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O SUPRAFASCISMO DE JULIUS EVOLA E OS FUNDAMENTOS DA NOVA DIREITA ILIBERAL

JULIUS EVOLA’S SUPRAFASCISM AND THE FUNDAMENTALS OF THE ILLIBERAL NEW RIGHT

Resumo

Neste artigo analisamos o pensamento político do teórico italiano Julius Evola (1898-1974) como forma de compreender a reinvenção da extrema direita mundial, do pós-Segunda Guerra Mundial até os dias de hoje. Ao propor fundamentos alternativos às formas e aos valores da “Modernidade Ocidental”, Evola se tornou uma das referências centrais de movimentos que buscam se diferenciar do fascismo histórico e do nacionalismo de direita convencional por meio de uma pretensa superação dialética do legado dessas experiências, em uma nova síntese entre esquerda e direita adaptada à sociedade contemporânea. Abordamos a trajetória de Evola e as principais linhas do seu pensamento: o esoterismo, o Tradicionalismo ou “filosofia perene” e a “revolução conservadora”. Ao final, analisamos sua relação com o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão.

Palavras-chave:
Julius Evola; Fascismo; Nova Direita Iliberal; Tradicionalismo

Abstract

In this article we analyze the political thought of the Italian Julius Evola (1898-1974) as a way of understanding the reinvention of the world far right, from the post-Second World War to the present day. By proposing alternative foundations to the forms and values of Western Modernity, Evola has become one of the central references in movements that seek to differentiate themselves from historical fascism and conventional right-wing nationalism through an alleged dialectical overcoming of the legacy of these experiences in a new synthesis. between left and right adapted to contemporary society. We approach Evola’s trajectory and the main lines of his thought: esotericism, Traditionalism or “perennial philosophy” and the “conservative revolution.” In the end, we analyze its relationship with Italian fascism and German national socialism.

Keywords:
Julius Evola; Fascism; Iliberal New Right; Traditionalism

Introdução

Nas últimas duas décadas, ideologias de direita vêm ganhando espaço, legitimando novos movimentos e governos críticos ao sistema político liberal-democrático (Empoli, 2020). Essa nebulosa ideológica recebe inúmeras nomenclaturas para além da convencional extrema direita, herdeira de movimentos da primeira metade do século XX, cujos limites busca questionar ou contornar em inúmeros desenvolvimentos teóricos paralelos, muitas vezes conexos, em diversos países, como Estados Unidos, França e Rússia. Para Enzo Traverso (2019TRAVERSO, Enzo. 2019. Do fascismo ao pós-fascismo. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, v. 13, n. 2, pp. 12-44. DOI: 10.21057/10.21057/repamv13n2.2019.26801
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), por exemplo, o fenômeno pode ser descrito como a passagem do fascismo ao “pós-fascismo”, com o desenvolvimento de movimentos de direita radical que reatualizam princípios de ação e valores associados ao fascismo histórico, mas que dele buscam se distanciar. Não se trata, portanto, de uma continuidade do neofascismo, mas de uma reinvenção crítica, sem apelo nostálgico às formas e aos repertórios do fascismo histórico.

A proliferação desses movimentos torna urgente um programa de pesquisa crítico das doutrinas de extrema direita e de suas novas roupagens em diferentes sociedades. Em nossa abordagem, nos aproximamos da visão de Pierre Milza (2002MILZA, Pierre. 2002. L’Europe en chemise noire: les extrêmes droites européennes de 1945 à aujourd’hui. Paris: Fayard.) e de Glaydson Silva (2019SILVA, Glaydson. 2019. Guerra étnica, guerra cultural, guerra total: a interpretação de dados históricos e arqueológicos sobre a Antiguidade pela revista de extrema direita francesa Terre et Peuple (1999-2016). Phoînix, v. 25, n. 2, pp. 167-189.) sobre as transformações da extrema direita. Para ambos, a recusa absoluta das instituições democráticas, o apoio à violência, o nacionalismo xenófobo e a referência direta aos regimes fascistas não mais definem a extrema direita em toda sua extensão, hoje, nos países onde a democracia liberal está enraizada. Após a Segunda Guerra Mundial, essa extrema direita atravessará crises permeadas por iniciativas de renovação que somente irão se consolidar no século XXI.

Um dos principais centros de recriação e atualização da extrema direita foi a França, por meio da Nouvelle Droite, representada por nomes como Guillaume Faye (Vasconcelos, 2023VASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha. 2023. O Arqueofuturismo de Guillaume Faye e a Nouvelle Droite: uma metapolítica da guerra étnica para uma Europa em crise. História da Historiografia. No prelo.) e Alain de Benoist (Vasconcelos, 2022aVASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha. 2022a. Alain de Benoist e a nova direita europeia: gramscismo de direita, revolução conservadora e fascismo cultural. Princípios, v. 41, n. 163, pp. 208-239. DOI: 10.4322/principios.2675-6609.2022.163.009.
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), em resposta aos desafios de um mundo reconfigurado pela independência política das ex-colônias e a hegemonia do liberalismo na construção de políticas multiculturais e de integração, que borraram antigas fronteiras étnicas e culturais. Há movimentos congêneres em países como Estados Unidos, Rússia e Alemanha, que readaptaram ideias de antigos pensadores, especialmente do século XIX, críticos do legado do Renascimento, da Reforma Protestante, do Iluminismo e da Revolução Francesa, e que influenciaram movimentos de nacionalismo revolucionário antiocidental no início do século XX, como o nacional-socialismo e o nacional-bolchevismo (Vasconcelos, 2022bVASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha. 2022b. ‘Para salvar a nação somos até capazes de comunismo’: o nacional-bolchevismo ontem e hoje. Almanaque de Ciência Política, v. 6, n. 1, pp. 1-34.). Em geral, esses pensadores tinham o propósito implícito ou explícito de salvaguardar o legado das populações brancas e a liderança geopolítica, cultural e econômica do Norte Global em um contexto de crise e mudança.1 1 As linhagens de pensamento são variadas, incluindo direita alternativa, paleoconservadorismo, “iluminismo das trevas”, entre outras propostas. Para uma visão geral sobre as ideias provenientes da nova direita francesa e as particularidades da alt-right, nos Estados Unidos, cf. Prado (2021). Para uma leitura atrelada à ideia de neofascismo, Caldeira Neto (2022) analisa as conexões das tradições políticas de extrema direita no Brasil com os movimentos internacionais da direita radical. Convém sugerir, também, a leitura de dois dossiês recentes sobre temas correlatos, da Revista Esboços e da Revista Lusotopie.

Independentemente de diferenças entre suas facções, o eixo principal de atuação dessa nova direita iliberal2 2 Evidenciamos o caráter iliberal pois a expressão nova direita também foi adotada, em alguns contextos, por grupos afinados com o liberalismo. é a metapolítica,3 3 Há diversas perspectivas sobre este conceito, mas, para os fins deste artigo, consideramos metapolítica como uma forma de atuação política não imediatista, com base no domínio cultural e na mudança de mentalidades com referência a princípios e valores tradicionais, religiosos, perenes ou ancestrais nem sempre explícitos no discurso (Buela, 2013; François, 2005). que se refere a uma estratégia de “guerra cultural”4 4 Sobre a “guerra cultural” entre grupos de nova direita no Brasil, cf. Vasconcelos (2021). contra uma pretensa hegemonia da esquerda, revelando, assim, a incorporação, pela direita, do legado do pensamento marxista de Antonio Gramsci a respeito da conquista da hegemonia e do poder político (Buela, 2013BUELA, Alberto. 2013. Que es metapolítica? Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 41, n. 2, pp. 179-183.; Taguieff, 1993TAGUIEFF, Pierre-André. 1993. Origines et métamorphoses de la nouvelle droite. Vingtième Siècle, Revue D’histoire, n. 40, pp. 3-22. Disponível em: Disponível em: https://shre.ink/9sjQ . Acesso em: 7 ago. 2021.
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; Vasconcelos, 2022aVASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha. 2022a. Alain de Benoist e a nova direita europeia: gramscismo de direita, revolução conservadora e fascismo cultural. Princípios, v. 41, n. 163, pp. 208-239. DOI: 10.4322/principios.2675-6609.2022.163.009.
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). Além disso, há também o interesse político de formar novas elites (“aristocratas do espírito”) capazes de orientar a mudança para uma “contra modernidade” baseada, em linhas gerais, nas sociedades de castas, com o predomínio de religiosos e militares; na valorização dos princípios aristocráticos de honra e fidelidade na conduta social e econômica; no paganismo como relação religiosa e cultural entre natureza e sociedade ou nas crenças religiosas como fundamento das relações sociais e políticas; e na organização de federações de nações étnica e culturalmente similares, reunidas na forma de impérios.

Outro ponto de convergência dessas diferentes correntes diz respeito à preparação para um mundo de crise e catástrofe, consequência dos desequilíbrios econômicos e climáticos, no interior do qual se trava uma guerra, espiritual e/ou étnica, vista como necessária ao estabelecimento de novas fronteiras entre blocos civilizacionais e econômicos. Essa guerra reconduziria o mundo a uma configuração histórica com algum grau de similaridade à colonização imperialista do século XIX, mas, desta feita, tem-se como referência principal não a formação de regimes de exceção baseados no Estado Corporativo, como ocorrera no início do século XX, mas a criação de comunidades hierárquicas locais, com mesma base étnica e cultural, reunidas em torno do ideal de Império (Vasconcelos, 2023VASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha. 2023. O Arqueofuturismo de Guillaume Faye e a Nouvelle Droite: uma metapolítica da guerra étnica para uma Europa em crise. História da Historiografia. No prelo.; Silva, 2022SILVA, Beatriz Lima de Oliveira da. 2022. Aleksandr Dugin e a Quarta Teoria Política: uma análise do discurso da nova extrema direita. Trabalho de Conclusão de Curso. Campos dos Goytacazes: UFF.).

Nosso objetivo, contudo, não é refletir sobre a pluralidade de teses e estratégias da nova direita, mas apresentar e analisar o pensamento político de Julius Evola, uma de suas referências fundamentais. O pintor, poeta e filósofo esotérico italiano, de suposta origem aristocrática,5 5 Não se sabe ao certo se Julius Evola realmente possuía ascendência aristocrática ou não. Evola referia a si mesmo como “Barão”, embora não o fosse, e assim continuou sendo chamado por seus admiradores com o passar dos anos. Giulio Cesare Andrea Evola (1898-1974), ou simplesmente Julius Evola, é um dos mais infames autores do século XX. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, direita e esquerda, liberais e marxistas, em uníssono, o consideram nefasto politicamente, visto que se associa a ideias e experiências fascistas e nazistas. Por décadas, seus textos eram lidos apenas entre grupos restritos, associados a círculos esotéricos e a frações mais radicais e mesmo terroristas da direita na Itália, até começar a ser reivindicado, de forma cada vez mais explícita, por intelectuais da direita a partir dos anos 2000.

Em diferentes países,6 6 Especialmente na Rússia, com Aleksandr Dugin (2012), e na França, com Alain de Benoist (1979, 1982). Evola tornou-se uma das inspirações à construção de um projeto iliberal de política, ligado à restauração de princípios e valores ditos ancestrais ou Tradicionais.7 7 O uso da inicial maiúscula em Tradição e Tradicionalismo ocorrerá sempre que estivermos nos referindo à vertente filosófica discutida neste artigo, pois é uma maneira de diferenciar essa escola de pensamento do tradicionalismo no sentido mais corriqueiro. No Brasil, sob as diferentes leituras de Olavo de Carvalho, Aleksandr Dugin8 8 Sobre Aleksandr Dugin, conferir o trabalho pioneiro de discussão e análise crítica feito por Beatriz Lima Oliveira da Silva (2022). e Alain de Benoist, as teses de Evola são interpretadas para dar conta das formas de adaptação e reinvenção do legado das populações brancas fora da Europa em sua relação com outras sociedades e “raças”, sob um viés geopolítico e cultural, o que se expressou também na inserção de “evolianos” em círculos governamentais e em organizações de militância política e cultural.9 9 No Brasil, por exemplo, Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores do governo Jair Bolsonaro, discípulo de Olavo de Carvalho, nomeou para a banca examinadora do Instituto Rio Branco o “evoliano” César Alberto Ranquetat Júnior (2019). Outros fatos de destaque foram: a realização dos “encontros Evolianos” durante os anos 2000 e a criação do Nova Resistência e da Frente Sol da Pátria, organizações de militância intelectual, política e cultural.

Diferentemente de vertentes estritamente neoliberais, nacionalistas ou populistas, a corrente evoliana busca fundamentar um novo horizonte político antimoderno, antiocidental, ao mesmo tempo contra a ideia de individualismo, de igualitarismo, de livre-mercado, de democracia, de Estado-Nação e de comunismo. Ou seja, o entendimento do suprafacismo de Evola permite a apropriação de seu pensamento por frações da nova direita iliberal, sem que isso signifique uma vinculação direta ao fascismo histórico, embora possa haver a incorporação, nos movimentos, de indivíduos anteriormente vinculados ao neofascismo.

Para análise, nos apoiamos em uma perspectiva sociológica acerca das vinculações entre objetivos políticos e culturais de intelectuais e seus círculos sociais de pertencimento (Ribeiro, 2008RIBEIRO, Adelia Maria Miglievich. 2008. Marina de Vasconcellos e as ciências sociais cariocas: a perspectiva dos círculos sociais. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 15, pp. 17-41. DOI: 10.1590/S0104-59702008000500002.
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), buscando não recair em uma “ilusão biográfica” (Bourdieu, 2006). Ao mesmo tempo, no sentido de superar uma perspectiva estanque das relações entre texto/contexto, internalismo/externalismo, recorremos também às contribuições metodológicas do contextualismo linguístico da Escola de Cambridge (Skinner, 1969SKINNER, Quentin. 1969. Meaning and understanding in the history of ideas. History and Theory, v. 8, n. 1, pp. 3-53.), para o qual a interpretação de um texto/enunciado se alia à compreensão dos objetivos daquele que escreve, de modo a explorar a intencionalidade do autor, bem como as influências da história de sua trajetória na variação desta intencionalidade.

Na primeira seção, abordamos os aspectos gerais da trajetória de Evola e as principais linhas do seu pensamento: o esoterismo, a filosofia perene Tradicionalista e a “revolução conservadora” alemã. Concentramo-nos, em seguida, em seus escritos políticos, seus eixos e suas propostas. Por fim, analisamos especificamente sua relação com o ideário e as práticas do fascismo italiano e do nacional-socialismo alemão, a partir da qual é enunciada sua identificação como suprafascista.

Esoterismo, Tradicionalismo e “revolução conservadora”: a síntese de Julius Evola

No início de sua vida adulta, após a imersão em estudos de filosofia e história da arte na adolescência, Evola se dedicará à pintura e à poesia, participando do movimento futurista e, posteriormente, do movimento dadaísta. Não é nosso objetivo explorar em profundidade esse aspecto de sua trajetória, mas vale indicar a relevância de sua participação nos círculos artísticos e seu esforço de traduzir um sentido próprio sobre o mundo social e sobre a experiência mística transcendente por meio da arte. Seu distanciamento do futurismo é abordado em sua autobiografia Il cammino de cinabro (1963EVOLA, Julius. 1963. Il cammino del cinabro. Milano: Scheiwiller.), como divergência estética - em relação à exaltação do mecanicismo, do sensualismo, certo “americanismo” e exaltação da vida e do instinto - e como divergência política - em relação à participação dos grupos futuristas em campanhas de nacionalismo chauvinista. O contexto da Primeira Guerra Mundial, e sua experiência na artilharia entre 1917 e 1918, o teria conduzido a uma outra direção, voltada ao misticismo abstracionista - razão pela qual se insere no dadaísmo, mudança influenciada também pelo contato com ensinamentos do budismo.

A esse primeiro momento artístico (1915-1924) sucede sua maior dedicação à filosofia e ao esoterismo, com a publicação de Teoria e fenomenologia dell’individuo assoluto (1924EVOLA, Julius. 1924. Teoria dell’individuo assoluto. Torino: Fratelli Bocca Editori.), Saggi sull’idealismo magico (1925) e L’uomo come potenza (1926). Por meio dessas três obras se desenha o idealismo de “liberdade interior absoluta”, baseado em uma ética de superação do homem, antevista em Nietzsche, bem como a aproximação da gnose e do sagrado inspirada no taoísmo e no tantrismo. Esse período coincide com a participação de Evola em círculos jornalísticos - caso da revista antifascista e antidemocrática Lo Stato democrático - e de círculos esotéricos, o mais importante deles o “Grupo de Ur” que, formado a partir de um compromisso de anonimato, exerceu influência intelectual e política na Itália dos anos 1920. Orientando-se para práticas mágicas e iniciáticas,10 10 O termo magia, explica Evola, não corresponde ao significado comumente atribuído, mas à formulação do saber iniciático que obedece ao que ele considera uma atitude ativa, soberana e dominante em relação à espiritualidade (Evola, 1963a, p. 46). elaborou um programa de reflexão sobre o esoterismo e a busca pela tradição em sociedades não europeias. Nos anos seguintes, Evola publica Imperialismo pagano: il fascismo dinnanzi al pericolo euro-cristiano (1928EVOLA, Julius. 1928. Imperialismo pagano. Todi-Roma: Atanòr.), crítica ao cristianismo e celebração dos valores da civilização romana; La tradizione ermetica (1931EVOLA, Julius. 1931. La tradizione ermetica. Bari: Laterza.), voltada aos significados da alquimia; e Maschera e volto dello spiritualismo contemporaneo (1932EVOLA, Julius. 1932. Maschera e volto dello spiritualismo contemporaneo. Torino: Fratelli Bocca Editori.), acerto de contas com o espiritismo, a teosofia, a antroposofia e a psicanálise. É nesse contexto que vale, enfim, considerar com mais profundidade o significado e a história do Tradicionalismo e sua influência sobre Evola.

O Tradicionalismo se insere em uma longa tradição do pensamento radical e reacionário. Para alguns, o movimento foi iniciado como reação à Revolução Francesa (Augusto, 2017AUGUSTO, André G. 2017. Visão de mundo aristocrática e a contrarrevolução conservadora. Paper apresentado no Colóquio Marx e o Marxismo 2017: De O capital à Revolução de Outubro (1867-1917), Niterói, agosto de 2017. Disponível em: Disponível em: https://shre.ink/9lgl . Acesso em: 24 maio 2021.
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). Já outros acreditam que suas raízes são mais antigas e remontariam à reação da cultura helênica ao racionalismo grego na Antiguidade (Eco, 2020ECO, Umberto. 2020. O fascismo eterno. 8. ed. Rio de Janeiro: Record.), ou ainda ao desenvolvimento particular do gnosticismo, crença milenar, em geral conflitante com o desenvolvimento do cristianismo e do catolicismo na história europeia, que defende uma separação radical entre o mundo do espírito (ao qual apenas uma elite esclarecida teria acesso) e o da matéria (lugar da maioria) (Vaz, 2018VAZ, João José Rosmaninho Loureiro. 2018. De Alexandria ao identitarismo: presenças gnósticas na direita radical contemporânea. Dissertação de Mestrado em Estudos Sobre a Europa. Lisboa: UAb.). Para os gnósticos, o mundo não seria uma obra da razão divina, mas de um demiurgo, distante do Ser Absoluto que, por ser uma realidade imperfeita, precisa ser alterada. Nessa interpretação, como forma de gnosticismo, o Tradicionalismo compartilharia raízes comuns com as ideologias ou religiões políticas totalitárias (Vaz, 2018VAZ, João José Rosmaninho Loureiro. 2018. De Alexandria ao identitarismo: presenças gnósticas na direita radical contemporânea. Dissertação de Mestrado em Estudos Sobre a Europa. Lisboa: UAb.).

No Brasil, a vertente se tornou conhecida através de Benjamin Teitelbaum, cujo livro Guerra pela eternidade: o retorno do Tradicionalismo e a ascensão da direita populista (2020TEITELBAUM, Benjamin R. 2020. Guerra pela eternidade: o retorno do Tradicionalismo e a ascensão da direita populista. Campinas: Unicamp.) aborda as influências desse pensamento por meio de consultores políticos como Steve Bannon e Olavo de Carvalho, “gurus” da “direita radical”. Além de Teitelbaum, vale considerar, também, o livro do historiador Mark Sedgwick que, em Contra o mundo moderno: o Tradicionalismo e a história intelectual secreta do século XX (2020), sem ignorar o impacto político do Tradicionalismo, opta por uma história intelectual que parte da análise das teorias e da trajetória de seus fundadores até a disseminação e adaptação de seus ensinamentos a diferentes propósitos e realidades nacionais mediante organizações religiosas e grupos de estudo.

Em sua origem, o Tradicionalismo é concebido como um movimento, desde pelo menos a Europa Renascentista, que se fundamenta no Perenialismo e busca por uma sabedoria ou religião original no Oriente (entendido como Grécia clássica, Israel e Egito bíblicos ou, ainda, as civilizações indiana e chinesa) representada especialmente por Hermes Trismegisto, cujo pensamento acredita-se ter inspirado boa parte da filosofia grega e do cristianismo. Associado à alquimia, à astrologia e à magia, o Tradicionalismo foi responsável por produzir um sincretismo entre o hermetismo, o neoplatonismo e a cabala; sendo que, à medida que sua expansão avançava, a centralidade de Hermes passou a ser substituída pelo hinduísmo, sobretudo a partir do século XVIII, vindo o Tradicionalismo a se difundir por meio de Ordens de Cavaleiros, da Sociedade Teosófica e da maçonaria como forma de sabedoria iniciática, ao mesmo tempo se aproximando também do taoísmo ou do islamismo, a depender da interpretação (Sedgwick, 2020SEDGWICK, Mark. 2020. Contra o mundo moderno: o Tradicionalismo e a história intelectual secreta do século XX. Belo Horizonte: Âyiné.).

A consolidação do Tradicionalismo, no entanto, só teria ocorrido no início do século XX, em torno do objetivo de retomar supostas crenças e práticas transmitidas de geração em geração desde tempos imemoriais, em organizações espiritualistas, religiosas e iniciáticas que teriam se perdido no Ocidente nos últimos quinhentos anos. Em sua concepção, a civilização ocidental moderna teria aparecido na história como uma anomalia, pois seria a única a ter se desenvolvido em uma direção puramente material, cujo início coincidiria com o que é comumente chamado de Renascimento, tendo tal gênese sido acompanhada por uma regressão intelectual e espiritual, de onde adviria seu desdém pelas civilizações orientais e pela Idade Média europeia. Nesse sentido, o Ocidente estaria em perigo porque teria deixado de se basear em algo mais substancial do que a superioridade industrial: na ausência de “fundações espirituais”, a civilização ocidental correria o risco de colapso e extinção através da assimilação por civilizações mais sólidas (Sedgwick, 2020SEDGWICK, Mark. 2020. Contra o mundo moderno: o Tradicionalismo e a história intelectual secreta do século XX. Belo Horizonte: Âyiné.).

Em suma, o Tradicionalismo seria uma forma inversa do Orientalismo definido como compreensão ocidental do Oriente Médio desenvolvida desde o século XIX e derivada de fantasias, desejos e projeções do próprio Ocidente, mais do que correspondência factual com a realidade (Said, 2007SAID, Edward W. 2007. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras.). O Tradicionalismo contrasta um Ocidente (caracterizado pela modernidade, materialismo e habilidade técnica) com um Oriente de tradição, espiritualidade e sabedoria.

Essas ideias foram sistematizadas inicialmente pelo francês René Guénon (1886-1951), especialmente na obra Orient et Occident (1924) e La crise du monde moderne (1927), em que a chamada “crise do mundo moderno” é interpretada a partir da concepção cíclica de tempo no hinduísmo, estando o Ocidente em uma fase decadente, final, de crise civilizacional, o kali yuga. Aquilo que o Ocidente concebe como progresso é, portanto, entendido como decadência, ou seja, um processo histórico de “inversão”, no qual o individualismo moderno destruiria o valor da individualidade. Guénon elaborou as bases de uma “filosofia”11 11 Guénon não se concebe como filósofo, mas sim como metafísico, uma vez que enxerga a filosofia como uma forma já decaída ou imperfeita de compreensão das verdades suprassensíveis, posto que submetida ao racionalismo. O acesso a verdades metafísicas dependeria de uma aprendizagem iniciática e ritualizada do saber no interior de religiões tradicionais, diferenciando-se, portanto, tanto do filósofo racional, quanto do simples misticismo originado de experiências individuais. O próprio exercício racional de análise dos seus textos é entendido como um acesso muito restrito às verdades suprassensíveis acessadas pelo iniciado (Guénon, 1924, 1927). perene espiritualista, baseada na crença em uma religião original perdida (a Tradição, o cerne, ou a Tradição perene), cujos fragmentos estão espalhados entre valores e conceitos de diferentes religiões, principalmente as religiões indo-europeias (hinduísmo e zoroastrismo) e religiões europeias pagãs pré-cristãs.12 12 A crença em uma religião original é nomeada como Perenialismo, cujo contato inicial Guénon teve por meio do gnosticismo, tendência considerada herética pelo catolicismo, ligada à antiga Igreja Cristã, especialmente no Egito, e à crença em uma forma de revelação e relação pessoal e direta de Deus com uma elite espiritual. No caso de Guénon e sua busca da Tradição no Oriente, pode-se falar em Vedanta-Perenialismo, expresso em L’introduction générale à l’étude des doctrines hindoues (1921) e em L’homme et son devenir selon le Vedanta (1925).

Para ele, bem como para os Tradicionalistas em geral, a história humana percorreria um ciclo de quatro idades: da idade de ouro à de prata, à de bronze e à idade sombria, até retornar à idade de ouro e retomar o ciclo. Cada idade corresponderia ao domínio de diferentes castas de pessoas: sacerdotes, guerreiros, comerciantes e escravos. A passagem de uma idade para a outra, concebida em termos de decadência, ocorreria pela mudança nos valores defendidos, dos mais imateriais (espiritualidade e honra) até os mais materiais (dinheiro e gratificação corporal). A inspiração é o sistema de castas hinduísta e uma noção de tempo fatalista e pessimista que associa a origem, o desenvolvimento e a decadência de civilizações com a perda de espiritualidade, e, por essa razão, a necessidade de conexão com valores da Tradição, ao alcance de um grupo seleto de intelectuais iniciados, capazes de compreender o ciclo histórico e preparar o mundo para a passagem ao momento seguinte.13 13 Mesmo que esta elite não tivesse condições imediatas para modificar a mentalidade ocidental como um todo, ela poderia ser um ponto focal para atividades por meio das quais o Ocidente receberia as bases de um novo desenvolvimento apropriado às suas características particulares, poupando-o de ser assimilado por formas tradicionais de outras civilizações mediante processos como “revoluções étnicas” (Guénon, 1924, 1927).

Rejeitadas na universidade francesa, as teses de Guénon tornaram-se um saber disseminado, a partir dos anos 1920, em círculos ligados a movimentos ou organizações espiritualistas - como a maçonaria, o gnosticismo, o catolicismo, a teosofia e o islamismo - a partir das quais procurou um caminho iniciático para a síntese teórica e ritualística que objetivava com os princípios extraídos do hinduísmo (religião que, paradoxalmente, ele nunca teria vivenciado na prática).

Desde René Guénon, o Tradicionalismo se expandiu em incontáveis grupos e versões, sem, contudo, ter centro de comando nem estrutura formal (Sedgwick, 2020SEDGWICK, Mark. 2020. Contra o mundo moderno: o Tradicionalismo e a história intelectual secreta do século XX. Belo Horizonte: Âyiné.). A partir dos anos 1930, os horrores da Primeira Guerra Mundial teriam favorecido a recepção da narrativa antimoderna do Tradicionalismo, e ele se tornou um movimento mais amplo, orientando-se seja para uma prática religiosa específica, para o engajamento político ou para um “Tradicionalismo soft”, aceito na academia.14 14 A exemplo do filósofo da religião romeno Mircea Eliade. Após os anos 1960, ele se expande ainda mais, acompanhando, em grande parte, o ambiente intelectual “pós-moderno” em sua busca por novos padrões de pensamento e modos de vida alternativos tanto ao Ocidente capitalista como ao alinhamento com o comunismo (Sedgwick, 2020SEDGWICK, Mark. 2020. Contra o mundo moderno: o Tradicionalismo e a história intelectual secreta do século XX. Belo Horizonte: Âyiné.).

Como forma de engajamento político, ele se disseminou em diferentes realidades, mesmo que em sentidos diferentes da mensagem inicial de seu fundador, muito mais concentrado no caminho iniciático e influência na mentalidade de elites (Sedgwick, 2020SEDGWICK, Mark. 2020. Contra o mundo moderno: o Tradicionalismo e a história intelectual secreta do século XX. Belo Horizonte: Âyiné.). Apesar disso, sempre estiveram presentes, no Tradicionalismo, personagens que se voltaram à ação política direta, caso do Sufi sueco Ivan Aguéli (1869-1917), famoso por sua resistência à introdução, na França, do estilo espanhol de tourada (no qual o touro é morto) e adepto de concepções anticoloniais. Contudo, é junto ao fascismo e ao terrorismo de direita que o Tradicionalismo se dissemina com maior ênfase. A influência do Tradicionalismo de Rudolf von Sebottendorf (1875-1945), ocultista neo-Sufi de origem alemã e nacionalidade Otomana, nas origens do Partido que posteriormente se tornaria o Partido Nazista alemão sob o comando de Hitler,15 15 Von Sebottendorf participava da Thulegesellschaft [Sociedade Thule] que procurou organizar o Partido dos Trabalhadores Alemães em Munique (Bavária). Sua saída da Thulegesellschaft se deu após a instauração da República Soviética da Bavária, cuja dissolução coincidiu com o controle de Hitler sobre o Partido, que já não tinha as mesmas características defendidas por Von Sebottendorf. Nos anos 1930, ele foi enviado a um campo de concentração por suas atividades intelectuais. Cf. Evola (1971). já antecipa possíveis afinidades entre Tradicionalistas e a intenção de transformar ordens militares ou militantes em base para um movimento de “reconstrução espiritual”.

Contudo, é somente com Julius Evola que a imbricação com a política se tornou mais explícita, sistematizada e central para o Tradicionalismo, tendo em vista a importância de Evola como intérprete de Guénon e em seu direcionamento particular para a ação política. Diferentemente do fundador do Tradicionalismo, para Evola não se trata de simplesmente explicar a crise, mas de direcionar sua solução através da revolta. Enquanto para o francês a iniciação é o caminho para a transformação do Ocidente em sua totalidade mediante a influência de “centros sagrados” sobre suas elites, o italiano sugere um caminho mais direto para o alcance do estado do Indivíduo Absoluto. Interpretada de diferentes maneiras, essa prescrição, segundo Sedgwick (2020SEDGWICK, Mark. 2020. Contra o mundo moderno: o Tradicionalismo e a história intelectual secreta do século XX. Belo Horizonte: Âyiné.) e a julgar pelas próprias ações de Evola, estabelecia que a transformação do indivíduo deveria ser a consequência da transformação da sociedade.

Esta orientação advém da conexão construída por Evola entre o Tradicionalismo e a herança intelectual do pensamento “radical aristocrático” e de filósofos de uma corrente oposta às transformações do mundo moderno desde, pelo menos, a Revolução Francesa. O florescimento dessa corrente se deu especialmente no contexto cultural e político da Alemanha desde o final do século XIX, no qual emerge uma “nova psicologia” pautada pela mútua influência literária e artística antimoderna e antiocidental. Na historiografia, esse conjunto de tendências ficou conhecido como “revolução conservadora”16 16 O “conservadorismo revolucionário” é uma expressão que delimita um certo conjunto de tendências cuja marca é, justamente, a conjunção de termos (aparentemente) opostos: uma revolução para a restauração de “valores essenciais da nação”, sem o simples retorno a formas passadas, como desejam os velhos conservadores e reacionários, mas realizando um processo de expansão e desenvolvimento de princípios Tradicionais; a aceitação da modernidade técnica (tecnologia e planejamento estatal), mas a negação da modernidade cultural dos valores do Iluminismo e da Revolução Francesa, como o individualismo e o humanismo universalista e igualitário; confiança em uma elite cultural e política selecionada por suas qualidades e não pelo povo, ao mesmo tempo que incentiva a mobilização constante das massas populares na vida coletiva; movimentos que não se pretendem “nem de esquerda nem de direita”, que visam “ganhar a revolução” dos “progressismos”, seja na forma do liberalismo ou do socialismo marxista (considerados “inimigos-irmãos”), e também contra a direita conservadora pessimista; otimistas em sua capacidade de moldar o futuro, consideram-se portadores do “espírito do povo e da nação” e da “força do destino”, pois dominam a técnica na era das massas (organização, mobilização e propaganda) (Dupeux, 1994; Merlio, 2003). (Merlio, 2003MERLIO, Gilbert. 2003. Y a-t-il eu une ‘Révolution Conservatrice’ sous la République de Weimar? Revue Française D’Histoire des Idées Politiques, n. 17, pp. 123-141. Disponível em: Disponível em: https://shre.ink/9s8T . Acesso em: 1 jun. 2021.
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).

No interior desse legado, sem pretensão exaustiva, indicamos dois autores fundamentais para distinguir Evola em relação a outros Tradicionalistas: o antropólogo Johann Jakob Bachofen e o filósofo Friedrich Nietzsche.17 17 Nietzsche é uma figura chave para os “revolucionários conservadores”, mas como inspiração, tendo em vista que seu pensamento está mais ligado a um “aristocratismo radical” do que ao pensamento de intelectuais de uma geração posterior, que se envolveram ou influenciaram diretamente os nacionalismos revolucionários e ao mesmo tempo reacionários, como Arthur Moeller van der Bruck, Oswald Spengler, Ernst Jünger, Gregor e Otto Strasser, Alfred Rosenberg, Ernst Niekisch, Martin Heidegger e Carl Schmitt. Bachofen entendia que a sociedade humana atual derivou de uma antiga civilização matriarcal para a civilização patriarcal, no sentido do progresso de uma base cultural corporal (telúrica) para uma espiritual (urânica). Evola, contudo, reverteu o sentido do evolucionismo de Bachofen: a crise do mundo moderno representa o declínio das qualidades masculinas (urânicas) e o predomínio das qualidades femininas (telúricas). De Nietzsche, Evola incorporou a ênfase na ação e na superação individualista/aristocrática/espiritual, com sua crítica à sociedades de massas baseadas no universalismo cristão. A ênfase na ação seria uma qualidade urânica, masculina, associada, no hinduísmo, à casta guerreira (kshatriya).

Assim, diferentemente de Guénon, para o qual, em Autorité spirituelle et pouvoir temporel (1929), no estado Tradicional primordial, a autoridade espiritual era superior à temporal (os brahmin, a “casta sacerdotal”, superiores aos kshatriya), para Evola, os brahmin e os kshatriya seriam originalmente uma única casta que se dividiu com o declínio da Tradição. Assim, deu-se início a um processo de decadência sucedido em variados ciclos históricos, sendo o mais recente o que corresponde à transição do mundo medieval para o moderno.18 18 “É necessária toda a potência e o vigor de uma Idade Média” (Evola, 1928, p. 5). Essa seria a “lei da regressão das castas”, com o poder passando do sacerdote aos militares e destes para a casta de comerciantes (democracia burguesa) e, finalmente, à casta dos servos (proletariado, como na União Soviética). Esse declínio teria produzido a “dessacralização da existência” por meio do individualismo e do racionalismo e, posteriormente, do nacionalismo, do materialismo, do mecanicismo, da democracia e do socialismo.

Para Evola, em Imperialismo pagano (1928EVOLA, Julius. 1928. Imperialismo pagano. Todi-Roma: Atanòr.), o objetivo final do Tradicionalismo seria uma revitalização da Europa mediante os princípios e valores de uma sociedade patriarcal nórdica-ariana original situada no Ártico, cujas virtudes decaíram conforme migravam para o Sul e “se tornavam encarnados”. Ou seja, sua leitura da história também incorpora o sentido de um “declínio das raças superiores”, não em termos simplesmente biológicos, mas “espirituais”:

[...] a verdadeira diferença entre as raças não é naturalista, condicionada biologicamente, mas sim justamente aquela muito mais profunda que se acha entre as raças que conservam na profundidade do sangue a herança e a presença de um princípio que transcende o sangue, inoculado pela ação das elites dominadoras e solares, e as outras raças que não têm nada de tudo isso, nas quais prevalece apenas algo promíscuo e vinculado às forças da terra, da animalidade, da herança biológico-coletiva. No marco dessas últimas raças domina o totemismo, e não há nem verdadeira diferença, nem verdadeira personalidade; o culto resolve-se na nostalgia estático-panteísta ou mais ainda numa “religiosidade” de caráter lunar e comunista. (Evola, 1928EVOLA, Julius. 1928. Imperialismo pagano. Todi-Roma: Atanòr., p. 59)

Seria necessário, para Evola, restaurar o valor sagrado da soberania, fundada em uma hierarquia espiritual segundo uma escala de valores que situa o espírito acima da matéria; o Norte acima do Sul; o branco acima do negro; a masculinidade acima da feminilidade; o vigor solar acima da passividade lunar. A modernidade, o nacionalismo, a democracia e o socialismo significavam, para ele, do mesmo modo que para Guénon, o período da decadência, de predominância de valores materialistas, da quantidade, dos valores plebeus, da miscigenação, do secularismo e do feminismo. Seu horizonte principal, portanto, era um programa paradoxalmente reacionário e futurista para a formação de um “império pagão” europeu (Evola, 1928EVOLA, Julius. 1928. Imperialismo pagano. Todi-Roma: Atanòr.):

Nosso imperialismo transcende com firmeza o nacionalismo; mas enquanto o “supernacionalismo” democrático mostra um menoscabo e uma subordinação à reafirmação nacional, promiscuamente associada a muitas outras reafirmações nacionais, a supranacionalidade imperial e romana é de uma reafirmação nacional que, em meio a um grupo de dominadores, sustenta-se mais além de si mesma numa síntese, seja dela mesma com outras nações subordinadas. (Evola, 1928EVOLA, Julius. 1928. Imperialismo pagano. Todi-Roma: Atanòr., pp. 29-30)

Nos subordinados deve-se voltar a despertar o orgulho de servir a seus superiores. O serviço deve ser despertado como liberdade e como superação, quase como uma oferta transfigurante, que não humilha, mas que eleva em todas as partes, tanto nas coisas de guerra como em coisas de paz, tanto nas coisas particulares como nas gerais. Sobre esta base espiritual deve delinear-se uma estrutura que corra perpendicularmente do alto até o baixo, na qual os chefes sejam também raios de um único centro e, por sua vez, centro de unidades de ordens inferiores, agrupados como soldados ao redor de seus oficiais [...]. Assim estaria presente o centro de uma estabilidade transcendente, a soberania, o princípio de toda outra hierarquia, o eixo de toda fidelidade, de toda honra no serviço e de toda ação heroica, a mais soberba força de equilíbrio vinda do alto. (Evola, 1928EVOLA, Julius. 1928. Imperialismo pagano. Todi-Roma: Atanòr., pp. 26-28)

[...] A verdade é que o democratismo vive de um pressuposto otimista totalmente gratuito. Ele não se dá conta do caráter absolutamente irracional da psicologia das massas [...] a massa é conduzida não pela razão, mas pelo entusiasmo, pela emoção e pela sugestão. Como uma fêmea, ela segue aquele que melhor lhe saiba seduzir, aterrorizando-a ou atraindo-a, com meios que, em si mesmos, não tem nada de lógicos. Como uma fêmea, ela é inconstante e passa de um a outro”. (Evola, 1928EVOLA, Julius. 1928. Imperialismo pagano. Todi-Roma: Atanòr., p. 40)

Em suma, Evola busca, por meio da substituição da história pelo mito, reelaborar a teocracia e os modelos aristocráticos, guerreiros, romanos e feudais de organização política, contra as formas de igualitarismo, homogeneidade e universalismo promovidos pelo cristianismo especialmente após a reforma protestante, pelo socialismo, pelo secularismo, pelo nacionalismo, pelo liberalismo e pela democracia. A síntese que apresentamos sobre as influências teóricas de Evola auxiliam no entendimento de suas interpretações acerca do indivíduo, da estrutura social e da história no Ocidente - que são também reunidas em Rivolta contro il mondo moderno (1934EVOLA, Julius. 1934. Rivolta contro il mondo moderno. Milano: Hoepli.), construído como resposta possível ao La crise du monde moderne (1927) de Guénon - e servem como base para a compreensão da sua relação com a política à sua época.

O suprafascismo de Julius Evola

Como veremos adiante, Evola foi admirado por Mussolini, especialmente após a obra Sintesi di dottrina de la razza (1941EVOLA, Julius. 1941. Sintesi di dottrina della razza. Milano: Hoepli.), e publicou o jornal Sangue e Spirito sob sua chancela. Evola também viajou para a Alemanha nazista e obteve apoio para seu jornal, não escondendo sua admiração pela organização paramilitar SS (Schutzstaffel), com a qual colaborou em aulas sobre sua filosofia. Na Itália do pós-guerra, ele foi referência intelectual para um conjunto de grupos de jovens militantes radicais e terroristas (Sedgwick, 2020SEDGWICK, Mark. 2020. Contra o mundo moderno: o Tradicionalismo e a história intelectual secreta do século XX. Belo Horizonte: Âyiné.). Essas e outras relações políticas, conjugadas às suas reflexões teóricas e históricas, fizeram com que, para grande parte da sua recepção, ele fosse interpretado como um ideólogo do fascismo (Sheehan, 1981SHEEHAN, Thomas. 1981. Myth and violence: the fascism of Julius Evola and Alain de Benoist. Social Research, v. 48, n. 1, pp. 45-73.). Nesse mesmo sentido, para André Guimarães Augusto, em Visão de mundo aristocrática e a contrarrevolução conservadora (2017AUGUSTO, André G. 2017. Visão de mundo aristocrática e a contrarrevolução conservadora. Paper apresentado no Colóquio Marx e o Marxismo 2017: De O capital à Revolução de Outubro (1867-1917), Niterói, agosto de 2017. Disponível em: Disponível em: https://shre.ink/9lgl . Acesso em: 24 maio 2021.
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), retomando o marxista György Lukács (2009LUKÁCS, György. 2009. Concepção aristocrática e concepção democrática de mundo. In: LUKÁCS, György. O jovem Marx e outros escritos de filosofia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, pp. 25-53.):

[...] o pensamento de Evola se enquadra na “ideologia fascista” que “se funda sobre esta base: nega radicalmente toda ideia de progresso e oferece através de um ‘milagre’” “a perspectiva da restituição do estado originário” (Lukács, 2009LUKÁCS, György. 2009. Concepção aristocrática e concepção democrática de mundo. In: LUKÁCS, György. O jovem Marx e outros escritos de filosofia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, pp. 25-53., p. 37). A ideologia reacionária, no entanto, não é “direcionada para a restauração de algo passado”, mas para a “instauração de algo futuro” (Lukács, 2009LUKÁCS, György. 2009. Concepção aristocrática e concepção democrática de mundo. In: LUKÁCS, György. O jovem Marx e outros escritos de filosofia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, pp. 25-53., p. 51); não apenas assim uma filosofia de caráter reacionário, voltada para o passado, é capaz de se tornar uma ideologia capaz de oferecer respostas a conflitos do presente. Desse modo, o passado na ideologia Tradicionalista de Evola é um passado mítico e de caráter metafísico e está direcionado “para um modo de ser social concebido como ‘ideal’”. Evola é explícito quanto ao caráter ‘ideal’ do passado Tradicionalista: “Para um autêntico conservador revolucionário, o que realmente conta é ser fiel não às formas e instituições do passado, mas aos princípios dos quais essas formas e instituições têm sido uma expressão particular, adequada para um período de tempo específico e em uma área geográfica específica”. (Augusto, 2017AUGUSTO, André G. 2017. Visão de mundo aristocrática e a contrarrevolução conservadora. Paper apresentado no Colóquio Marx e o Marxismo 2017: De O capital à Revolução de Outubro (1867-1917), Niterói, agosto de 2017. Disponível em: Disponível em: https://shre.ink/9lgl . Acesso em: 24 maio 2021.
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, p. 7)

Entretanto, o filósofo e seus seguidores contestam com veemência sua filiação aos regimes fascista e nazista, algo que parece paradoxal ou contraditório frente ao diagnóstico precedente. Apesar do envolvimento com a discussão sobre o fascismo e algumas de suas lideranças, Evola afirma-se como um crítico de direita ao regime: ele via no fascismo elementos da política de massas e mesmo de esquerda que deveriam ser eliminados em favor de uma política efetivamente aristocrática. Embora pudesse concordar com um movimento antimarxista, antidemocrático, restaurador da autoridade do Estado frente à luta de classes, na forma de um modelo corporativo e hierárquico, ele afirma não estar de acordo com os aspectos ditatoriais do regime e nunca ter participado efetivamente do partido ou do governo fascista ou nazista, nem mesmo do núcleo duro da intelectualidade dos regimes. Assim, em seus escritos, o filósofo italiano busca diferenciar seu pensamento dessas experiências políticas que teriam cumprido apenas parcialmente com a concretização dos valores defendidos por ele. A respeito desta questão, em 1951, Evola se autodenominaria um superfascista ou suprafascista, não estando claro, para intérpretes (Wolff, 2016WOLFF, Elisabetta Cassina. 2016. Evola’s interpretation of fascism and moral responsibility. Patterns of Prejudice, v. 50, n. 4-5, pp. 478-494.), se isso significa que ele estava criticando o fascismo como forma política ou se, em linguagem cifrada, estava sinalizando apoio à radicalização do fascismo e sua reforma para um “tipo superior” de regime, vinculado aos valores aristocráticos tradicionais.

Para ultrapassar a sensação de ambiguidade sobre essa questão, abordaremos as reflexões de Evola em textos dedicados especificamente à sua análise do fascismo e do nazismo, a exemplo de O fascismo visto pela direita (Evola, 2013), Notas sobre o Terceiro Reich (Evola, 2013), Gli uomini e le rovine (Men Among the Ruins Post-War Reflections of a Radical Traditionalist) (1953EVOLA, Julius. 1953. Gli uomini e le rovine. Roma: Edizioni dell’Ascia.) e depoimentos (Evola, 2021). Mas, de início, retomaremos o Imperialismo pagano (1928EVOLA, Julius. 1928. Imperialismo pagano. Todi-Roma: Atanòr.), onde o “Barão” já antecipava alguns de seus juízos:

Na Itália, com o Fascismo, já teve início a manifestação de uma luta contra o câncer parlamentarista, contra a democracia e o socialismo. Uma vontade de ordem e hierarquia, de virilidade e de autoridade está invadindo a nova realidade nacional. Reconhecer aquilo que de positivo pode haver em tudo isso não deve nos impedir de reconhecer os múltiplos limites que, se perdurarem, manterão, todavia, aleijada a Itália de uma verdadeira restauração aristocrática-tradicional. (Evola, 1928EVOLA, Julius. 1928. Imperialismo pagano. Todi-Roma: Atanòr., p. 104)

Entre esses limites, Evola enumera: a necessidade de moderar a tendência fascista à centralização para se evitar um tipo de despotismo do poder público, impessoal e nivelador; o corporativismo não se tornar afirmação política por meio da economia, no sentido sindicalista ou de estatização da economia, mas reviver e tutelar um sistema pluralista de guildas e corporações medievais, na forma de autarquias moderadoras da ganância e do produtivismo; a consideração da monarquia não apenas como símbolo, mas como princípio ativo de governo; a mudança dos quadros que formam as hierarquias - das chefias de partido, vindos de baixo, à lideranças com “tradição espiritual”; levar a sério a ideia romano-pagã, portanto, não cristã e não católica, como princípio militar e sacral de unidade política.

Na década de publicação de Imperialismo pagano (1928EVOLA, Julius. 1928. Imperialismo pagano. Todi-Roma: Atanòr.), Evola teria declarado simpatia à Mussolini - do mesmo modo como ele o teria feito em relação a qualquer outra liderança que se opusesse aos regimes democráticos e à política de esquerda -, mas, ao mesmo tempo, criticava a ação e as origens dos Camisas Negras e do nacionalismo fascista. Os compromissos estabelecidos pelo governo fascista com a burguesia e com a Igreja Católica seriam as que mais desagradavam Evola e teriam trazido dificuldades em sua relação com o regime. Em seus artigos na revista Crítica Fascista, Evola defendia que o paganismo romano era a base mais apropriada para o Fascismo e não o Cristianismo, argumento defendido em Imperialismo pagano.

Mussolini, no entanto, estabelece firme concordata com a Igreja Católica, o que conduz à perda de prestígio de Evola nos círculos fascistas e ao consequente encerramento da publicação de sua revista La Torre. Após esse episódio, Evola se retira da política para, com a intenção de guiar o fascismo italiano para um caminho Tradicional, escrever La tradizione ermetica (1931EVOLA, Julius. 1931. La tradizione ermetica. Bari: Laterza.) e Spiritual Problems in Fascist Ethics (1933) que, contrariando suas expectativas, obtiveram pouca recepção, fazendo-o ser mais pessimista: para ele, a “raça italiana” teria sido incapaz de fornecer matéria para as possibilidades superiores que estariam para além do fascismo.

Suas atenções, nesse contexto, voltam-se à Alemanha, onde a tradução de Imperialismo pagano (1928EVOLA, Julius. 1928. Imperialismo pagano. Todi-Roma: Atanòr.) tem melhor recepção. Convém, a propósito, ressaltar o juízo mais esperançoso de Evola no referido texto em relação à Alemanha da época:

Em consideração ao estado de luta no qual hoje ela se encontra, trata-se sobretudo de pôr em evidência os ideais e os mitos que melhor poderiam orientar as correntes convertidas em impacientes pela situação atual [...] sem embargo, devemos reconhecer que o nome do partido político [...] que hoje se encontra revolucionando a Alemanha no sentido fascista, é muito pouco feliz. Com efeito, deixando de lado a referência à classe dos trabalhadores, tanto “nacionalismo” quanto “socialismo” são elementos que se adaptam muito pouco à nobre tradição germânica, e seria necessário se convencer claramente de que é, ao contrário, uma contrarrevolução contra o socialismo democrático o que tem necessidade a Alemanha [...] um movimento de rebelião antimarxista e antidemocrática que se remetia à frente dos próprios elementos conservadores e tradicionalistas. Dever-se-á ter cuidado para que o momento “socialista” - mesmo que se tratando de um socialismo nacional - não tome a primazia, fazendo desembocar tudo no marco de um fenômeno de massa que se reagrupa em torno do prestígio momentâneo do chefe. (Evola, 1928EVOLA, Julius. 1928. Imperialismo pagano. Todi-Roma: Atanòr., p. 106)

Em 1934, um ano após a ascensão de Hitler, Evola se dirige à Alemanha, país que considerava mais apropriado ao Tradicionalismo, posto que, em sua visão, a “lei de regressão das castas” não teria avançado muito em razão da tradição militar prussiana ter sobrevivido com poder e dignidade política. Nos círculos próximos ao partido nazista e à aristocracia alemã, Evola terá algum sucesso junto à SS, propondo a criação de uma ordem secreta que trabalhe para a criação de um “Império Romano-Teutônico”. Sua perspectiva, entretanto, será vista como utópica e ele será desestimulado a participar dos círculos ligados ao nazismo (Sedgwick, 2020SEDGWICK, Mark. 2020. Contra o mundo moderno: o Tradicionalismo e a história intelectual secreta do século XX. Belo Horizonte: Âyiné.).

Após mais uma experiência de insucesso em infiltrar-se em organizações políticas, Evola muda sua estratégia: dar atenção não a grupos específicos, mas a uma questão em especial (Sedgwick, 2020SEDGWICK, Mark. 2020. Contra o mundo moderno: o Tradicionalismo e a história intelectual secreta do século XX. Belo Horizonte: Âyiné.). E uma será fundamental para que ele voltasse a ser prestigiado no fascismo italiano: a questão racial. Em Sintesi di dottrina de la razza (1941EVOLA, Julius. 1941. Sintesi di dottrina della razza. Milano: Hoepli.), Evola busca uma definição espiritual de raça, diferenciada do sentido mais comum utilizado para condenar judeus e outros povos. Para ele, os reais inimigos não seriam os judeus biologicamente definidos, mas os valores de subversão e antitradição. O racismo biológico deveria ser complementado ou substituído por um “racismo espiritual”, a organizar a sociedade segundo princípios culturais e elitistas. A perspectiva teria agradado pessoalmente Mussolini, pois forneceria um alinhamento ideológico ao racialismo germânico, ao mesmo tempo em que dele se diferenciava.19 19 Sobre a teoria racial de Evola, cf. Barbieri (2021).

Apesar disto, o Tradicionalismo não teria desempenhado um papel significativo nem no fascismo Italiano nem no nazismo alemão, seja pelo pouco interesse ideológico de Mussolini ou pela ideologia já previamente adotada por Hitler, seja pela concepção elitista de Evola, pouco compatíveis com a política de massas adotadas, na prática, pelos regimes fascistas (Sedgwick, 2020SEDGWICK, Mark. 2020. Contra o mundo moderno: o Tradicionalismo e a história intelectual secreta do século XX. Belo Horizonte: Âyiné.). Em Imperialismo pagano (1928EVOLA, Julius. 1928. Imperialismo pagano. Todi-Roma: Atanòr.), é possível encontrar, mais uma vez, ressalvas que revelam razões teóricas internas no pensamento de Evola a respeito dos dois regimes:

Em determinadas circunstâncias particulares e tempestuosas, a ditadura pode resultar um fenômeno necessário, mas não poderia nunca valer como solução verdadeira e suficiente [...] a monarquia - que, como o Império, em sua supremacia sobre os diferentes estados autônomos, já nos dera uma imagem em miniatura do que poderia ser uma função integral supranacional europeia - é a base mais saudável para a conservação duradoura de uma tradição e para a formação de uma hierarquia viril fortemente personalizada; uma hierarquia que se apoia sobre os princípios ário-feudais do serviço e da fidelidade, e não sobre uma “lei” qualquer ou uma de tantas “verdades sociais” que se insinuam com a tomada do poder por parte da casta dos mercadores e finalmente da casta dos servos (Evola, 1928EVOLA, Julius. 1928. Imperialismo pagano. Todi-Roma: Atanòr., p. 106).

Para Evola, portanto, uma ditadura mantida por um líder carismático e mobilizador das massas por meio do nacionalismo não seria condizente com seu ideal de direita tradicional. Porém, a distinção mais sistemática e nítida feita por Evola está situada em Il Fascismo. Saggio di una analisi critica dal punto di vista della destra (1964EVOLA, Julius. 1964. Il Fascismo. Saggio di una analisi critica dal punto di vista della destra. Roma: Volpe.). Nesse livro, além de propor qualificar a identidade da direita tradicional e retomar suas críticas ao fascismo - à forma do corporativismo e à predominância do ditador civil em relação ao monarca -, o “Barão” busca sinalizar para os perigos do totalitarismo:

Entre os perigos apresentados pelo sistema fascista desde o ponto de vista, não de uma democracia liberal informe, mas da verdadeira Direita, o mais grave é o totalitarismo. O princípio de uma autoridade central inatacável se “esclerosa” e degenera quando se afirma através de um sistema que controla tudo, militariza tudo e que intervém em todas as partes segundo a famosa fórmula “Tudo dentro do Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”. Se não se precisa em que termos se deve conceber tal inclusão, uma fórmula desse tipo não pode valer mais que o marco de um estatismo de tipo soviético, estando presentes as premissas coletivistas e materialistas deste [...] O Estado tradicional é orgânico e não totalitário. É diferenciado e articulado, admite zonas de autonomia parcial. Coordena e faz participar, em uma unidade superior, forças cuja liberdade, sem embargo, reconhece. Precisamente porque é forte, não tem necessidade de recorrer a centralização mecânica [...] não intervém em todas as partes, não se sobrepõe a tudo, não tende a impor uma vida de caserna (em sentido negativo), nem um conformismo nivelador, no lugar do reconhecimento livre e da lealdade; não procede a intromissões impertinentes e imbecis do público e do “estatal” no privado. O ideal tradicional é a de uma gravitação natural de setores e unidades parciais em torno de um centro que dirige sem pressão, atua por prestígio; sua autoridade, certamente pode recorrer à força, mas se abstém o máximo possível. A prova da vitalidade efetiva de um Estado é a medida da margem que pode conceder a uma descentralização parcial e racional. A ingerência sistemática do Estado é mais um princípio de um socialismo de Estado tecnocrático e materialista. (Evola, 1964EVOLA, Julius. 1964. Il Fascismo. Saggio di una analisi critica dal punto di vista della destra. Roma: Volpe., p. 15-16)20 20 Trad. de versão em língua espanhola. “De entre los peligros presentados por el sistema fascista desde el punto de vista, no de una informe democracia liberal, sino de la verdadera Derecha, el más grave puede ser quizás el totalitarismo. El principio de una autoridad central inatacable se “esclerotiza” y degenera cuando se afirma a través de un sistema que lo controla todo, que militariza todo y que interviene por todas partes según la famosa fórmula “Todo dentro del estado, nada fuera del estado, nada contra el Estado”. Si no se precisa en qué términos se debe concebir tal inclusión, una fórmula de este tipo no puede valer más que en el marco de un estatismo de tipo soviético, estando presentes las premisas colectivistas, materialistas de este: no por un sistema de tipo tradicional reposando sobre valores espirituales, sobre el reconocimiento del sentido de la personalidad y sobre el principio jerárquico. Por ello, en la polémica política, se ha podido concebir un común denominador hablando de un totalitarismo de Derecha y de un totalitarismo de izquierda: lo que no es sino un verdadero absurdo. El Estado tradicional es orgánico y no totalitario. Es diferenciado y articulado, admite zonas de autonomía parcial. Coordina y hace participar en una unidad superior a fuerzas cuya libertad sin embargo reconoce. Precisamente porque es fuerte, no tiene necesidad de recurrir a una centralización mecánica: esta no es reclamada más que cuando es necesario controlar una masa informe y atómica de individuos y voluntades, lo que hace, además, que el desorden no pueda jamás ser verdaderamente eliminado, sino solo provisionalmente contenido. O por emplear una afortunada expresión de Walter Heyndrich, el Estado auténtico es omnia potens, no omnia facens, es decir que detenta en el centro un poder absoluto que puede y debe hacer valer sin trabas en caso de necesidad o en las decisiones últimas, más allá del fetichismo del “estado de derecho”; pero no interviene en todas partes, no se superpone a todo, no tiende a imponer una vida cuartelera (en sentido negativo), ni un conformismo nivelador, en lugar del reconocimiento libre y de la lealtad; no procede a intromisiones impertinentes e imbéciles de lo público y de lo “estatal” en lo privado. La imagen tradicional es la de una gravitación natural de sectores y unidades parciales en torno a un centro que dirige sin apremio, actúa por su prestigio, su autoridad, ciertamente puede recurrir a la fuerza, pero se abstiene lo más posible. La prueba de la vitalidad efectiva de un Estado la da la medida del margen que puede conceder a una descentralización parcial y racional. La ingerencia sistemática del Estado no puede ser un principio más que en el socialismo del Estado tecnocrático y materialista.

Percebe-se, na citação acima, a razão pela qual a principal aceitação das ideias de Evola se dará, na verdade, não entre os fascistas ou nazistas, mas entre os “ultraconservadores”, despojados pelos nazistas (Sedgwick, 2020SEDGWICK, Mark. 2020. Contra o mundo moderno: o Tradicionalismo e a história intelectual secreta do século XX. Belo Horizonte: Âyiné.). Percebe-se também sua preocupação em distanciar as formas de política e de Estado de direita da forma moderna de Estado, cuja manifestação moderada seria o Estado democrático de direito, e a extrema, o Estado soviético. Em Notas sobre o Terceiro Reich (1963), essas questões também são explicitadas, de início, na expectativa de que o socialismo nacional e étnico voltado à classe trabalhadora oferecesse oportunidade para uma “revolução conservadora”:

[...] depois de 1918 e antes do advento de Hitler, houve intelectuais que a partir da herança tradicional tentaram promover um movimento de restauração e de renovação. Pensou-se também em revolução, não no sentido progressista e subversivo, mas para contenção do negativo, do que estava esclerótico e que no regime anterior se ressentia da chegada da nova idade industrial por ter perdido parte das possibilidades vitais originais. Não se trata de retorno ao passado, já que o que interessava conservar não eram certas formas históricas, mas o que tinha valor imperecível. Möller van der Bruck (falecido em 1925), um dos principais representantes dessa corrente, escrevia que ‘ser conservador não significa agarrar-se ao que foi, mas viver e agir partindo do que tem valor eterno’. A orientação que prevalecia nesses círculos era espiritualista e o acento posto numa revolução sobretudo espiritual. (Evola, 2014, pp. 11-12)

Para esses intelectuais, com os quais Evola se identificava, tratava-se de restaurar o Império (o Reich eterno). A liquidação da social-democracia e da República de Weimar seria o primeiro passo, razão pela qual deixaram o caminho aberto a Hitler, com a ilusão de poderem manipulá-lo, como da mesma maneira o rei da Itália pensava a respeito de Mussolini. O movimento de Hitler com a implementação de uma política de massas e do racismo biológico, no entanto, teria saído da direção esperada pelos “revolucionários conservadores”. Evola, nesse sentido, pode ser interpretado como um insistente atualizador dos princípios desta “revolução conservadora” durante os regimes fascista e nazista (e também após o fim desses regimes), em que o ideal de uma unidade supranacional Tradicional entre Áustria, Alemanha e Itália era o objetivo mais elevado (Sedgwick, 2020SEDGWICK, Mark. 2020. Contra o mundo moderno: o Tradicionalismo e a história intelectual secreta do século XX. Belo Horizonte: Âyiné.).

Nesse sentido, seu esforço intelectual se dirige para as gerações futuras identificadas com a direita. Após a Segunda Guerra Mundial, Evola continuará como um ator influente para grupos originados do fascismo italiano e, posteriormente, dos movimentos sociais e políticos de juventude. Em 1951, integrantes de um desses grupos, o Fasci de Azione Rivoluzionaria (FAR), foram presos sob a acusação de lutar por restabelecer o fascismo. Na mesma ocasião, Evola também foi preso, acusado de inspirar o grupo por meio dos seus escritos. Levado a julgamento, foi, no entanto, inocentado. Em sua defesa, ele afirma ser um absurdo atribuir-lhe ideias fascistas, não porque fossem fascistas, mas por representarem, no fascismo, o reaparecimento da “grande tradição política europeia de Direita em geral”, da mesma forma que Platão, Metternich, Bismarck ou Dante (Evola, 1963EVOLA, Julius. 1963. Il cammino del cinabro. Milano: Scheiwiller., p. 94). É nessa ocasião que ele se define como suprafascista.

A publicidade em torno do caso incentivou Evola a escrever Cavalcare la Tigre: Orientamenti esistenziali per un’epoca della dissoluzione, em 1961, que veio a se tornar a principal referência para grupos de direita radical nas décadas seguintes. Aquele que aprende a “cavalgar o tigre” evita ser destroçado pela fera e, ao mesmo tempo, consegue tirar vantagens da proeza. Trata-se de um ideal de “autossuperação”, um estado de espírito vigilante e reservado para “manter-se de pé em meio às ruínas” do kali yuga, aguardando pacientemente o momento certo para ação. Em um contexto de cada vez maior fragmentação e radicalismo na forma de terrorismo político, o livro forneceu uma visão aos militantes de direita no sentido de se concentrarem em uma “batalha espiritual”, tendo em vista que a segunda metade do século XX seria uma “era de dissolução”, em que não haveria precondições para a instauração de uma autoridade legítima segundo um projeto de extrema direita, mediante a ocupação de espaços em partidos ou movimentos políticos.

Por essa razão, para aqueles indivíduos que permaneceram dispostos a continuar a luta nesse contexto desfavorável, Evola recomenda a separação da política, a apoliteia, concebida como distância interior da sociedade e dos seus valores. Essa objeção de consciência e do compromisso com o mundo social vigente foi interpretada de diferentes maneiras, seja como niilismo, um “existencialismo Tradicionalista” ou um anarquismo de direita contra a sociedade burguesa; ou ainda como apoio ao abandono de organizações centralizadas por pequenas células e grupos fluidos, agindo com relativa autonomia entre si; ou de círculos culturais e grupos de estudos, que proliferaram em torno da obra de Evola.

Porém, diante das grandes transformações ocorridas nas décadas que se seguiram à publicação do livro, a emergência de propostas intelectuais e políticas inspiradas em Evola parecem indicar que o tempo da espera paciente acabou. A queda do muro de Berlim, em 1989, e o ataque às torres gêmeas, em 2001, são marcos simbólicos da crise das duas potências que dividiram o mundo desde a dissolução do fascismo histórico.21 21 Sobre o ataque às torres gêmeas como marco simbólico dos revisionismos históricos à direita, cf. Vasconcelos e Mariz (2021). É justamente nesse contexto que intelectuais e movimentos políticos, inspirados direta ou indiretamente pelos círculos evolianos de leitura e iniciação, ressurgem na esfera pública com propostas de reinvenção do mundo.

Considerações finais

Como analisamos, o pensamento de Evola não se encaixa propriamente em uma definição restrita de fascismo ou nazismo, caso tenhamos em mente a criação de um Estado totalitário/corporativo a partir de uma ditadura de um chefe carismático que utiliza do racismo biológico ou do nacionalismo para criar uma política permanente de propaganda, policiamento e mobilização sobre massas de trabalhadores e das classes médias em favor de um capitalismo de emergência. A predileção de Evola por uma monarquia sacralizada, um Império federativo de autarquias e de uma hierarquia baseada em um senso aristocrático de lealdade e servidão o afasta, portanto, de uma filiação muito restrita aos dois regimes.

Entretanto, apesar das diferenças, há um conjunto de pontos em comum que não podem ser descartados: suas crenças anti-igualitárias, antidemocráticas, antimarxistas e anticristãs; a valorização da hierarquia, da disciplina militar e de determinada forma de “racismo espiritual” ou cultural, baseado em uma mitologia nórdico-ariana e pagã. Todos esses aspectos somam-se à sua influência e sua crença militante na possibilidade de reforma desses regimes, na direção de uma “terceira via” de direita, não totalitária, afastada, portanto, dos aspectos mais policiais e de uma política de extermínio. Classificá-lo tão somente como um aristocrata radical e revolucionário conservador, nesse sentido, não é suficiente.

Uma solução possível foi oferecida por Umberto Eco (2020ECO, Umberto. 2020. O fascismo eterno. 8. ed. Rio de Janeiro: Record.) ao dissertar sobre o fascismo eterno ou Ur-fascismo: uma nebulosa ideológica que não pode ser resumida propriamente em um sistema, pois composto de formas muitas vezes contraditórias, mas que convergem como fonte potencial de desenvolvimento de novas formas políticas fascistas. Entre as características desse Ur-fascismo, que remonta, por sinal, ao signo originário do grupo que Evola liderara, está o culto a uma tradição eterna a ser revelada (anticiência), a tolerância ao sincretismo de ideias contraditórias (a incorporação de ensinamentos de Gramsci mais recentemente pela nova direita, por exemplo), a recusa da modernidade (do progresso e do “modo de vida burguês”), a ideia de lealdade ou fidelidade, do elitismo e da valorização da ética da vida como uma luta.

Nesse sentido, podemos enquadrar, em grande medida, o pensamento de Julius Evola como uma das maiores expressões do Ur-fascismo. No entanto, sua classificação como suprafascista oferece uma camada de complexidade a mais, pois, em princípio, sua proposta não se enquadra como uma repetição. Trata-se de uma recusa política e espiritual da modernidade que reivindica a criação de formas políticas reacionárias ou Tradicionais não mais identificadas com o fascismo histórico propriamente dito.

Entende-se, então, a razão pela qual seu pensamento tem sido ressaltado por frações da nova direita, que busca distanciar a renovação do pensamento revolucionário conservador de suas ligações com as formas históricas do nazifascismo: é o caso de Aleksandr Dugin e sua proposta de “quarta teoria política” (Dugin, 2012DUGIN, Aleksandr. 2012. A quarta teoria política. Londres: Arktos.) que, enquanto forma de superar o liberalismo (primeira teoria), o comunismo (segunda teoria) e o fascismo (terceira teoria), retoma os princípios da dialética do suprafascismo evoliano: a superação dessas teorias é, ao mesmo tempo, a retomada crítica de seus fundamentos e em sintonia com a “correção de rumos” que Evola procurava dar ao fascismo à sua época, ou seja, na direção dos fundamentos de um Tradicionalismo radical de extrema direita, forma de reconstrução de hierarquias pretensamente naturais ou espirituais sob invólucro de imagens e discursos emancipatórios e “antissistema”.

Sentido similar pode ser discernido no arqueofuturismo de Guillaume Faye (Vasconcelos, 2023VASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha. 2023. O Arqueofuturismo de Guillaume Faye e a Nouvelle Droite: uma metapolítica da guerra étnica para uma Europa em crise. História da Historiografia. No prelo.), na proposta pretensamente federativa, ecológica, multiétnica e “terceiro-mundista” de Alain de Benoist (Vasconcelos, 2022aVASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha. 2022a. Alain de Benoist e a nova direita europeia: gramscismo de direita, revolução conservadora e fascismo cultural. Princípios, v. 41, n. 163, pp. 208-239. DOI: 10.4322/principios.2675-6609.2022.163.009.
https://doi.org/10.4322/principios.2675-...
), ou mesmo na visão de Olavo de Carvalho sobre a conservação do legado civilizacional das comunidades cristãs nos Estados Unidos. Cada um a seu modo, mesmo que não filiados estritamente à Evola, partem de uma concepção antimoderna, antiocidental (ou “antiglobalismo”), em nome de uma transformação revolucionária para uma institucionalidade política garantidora da separação e proteção de diferentes núcleos civilizacionais, étnicos, culturais das dinâmicas homogeneizantes do capitalismo, da democracia liberal e do socialismo.

A nova direita iliberal estaria, assim, além dos fascismos históricos, na medida em que estes se distanciaram de um pretenso projeto original de reformulação da sociedade, do qual a “revolução conservadora” é a fonte. O sentido último da atuação dos intelectuais dessa vertente é um retorno a fundamentos autênticos que fariam dos fascismos históricos apenas uma cópia falha de um projeto inacabado. Resta-nos interrogar se essas e outras propostas similares estão eternamente condenadas a repetir as formas políticas do fascismo histórico, em uma espécie de conformação inevitável da “queda” do plano da idealização ao da política concreta, ou se outras formas políticas emergirão no caso de vitória política do iliberalismo “pós-fascista”.

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  • 1
    As linhagens de pensamento são variadas, incluindo direita alternativa, paleoconservadorismo, “iluminismo das trevas”, entre outras propostas. Para uma visão geral sobre as ideias provenientes da nova direita francesa e as particularidades da alt-right, nos Estados Unidos, cf. Prado (2021PRADO, Michele. 2021. Tempestade ideológica: Bolsonarismo: a alt-right e o populismo iliberal no Brasil. São Paulo: Lux.). Para uma leitura atrelada à ideia de neofascismo, Caldeira Neto (2022CALDEIRA NETO, Odilon. 2022. O neofascismo no Brasil, do local ao global? Esboços - histórias em contextos globais, v. 29, n 52, pp. 599-619. DOI: 10.5007/2175-7976.2022.e87065.
    https://doi.org/10.5007/2175-7976.2022.e...
    ) analisa as conexões das tradições políticas de extrema direita no Brasil com os movimentos internacionais da direita radical. Convém sugerir, também, a leitura de dois dossiês recentes sobre temas correlatos, da Revista Esboços e da Revista Lusotopie.
  • 2
    Evidenciamos o caráter iliberal pois a expressão nova direita também foi adotada, em alguns contextos, por grupos afinados com o liberalismo.
  • 3
    Há diversas perspectivas sobre este conceito, mas, para os fins deste artigo, consideramos metapolítica como uma forma de atuação política não imediatista, com base no domínio cultural e na mudança de mentalidades com referência a princípios e valores tradicionais, religiosos, perenes ou ancestrais nem sempre explícitos no discurso (Buela, 2013BUELA, Alberto. 2013. Que es metapolítica? Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 41, n. 2, pp. 179-183.; François, 2005FRANÇOIS, Stéphane. 2005. Les paganismes de la nouvelle droite (1980-2004). Dissertação de mestrado em Ciência Política. Lille: Université Lille 2 - Droit et Santé.).
  • 4
    Sobre a “guerra cultural” entre grupos de nova direita no Brasil, cf. Vasconcelos (2021VASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha. 2021. A ‘guerra cultural’ neofascista no Brasil: entre o neoliberalismo e o nacional-bolchevismo. Revista de História da UEG, v. 10, n. 2, pp. 1-28.).
  • 5
    Não se sabe ao certo se Julius Evola realmente possuía ascendência aristocrática ou não. Evola referia a si mesmo como “Barão”, embora não o fosse, e assim continuou sendo chamado por seus admiradores com o passar dos anos.
  • 6
    Especialmente na Rússia, com Aleksandr Dugin (2012DUGIN, Aleksandr. 2012. A quarta teoria política. Londres: Arktos.), e na França, com Alain de Benoist (1979DE BENOIST, Alain. 1979. Les idées à l’endroit. Paris: Éd. Libres/Hallier., 1982DE BENOIST, Alain. 1982. Pour un “gramscisme de droite”. Paper apresentado no XVI Colloque national du GRECE, Paris, 29 de novembro.).
  • 7
    O uso da inicial maiúscula em Tradição e Tradicionalismo ocorrerá sempre que estivermos nos referindo à vertente filosófica discutida neste artigo, pois é uma maneira de diferenciar essa escola de pensamento do tradicionalismo no sentido mais corriqueiro.
  • 8
    Sobre Aleksandr Dugin, conferir o trabalho pioneiro de discussão e análise crítica feito por Beatriz Lima Oliveira da Silva (2022SILVA, Beatriz Lima de Oliveira da. 2022. Aleksandr Dugin e a Quarta Teoria Política: uma análise do discurso da nova extrema direita. Trabalho de Conclusão de Curso. Campos dos Goytacazes: UFF.).
  • 9
    No Brasil, por exemplo, Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores do governo Jair Bolsonaro, discípulo de Olavo de Carvalho, nomeou para a banca examinadora do Instituto Rio Branco o “evoliano” César Alberto Ranquetat Júnior (2019RANQUETAT JÚNIOR, César Alberto. 2019. Da direita moderna à direita tradicional. 2. ed. São Vicente: Danúbio.). Outros fatos de destaque foram: a realização dos “encontros Evolianos” durante os anos 2000 e a criação do Nova Resistência e da Frente Sol da Pátria, organizações de militância intelectual, política e cultural.
  • 10
    O termo magia, explica Evola, não corresponde ao significado comumente atribuído, mas à formulação do saber iniciático que obedece ao que ele considera uma atitude ativa, soberana e dominante em relação à espiritualidade (Evola, 1963a, p. 46).
  • 11
    Guénon não se concebe como filósofo, mas sim como metafísico, uma vez que enxerga a filosofia como uma forma já decaída ou imperfeita de compreensão das verdades suprassensíveis, posto que submetida ao racionalismo. O acesso a verdades metafísicas dependeria de uma aprendizagem iniciática e ritualizada do saber no interior de religiões tradicionais, diferenciando-se, portanto, tanto do filósofo racional, quanto do simples misticismo originado de experiências individuais. O próprio exercício racional de análise dos seus textos é entendido como um acesso muito restrito às verdades suprassensíveis acessadas pelo iniciado (Guénon, 1924, 1927).
  • 12
    A crença em uma religião original é nomeada como Perenialismo, cujo contato inicial Guénon teve por meio do gnosticismo, tendência considerada herética pelo catolicismo, ligada à antiga Igreja Cristã, especialmente no Egito, e à crença em uma forma de revelação e relação pessoal e direta de Deus com uma elite espiritual. No caso de Guénon e sua busca da Tradição no Oriente, pode-se falar em Vedanta-Perenialismo, expresso em L’introduction générale à l’étude des doctrines hindoues (1921GUÉNON, René Jean Marie Joseph. 1921. Introduction générale à l’étude des doctrines hindoues. Paris: Guy Trédaniel/Éditions de la Maisnie.) e em L’homme et son devenir selon le Vedanta (1925GUÉNON, René Jean Marie Joseph. 1925. L’homme et son devenir selon le Vêdânta. Paris: Éditions Traditionnelles.).
  • 13
    Mesmo que esta elite não tivesse condições imediatas para modificar a mentalidade ocidental como um todo, ela poderia ser um ponto focal para atividades por meio das quais o Ocidente receberia as bases de um novo desenvolvimento apropriado às suas características particulares, poupando-o de ser assimilado por formas tradicionais de outras civilizações mediante processos como “revoluções étnicas” (Guénon, 1924, 1927).
  • 14
    A exemplo do filósofo da religião romeno Mircea Eliade.
  • 15
    Von Sebottendorf participava da Thulegesellschaft [Sociedade Thule] que procurou organizar o Partido dos Trabalhadores Alemães em Munique (Bavária). Sua saída da Thulegesellschaft se deu após a instauração da República Soviética da Bavária, cuja dissolução coincidiu com o controle de Hitler sobre o Partido, que já não tinha as mesmas características defendidas por Von Sebottendorf. Nos anos 1930, ele foi enviado a um campo de concentração por suas atividades intelectuais. Cf. Evola (1971EVOLA, Julius. 1971. Entrevista completa de Julius Evola em 1971. 1 vídeo (1h07min). Publicado pelo canal “Julius Evola Maçom da Seita Judaica”. Disponível em: Disponível em: https://shre.ink/9l4R . Acesso em: 14 ago. 2021.
    https://shre.ink/9l4R...
    ).
  • 16
    O “conservadorismo revolucionário” é uma expressão que delimita um certo conjunto de tendências cuja marca é, justamente, a conjunção de termos (aparentemente) opostos: uma revolução para a restauração de “valores essenciais da nação”, sem o simples retorno a formas passadas, como desejam os velhos conservadores e reacionários, mas realizando um processo de expansão e desenvolvimento de princípios Tradicionais; a aceitação da modernidade técnica (tecnologia e planejamento estatal), mas a negação da modernidade cultural dos valores do Iluminismo e da Revolução Francesa, como o individualismo e o humanismo universalista e igualitário; confiança em uma elite cultural e política selecionada por suas qualidades e não pelo povo, ao mesmo tempo que incentiva a mobilização constante das massas populares na vida coletiva; movimentos que não se pretendem “nem de esquerda nem de direita”, que visam “ganhar a revolução” dos “progressismos”, seja na forma do liberalismo ou do socialismo marxista (considerados “inimigos-irmãos”), e também contra a direita conservadora pessimista; otimistas em sua capacidade de moldar o futuro, consideram-se portadores do “espírito do povo e da nação” e da “força do destino”, pois dominam a técnica na era das massas (organização, mobilização e propaganda) (Dupeux, 1994DUPEUX, Louis. 1994. La Nouvelle Droite ‘Révolutionnaire-Conservatrice’ Allemande Et Son Influence Sous La République De Weimar. Revue D’histoire Moderne et Contemporaine, v. 41, n. 3, pp. 471-488. Disponível em: Disponível em: https://shre.ink/9lwC . Acesso em: 29 maio 2021.
    https://shre.ink/9lwC...
    ; Merlio, 2003MERLIO, Gilbert. 2003. Y a-t-il eu une ‘Révolution Conservatrice’ sous la République de Weimar? Revue Française D’Histoire des Idées Politiques, n. 17, pp. 123-141. Disponível em: Disponível em: https://shre.ink/9s8T . Acesso em: 1 jun. 2021.
    https://shre.ink/9s8T...
    ).
  • 17
    Nietzsche é uma figura chave para os “revolucionários conservadores”, mas como inspiração, tendo em vista que seu pensamento está mais ligado a um “aristocratismo radical” do que ao pensamento de intelectuais de uma geração posterior, que se envolveram ou influenciaram diretamente os nacionalismos revolucionários e ao mesmo tempo reacionários, como Arthur Moeller van der Bruck, Oswald Spengler, Ernst Jünger, Gregor e Otto Strasser, Alfred Rosenberg, Ernst Niekisch, Martin Heidegger e Carl Schmitt.
  • 18
    “É necessária toda a potência e o vigor de uma Idade Média” (Evola, 1928EVOLA, Julius. 1928. Imperialismo pagano. Todi-Roma: Atanòr., p. 5).
  • 19
    Sobre a teoria racial de Evola, cf. Barbieri (2021BARBIERI, Cássio Guilherme. 2021. Racismo, degenerescência e temporalidade. Gavagai - Revista Interdisciplinar de Humanidades, v. 8, n. 2, pp. 73-92. DOI: 10.36661/2358-0666.2021v8n2.12729.
    https://doi.org/10.36661/2358-0666.2021v...
    ).
  • 20
    Trad. de versão em língua espanhola. “De entre los peligros presentados por el sistema fascista desde el punto de vista, no de una informe democracia liberal, sino de la verdadera Derecha, el más grave puede ser quizás el totalitarismo. El principio de una autoridad central inatacable se “esclerotiza” y degenera cuando se afirma a través de un sistema que lo controla todo, que militariza todo y que interviene por todas partes según la famosa fórmula “Todo dentro del estado, nada fuera del estado, nada contra el Estado”. Si no se precisa en qué términos se debe concebir tal inclusión, una fórmula de este tipo no puede valer más que en el marco de un estatismo de tipo soviético, estando presentes las premisas colectivistas, materialistas de este: no por un sistema de tipo tradicional reposando sobre valores espirituales, sobre el reconocimiento del sentido de la personalidad y sobre el principio jerárquico. Por ello, en la polémica política, se ha podido concebir un común denominador hablando de un totalitarismo de Derecha y de un totalitarismo de izquierda: lo que no es sino un verdadero absurdo. El Estado tradicional es orgánico y no totalitario. Es diferenciado y articulado, admite zonas de autonomía parcial. Coordina y hace participar en una unidad superior a fuerzas cuya libertad sin embargo reconoce. Precisamente porque es fuerte, no tiene necesidad de recurrir a una centralización mecánica: esta no es reclamada más que cuando es necesario controlar una masa informe y atómica de individuos y voluntades, lo que hace, además, que el desorden no pueda jamás ser verdaderamente eliminado, sino solo provisionalmente contenido. O por emplear una afortunada expresión de Walter Heyndrich, el Estado auténtico es omnia potens, no omnia facens, es decir que detenta en el centro un poder absoluto que puede y debe hacer valer sin trabas en caso de necesidad o en las decisiones últimas, más allá del fetichismo del “estado de derecho”; pero no interviene en todas partes, no se superpone a todo, no tiende a imponer una vida cuartelera (en sentido negativo), ni un conformismo nivelador, en lugar del reconocimiento libre y de la lealtad; no procede a intromisiones impertinentes e imbéciles de lo público y de lo “estatal” en lo privado. La imagen tradicional es la de una gravitación natural de sectores y unidades parciales en torno a un centro que dirige sin apremio, actúa por su prestigio, su autoridad, ciertamente puede recurrir a la fuerza, pero se abstiene lo más posible. La prueba de la vitalidad efectiva de un Estado la da la medida del margen que puede conceder a una descentralización parcial y racional. La ingerencia sistemática del Estado no puede ser un principio más que en el socialismo del Estado tecnocrático y materialista.
  • 21
    Sobre o ataque às torres gêmeas como marco simbólico dos revisionismos históricos à direita, cf. Vasconcelos e Mariz (2021VASCONCELOS, Francisco Thiago Rocha; MARIZ, Silviana Fernandes. 2021. O 11 de setembro como marco simbólico do revisionismo histórico à direita: ‘guerra cultural’, elitismo e geopolítica civilizacional. Locus: Revista de História, v. 27, n. 2, pp. 72-95. DOI: 10.34019/2594-8296.2021.v27.33471.
    https://doi.org/10.34019/2594-8296.2021....
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    09 Out 2022
  • Aceito
    27 Mar 2023
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