Normativa; Estrutura Básica Internacional

Abstract

The article engages with the death landscapes of the Americas’ two largest democracies - Brazil and the United States - during the Covid-19 crisis, offering a conceptual tool entitled vulnerability-death binomial to consider the extent to which a politics of tragedy is a turning point in the ways institutional politics addresses vulnerability and death, emphasizing the work of the Inter-American Commission on Human Rights (IACHR). When analyzing the normative responses of IACHR, no articulation was found between vulnerability and death but, instead, a bifurcation of each. Although it reveals that there is not a normative interplay between vulnerability and death, the bifurcation does not mean a choice between binary paths. While the two democracies have raised institutional challenges, the IACHR deepened certain senses of vulnerability and a normative movement towards death: issues historically absent from the international basic structure and capable of challenging the international justice theory.

Keywords:
Death Landscapes; Vulnerability-Death Binomial; Inter-American Commission of Human Rights; Normative Response; International Basic Structure

Introdução: breve incursão nas paisagens de morte nas Américas diante da Covid-19

Em finais de março de 2021, após um ano conturbado marcado pela tragédia anunciada da pandemia de Covid-19, o Brasil superou a marca dos 300 mil mortos pelo vírus, atrás apenas dos Estados Unidos (EUA), que contava à época com mais de 549 mil óbitos. Dois dos maiores países do continente americano, Brasil e EUA, representavam, até o momento da escrita deste artigo, 30% do total de mortes do mundo - que já passou dos 2,7 milhões -, sendo dessa forma caracterizados, tal como sugere Lopes (2020LOPES, Dawisson Belém. (@dbelemlopes). 2021. O Brasil tem menos de 3% da população mundial e quase 11% de todos os óbitos por covid-19. Os EUA têm 4,5% da população do planeta e 19% dos óbitos. Juntos, Bolsonaro e Trump carregam nos ombros 30% das mortes diretamente ligadas à pandemia. São, por opção, os coveiros globais. Twitter, 7 jan. 2021. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3IpNKUL . Acesso em: 21 jan. 2021.
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), como os “coveiros globais”.

Não surpreendentemente, populações indígenas, quilombolas, negras e precarizadas, tanto dos grandes centros urbanos quanto das áreas rurais brasileiras, foram as mais atingidas pela pandemia, pois as medidas de contenção, como o isolamento social, foram desenhadas para um grupo específico e privilegiado da sociedade que já tem sua vulnerabilidade contornada pelo Estado. Como notam Milanez e Silva (2020aMILANEZ, Felipe; VIDA, Samuel. 2020a. Pandemia, racismo e genocídio indígena e negro no Brasil: coronavírus e a política da morte. São Paulo: n-1 edições . Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3ILuH8O . Acesso em: 22 jan. 2021.
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), a solução para a continuação da produção do trabalho pelo regime de home office, por exemplo, não incluía aqueles que precisam se deslocar cotidianamente em transportes públicos lotados e sucateados para garantir sua sobrevivência. Nesse sentido, trata-se de uma medida, dentre tantas outras, que emana da racionalidade neoliberal e que pode ser usufruída por apenas uma parcela da sociedade.

É possível dizer que a conjuntura da pandemia revela uma estrutura histórica de vulnerabilidade de certas parcelas da população. E isso não é distinto na paisagem estadunidense da pandemia. Marcadores sociais de desigualdade como raça, gênero, pobreza, insegurança alimentar, habitações precárias, falta de saneamento básico, discriminação no acesso a bens e serviços públicos, entre outros, resultantes de políticas valorizadoras de um senso de existência individual e ainda da omissão deliberada dos poderes públicos federais - como no caso do Brasil, que em janeiro de 2021 permitiu que pelo menos 30 pessoas em Manaus morressem asfixiadas por falta de cilindros de oxigênio nos hospitais (G1 AM, 2021G1 AM. 2021. Documentos mostram que mais de 30 morreram nos dois dias de colapso por falta de oxigênio em Manaus. G1 Amazonas. Disponível em: Disponível em: http://glo.bo/3kmCTD6 . Acesso em: 25 jan. 2021.
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) -, tornam a tragédia da vulnerabilidade um evento quase cotidiano e a morte um horizonte não mediado e, arriscadamente, naturalizado. Inclusive, como afirmam Milanez e Silva (2020bMILANEZ, Felipe; VIDA, Samuel. 2020b. Pandemia, racismo e genocídio indígena e negro no Brasil: coronavírus e a política de extermínio. CLACSO. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3InLk93 . Acesso em: 9 jan. 2021.
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), tragédias são socialmente desiguais e “expõem da forma mais gritante as desigualdades historicamente construídas, como o grau de exposição aos riscos e a construção das vulnerabilidades”.

Assim, uma dinâmica de laissez-faire conduzida pelo governo brasileiro, que buscou privilegiar a economia em detrimento de intervenções necessárias no sistema público de saúde (Lotta et al., 2020LOTTA, Gabriela; FERNANDEZ, Michelle; VENTURA, Deisy; RACHED, Danielle; AMORIM, Melania; BARBERIA, Lorena; SOUSA, Tatiane; WENHAM, Clare. 2020. Quem é responsável pela catástrofe brasileira na crise de COVID-19? LSE. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3YRNS6q . Acesso em: 11 jan. 2021.
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), e também pelos Estados Unidos, que há quatro décadas têm privilegiado políticas neoliberais, ao mesmo tempo em que enfraquece o sistema de saúde, leva por consequência a um laissez-mourir (Assa, 2020ASSA, Jacob. 2020. Laissez-Faire, Laissez Mourir. Developing Economics. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3IP9if6 . Acesso em 25 jan. 2021.
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). Pessoas são “deixadas para morrer” diante de políticas de austeridade que precarizam serviços públicos, principalmente o de saúde.

O artigo, ao partir dessa paisagem de morte das duas maiores democracias das Américas e ao trazer uma engrenagem conceitual articulada no que aqui se denomina de binômio vulnerabilidade-morte, busca iluminar em que medida a crise sanitária e humanitária provocada pela Covid-19 globalmente pode se configurar como um ponto de inflexão no tratamento das mesmas vulnerabilidades e da morte no âmbito da política institucional regional, com um olhar sobre a produção normativa da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) nesse contexto.

Pretende-se aqui afunilar a análise da política institucional internacional para a grande pedra angular do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos (SIDH), problematizando o papel normativo da CIDH no curso da tragédia sanitária e humanitária, bem como localizando as Américas em um espaço sui generis de tragédia global. Ecoando Salazar (2014SALAZAR, Katya. 2014. Editorial. Aportes DPLF: Magazine of the Due Process of Law Foundation. v. 19, n. 7, p. 1.) nesse ínterim:

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) é a pedra angular do sistema de defesa e defesa dos direitos humanos que temos na região. Nos últimos dois anos, a Comissão passou por um processo - oficialmente chamado de “fortalecimento”, mas que às vezes parecia “desafiador” - que acabou por se tornar uma espécie de reforma.

Em outras palavras, pretende-se aqui problematizar em que medida essa correlação positiva entre as paisagens de morte nas Américas, tomando o Brasil e Estados Unidos como realidades paradigmáticas, e a política de esvaziamento multilateral ao longo da crise de Covid-19 afeta a CIDH e, ainda, se a própria CIDH opera no binômio vulnerabilidade-morte,1 1 O binômio vulnerabilidade-morte será devidamente tratado na seção subsequente deste artigo. recriando-o de alguma(s) forma(s).

No que tange a esses últimos aspectos, vale notar como os então governantes das duas maiores democracias das Américas - Donald Trump e Jair Bolsonaro -, assim como seus apoiadores, paralelamente à banalização - e, em alguns casos, à sua produção, sobretudo por conta da negligência em promover de políticas públicas de combate à pandemia - da vulnerabilidade e da morte, proferiram discursos e atitudes, embora não exatamente equivalentes, que expressaram forte descrédito quanto ao papel para as instituições internacionais no contexto pandêmico, em particular a Organização Mundial da Saúde (OMS), instituição internacional de escopo global e funcionalmente atrelada à agenda de saúde.

É notório, do ponto de vista de uma realidade institucional regional, que a CIDH não se esquivou, em sua prática político-institucional em matéria de direitos humanos, das questões reveladoras da vulnerabilidade-morte tanto em escala regional quanto global ao longo de sua trajetória de vida:

A CIDH conquistou sua reputação de vigilante dos direitos humanos nas Américas. Desde a documentação de desaparecimentos nas décadas de 1970 e 1980 até o apoio às transições democráticas e a defesa das comunidades indígenas e LGBTI contra a discriminação em tempos mais recentes, o trabalho da Comissão está inserido no tecido de um hemisfério que se define como uma comunidade de democracias. Embora imperfeita e cronicamente carente de recursos, a CIDH continua a ser um baluarte contra os piores abusos, apoiada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e empunhando um conjunto de tratados interamericanos de direitos humanos. (Camilleri; Edmonds, 2017CAMILLERI, Michael; EDMONDS, Danielle. 2017. An institution worth defending: the Inter-American Human Rights System in the Trump Era. The Dialogue. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3IPanna . Acesso em: 10 jan. 2021.
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, p. 1, tradução nossa)

Entretanto é também notório que as instituições internacionais busquem reforçar, mesmo quando diante de graves violações de direitos humanos, as possibilidades de vida, recolocando a ideia moderna de que avanços humanos de ordem racional e moral passaram pelo caminho da institucionalização da política internacional a partir da metade do século XX. Em outras palavras, operar no binômio vulnerabilidade-morte seria revelar as instituições também como parte dos problemas relativos a injustiças globais, e não tão somente mantê-las no espectro da solução de problemas de justiça global. Tal relação binomial exige, vale dizer, uma refronteirização do sentido de vida internacional que orienta a noção de estrutura básica da qual partimos aqui e que se distancia, em grande medida, do sentido conceituado em uma teoria da justiça internacional proposta por John Rawls (2000RAWLS, John. 2000. The law of peoples: with the idea of public reason revisited. Cambridge: Harvard University Press.).

Com vistas a cumprir seu propósito, este artigo está dividido em quatro seções, além desta introdução: a primeira busca esclarecer os sentidos do binômio vulnerabilidade-morte diante das paisagens de morte nas Américas preliminarmente apresentadas nesta Introdução; a segunda seção discute a possibilidade de pensar um adensamento moral da noção de estrutura básica internacional a partir da ideia de vulnerabilidade mobilizada por instituições internacionais de justiça com potencial de impactar a vida de diferentes cidadãos; em seguida, a terceira seção aponta, mesmo diante do esvaziamento multilateral propulsionado pelas lideranças norte-americana e brasileira, para a produção normativa da CIDH ao longo da pandemia de Covid-19 com vistas a revelar se a própria CIDH opera no binômio vulnerabilidade-morte, recriando-o de alguma(s) forma(s). Finalmente, pondera-se, nas considerações finais, para uma nova produção normativa em torno, especialmente, das paisagens de morte nas Américas, mas não necessariamente associada à agenda de vulnerabilidades existente. Vê-se, assim, certa bifurcação - no sentido de uma escolha entre dois caminhos não necessariamente excludentes entre si - da morte e da vulnerabilidade e não a evidenciação de seu nexo na nova produção normativa advinda da CIDH.

O binômio vulnerabilidade-morte: o vocabulário político internacional ausente?

Nas últimas décadas, a noção de vulnerabilidade vem sendo discutida de forma interdisciplinar, sobretudo nas áreas das Ciências Sociais, da Ciência Política, da Saúde, da Filosofia e do Direito, resvalando também nas Relações Internacionais. Algumas teorizações da vulnerabilidade têm aparecido como ferramentas capazes de colocar em xeque o mito do sujeito moderno, liberal, racional, descorporificado e descontextualizado (Furusho, 2016FURUSHO, Carolina Yoo. 2016. Uncovering the human rights of the vulnerable subject and correlated state duties under liberalism. UCL Journal of Law and Jurisprudence, v. 5, n. 1, pp. 175-205.), uma vez que a vulnerabilidade, como conceito, é capaz de expor os limites da proteção atribuída aos sentidos modernos do político, do social e do legal por ele fronteirizados.

Uma das pioneiras desse campo de estudo, Martha Fineman (2008FINEMAN, Marta Albertson. 2008. The Vulnerable subject: anchoring equality in the human condition. Yale Journal of Law & Feminism, v. 20, n. 1, pp. 1-23.) define a vulnerabilidade como uma condição humana inerente, universal e constante, além de ser um estado de contínua exposição ao dano. A autora propõe ler a vulnerabilidade por meio de uma concepção pós-identitária para identificar as vulnerabilidades comuns a todos os seres humanos e, assim, chegar a uma proposta de como deve ser a responsividade do Estado diante delas.2 2 Aqui queremos problematizar a responsividade das instituições internacionais a elas. Ela advoga que é preciso desenvolver um sujeito mais complexo do que está posto nas políticas sociais e na lei, contrapondo-se à ideia de autonomia do sujeito construído pela tradição liberal (Fineman, 2008FINEMAN, Marta Albertson. 2008. The Vulnerable subject: anchoring equality in the human condition. Yale Journal of Law & Feminism, v. 20, n. 1, pp. 1-23.).

Apesar da definição ontológica de Fineman (2008FINEMAN, Marta Albertson. 2008. The Vulnerable subject: anchoring equality in the human condition. Yale Journal of Law & Feminism, v. 20, n. 1, pp. 1-23.), autoras como Butler (2016BUTLER, Judith. 2016. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.) e Furusho (2016FURUSHO, Carolina Yoo. 2016. Uncovering the human rights of the vulnerable subject and correlated state duties under liberalism. UCL Journal of Law and Jurisprudence, v. 5, n. 1, pp. 175-205.) defendem - em adição - um olhar mais contextual para a vulnerabilidade, visto que ela se manifesta de maneira diferente em função de determinantes contextuais sociomateriais. Vale ressaltar que as críticas voltadas à concepção universal da vulnerabilidade são válidas para demonstrar os limites do conceito e para identificar que, apesar de parecer inclusivo, ele deve ser pensado com cautela, uma vez que seus enquadramentos políticos, inclusive por atores políticos e por instituições internacionais, revelam considerável seletividade.

De maneira geral, o conceito de sujeito vulnerável revela uma condição ontológica universal do humano que pressupõe que seu corpo está exposto a forças articuladas social e politicamente, ou seja, desde o próprio nascimento, o corpo está sempre entregue a normas e organizações sociais e políticas seletivas quanto à sua precariedade, o que caracteriza sua vulnerabilidade (Butler, 2016BUTLER, Judith. 2016. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.). Logo, a vulnerabilidade não pode ser pensada fora do campo do poder e da política, tampouco fora do terreno da morte.

Nesse sentido, este artigo sustenta que um vocabulário político internacional robustecido para a vulnerabilidade está intrinsecamente conectado ao reconhecimento da morte, assim como um vocabulário político robustecido para a morte está inexoravelmente atrelado a reconhecer ontológica e contextualmente a vulnerabilidade.

Em importante contribuição intitulada Mortal democracy, Barringer (2016BARRINGER, Elizabeth Brandon. 2016. Mortal democracy: confronting death in political life. Tese de doutorado em Ciência Política. Los Angeles: University of California., p. 1, tradução e grifos nossos) enseja provocante reflexão a respeito do necessário deslocamento da morte para um vocabulário e paisagem políticos ao afirmar que: “a morte é entendida como um fato médico, material ou ontológico, excluída da vida política”. Com isso, a autora reitera o papel limitado, circunscrito e eminentemente privado da temática da morte, reforçando que, ainda que inexoravelmente afete a todos - mesmo que não homogeneamente - e revele variadas conexões transnacionais, encontra-se apartada da política e da política internacional de forma mais detida.

Produzir, assim, uma zona de inclusão teórica da morte na esfera política e da política democrática se configura como imperativo ético, sobremaneira no contexto de fortes injustiças preliminarmente aqui delineadas. Acompanhando Barringer (2016BARRINGER, Elizabeth Brandon. 2016. Mortal democracy: confronting death in political life. Tese de doutorado em Ciência Política. Los Angeles: University of California., p. 2, tradução nossa), acreditamos que “evitar discussões políticas sobre a morte acarreta o risco de encorajar outros enquadramentos do significado da vida e da morte, menos eticamente adequados, entrarem no discurso político por omissão”. Em outubro de 2020, por exemplo, ao referir-se a Jair Bolsonaro3 3 Em outro texto publicado no The Atlantic a esse respeito, em 27 de março de 2020, Bolsonaro é chamado de Trump dos Trópicos (Friedman, 2020). leu-se no The Atlantic (PAZ, 2020PAZ, Christian. 2020. What Bolsonaro’s COVID-19 case tells us about Trump’s. The Atlantic . Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/41ytlWv . Acesso em: 10 jan. 2021.
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, tradução nossa) que “As pesquisas agora o mostram com um índice de aprovação de quase 40%, em comparação com 32% em junho. A maioria dos brasileiros não o responsabiliza pelo número de mortos no país”.

Assim, a compreensão da morte espectral e transnacionalmente,4 4 No que tange a essa dimensão transnacional, vale destacar aqui a obra intitulada Transnational death, de 2019, co-organizada por Snellman, Koskinen-Koivisto e Saramo. De acordo com Saramo (2019, p. 8, tradução nossa), “A morte transnacional levanta questões sobre identidade, pertencimento e costumes, mas também sobre o cuidado logístico dos corpos, rituais e celebração”. isto é, em um continuum de morte lenta-rápida e em seu deslocamento espacial à revelia das fronteiras nacionais, possibilita criar e expandir o terreno político da morte, que inclui não só o morrer em si,5 5 Não se quer aqui incorrer no desvio apontado por Barringer (2016), que é o de lateralizar e despolitizar a discussão sobre a morte na medida em que tematizamos e politizamos - ainda que seja um movimento recente - aquilo que orbita em torno dela: o luto, a memória, o trauma. mas as variações, em forma e conteúdo, de todas as politics e policies6 6 Entendemos politics em seu sentido de ideologia, grande estratégia, grande política, política de Estado, ao passo que o termo policies carrega um sentido de táticas, políticas públicas, políticas de governo. que dela emanam e a ela se vinculam: política do luto, política da memória e política do trauma, para citar apenas alguns exemplos.7 7 Cabe mencionar aqui aqueles que são responsáveis por importantes esforços teórico-analíticos críticos, respectivamente, em torno dessas três politics e policies elencadas aqui: Butler (2004), Rahman (2015) e Fassin e Retchman (2009).

A tragédia cotidiana da Covid-19 expõe de forma muito clara o entrelaçamento ou a combinação binomial da vulnerabilidade e da morte. Como nos diz Butler (2016BUTLER, Judith. 2016. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.), pensando a vulnerabilidade no campo da política, muitas vezes a condição de ser e/ou estar vulnerável é induzida politicamente, ou seja, é fruto de ações deliberadas de atores políticos. Inclui-se aqui também a negligência, por exemplo, de fornecimento de condições básicas sanitárias, no contexto da pandemia, para populações já vulneráveis por conta de seus locais de moradia, como aquelas que moram nas periferias ou em favelas e não têm acesso a água tratada e a uma rede de saneamento básico. Assim, essa maior exposição à morte se revela em geografias de morte, tanto doméstica quanto globalmente, que por sua vez refletem desigualdades estruturais anteriores (Maddrell, 2020MADDRELL, Avril. 2020. Bereavement, grief, and consolation: emotional-affective geographies of loss during COVID-19. Dialogues in Human Geography, v. 10, n. 2, pp. 107-111.).

Ainda, a negligência em conduzir uma espécie de governança para redução das vulnerabilidades e da exposição desigual à morte mostra que, para os atores dotados de poder, algumas populações estruturalmente vulneráveis são consideradas um “excedente” ou, como diz Mbembe (2018MBEMBE, Achille. 2018. Crítica da razão negra. São Paulo: n-1 edições., p. 73),8 8 Aqui, Mbembe (2018) faz referência especialmente a como a raça é um marcador que categoriza certas vidas como matáveis, desperdiçadas ou protegidas, principalmente em espaços marcados por experiências coloniais. “uma espécie de vida que pode ser desperdiçada ou dispendida sem reservas”. Em muitos casos, a morte se torna, portanto, naturalizada.

Logo, a morte - lenta ou rápida - já estaria dada e não seria sentida como uma perda, exceto por aqueles que defendem o luto de seus entes queridos não só como um rito de passagem, mas reconhecem em adição o seu sentido político - como foi o caso, no início da pandemia, dos idosos: as primeiras vítimas acometidas pela doença. Daí, declarações tais como as de Bolsonaro, que ao ser questionado sobre as mortes por coronavírus no país afirmou não ser coveiro (Gomes, 2020GOMES, Pedro Henrique. 2020. ‘Não sou coveiro, tá?’, diz Bolsonaro ao responder sobre mortos por coronavírus. G1 Política. Disponível em: Disponível em: http://glo.bo/3INzqqD . Acesso em: 27 jan. 2021.
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), ou como de Trump, que afirmou, quando os EUA chegaram a 350 mil mortos, que a contagem era feita por uma metodologia errônea e era, portanto, exagerada (McEvoy, 2021MCEVOY, Jemima. 2021. Trump claims Covid deaths are ‘exaggerated’ as U.S. Surpasses 350,000. Forbes. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3KzoH4i . Acesso em: 27 jan. 2021.
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).

Voltando a Barringer (2016BARRINGER, Elizabeth Brandon. 2016. Mortal democracy: confronting death in political life. Tese de doutorado em Ciência Política. Los Angeles: University of California.), não apenas a morte em si, mas atitudes sobre ela, em especial daqueles que são representantes de uma democracia, são modeladoras de como indivíduos de determinada sociedade se envolvem em relações políticas. Narrativas disputadas e concorrentes sobre os tantos significados da morte, argumenta a autora, devem ser discutidas, principalmente quando nos debruçamos sobre a invisibilidade da morte de certas populações.

É nesse sentido que vulnerabilidade e morte não devem pertencer exclusivamente ao terreno moral de uma discussão sobre a Covid-19, por exemplo. É necessária sua politização diante das paisagens de morte apresentadas a fim de, por um lado, reconhecer suas nuances e particularidades e, por outro, identificar se e como as instituições internacionais podem lidar com ou mesmo ressignificar o binômio vulnerabilidade-morte.

Um nexo entre uma estrutura básica internacional e vulnerabilidade? A governança da vulnerabilidade pelas instituições internacionais de justiça

Ao depararmos com certas institucionalidades internacionais, fica evidente que o conceito de vulnerabilidade migrou de uma concepção quase exclusivamente moral para uma dimensão política - no sentido de poder e de ser passível de manejo pelos atores políticos -, e é possível observar como a vulnerabilidade é definida e utilizada por instituições internacionais que compõem a governança dos direitos humanos e da justiça internacional.9 9 Importa aqui destacar a contribuição de Al Tamimi (2015, 2018) em duas produções relativamente recentes, em que o autor se debruça sobre a institucionalidade do Sistema Europeu de Direitos Humanos. Em certo sentido, há um esforço aqui paralelo, propulsionado pelas paisagens de morte que colocam as Américas em um lugar sui generis da pandemia de Covid-19 e demandam respostas do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, especialmente da CIDH.

A dimensão cotidiana da tragédia da Covid-19, em particular, ilustra certa ampliação do sentido político de vulnerabilidade, ainda que não aprofundado o suficiente. No entanto, argumentamos aqui que não é possível adensar o significado e dar tratamento à vulnerabilidade sem que as instituições internacionais reconheçam a centralidade da morte na vida política.

Partimos aqui, primeiramente, da centralidade da noção de estrutura básica numa das mais importantes formulações da teoria da justiça no campo da Teoria Política Normativa: A Theory of justice (1971). Como fruto de um raciocínio contratual neokantiano e apoiado na contrafactualidade, a noção que aqui nos importa de estrutura básica rawlsiana está para onde os princípios de justiça devem se dirigir com vistas à manutenção de um esquema social cooperativo justo no âmbito doméstico. Em outras palavras, o funcionamento justo de uma estrutura básica está para a vida justa e para o prolongamento da vida dos que compõem o esquema social.

A noção de estrutura básica foi definida pelo teórico político John Ralws (2016, p. 8) como o conjunto dos arranjos institucionais sociais que “distribuem os direitos e os deveres fundamentais e determinam a divisão das vantagens correntes da cooperação social”. Rawls (2016RAWLS, John. 2016. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes.) afirma que, no plano doméstico, a responsabilidade de aplicar os princípios justos é das instituições, no sentido de que no seu conjunto compõem a estrutura básica da sociedade, constituída pelo mercado, a Igreja, a família etc.

Já numa perspectiva internacional/global de sua teorização, Rawls (2000RAWLS, John. 2000. The law of peoples: with the idea of public reason revisited. Cambridge: Harvard University Press.) não crê que as instituições internacionais sejam aquelas para onde devem se dirigir os princípios internacionais da justiça, desconfiando de um lastro de institucionalidade internacional suficiente para se assumir o internacional a partir de preocupações globais de justiça. Para ele, não há uma estrutura básica internacional,10 10 Em The law of peoples, Rawls (2000) nos mostra que os princípios de justiça internacional não se dirigem às instituições internacionais, mas à política externa dos países. Segundo o autor: “O Direito dos Povos procede no mundo político internacional como o vemos, e se refere a como deveria ser a política externa de um povo liberal razoavelmente justo” (Rawls, 2000, p. 83, tradução nossa). uma vez que as instituições internacionais não têm contato suficiente entre si e não produzem impacto direto nos esquemas domésticos de cooperação social e na produção de danos concretos.

De acordo com a leitura de Rawls feita por Vita (2012VITA, Alvaro de. 2012. A justiça internacional entre o humanitarismo e o igualitarismo global. Trabalho apresentado no VIII Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado. Disponível em: Acesso em 10 jan. 2021.), no âmbito global, as obrigações de quem tem mais privilégios para com os mais desfavorecidos:

devem ser entendidas como obrigações de benevolência e de assistência humanitária, e não como obrigações de justiça que têm por fundamento a correção da iniquidade distributiva de arranjos institucionais dos quais os povos ricos são os maiores beneficiários. (Vita, 2012VITA, Alvaro de. 2012. A justiça internacional entre o humanitarismo e o igualitarismo global. Trabalho apresentado no VIII Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado. Disponível em: Acesso em 10 jan. 2021., p. 6)

Diante da necessidade de ampliar o significado moral da noção de estrutura básica internacional, autores como Braga (2005BRAGA, Antônio Frederico Saturnino. 2005. “Estrutura básica” e “Posição original” em The law of peoples, de J. Rawls. Ethic@-An international Journal for Moral Philosophy, v. 4, n. 2, pp. 157-173.) e Buchanan (2000BUCHANAN, Allen. 2000. Rawls’s law of peoples: rules for a vanished Westphalian world. Ethics, v. 110, n. 4, pp. 697-721.), que aqui acompanhamos em seu teor, criticam os limites impostos a uma teoria da justiça internacional. Ambos almejam adensar normativamente a noção de estrutura básica e não limitá-la ao espectro doméstico, permitindo-nos interpretar que a ordem internacional é de fato capaz de afetar mais ou menos diretamente as experiências de vida - e quiçá de morte - dos indivíduos.

É nesse ínterim que cremos que a noção de vulnerabilidade, discutida neste artigo, é capaz de complementar as análises desses autores que buscam afirmar uma estrutura básica internacional, na medida em que se evidencia e se articula sob a forma de uma governança global, criando pontos de contato entre os sentidos de vida e também de morte de uma estrutura básica globalmente articulada.

A esse respeito, vale ressaltar que a fronteira estatal tem impacto na nossa percepção de vulnerabilidade corporificada, uma vez que o cidadão tende a crer que sua vulnerabilidade está contida pela soberania estatal, um contrato que se estabelece entre sujeitos e pelo qual se ergue um ente abstrato com muito mais poder e mediante o qual os mesmos sujeitos abrem mão de um grau de autonomia e liberdade, para que este ente - ou seja, o Estado - garanta a maximização da proteção corpórea humana e, dessa forma, prolongue a vida do cidadão.

Contudo a fronteira estatal, em vários momentos, não é suficiente para manter a vulnerabilidade dos cidadãos baixa, uma vez que há outra fronteira em jogo: a fronteira corpórea do próprio indivíduo. Quando pensamos em uma fronteira estatal, parece fácil fixá-la em uma escala tempo-espaço. Já no caso da fronteira corpórea, essa escala difere para cada indivíduo a depender de fatores situacionais. Nesse sentido, ao pensar a partir de uma fronteira mais micro, a escala da vulnerabilidade se maximiza muito, expondo determinados indivíduos e grupos à morte. Diante disso, pode-se dizer que o contrato social não altera a característica humana de que nossos corpos são vulneráveis.

Torna-se possível, portanto, pensar a vulnerabilidade em dois eixos: um primeiro, mais fixo, remetendo à noção de que a vulnerabilidade corpórea é uma condição ontológica de todo ser humano e, nesse sentido, podemos conferir um lugar ao sujeito vulnerável na Teoria Política que não está posto devido à concepção predominante de sujeito moderno, liberal e autônomo. O segundo eixo é contextual e busca diferenciar as maneiras e as intensidades pelas quais a vulnerabilidade se manifesta, a depender de elementos circunstanciais, demonstrando que a vulnerabilidade é sentida de maneira diferente pelos diferentes corpos. A exposição desigual à morte e à violência, consequentemente, pode ser compreendida pela análise desse segundo eixo de vulnerabilidade.

Tendo em vista ainda que as instituições internacionais de direitos humanos dialogam mais com grupos vulneráveis do que com sujeitos individuais (Peroni e Timer, 2013PERONI, Lourdes; TIMMER, Alexandra. 2013. Vulnerable groups: the promise of an emerging concept in European Human Rights Convention law. International Journal of Constitutional Law, v. 11, n. 4, pp. 1056-1085.), pode-se problematizar qual é o tratamento dado por elas às vulnerabilidades contingenciais de diversos corpos. Assim, e com o intuito de trazer uma ilustração mais empírica para essa discussão mais teórica em torno da vulnerabilidade, buscamos analisar se e como a institucionalidade da CIDH leva em conta a vulnerabilidade enquanto condição humana e situacionalidade no contexto da Covid-19.

Esse movimento nos permite, no que diz respeito à estrutura básica da sociedade internacional, indagar se, a partir da existência de um lugar para a vulnerabilidade dentro das instituições internacionais que lidam diretamente com uma noção universalista de direitos humanos e de justiça internacional, poderíamos reivindicar uma ampliação do entendimento da estrutura básica. Se partimos da ideia de que a vulnerabilidade é algo atingido o tempo todo na vida de todo ser humano, e de que ela pode ser - idealmente - minimizada ou, ao contrário, maximizada, pela ação de instituições internacionais, estas poderiam ter seu impacto mais direto sobre a experiência de vida/morte humanas.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Covid-19

A utilização do conceito de vulnerabilidade não é exclusividade da CIDH.11 11 Na literatura não há muitos trabalhos que se debruçam sobre o uso político da noção de vulnerabilidade pela CIDH. No máximo, há alguns esforços de pensar a vulnerabilidade dentro da Corte Interamericana de Direitos Humanos, um órgão expressamente judicial, como os expressos nos trabalhos de Oliveira (2014) e Saldanha e Bohrz (2017). Tais autores apontam que não há uma definição clara do que seria a noção de vulnerabilidade para a jurisprudência da Corte, tampouco possibilidade de mensurá-la. Saldanha e Bohrz (2017), por exemplo, mostram que há certa seletividade no uso de termos como sujeito vulnerável e contexto vulnerável, apontando para certo esvaziamento de seus significados. Essa linguagem é comumente utilizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), pela Organização Mundial do Comércio (OMC), pela União Europeia (UE), pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), pela OMS, entre outras. Essas organizações definem quais indivíduos e/ou grupos são considerados vulneráveis e sob que critérios. Mas, apesar de ser amplamente utilizada pelas organizações internacionais, a discussão sobre vulnerabilidade carece de maior aprofundamento e também de um estatuto legal.12 12 Não há consenso que se identifique na literatura e nem mesmo nas práticas decisórias das instituições internacionais sobre o que seria vulnerabilidade. A definição de grupos ontologicamente definidos como vulneráveis não garante a construção de um marco legal internacional, assim como também não articula camadas protetivas nacional, regional e internacionalmente.

A crise global imposta pela Covid-19 exigiu uma resposta quase imediata de Estados e de instituições internacionais na expectativa de atenuar os efeitos nocivos da crise sobre a vida dos indivíduos, em especial dos mais vulneráveis. Apesar de as principais organizações internacionais terem orientações gerais para a questão da Covid-19, a crise evidenciou a insuficiência da utilização do conceito de vulnerabilidade nos moldes atuais. Isso porque as instituições internacionais de justiça e direitos humanos, como apontado anteriormente, tendem a dialogar mais com grupos vulneráveis do que com sujeitos, isto é, há certa generalização das experiências de vulnerabilidade (Peroni e Timer, 2013PERONI, Lourdes; TIMMER, Alexandra. 2013. Vulnerable groups: the promise of an emerging concept in European Human Rights Convention law. International Journal of Constitutional Law, v. 11, n. 4, pp. 1056-1085.). Crê-se, então, que a pandemia de Covid-19 nos impôs novos enquadramentos e evidenciou novas vulnerabilidades: interseccionais e sobrepostas.

Ao longo de importante curso de institucionalização da política internacional, sobretudo do contexto dos anos 1990 em diante, as instituições internacionais formais construíram um sentido de vulnerabilidade muito mais tácito, isto é, embutido em suas práticas e tomada de decisão, do que o emancipando ou a ele conferindo possibilidades político-jurídicas ampliadas.

Dos anos 2000 em diante, assumindo determinadas demandas por reconhecimento já mais articuladas, algumas instituições internacionais assumem a dimensão ontológica da vulnerabilidade, fazendo, por vezes, referência mais direta à noção de vulnerabilidade corpórea, mas sem dar vazão de maneira sistemática aos sentidos mais estruturantes e contextuais da vulnerabilidade. Merece destaque, por exemplo, o trabalho de Rapporteurship da própria CIDH no campo da agenda e institucionalidade relacionadas ao tema da migração. A trajetória de sua Relatoria Especial para os Direitos Migrantes é exemplo de como a vulnerabilidade vem adquirindo contornos pluralizados, interseccionados e mais sensíveis ao contexto espaço-tempo dos migrantes ao longo dos últimos anos, o que foi observado após análise dos relatórios produzidos por essa institucionalidade entre 1996 e 2015 (Marconi e Santos, 2019MARCONI, Cláudia Alvarenga; SANTOS, Isabela Agostinelli. 2019. A trajetória da(s) vulnerabilidade(s) migrante(s) na Relatoria Especial dos Direitos dos Migrantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos: entre a política da injustiça e a política do reconhecimento. In: NASSER, Reginaldo Mattar (org.). Governança global: conexões entre políticas domésticas e internacionais. São Paulo: Educ. pp. 49-69.).

Há aqui como inquietação motora levantar e compreender o que, no caso da CIDH, é produzido, consolidado e/ou alterado no que tange à produção normativa em torno da vulnerabilidade diante do contexto da Covid-19. Já em abril de 2020, foi publicada a Resolução nº 01/2020, intitulada Pandemia e direitos humanos nas Américas (Organização dos Estados Americanos, 2020aORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. 2020a. Pandemia y derechos Humanos en las Américas: Resolución 1/2020. San José: IACHR. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3INJKPa . Acesso em: 18 fev. 2021.
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). Diferentemente do que se poderia esperar, não há ampliação do rol dos grupos vulneráveis, mas a manutenção das categorias de grupos vulneráveis já consolidadas, independentemente do fator contextual.

Pessoas idosas, pessoas privadas de liberdade, mulheres, povos indígenas, migrantes, solicitantes de asilo, refugiados, apátridas, vítimas do tráfico de pessoas e pessoas deslocadas internamente, crianças e adolescentes, pessoas LGBTQIA+, pessoas afrodescendentes e pessoas com deficiência são exemplos dos grupos vulneráveis reconhecidos como tal ontologicamente e que recebem maior atenção no documento. Especial ênfase, distintamente dos demais grupos, é dada à situação das mulheres na pandemia, fazendo daí emergir o eixo contextual.

Apesar de haver menção a novas possíveis categorias vulneráveis emergentes, tais como trabalhadores informais, líderes sociais, profissionais da saúde e jornalistas, grupos em especial situação de vulnerabilidade-morte, em nenhum dos documentos emitidos pela CIDH há orientações específicas dedicadas a esses grupos para afirmar a transição das preocupações eminentemente ontológicas em direção aos desafios contextuais de forma contundente (Inter-American Comission on Human Rights, 2020INTER-AMERICAN COMISSION ON HUMAN RIGHTS. 2020. RIRCU practical guides to Covid-19 01: What are the standards for ensuring respect for the grieving, funeral rites, and memorials of those who died 01 during the COVID-19 pandemic? Washington: OAS. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3XVFjWT . Acesso em: 18 fev. 2021.
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).

Em um esforço do International Justice Resource Center (IJRC on-line)13 13 A base reuniu documentos da ONU, do Sistema Africano de Direitos Humanos, do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, do Sistema Europeu de Direitos Humanos, da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), do Comitê Árabe de Direitos Humanos, da Liga dos Estados Árabes, de seus respectivos órgãos e suas organizações. de compilar as principais resoluções, comunicados à imprensa e outras declarações de órgãos de direitos humanos e organizações intergovernamentais diante da situação da Covid-19, nenhuma das organizações mapeadas estabeleceu de fato novos grupos/categorias vulneráveis. De acordo com essa base, na verdade, consolida-se a divisão por grupos vulneráveis tradicionalmente arraigada nas instituições internacionais.

Observando especificamente a CIDH, movimento importante foi a publicação, em março de 2020, da Resolução nº 4/2020, chamada Derechos Humanos de las Personas con COVID-19 (Organização dos Estados Americanos, 2020bORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. 2020b. Derechos Humanos de las Personas con COVID-19: Resolución 4/2020. San José: IACHR . Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3XXpOhk . Acesso em: 18 fev. 2021.
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). O documento atribui maior relevância que o anterior aos riscos de maximização de danos frente a indivíduos, grupos e coletividades regionais que possam ter sua vulnerabilidade ampliada ou ainda novas camadas de vulnerabilidade expostas aos aspectos sociais estigmatizadores da Covid-19:

Para superar o estigma social associado à COVID-19 e o comportamento potencialmente discriminatório em relação às pessoas percebidas como tendo estado em contato com o vírus, medidas devem ser adotadas imediatamente que incluam a igualdade de gênero e as perspectivas intersetoriais, bem como abordagens diferenciadas, a fim de destacar os riscos adicionais de violação dos direitos humanos de pessoas, grupos e coletividades da região que são especialmente vulneráveis ou que historicamente sofreram exclusão, como pessoas que vivem na pobreza ou nas ruas, idosos, pessoas privadas de liberdade, indígenas povos, comunidades tribais, afrodescendentes, pessoas com deficiência, migrantes, refugiados e pessoas deslocadas em outros contextos de mobilidade humana, pessoas LGBTI, crianças e adolescentes e mulheres, especialmente mulheres grávidas e vítimas de violência de gênero. (Organização dos Estados Americanos, 2020bORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. 2020b. Derechos Humanos de las Personas con COVID-19: Resolución 4/2020. San José: IACHR . Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3XXpOhk . Acesso em: 18 fev. 2021.
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, tradução nossa)

De partida, pode-se dizer que a Covid-19 não se comportou como ponto de inflexão na criação de novas camadas protetivas para os grupos existentes e não resultou na criação de novas categorias vulneráveis por parte das instituições internacionais, mas reforçou certa tendência já existente de que esse espaço institucional não parece empreender novas normas a esse respeito. Essa inércia também guarda relação com uma virada populista e antimultilateral, que tem como duas de suas figuras destacadas Donald Trump e Jair Bolsonaro.

Não é coincidência que Estados Unidos e Brasil sejam dois dos piores países na gestão da Covid-19 (Leng e Lemahieu, 2021LENG, Alyssa; LEMAHIEU, Hervé. 2021. Covid Performance Index. Lowy Institute, . Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3kl8tRx . Acesso em: 18 fev. 2021.
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)14 14 De acordo com o think tank australiano Lowy Institute, responsável por desenvolver o Covid Performance Index, atualizado em 21 de janeiro de 2021, dos 98 países mapeados, quatro entre os cinco piores países na gestão da crise da Covid-19 são americanos: 94º Estados Unidos, 96º Colômbia, 97º México e 98º Brasil (Leng e Lemahieu, 2021). e aqueles que de forma mais direta ameaçaram retirada da OMS, por exemplo, ao longo do ano 2020: Trump alegando que a organização não tinha independência em relação à China e que aceitava direcionamentos equivocados desta para a condução do combate à pandemia; e Bolsonaro, que, seguindo a mesma linha, afirmou que a OMS tem um “viés ideológico” e que o Brasil não precisaria de palpites externos para lidar com as políticas internas de saúde15 15 Conforme a cobertura do The Japan Times de 6 de junho de 2020, o então presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, ameaçou sair da OMS, ao mesmo tempo em que a pandemia de Covid-19 matava um brasileiro por minuto (Reuters, 2020). Ainda de acordo com a matéria (Reuters, 2020, tradução nossa): “As nações mais populosas da América Latina, Brasil e México, estão observando as taxas mais altas de novas infecções, embora a pandemia também esteja ganhando velocidade em países como Peru, Colômbia, Chile e Bolívia. No geral, mais de 1,1 milhão de latino-americanos foram infectados. Embora a maioria dos líderes tenha levado a pandemia mais a sério do que Bolsonaro, alguns políticos que apoiam bloqueios rígidos em março e abril estão pressionando para abrir as economias de volta à medida que a fome e a pobreza aumentam”. (Alvim e Sanches, 2020ALVIM, Mariana; SANCHES, Mariana. 2020. O dito e o não dito no anúncio de Trump de ‘rompimento’ entre EUA e OMS. BBC News Brasil, . Disponível em: Disponível em: https://bbc.in/3kjfTF3 . Acesso em: 25 jan. 2021.
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; Garcia, 2020GARCIA, Gustavo. 2020. Bolsonaro aponta ‘viés ideológico’ na OMS e ameaça tirar Brasil da organização. G1. Disponível em: Disponível em: http://glo.bo/3SpvqzJ . Acesso em 25 jan. 2021.
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).

De acordo com relatório da OMS (2021) publicado em 23 de fevereiro de 2021, os dois países com maior número de novos casos, na semana que antecedeu a publicação deste relatório, continuaram sendo os Estados Unidos (480.467 novos casos) e o Brasil (316.221 novos casos), números bem distantes dos países que ocupavam as posições subsequentes, tais como França (131.179 novos casos), a Federação Russa (92.843 novos casos) e a Índia (86.711 novos casos).

Naquele momento, portanto, as Américas acumulavam 45% de todos os casos do mundo, o que representava 49.296.115 infecções por Covid-19. Na última semana de fevereiro de 2021, detinham 43% dos novos casos e 52% de todas as mortes do mundo. Os maiores números de novas mortes foram relatados nos mesmos países: Estados Unidos (14.747 novas mortes; 4,5 novas mortes por 100 mil) e Brasil (7.276 novas mortes; 3,4 novas mortes por 100 mil) (Organização Mundial da Saúde, 2021ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. 2021. COVID-19 weekly epidemiological update. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3IoCY0Y . Acesso em: 28 fev. 2021.
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).

Na agenda de saúde global, se, por um lado, pensamos de imediato na OMS desempenhando papel de gatekeeper, isto é, de um ator16 16 Entendemos aqui que as instituições internacionais desempenham também esse papel e detêm certo controle e influência sobre atores, recursos, informação e padrões internacionais (Husu e De Cheveigné, 2010). que controla o acesso a algo ou a alguém (Merton, 1973MERTON, Robert. 1973. The sociology of science: theoretical and empirical investigations. Chicago: The University of Chicago Press.), por outro, a organização vem sofrendo precisamente com esse descrédito nesta que pode ser a maior crise de sua história. Importante marco dessa crise foi a interrupção do financiamento e cooperação dos EUA com a Organização.

Nesse sentido, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos - e mais especificamente a CIDH - teria o potencial de controlar e influenciar essa agenda de vulnerabilidade-morte nas Américas diante das paisagens de morte sui generis aqui demarcadas. O que se pode observar pela análise dos documentos da CIDH é, entretanto, uma bifurcação, e não um entrelaçamento: se, por um lado, sobre a questão da vulnerabilidade, já cristalizada nas instituições internacionais, não há inovações normativas, por outro, sobre a questão da morte, a Covid-19 se comporta como um terreno profícuo para certo desenvolvimento normativo, já que um dos efeitos mais perversos e intangíveis dessa crise é a falta de respeito ao luto, aos ritos fúnebres e memoriais, que marcam de forma simbólica, religiosa e espiritual o fim do ciclo da vida.

Em setembro de 2020, a CIDH, por meio da Rapid and Integrated Response Coordination Unit (Rircu) Covid-19, lançou um guia prático sobre o respeito ao luto, a ritos funerários e memoriais daqueles que morreram e de suas famílias enlutadas. Desse modo, estrutura-se “este guia prático junto com uma lista de recomendações e considerações para orientar os Estados na formulação e ajuste de políticas públicas, bem como nas práticas e decisões sobre a disposição de corpos, o respeito aos familiares enlutados do falecido durante a pandemia” (Inter-American Comission on Human RightsR, 2020INTER-AMERICAN COMISSION ON HUMAN RIGHTS. 2020. RIRCU practical guides to Covid-19 01: What are the standards for ensuring respect for the grieving, funeral rites, and memorials of those who died 01 during the COVID-19 pandemic? Washington: OAS. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3XVFjWT . Acesso em: 18 fev. 2021.
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, tradução nossa).

Figuram nesse guia como violação aos direitos humanos no contexto de Covid-19, por exemplo, as seguintes (in) ações administrativas:

Enterrar um grande número de restos mortais em valas comuns sem identificá-los ou cumprir os requisitos técnicos; Sujeição de familiares de falecidos a pesadas revistas corporais, longa espera pelo descarte dos corpos; Nenhum protocolo em vigor para que os migrantes possam contatar e encontrar seus familiares; Problemas com a identificação e repatriação de restos mortais; Casas funerárias e necrotérios sobrecarregados, levando a: Corpos se amontoando em necrotérios e nas ruas; Incapacidade de aceitar corpos devido à falta de espaço e trabalhadores do cemitério sobrecarregados. (Inter-American Comission on Human Rights, 2020INTER-AMERICAN COMISSION ON HUMAN RIGHTS. 2020. RIRCU practical guides to Covid-19 01: What are the standards for ensuring respect for the grieving, funeral rites, and memorials of those who died 01 during the COVID-19 pandemic? Washington: OAS. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3XVFjWT . Acesso em: 18 fev. 2021.
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, tradução nossa)

Diferentemente da linguagem da vulnerabilidade, amplamente adotada - ainda que de forma superficial - pelas instituições internacionais, a linguagem da morte carece de aprofundamento quanto a um norm-making internacional. Um dos principais esforços institucionais internacionais predecessores nessa direção, ainda que no registro de mortes suspeitas, é o Minnesota Protocol on the investigation of potentially unlawful death (Organização das Nações Unidas, 2016ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. 2016. Revision of the UN Manual on the Effective Prevention and Investigation of Extra-Legal, Arbitrary and Summary Executions (the Minnesota Protocol). Disponível em: Acesso em: 25 fev. 2021.), derivado da revisão de dois documentos anteriores, o UN Principles on the effective prevention and investigation of extra-legal, arbitrary and summary executions (1989) e seu documento complementar, o UN Manual on the effective prevention and investigation of extra-legal, arbitrary and summary executions (1991).

Considerações finais

A crise provocada pela Covid-19 é reveladora da necessidade, urgente e emergente, da atribuição de um caráter político para o que aqui chamamos pelo binômio vulnerabilidade-morte. Se, por um lado, o tratamento da vulnerabilidade como conceito político utilizado pelas organizações internacionais quase exclusivamente baseado em seu eixo ontológico demarca fronteiras limitadas e pouco contextualizadas de proteção, por outro, o tratamento da morte como conceito despolitizado e pouco mobilizado para a construção de normas no plano internacional resulta em noções de vida e morte menos alinhadas com um papel ético-político das instituições internacionais. A generalidade da vulnerabilidade e a manutenção da morte em um registro despolitizado não colaboram, por exemplo, para que as instituições internacionais possam ser consideradas aquilo para o que princípios de justiça internacionais devem se dirigir e nem mesmo para que esses mesmos princípios dialoguem com as paisagens de morte transnacionais.

A partir da paisagem sui generis de morte que se conforma nas Américas diante do avanço da crise sanitário-humanitária, há um lócus pelo qual se torna possível exatamente questionar que noções de vida e de morte são moral e politicamente aceitáveis e quais precisam ser, inclusive, tematizadas e pautadas no âmbito de uma estrutura básica internacional, constituindo-se em matéria para as instituições.

Ao nos debruçarmos sobre a CIDH e seus três documentos-chave no tratamento da crise de Covid-19 (Inter-American Comission on Human Rights, 2020INTER-AMERICAN COMISSION ON HUMAN RIGHTS. 2020. RIRCU practical guides to Covid-19 01: What are the standards for ensuring respect for the grieving, funeral rites, and memorials of those who died 01 during the COVID-19 pandemic? Washington: OAS. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3XVFjWT . Acesso em: 18 fev. 2021.
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; Organização dos Estados Americanos, 2020aORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. 2020a. Pandemia y derechos Humanos en las Américas: Resolución 1/2020. San José: IACHR. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3INJKPa . Acesso em: 18 fev. 2021.
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, 2020bORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. 2020b. Derechos Humanos de las Personas con COVID-19: Resolución 4/2020. San José: IACHR . Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3XXpOhk . Acesso em: 18 fev. 2021.
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), analisados na terceira parte deste artigo, restou evidente que a vulnerabilidade e morte não formam um binômio, mas são eixos abordados de forma dissociada e, em certa medida, bifurcada, já que não há tratamento da questão da morte nos dois primeiros documentos, enquanto não se verifica, simultaneamente, o tratamento da vulnerabilidade no último. A bifurcação parece muito mais fronteirizar - no sentido de fixar - ambas as noções aqui exploradas fora de seus sentidos políticos aqui demonstrados através da paisagem mortal das democracias das Américas, sobretudo do Brasil e dos Estados Unidos.

Apesar de não ser constatada até o momento a fertilização normativa cruzada da vulnerabilidade-morte no âmbito da CIDH, a crise sanitária e humanitária de Covid-19 em escala global pode ser tratada como um ponto de inflexão e já se pode observar, respectivamente, a emergência de um processo de norm-making em torno da questão da morte e incipiente fortalecimento do eixo contextual da vulnerabilidade. Há, portanto, uma possível tendência de que as instituições internacionais de justiça, que compõem a estrutura básica internacional, assumam o gatekeeping do que aqui chamamos de binômio vulnerabilidade-morte, especialmente em direção a espacialidades em que a morte se torna uma tragédia tecida na vida cotidiana, como se verifica nas Américas.

Seguir mapeando os termos em que essa bifurcação vulnerabilidade/morte pode vir a se converter no seio da pedra angular do SIDH - a CIDH - em um binômio vulnerabilidade-morte, isto é, em uma inter-relação, parece ser determinante do tratamento político-institucional internacional que essas paisagens de morte das Américas, que não são passageiras e sequer podem ser apagadas, necessitam receber diante das nossas democracias mortais.

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  • SNELLMAN, Hanna; KOSKINEN-KOIVISTO, Eerika; SARAMO, Samira. 2019. Transnational death. Helsinki: Finnish Literature Society .
  • VITA, Alvaro de. 2012. A justiça internacional entre o humanitarismo e o igualitarismo global. Trabalho apresentado no VIII Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Gramado. Disponível em: Acesso em 10 jan. 2021.
  • 1
    O binômio vulnerabilidade-morte será devidamente tratado na seção subsequente deste artigo.
  • 2
    Aqui queremos problematizar a responsividade das instituições internacionais a elas.
  • 3
    Em outro texto publicado no The Atlantic a esse respeito, em 27 de março de 2020, Bolsonaro é chamado de Trump dos Trópicos (Friedman, 2020FRIEDMAN, Uri. 2020. The Coronavirus-Denial Movement now has a leader. The Atlantic, v. 27. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3m3ueGg . Acesso em: 10 jan. 2021.
    https://bit.ly/3m3ueGg...
    ).
  • 4
    No que tange a essa dimensão transnacional, vale destacar aqui a obra intitulada Transnational death, de 2019, co-organizada por Snellman, Koskinen-Koivisto e Saramo. De acordo com Saramo (2019SARAMO, Samira. 2019. Introductory essay: making transnational death familiar. In: SNELMANN, Hanna; KOSKINEN-KOIVISTO, Eerika; SARAMO, Samira. 2019. Transnational death. Helsinki: Finnish Literature Society. pp. 8-23., p. 8, tradução nossa), “A morte transnacional levanta questões sobre identidade, pertencimento e costumes, mas também sobre o cuidado logístico dos corpos, rituais e celebração”.
  • 5
    Não se quer aqui incorrer no desvio apontado por Barringer (2016BARRINGER, Elizabeth Brandon. 2016. Mortal democracy: confronting death in political life. Tese de doutorado em Ciência Política. Los Angeles: University of California.), que é o de lateralizar e despolitizar a discussão sobre a morte na medida em que tematizamos e politizamos - ainda que seja um movimento recente - aquilo que orbita em torno dela: o luto, a memória, o trauma.
  • 6
    Entendemos politics em seu sentido de ideologia, grande estratégia, grande política, política de Estado, ao passo que o termo policies carrega um sentido de táticas, políticas públicas, políticas de governo.
  • 7
    Cabe mencionar aqui aqueles que são responsáveis por importantes esforços teórico-analíticos críticos, respectivamente, em torno dessas três politics e policies elencadas aqui: Butler (2004BUTLER, Judith. 2016. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.), Rahman (2015RAHMAN, Smita. 2015. Time, memory, and the politics of contingency. London: Routledge.) e Fassin e Retchman (2009FASSIN, Didier; RECHTMAN, Richard. 2009. The empire of trauma: an inquiry into the condition of victimhood. Princeton: Princeton University Press.).
  • 8
    Aqui, Mbembe (2018MBEMBE, Achille. 2018. Crítica da razão negra. São Paulo: n-1 edições.) faz referência especialmente a como a raça é um marcador que categoriza certas vidas como matáveis, desperdiçadas ou protegidas, principalmente em espaços marcados por experiências coloniais.
  • 9
    Importa aqui destacar a contribuição de Al Tamimi (2015AL TAMIMI, Yussef. 2015. The protection of vulnerable groups and individuals by the European Court of Human Rights. Tese de doutorado. Tilburg: MSc Tilburg Law School., 2018AL TAMIMI, Yussef. 2018. Human rights and the excess of identity: a legal and theoretical inquiry into the notion of identity in Strasbourg case law. Social & Legal Studies, v. 27, n. 3, pp. 283-298.) em duas produções relativamente recentes, em que o autor se debruça sobre a institucionalidade do Sistema Europeu de Direitos Humanos. Em certo sentido, há um esforço aqui paralelo, propulsionado pelas paisagens de morte que colocam as Américas em um lugar sui generis da pandemia de Covid-19 e demandam respostas do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, especialmente da CIDH.
  • 10
    Em The law of peoples, Rawls (2000RAWLS, John. 2000. The law of peoples: with the idea of public reason revisited. Cambridge: Harvard University Press.) nos mostra que os princípios de justiça internacional não se dirigem às instituições internacionais, mas à política externa dos países. Segundo o autor: “O Direito dos Povos procede no mundo político internacional como o vemos, e se refere a como deveria ser a política externa de um povo liberal razoavelmente justo” (Rawls, 2000RAWLS, John. 2000. The law of peoples: with the idea of public reason revisited. Cambridge: Harvard University Press., p. 83, tradução nossa).
  • 11
    Na literatura não há muitos trabalhos que se debruçam sobre o uso político da noção de vulnerabilidade pela CIDH. No máximo, há alguns esforços de pensar a vulnerabilidade dentro da Corte Interamericana de Direitos Humanos, um órgão expressamente judicial, como os expressos nos trabalhos de Oliveira (2014OLIVEIRA, Eduardo Teles. 2014. Vulnerabilidade na ótica da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH): aporte necessário para a humanização do homem na sociedade contemporânea. Doutrina - Revista da Ejuse, n. 20, pp. 363-383.) e Saldanha e Bohrz (2017SALDANHA, Jânia Maria Lopes; BOHRZ, Clara Rossatto. 2017. A vulnerabilidade nas decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH): impacto nas políticas públicas e no modelo econômico dos Estados. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano, ano XXIII, pp. 481-502.). Tais autores apontam que não há uma definição clara do que seria a noção de vulnerabilidade para a jurisprudência da Corte, tampouco possibilidade de mensurá-la. Saldanha e Bohrz (2017SALDANHA, Jânia Maria Lopes; BOHRZ, Clara Rossatto. 2017. A vulnerabilidade nas decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH): impacto nas políticas públicas e no modelo econômico dos Estados. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano, ano XXIII, pp. 481-502.), por exemplo, mostram que há certa seletividade no uso de termos como sujeito vulnerável e contexto vulnerável, apontando para certo esvaziamento de seus significados.
  • 12
    Não há consenso que se identifique na literatura e nem mesmo nas práticas decisórias das instituições internacionais sobre o que seria vulnerabilidade. A definição de grupos ontologicamente definidos como vulneráveis não garante a construção de um marco legal internacional, assim como também não articula camadas protetivas nacional, regional e internacionalmente.
  • 13
    A base reuniu documentos da ONU, do Sistema Africano de Direitos Humanos, do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, do Sistema Europeu de Direitos Humanos, da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), do Comitê Árabe de Direitos Humanos, da Liga dos Estados Árabes, de seus respectivos órgãos e suas organizações.
  • 14
    De acordo com o think tank australiano Lowy Institute, responsável por desenvolver o Covid Performance Index, atualizado em 21 de janeiro de 2021, dos 98 países mapeados, quatro entre os cinco piores países na gestão da crise da Covid-19 são americanos: 94º Estados Unidos, 96º Colômbia, 97º México e 98º Brasil (Leng e Lemahieu, 2021LENG, Alyssa; LEMAHIEU, Hervé. 2021. Covid Performance Index. Lowy Institute, . Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3kl8tRx . Acesso em: 18 fev. 2021.
    https://bit.ly/3kl8tRx...
    ).
  • 15
    Conforme a cobertura do The Japan Times de 6 de junho de 2020, o então presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, ameaçou sair da OMS, ao mesmo tempo em que a pandemia de Covid-19 matava um brasileiro por minuto (Reuters, 2020REUTERS. 2020. Jair Bolsonaro threatens WHO exit as COVID-19 kills ‘a Brazilian per minute’. The Japan Times. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3Zew6dl . Acesso em: 18 fev. 2021.
    https://bit.ly/3Zew6dl...
    ). Ainda de acordo com a matéria (Reuters, 2020REUTERS. 2020. Jair Bolsonaro threatens WHO exit as COVID-19 kills ‘a Brazilian per minute’. The Japan Times. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3Zew6dl . Acesso em: 18 fev. 2021.
    https://bit.ly/3Zew6dl...
    , tradução nossa): “As nações mais populosas da América Latina, Brasil e México, estão observando as taxas mais altas de novas infecções, embora a pandemia também esteja ganhando velocidade em países como Peru, Colômbia, Chile e Bolívia. No geral, mais de 1,1 milhão de latino-americanos foram infectados. Embora a maioria dos líderes tenha levado a pandemia mais a sério do que Bolsonaro, alguns políticos que apoiam bloqueios rígidos em março e abril estão pressionando para abrir as economias de volta à medida que a fome e a pobreza aumentam”.
  • 16
    Entendemos aqui que as instituições internacionais desempenham também esse papel e detêm certo controle e influência sobre atores, recursos, informação e padrões internacionais (Husu e De Cheveigné, 2010HUSU Liisa; DE CHEVEIGNÉ Suzanne. 2010. Gender and gatekeeping of excellence in research funding: European perspectives. In: RIEGRAF, Birgit, AULENBACHER, Brigitte, KIRSCH-AUWÄRTER, Edit; MÜLLER, Ursula (ed.). Gender change in academia. Nova York: VS Verlag für Sozialwissenschaften. pp. 43-59.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    29 Mar 2021
  • Aceito
    30 Jan 2023
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