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RICHARD MORSE E FERNANDO HENRIQUE CARDOSO ENTRE SÃO PAULO E A DEPENDÊNCIA

RICHARD MORSE AND FERNANDO HENRIQUE CARDOSO BETWEEN SÃO PAULO AND DEPENDENCY

Resumo

Procuraremos discutir, em perspectiva comparada, as reflexões propostas por Richard M. Morse e Fernando Henrique Cardoso, concedendo ênfase aos desdobramentos que o tema da dependência assume em suas interpretações sobre o Brasil e a América Latina. Por meio de uma chave analítica que atrela as teses posteriores dos autores às suas reflexões mais precoces, destacamos o interesse inicial de Morse e Cardoso pela industrialização e urbanização de São Paulo. Postas em relação, é possível perceber as direções divergentes que essas teses assumem à medida que se acercam da problemática da dependência, que ganha centralidade no pensamento social latino-americano entre os anos 1960 e 1970.

Palavras-chave:
América Latina; Fernando Henrique Cardoso; Richard Morse; São Paulo; Teoria da dependência

Abstract

We shall try to discuss the reflections proposed by Richard M. Morse and Fernando Henrique Cardoso in a comparative perspective, emphasizing the developments that the theme of dependency assumes in their interpretations about Brazil and Latin America. Using an analytical key that links the authors’ later thesis to their earlier reflections, we highlight Morse and Cardoso’s initial interest in the industrialization and urbanization of São Paulo. A comparative perspective shows the divergent directions each author assume once they approach the problem of dependency, which took a central role in the Latin American social thought from the 1960s to the 1970s.

Keywords:
Latin America; Fernando Henrique Cardoso; Richard Morse; São Paulo; Dependency theory

Ao longo do século XX, a vertiginosa transformação da cidade de São Paulo em uma das principais metrópoles urbanas e industriais da América Latina trouxe à tona a complexidade de seu processo de desenvolvimento. Em seu famoso livro Tristes trópicos, publicado originalmente em 1955, Claude Lévi-Strauss (1996)LÉVI-STRAUSS, Claude. 1996. Tristes trópicos. São Paulo: Companhia das Letras. elabora a imagem de que, devido à velocidade e ao ritmo das transformações atravessadas por São Paulo, a evocação de memórias referente a um breve lapso espaçotemporal poderia se assemelhar ao ato de contemplação de uma fotografia esmaecida pelo passar do tempo. De acordo com o intelectual francês, a intensidade do desenvolvimento da cidade era tamanha, que seria praticamente impossível obter seu mapa, já que “cada semana demandaria uma nova edição” (Lévi-Strauss, 1996, p. 104)LÉVI-STRAUSS, Claude. 1996. Tristes trópicos. São Paulo: Companhia das Letras..

Vale a pena ter as imagens confeccionadas por Lévi-Strauss em mente, uma vez que entre as décadas de 1930 e 1950 a cidade vivencia uma verdadeira expansão:1 1 Não custa lembrar que Lévi-Strauss chega à cidade de São Paulo em 1935, participando do período de consolidação da Universidade de São Paulo (USP) (cf. Lévi-Strauss, 1996). o enriquecimento derivado da produção e exportação de café, as diferentes levas migratórias, a instalação de pequenas fábricas, a diversificação da mão de obra e das ocupações, e a maior mobilidade social, simultaneamente, estruturam e propiciam o contínuo crescimento que lhe conferiria impulso desde meados do século XIX. São Paulo caminhava, de certo modo, em paralelo e à frente, em direção à modernidade que o país como um todo perseguia. Simbolizava a “sociedade em movimento” (Botelho, 2008BOTELHO, André. 2008. Uma sociedade em movimento e sua intelligentsia: apresentação. In: BOTELHO, André; BASTOS, Elide Rugai; VILLAS BÔAS, Glaucia (org.). O moderno em questão: a década de 1950 no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2008, pp. 15-23.; Mello e Novais, 1998MELLO, João Manuel C. de; NOVAIS, Fernado A. 1998. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. In: NOVAIS, Fernando A. (org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, v. 4.) que caracterizaria o Brasil dos anos 1950, dado o ritmo e a dimensão das transformações experimentadas com a crescente urbanização, industrialização e modernização. O moderno então se estabelecia como sinônimo de progresso, acalentando as experiências e o significado atribuído aos movimentos dessa sociedade que parecia deixar o atraso para trás. Esse momento marca, portanto, uma nova época de ressignificação do passado, o que teria permitido a transformação e modelagem criativas de linguagens em diferentes campos de expressão artística e científica, como a dramaturgia de Jorge Andrade, a sociologia de Florestan Fernandes e o concretismo (Arruda, 2001ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. 2001. Metrópole e cultura: São Paulo no meio do século XX. Bauru: Edusc.).

É no decorrer desse processo que o desenvolvimento se impõe como tema dominante na agenda de pesquisa das então recentes ciências sociais brasileiras e, de modo geral, no debate sociológico latino-americano. Na convergência entre a temática do desenvolvimento e a alavancagem discrepante da cidade de São Paulo na América Latina, costura-se a relação entre duas interpretações do Brasil, pouco exploradas em seus rendimentos conjuntos. Contemporâneos e afins, dados os seus interesses pelo Brasil e pela América Latina, Richard M. Morse (1922-2001) e Fernando Henrique Cardoso (1931-) comumente são elencados como dois importantes intérpretes do pensamento social latino-americano. Alguns trabalhos pertencentes à fortuna crítica de Cardoso chegaram a mobilizar reflexões de Morse para pensar a relação do sociólogo brasileiro com o marxismo (Lima, 2015LIMA, Pedro L. 2015. As desventuras do marxismo: Fernando Henrique Cardoso, antagonismo e reconciliação (1955-1968). Tese de Doutorado em Ciência Política. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro.; Santaella Gonçalves, 2018SANTAELLA GONÇALVES, Rodrigo. 2018. Teoria e prática em Fernando Henrique Cardoso: da nacionalização do marxismo ao pragmatismo político (1958-1994). Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo.), mas sem propor um corpo a corpo entre suas formulações. Na fortuna crítica de Morse, os trabalhos dedicados aos seus estudos urbanos perpassam a sua relação com Cardoso devido à sua inserção no meio paulista e à recepção de seus trabalhos sobre a cidade de São Paulo, mas em geral sem aprofundar a relação para além desse contexto (Castro, 2013CASTRO, Ana Claudia Scaglione Veiga de. Um americano na metrópole [latino-americana ]: Richard Morse e a história cultural urbana de São Paulo 1947-1970. 2013. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo., 2017CASTRO, Ana Claudia Scaglione Veiga de. 2017. A formação da metrópole paulista: um diálogo entre Richard Morse e Antonio Candido. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 66, pp. 221-238.; Morse, 1970MORSE, Richard. 1970. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difel.).2 2 Materiais empírico-documentais podem ser encontrados no acervo digital da Fundação Fernando Henrique Cardoso: Bibliografia de FHC”. Disponível em: http://acervo.ifhc.org.br. Acesso em: 23 set. 2021. Cartas de Richard Morse a Fernando Henrique Cardoso, 08/07/1970 e 12/03/1971. Disponíveis em: http://acervo.ifhc.org.br. Acesso em: 23 set. 2021.

Entre referências que se cruzam em suas trajetórias, os autores chegaram a trocar algumas cartas entre os anos 1969 e 1971, quando o sociólogo brasileiro dirigiu a coletânea Corpo e Alma do Brasil, da editora Difel, na qual a segunda edição do livro de Morse, De comunidade a metrópole: biografia de São Paulo (1954), é publicada com o título Formação histórica de São Paulo, em 1970. Na mesma época, Cardoso chega a enviar para Morse um exemplar do famoso livro que escreve em parceria com o intelectual chileno Enzo Faletto, Dependência e desenvolvimento na América Latina, publicado originalmente em 1969, cujo recebimento é acusado pelo historiador norte-americano em carta de 8 de julho de 1970. Na mesma carta, Morse demonstra interesse, inclusive, em traduzi-lo para o inglês, no intuito de publicá-lo em uma série em língua inglesa sobre a América Latina. Já em carta de 12 de março de 1971, Morse comenta sobre seu interesse de publicar uma coletânea com textos de Cardoso, que também seriam traduzidos para a língua inglesa, projeto que, ao que tudo indica, não foi levado a cabo.

A hipótese que procuraremos discutir, no presente artigo, é a de que a cidade de São Paulo constitui uma espécie de ponto de vista tanto para Morse quanto para Cardoso, assumindo potencial teórico heurístico e explicativo para uma reflexão em torno do desenvolvimento latino-americano e, além do mais, pode ser entendida como ponto de partida para suas concepções futuras acerca do sentido assumido pela dependência na América Latina. A dependência, não obstante suas diferenças significativas, pode ser entendida como ponto de chegada em Cardoso, para quem a ênfase residiria nos planos político, sociológico e econômico, enquanto que para Morse representaria um fundo de contraste da sua interpretação latino-americana, exemplificando sempre o seu substrato cultural (Ewbank, 2021EWBANK, Alice de O. 2021. Caleidoscópio latino-americano: cultura e sociedade em Richard M. Morse, Ángel Rama e Silviano Santiago. Tese de Doutorado em Sociologia e Antropologia. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro.). Como questão que atravessa a reflexão sobre os avanços da modernização e o direcionamento estratégico das políticas nacionais, bem como o lugar que ocupam os países em fase de desenvolvimento, a dependência assume autonomia relativa enquanto formulação teórica à medida que se aproxima a década de 1960 e a consciência amena do atraso cede lugar à constatação do subdesenvolvimento (Candido, 2011CANDIDO, Antonio. Literatura e subdesenvolvimento. In: CANDIDO, Antonio. A educação pela noite. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2011.). Quando passamos aos debates que envolvem a categoria “dependência”, as perspectivas de Richard Morse e Fernando Henrique Cardoso parecem se distanciar, haja vista que o conceito passa a informar, de modo decisivo, a agenda de pesquisas de Cardoso, enquanto Morse, por outro lado, mobiliza a questão de maneira mais implícita em sua percepção sobre a recusa latino-americana da “dependência cultural”. Em outras palavras, se ambos tomam como ponto de partida, a despeito de suas diferenças, o processo de formação da cidade de São Paulo em seu sentido heurístico, os significados aferidos à problemática da dependência revelam caminhos pouco congruentes. O artigo se encontra dividido em três momentos: no primeiro, discutiremos a perspectiva de Morse sobre a constituição de São Paulo; no segundo, recuperaremos o modo pelo qual Cardoso entende a industrialização de São Paulo, em alguns de seus primeiros artigos publicados entre os anos 1950 e 1960; e, por último, analisaremos os sentidos distintos assumidos pela problemática da dependência em seus trabalhos.

Urbanização de São Paulo: substrato cultural

Ao recuperar a relação de Richard Morse com a cidade de São Paulo, é preciso, de início, chamar a atenção para o modo como se deu a aproximação entre o então jovem historiador norte-americano e a capital que já despontava como centro industrial na América Latina. Ao retornar de um período de pesquisa no Chile, em 1941, Morse aproveita o desembarque no porto de Santos para conhecer São Paulo, a “Chicago da América do Sul” (Bomeny, 1989BOMENY, Helena. 1989. Uma entrevista com Richard Morse. Estudos Históricos, v. 2, n. 3, pp. 77-93.; Goodwin, Hamill Jr. e Stave, 1976GOODWIN, Paul; HAMILL JR., Hugh M.; STAVE, Bruce M. 1976. A conversation with Richard Morse. Journal of Urban History, v. 2, n. 3, pp. 331-356.). A viagem até a capital do estado provoca antes espanto do que apreço: era demasiado caótica, grande e acelerada. A primeira impressão desfavorável, no entanto, não diminui o interesse histórico pela transformação discrepante da cidade em seu contexto latino-americano. Decidido a estudar o fenômeno paulista, Morse se candidata a uma bolsa de estudos oferecida pelo Departamento de Estado norte-americano para pesquisas sobre a América Latina. No projeto apresentado postula “a hipótese da originalidade do desenvolvimento de São Paulo”, pois além de “muito diferente das demais congêneres da América Latina tais como [Cidade do ] México, Havana, Lima”, o “intrigava porque apesar de ser uma cidade moderna - que brotou do sol - era também muito velha” (Morse apud Meihy, 1990MEIHY, José Carlos S. B. 1990. Richard Morse. In: MEIHY, José Carlos S. B. A colônia brasilianista: história oral de vida acadêmica. São Paulo: Nova Stella., p. 150). As impressões que embasavam o projeto provinham do espanto provocado pela breve viagem de 1941, alicerçadas pelo conjunto bibliográfico sobre a história de São Paulo ao qual Morse já se dedicara durante o mestrado.

É assim que, em setembro de 1947, o autor parte para São Paulo, onde viveria durante um ano. Foram fruto desta pesquisa os diversos artigos que Morse publica a partir de 1948 e a edição, em 1954, de De comunidade a metrópole: biografia de São Paulo, resultado expandido de sua tese de doutorado, defendida em 1952 na Universidade Columbia. Nesse livro Morse se debruça sobre o período decisivo da passagem do ambiente ainda provinciano e de tradição rural para a acelerada dinâmica de cosmopolitização urbana. O livro teria duas edições no Brasil, e em ambas se pode medir o prestígio que a obra alcançou como estudo histórico sobre a cidade de São Paulo. A primeira edição integrou o catálogo de obras comemorativas do IV Centenário da Cidade, e a segunda edição, de 1970, seria incorporada à coleção dirigida por Fernando Henrique Cardoso, conforme assinalamos. As alterações e acréscimos que Morse realiza no texto faz das duas edições livros distintos (Castro, 2013CASTRO, Ana Claudia Scaglione Veiga de. Um americano na metrópole [latino-americana ]: Richard Morse e a história cultural urbana de São Paulo 1947-1970. 2013. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo.), e para os propósitos que aqui nos orientam, ele será abordado na edição de 1970, sendo devidamente contextualizado quando necessário. Vale notar que esta última publicação contaria ainda com a tradução de Antonio Candido e Maria Sylvia de Carvalho Franco, a qual também escreveria a orelha do livro, denotando de antemão o reconhecimento da pesquisa no círculo intelectual paulista.

Na primeira resenha de que se tem notícia sobre De comunidade a metrópole3 3 É interessante notar que a obra de Morse logrou ressonância no contexto intelectual latino-americano, especialmente seu livro O espelho de Próspero, que interpelou, de modos distintos, as intelectualidades brasileira e mexicana (Ricupero, 2022). , Florestan Fernandes (1956FERNANDES, Florestan. 1956. Resenha bibliográfica: de comunidade à metrópole. O Estado de S. Paulo, Suplemento Literário, p. 2. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3qm9PhU . Acesso em 18 maio 2021.
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) destaca o livro de Morse por “inaugura [r ] um novo estilo de tratamento da história de São Paulo”, cujo contraste com a historiografia tradicional sobre a cidade se evidencia na incorporação do elemento cultural e sociológico como material decisivo para a compreensão do processo de crescimento e transformação urbana. Diz ele:

A contribuição mais relevante e notável deste livro consiste em ter descrito os períodos da história de São Paulo que considerou de maneira a sugerir como a cidade foi construída e remodelada por seus habitantes, como criaturas sociais, e como eles próprios refletem - em sua personalidade, em seus centros de interesse, em suas realizações ou em suas limitações - as oportunidades e os influxos dinâmicos, proporcionados pela cidade. (Fernandes, 1956FERNANDES, Florestan. 1956. Resenha bibliográfica: de comunidade à metrópole. O Estado de S. Paulo, Suplemento Literário, p. 2. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3qm9PhU . Acesso em 18 maio 2021.
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, p. 2)

Conforme assinala Fernandes, ao buscar reconstituir a história da cidade a partir dos habitantes que lhe deram vida ao longo dos séculos, Morse elaborava uma nova visão sobre São Paulo, atenta à dinâmica social como elemento constitutivo de sua trajetória particular. Lançando mão de descrições e detalhes aparentemente pouco relevantes para a historiografia urbana, a cidade ganhava forma nos modos próprios da sociabilidade e das instâncias culturais que organizavam sua vida. Por exemplo, com pequenos casos cotidianos relatados na imprensa ou cenas descritas por viajantes estrangeiros que passavam por São Paulo, os seus moradores revelavam o “espírito da cidade” e o caráter de comunidade que Morse lhe atribui, por meio dos modos de interação e inserção social:

Na metrópole caleidoscópica de hoje ninguém toma conhecimento direito do fluxo de produtos e de pessoas que a todo instante entra e sai do centro. Mas, em tempos mais antigos, qualquer vadio sabia quando entrava na cidade pela Rua do Piques um carregamento de açúcar vindo de Itu em mulas. Mesmo a visita de um estrangeiro era publicamente registrada: a chegada de Mawe em 1807 atraiu uma chusma de crianças, que contavam seus dedos para ver se ele tinha o mesmo número que elas. Isso significa que as estradas e seu comércio conservavam a própria identidade dentro da cidade, embora com designações locais particulares. (Morse, 1970MORSE, Richard. 1970. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difel., pp. pp. 44-45)

A perspectiva cultural que Morse instaura em sua história urbana era não só original na bibliografia brasileira sobre o tema, como também era precursora no próprio fazer historiográfico da época (Castro, 2013CASTRO, Ana Claudia Scaglione Veiga de. Um americano na metrópole [latino-americana ]: Richard Morse e a história cultural urbana de São Paulo 1947-1970. 2013. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo.; Fernandes, 1956FERNANDES, Florestan. 1956. Resenha bibliográfica: de comunidade à metrópole. O Estado de S. Paulo, Suplemento Literário, p. 2. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3qm9PhU . Acesso em 18 maio 2021.
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). O recorte temporal delimitado no livro abrange pouco mais de um século, indo do início da década de 1820 até pouco depois da Semana de Arte Moderna de São Paulo, de 1922, remetendo vez ou outra a elementos do passado mais distante que de algum modo permaneciam presentes na cultura, mesmo quando fragmentados. Escreve Morse (1970, pp. 407-408)MORSE, Richard. 1970. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difel.:

Tanto o Japão urbano do fim do século XIX quanto o Brasil urbano do começo do século XX manifestam sobrevivências pré-industriais: familiarismo, paternalismo, relações patrono-clientes, atitudes hierárquicas de deferência, fraco espírito de classe. Mas no Japão estes traços se ajustaram a um sistema apoiado pelo Estado, que requeria identificação e liberação do talento nas camadas inferiores. “Em resumo, as massas possuíam inteligência, não apenas almas a serem salvas”. No Brasil, os bem nascidos e a maioria dos estrangeiros levam vantagens imensas para suas carreiras, e o Estado não foi transformado em máquina aplicada à reorganização social e ao desenvolvimento econômico.

A análise sobre o desenvolvimento de São Paulo obedece a uma continuidade não linear, na qual momentos importantes da experiência cultural da cidade se evidenciam e se sobrepõem a camadas anteriores. É neste sentido que prevalece no texto uma visão integrada da tradição agrária e patriarcal com a gama dispersa de valores, costumes e mentalidades modernos que diversificam a sociedade urbana à medida que se intensificam os investimentos comerciais e industriais diante das crescentes demandas provocadas pelo aumento populacional e a concentração econômica. Contrário às interpretações disjuntivas entre tradição e modernidade, Morse narra a transformação da cidade em metrópole atento às mudanças e combinações entre a mentalidade patriarcal de fundo agrário e católico, originalmente ibérica, e a mentalidade capitalista orientada pela conduta racional e impessoal, consequência do processo de industrialização ocorrido na Europa no século XIX. Dado que a cidade, de certa maneira, já representaria o “‘triunfo nítido do geral sobre o particular, do intelectual sobre o material, do abstrato sobre o corpóreo’”, conforme assinala Sérgio Buarque de Holanda na citação feita por Morse, o brasilianista procura sugerir, na análise do longo processo de transformação da comunidade, que o equilíbrio entre opostos é a melhor medida, enfatizando que “este triunfo do abstrato só é um triunfo em sentido amplo se a ‘ordem doméstica e familiar’ não for negada, mas sim enriquecida e realizada tanto em termos domésticos quanto gerais” (Morse, 1970, p. 151)MORSE, Richard. 1970. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difel.. Em outros termos, a modernização da comunidade só é válida enquanto efeito benéfico se é capaz de orientar a expansão industrial e urbana sem negar a “individualidade” cultural da cidade.

Neste sentido, destaca-se um fio condutor da narrativa histórica de Morse sobre São Paulo: a identificação de um ethos paulista que atravessa os séculos enquanto manifestação do substrato cultural que dá forma à comunidade. É ele que confere “personalidade” à cidade, e por isso expressa a mentalidade dos seus habitantes, os tipos de relações que estabelecem no conjunto urbano, as maneiras com que percebem a vida cotidiana na cidade e tudo o que lhe confere identidade local. Nele estão contidos os valores e atitudes que definem a vida na cidade de São Paulo e a própria cidade. A centralidade que a noção de ethos assume em Formação histórica de São Paulo explicita o viés cultural da visão que Morse constrói sobre a transformação da cidade em sua acelerada industrialização. Cabe ressaltar como o ethos paulista se modela com a industrialização e a economia cafeeira, transformando-se na passagem do tempo e definindo um tipo particular de modernização:

Dada a inevitabilidade da industrialização do Brasil, não é de surpreender que São Paulo tenha se tornado o seu ponto focal. Já tratamos do ethos geral de mudança em São Paulo, ethos este definido por ideias e instituições liberais e cosmopolitas a deitarem raízes numa cidade cujas tradições coloniais modestas eram, pelo menos aparentemente, facilmente deslocadas. Tal ethos foi também definido pelo surto do café, isto é, por uma exploração que dava aos patrões, à mão-de-obra e ao capital rurais a liberdade de migrar do campo para a cidade, e por ocasião de crises agrícolas a isso realmente os compelia. (Morse, 1970MORSE, Richard. 1970. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difel., p. 300)

Diferentemente das interpretações clássicas que atribuíam a fatores econômicos o consequente crescimento urbano e sua posterior expansão capitalista, sua explicação se baseia em “uma espécie de transformação ‘mental’ que teria garantido à cidade e aos seus habitantes a capacidade de lidar com as mudanças sociais e econômicas, para se tornar uma metrópole” (Castro, 2017CASTRO, Ana Claudia Scaglione Veiga de. 2017. A formação da metrópole paulista: um diálogo entre Richard Morse e Antonio Candido. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 66, pp. 221-238., p. 223). O “senso de relações humanas de seus habitantes” e a “consciência coletiva do irrefragável da vida mesmo” são perseguidos através do tempo com atenção para os desequilíbrios entre o ethos de origem ibero-católica e as influências estrangeiras que balançavam a dinâmica estabelecida (Morse, 1970MORSE, Richard. 1970. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difel., pp. pp. 54-55). Mais do que diferentes ethos que se modificam ao compasso das experiências modernas incorporadas pelos habitantes e instituições, parece se tratar de uma compreensão centrada na persistência de um substrato cultural que entrelaça, sem descarte e em equilíbrio instável, o passado e o presente, a tradição e o moderno.

Próximo à noção de ethos, segundo a qual elementos específicos se integram a uma lógica maior de condução cultural, também os atores responsáveis pela mudança social em curso se diluem no todo em movimento. Muitos deles ganham vida na história de Morse como agentes condutores da modernização da cidade, embora apareçam quase como tipos que dão forma, no conjunto, à dinâmica particular. Porque é nas mentalidades que o autor lê a história de São Paulo, a tentativa de identificar os seus atores sociais na difusa teia cultural nos levaria, por exemplo: aos estudantes da Academia de Direito, que imbuídos dos valores urbanos adquiridos no Rio de Janeiro ou nas cidades europeias operam rupturas no equilíbrio tradicional da cidade ainda provinciana; aos modernistas, que depois de um longo período de arrefecimento nas camadas intelectuais são capazes de dar articulação à cidade moderna por meio da “autoconsciência” e do sentido de missão no resgate dos valores paulistas e nacionais; e - por que não? - aos empresários, que tanto fortalecem os mecanismos de produção capitalista, mantendo a família patriarcal viva na concentração dos negócios que dinamizam a expansão da cidade. Mas mesmo quando destacados no processo histórico, esses diferentes atores sociais parecem internalizar um processo mental que se realiza em uma consciência coletiva, simultaneamente externa e interna aos indivíduos, de modo que a sua atuação mais obedece à própria forma da evolução paulista do que opera como agente transformador. A cidade tem uma consciência e um genius loci que a singulariza, e que para Morse qualifica a particularidade do seu processo de modernização:

Para o artista modernista, como para o romântico de há um século, São Paulo proporciona uma experiência de vida que é rica, incisiva e sui generis. Entretanto, a cidade não é um ‘encravamento’ cheio de colorido nativista. Seu espírito e seus traços mais importantes, seu genius loci, têm que ser procurados; não são manifestos e avassalantes, como no Rio ou em Salvador. O que é manifesto em São Paulo - movimento, pressa, luzes, trânsito, arranha-céus, fábricas, dinheiro - é universal, sem voz ou contorno explícito. A individualidade íntima da cidade deve ser buscada com sensibilidade e paciência. (Morse, 1970MORSE, Richard. 1970. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difel., p. 353)

Diante desta perspectiva, onde se situariam as tensões entre, de um lado, os interesses conflitantes do desenvolvimento urbano-industrial, que exigia a racionalização das condutas e complexificava a estrutura da cidade, e, de outro, os valores da tradição patriarcal, que sobrevivia a despeito do desacordo entre as suas premissas e a direção assumida na metrópole? O conflito predomina sob a forma de um equilíbrio, algo estável, no qual os elementos modernos “alienígenas” se infiltram na cidade e são absorvidos, modelados e difundidos, mas não chegam a transubstanciar as raízes culturais. No entanto, em face da progressiva metropolização da cidade, o despreparo da administração em regular e planejar a transformação inevitável faz com que, a partir da segunda metade do século XIX, seu caráter multiforme evidencie a desintegração da sua inerente “inspiração comunitária”. O que seria uma despersonalização da cidade é finalmente combatido com os modernistas, nos anos 1920, que apesar da dificuldade em assumir um papel dominante na condução de uma sociedade agora multiforme, personificam o ethos paulista como resposta à descaracterização promovida com a modernidade.

Vige, nesta visão, um tipo de solidariedade moral que caracteriza a comunidade e seu ethos. Um exemplo significativo é a percepção que constrói sobre os movimentos operários, comunistas, socialistas e anarquistas. Identificando, sobretudo nos estrangeiros instalados em São Paulo, a variedade de ideologias que se espalhava entre o operariado e o desencadear de importantes greves feitas por eles, Morse vê, entretanto, como fraca a capacidade de organização de classe entre os grupos subalternos. Entre as razões para isso, diz ele, os “líderes intelectualizados e na sua maioria europeus não conseguiram corresponder a situações locais ou despertar entusiasmo popular duradouro” (Morse, 1970, p. 285)MORSE, Richard. 1970. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difel.. Faltavam-lhes os meios de incutir no operariado um “senso de solidariedade”, o que significava dizer que, em São Paulo, a filiação às ideias estrangeiras não era tão imponente como poderia parecer, e que a tendência acomodatícia encarnada na pessoalização das relações sociais (de origem agrária e patriarcal) tornava menos exacerbados os conflitos de classe na cidade.

Em uma percepção que seguirá orientando a sua imaginação da América Latina, a ênfase sobre os traços culturais da sociedade como expressão mas também resposta aos modelos de desenvolvimento que se engendram, cabe lembrar outro texto posterior do autor: “A miopia de Schwartzman” (Morse, 1989MORSE, Richard. 1989. A miopia de Schwartzman. Novos estudos CEBRAP, n. 24.), que lido dentro do debate com Simon Schwartzman é revelador. Pensando em seu estudo da cidade de São Paulo e em como a reconstrução histórica dialoga com a questão da dependência cultural, em particular no modo como os traços da modernização paulista foram acelerados pela industrialização crescente e pelos lucros do café, a transformação do caráter comunitário em expressão metropolitana não apaga o enraizamento cultural do ethos que qualifica São Paulo. Se é de fato nos estudos posteriores que Morse elabora com maior substância o seu debate sobre a questão da dependência, sempre vista desde a ordem cultural, ela já se faz notar em sua análise sobre São Paulo. Unindo as pontas dos seus estudos, seria possível dizer que, contra a insistência de que “o racionalismo esclarecido deveria orquestrar paternalisticamente aspirações comunitárias, orientações religiosas e solidariedades étnicas”, Morse (1989, p. 174)MORSE, Richard. 1989. A miopia de Schwartzman. Novos estudos CEBRAP, n. 24. coloca “a questão de modo inverso: compromissos expressivos deveriam orientar as estratégias instrumentais. E a longo prazo não é questão de que eles deveriam, mas de que eles certamente vão orientá-las”.

Industrialização de São Paulo: ramais e caminhos

Nos trabalhos de Cardoso, podemos perceber o seu precoce interesse pelo processo de desenvolvimento urbano-industrial de São Paulo. Em duas resenhas publicadas na década de 1950, na revista Anhembi, Cardoso (1955CARDOSO, Fernando Henrique. 1955. Um estudo sobre São Paulo. Anhembi, ano 5, v. 18, n. 51, pp. 566-569., 1957)CARDOSO, Fernando Henrique. 1957. De comunidade a metrópole. Anhembi, ano 7, v. 26, n. 77, pp. 351-353. se debruça sobre os trabalhos do geógrafo francês Pierre Monbeig e de Richard Morse, que analisaram a formação da cidade de São Paulo. Na primeira delas, publicada em 1955, o jovem sociólogo discute o livro La croissance de la ville de São Paulo, de Monbeig, trabalho que poderia ser alocado “entre o que de melhor se tem escrito sobre o desenvolvimento urbano de São Paulo” (Cardoso, 1955, p. 566)CARDOSO, Fernando Henrique. 1955. Um estudo sobre São Paulo. Anhembi, ano 5, v. 18, n. 51, pp. 566-569.. Dois anos mais tarde, em 1957, Cardoso (1957, p. 351)CARDOSO, Fernando Henrique. 1957. De comunidade a metrópole. Anhembi, ano 7, v. 26, n. 77, pp. 351-353. publica resenha sobre o livro De comunidade a metrópole, de Morse, saudando seu aparecimento como um dos melhores trabalhos até então escritos sobre São Paulo e “sob muitos aspectos pioneiro na historiografia paulistana”.

Tendo em vista os nossos objetivos, vale a pena nos concentrarmos na resenha de Cardoso sobre o livro de Morse, que se soma à leitura de Florestan Fernandes (1956FERNANDES, Florestan. 1956. Resenha bibliográfica: de comunidade à metrópole. O Estado de S. Paulo, Suplemento Literário, p. 2. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3qm9PhU . Acesso em 18 maio 2021.
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), o que demonstra o interesse da intelectualidade da Cadeira de Sociologia I da USP pelo estudo empreendido pelo brasilianista. Cardoso (1957)CARDOSO, Fernando Henrique. 1957. De comunidade a metrópole. Anhembi, ano 7, v. 26, n. 77, pp. 351-353. ressalta que, ao procurar compreender e explicar o processo de emergência e integração de São Paulo em relação ao plano cultural dos padrões urbanos de sentimento, comportamento e pensamento, Morse teria como suporte uma “perspectiva integradora de síntese”. Sua perspectiva seria, nesse sentido, muito próxima à de seu mestre, Florestan Fernandes (1956)FERNANDES, Florestan. 1956. Resenha bibliográfica: de comunidade à metrópole. O Estado de S. Paulo, Suplemento Literário, p. 2. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3qm9PhU . Acesso em 18 maio 2021.
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, que entendia o livro de Morse em chave similar, como uma “síntese histórica” das mais bem sucedidas, que procura “reter a cidade como uma configuração total”. A resenha de Cardoso pode ser entendida, inclusive, em um sentido mais amplo, como tributária do tipo de leitura delineada por Florestan Fernandes, que enxergava a potência do livro de Morse para compreender e explicar o desenvolvimento de São Paulo sob o ponto de vista de sua história cultural, assim como não deixava passar incólumes seus problemas no que se refere aos materiais, a algumas de suas interpretações e em relação à amplitude de hipóteses e influências intelectuais, que poderiam contribuir para que o historiador recaísse no risco de explicações ad hoc(cf. Fernandes, 1956)FERNANDES, Florestan. 1956. Resenha bibliográfica: de comunidade à metrópole. O Estado de S. Paulo, Suplemento Literário, p. 2. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3qm9PhU . Acesso em 18 maio 2021.
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. Além disso, não custa lembrar o interesse mais amplo de Florestan Fernandes (2008)FERNANDES, Florestan. 2008. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Globo. 2 t. pela cidade de São Paulo como unidade de análise, em um trabalho como A integração do negro na sociedade de classes, publicado originalmente em 1965, para compreender e explicar o sentido da mudança social em um contexto periférico como o brasileiro, indicando reiteradamente a reposição das velhas desigualdades raciais da ordem social estamental na ordem social competitiva emergente.4 4 Morse dialoga com esse estudo de Florestan Fernandes no epílogo de Formação histórica de São Paulo, capítulo final adicionado para a edição de 1970, onde atualiza a sua leitura sobre a cidade de São Paulo à luz dos estudos recentes sobre o seu desenvolvimento. Além do debate sobre a questão racial explorada por Florestan, inclui ainda as pesquisas de Fernando Henrique Cardoso em “O café e a industrialização da cidade de São Paulo” (1960b) e Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil (1964a).

Sendo assim, tendo em vista a clássica questão da mudança social, de acordo com Cardoso (1957, p. 351)CARDOSO, Fernando Henrique. 1957. De comunidade a metrópole. Anhembi, ano 7, v. 26, n. 77, pp. 351-353., as formulações de Morse recorreriam “à análise do processo de expansão geográfica da cidade, e do processo de desenvolvimento socioeconômico e político da cidade, visto sempre na sua evolução histórica”. Cardoso destaca a questão da constituição de um ethos particular, que corresponderia às fases do processo de metamorfose de uma comunidade eminentemente agrária em uma metrópole moderna e cosmopolita, ethos esse que seria evidente tanto no que se refere às interações humanas quanto no que diz respeito às reações da comunidade aos problemas que se apresentavam. A análise de Morse ressaltaria a interação entre o desenvolvimento das vidas material, social e cultural, fazendo emergir uma “configuração de vida” particular, de modo a mostrar “como, com o crescimento urbano e as transformações daí decorrentes, o universo de valores, o universo social e o moral se reorganizam em novas configurações típicas, correspondentes à vida urbana” (Cardoso, 1957, p. 352)CARDOSO, Fernando Henrique. 1957. De comunidade a metrópole. Anhembi, ano 7, v. 26, n. 77, pp. 351-353..

Não obstante o tom elogioso, assim como Florestan Fernandes, Cardoso (1957)CARDOSO, Fernando Henrique. 1957. De comunidade a metrópole. Anhembi, ano 7, v. 26, n. 77, pp. 351-353. não deixa de assinalar algumas críticas ao trabalho de Morse, pouco desenvolvidas por conta dos limites de uma resenha. Ele identifica que certa “liberdade na seleção do material” e na “exploração interpretativa de certas evidências”, que poderiam ser consideradas típicas, não teria sido suficiente para evitar críticas em relação à consistência teórica e empírica de algumas das explicações de Morse quanto à conotação valorativa de algumas de suas asserções (Cardoso, 1957, p. 352)CARDOSO, Fernando Henrique. 1957. De comunidade a metrópole. Anhembi, ano 7, v. 26, n. 77, pp. 351-353.. Cardoso nota que as “intenções não valorativas” de Morse, que não pressuporiam “desorganização ou desintegração básica no fato urbano”, não aparecem em certos momentos nos quais se pode perceber insistência em propor soluções para os problemas de integração da cidade. Tais soluções seriam inspiradas, assinala Cardoso, por modelos ou ideais de organização urbana implicitamente apresentados como aqueles que permitiriam maior integração social. Para Cardoso (1957, pp. 352-353)CARDOSO, Fernando Henrique. 1957. De comunidade a metrópole. Anhembi, ano 7, v. 26, n. 77, pp. 351-353., ficaria vedada, dessa maneira, “a possibilidade de emergirem tipos diferentes de integração social em formas de vida urbana aparentemente caóticas, que sob o prisma daqueles ideais pareceriam desintegradoras”.

O interesse de Cardoso pela formação da cidade de São Paulo não se esgotou na leitura procedida dos livros de Monbeig e Morse. Em “Condições sociais da industrialização de São Paulo”, Cardoso (1960a)CARDOSO, Fernando Henrique. 1960a. Condições sociais da industrialização de São Paulo. Revista Brasiliense, n. 28, pp. 31-46. se debruça sobre as particularidades do regime social de produção das fazendas de café do oeste paulista, destacando sua capacidade catalisadora em relação à industrialização da cidade. Para ele, nessas fazendas teriam se realizado historicamente as condições fundamentais que antecederam o desenvolvimento industrial de São Paulo, uma vez que nelas teria tido curso “o processo de racionalização econômica” (Cardoso, 1960a, p. 36)CARDOSO, Fernando Henrique. 1960a. Condições sociais da industrialização de São Paulo. Revista Brasiliense, n. 28, pp. 31-46.. O autor ressalta que a metamorfose do fazendeiro de café em empreendedor capitalista teria tido lugar mediante condições histórico-sociais distintas daquelas que informaram as experiências sociais originárias de desenvolvimento. Diferentemente dos capitalistas europeus, o fazendeiro de café do oeste paulista não teria precisado “libertar pela violência seus trabalhadores dos meios de produção que possuíam: importou-os já inteiramente livres, isto é, livres juridicamente e ‘livres’ da posse de meios e instrumentos de trabalho” (Cardoso, 1960a, pp. 35-36)CARDOSO, Fernando Henrique. 1960a. Condições sociais da industrialização de São Paulo. Revista Brasiliense, n. 28, pp. 31-46.. Além de se valer de mão de obra livre oriunda do fluxo imigratório europeu do século XIX, a metamorfose do fazendeiro teria sido efetivamente completada no momento em que ele passa a gerir sua propriedade rural por meio de profissionais como administradores e capatazes, detendo-se na aplicação e rendimento de seu capital (Cardoso, 1960a)CARDOSO, Fernando Henrique. 1960a. Condições sociais da industrialização de São Paulo. Revista Brasiliense, n. 28, pp. 31-46..

Ao contrastar as fazendas de café do oeste paulista com aquelas que se constituíram no Vale do Paraíba e com os engenhos açucareiros nordestinos, Cardoso pondera que, embora as duas últimas estruturas produtivas tivessem produzido lucros extremamente significativos, seus regimes sociais de produção teriam como base o trabalho escravo, deixando de gerar os requisitos necessários para a eclosão da industrialização. Ele evidencia, desse modo, o caráter autárquico dos latifúndios escravocratas, o qual inviabilizaria a criação de mercados, impedindo que a renda gerada pudesse se dividir em lucros e salários. Já as fazendas de café do oeste paulista, por não terem sido atravessadas por tal caráter, teriam permitido o florescimento de centros urbanos. Portanto, o regime social de produção das fazendas de café do oeste paulista teria dinamizado tanto a criação de uma “mão de obra livre”, em grande medida composta por imigrantes, quanto de um “mercado consumidor”, instigando ainda naqueles indivíduos mais audazes “dentre os fazendeiros, comerciantes ou antigos imigrantes que passaram a negociar ou trabalhar em oficinas nos núcleos urbanos, o espírito de empresa” (Cardoso, 1960a, p. 39)CARDOSO, Fernando Henrique. 1960a. Condições sociais da industrialização de São Paulo. Revista Brasiliense, n. 28, pp. 31-46..

Além da racionalização do processo produtivo, promovida pelos fazendeiros de café do oeste paulista, Cardoso (1960aCARDOSO, Fernando Henrique. 1960a. Condições sociais da industrialização de São Paulo. Revista Brasiliense, n. 28, pp. 31-46.) destaca o papel dos imigrantes para a industrialização de São Paulo. Ele argumenta que, graças aos seus ingentes esforços de poupança, os imigrantes teriam passado também a negociar e a desempenhar atividades eminentemente urbanas, integrando-se à indústria nascente. Essa participação também é destacada por Cardoso (1960b, p. 473)CARDOSO, Fernando Henrique. 1960b. O café e a industrialização da cidade de São Paulo. Revista de História, n. 42, pp. 471-475. no artigo “O café e a industrialização da cidade de São Paulo”, já que a poupança lograda pelos imigrantes, mediante seu árduo trabalho nas fazendas, teria permitido “o alargamento da estrutura artesanal e industrial da cidade”.

Portanto, o fazendeiro de café do oeste paulista e o imigrante europeu são destacados por Cardoso como os atores sociais decisivos do processo de industrialização de São Paulo. O fazendeiro teria se metamorfoseado em empreendedor capitalista, dando curso, mediante a mobilização do trabalho livre, à racionalização do processo produtivo de suas fazendas, bem como teria tido a iniciativa de desenvolver uma malha ferroviária que permitisse uma regular expansão para o oeste (Cardoso, 1960b)CARDOSO, Fernando Henrique. 1960b. O café e a industrialização da cidade de São Paulo. Revista de História, n. 42, pp. 471-475.. Já o imigrante teria contribuído para o desenvolvimento de atividades marcadamente urbanas, uma vez que muitos deles ao acumularem certo pecúlio em virtude de seu trabalho nas fazendas de café, dirigiram-se para os centros urbanos para trabalhar ou comandar pequenas oficinas e ateliês. Sendo assim, “o espírito capitalista, o afã de progresso do paulistano, se é verdade que também se deve ao imigrante, encontra suas raízes históricas na cafeicultura do ‘Oeste Paulista’, e sem este espírito São Paulo não seria o grande centro industrial que é hoje” (Cardoso, 1960b, p. 475, grifo do autor)CARDOSO, Fernando Henrique. 1960b. O café e a industrialização da cidade de São Paulo. Revista de História, n. 42, pp. 471-475.. Ainda que não mobilize diretamente, como Morse, a noção de ethos, Cardoso ressalta que a formação de um certo “espírito capitalista” somente teria sido possível graças ao fazendeiro de café do oeste paulista e ao imigrante. Contudo, a racionalidade econômica impressa na organização do trabalho das fazendas de café do oeste paulista parece ter tido maior peso, ao operar uma alteração substantiva na esfera dos valores, permitindo a formação de um “espírito capitalista” à brasileira.

Assim como Morse, Cardoso não deixa de analisar as ambiguidades e tensões de classe inscritas no processo de industrialização de São Paulo. Ele identifica um modo de orientação da conduta que inviabilizaria a formação de uma “consciência comum e racional da situação de classe” por parte do jovem proletariado brasileiro, obstaculizando a vigência de “atitudes” e “expectativas” congruentes com as novas formas de vida e de trabalho (Cardoso, 1960cCARDOSO, Fernando Henrique. 1960c. Proletariado e mudança social em São Paulo. Sociologia, v. 22, pp. 3-11., 1960d)CARDOSO, Fernando Henrique. 1960d. Atitudes e expectativas desfavoráveis à mudança social. Boletim do Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais, n. 3, pp. 15-22.. Ressalta que a ausência dessas “atitudes” e “expectativas” convergentes com a nova ordem social decorreria da célere expansão industrial e de uma crescente prosperidade capitalista, somadas à origem rural de boa parte do proletariado. Com isso, a relação entre patrões e operários permanecia assentada nos “padrões do velho paternalismo brasileiro” (Cardoso, 1960c, p. 8)CARDOSO, Fernando Henrique. 1960c. Proletariado e mudança social em São Paulo. Sociologia, v. 22, pp. 3-11.. Cardoso nota, de um lado, a existência de empresários que contribuíam para a reprodução de uma perspectiva que entendia a gestão da indústria nos “velhos moldes patrimonialistas” e, de outro, que certas atitudes e expectativas dos operários também possibilitavam a vigência dessa mesma lógica. Convergindo com a análise de Morse, Cardoso (1960c, p. 9)CARDOSO, Fernando Henrique. 1960c. Proletariado e mudança social em São Paulo. Sociologia, v. 22, pp. 3-11. afirma que o proletariado padeceria por conta dessa dinâmica, ao apresentar uma “atitude pouco reivindicativa quanto às condições de trabalho nas indústrias e mesmo quanto ao nível dos salários”. Não obstante certas persistências, estariam surgindo segmentos empresariais e operários, que seriam portadores sociais de uma “nova mentalidade” (Cardoso, 1960cCARDOSO, Fernando Henrique. 1960c. Proletariado e mudança social em São Paulo. Sociologia, v. 22, pp. 3-11., 1960d)CARDOSO, Fernando Henrique. 1960d. Atitudes e expectativas desfavoráveis à mudança social. Boletim do Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais, n. 3, pp. 15-22..

A análise do processo de desenvolvimento urbano-industrial de São Paulo realizada por Cardoso implica ainda uma reflexão embrionária sobre a problemática da dependência. Em artigo intitulado “A estrutura da indústria de São Paulo (a partir de 1930)” (Cardoso, 1960e)CARDOSO, Fernando Henrique. 1960e. A estrutura da indústria de São Paulo (a partir de 1930). Educação e Ciências Sociais, ano 5, v. 7, n. 13, pp. 29-42., a questão referente à transferência de filiais de empresas estrangeiras para São Paulo parece surgir como uma formulação prévia do que viria a ser qualificado por Cardoso e Faletto (2004)CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. 2004. Dependência e desenvolvimento na América Latina . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira .como “internacionalização do mercado interno”. A transferência aludida estaria se dando, para Cardoso, em ritmo crescente, favorecendo o desenvolvimento de um padrão renovado de trabalho industrial. Graças às empresas que estavam se transferindo para São Paulo, encontrar-se-ia em curso um “processo de racionalização da produção industrial” (Cardoso, 1960e, p. 41)CARDOSO, Fernando Henrique. 1960e. A estrutura da indústria de São Paulo (a partir de 1930). Educação e Ciências Sociais, ano 5, v. 7, n. 13, pp. 29-42.. Ainda que a noção de dependência padeça neste artigo de uma construção mais sistemática enquanto categoria analítica, ela parece emergir como um tema vinculado à discussão de Cardoso sobre o processo de racionalização das atividades industriais de São Paulo.

No artigo “Condições e fatores sociais da industrialização de São Paulo”, o então jovem sociólogo aponta os limites a respeito de uma pretensa autonomia do sistema industrial brasileiro, haja vista que parte de seu parque industrial já seria formado por filiais de indústrias estrangeiras, que poderiam “operar como fator de drenagem da renda criada no Brasil para as economias dos países já desenvolvidos, perturbando desta forma a expansão do sistema” (Cardoso, 1961CARDOSO, Fernando Henrique. 1961. Condições e fatores sociais da industrialização de São Paulo. Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 11, pp. 148-163., p. 153). Podemos perceber, desse modo, como a questão da dependência se encontrava no horizonte do jovem pesquisador, malgrado ele não a tenha formalizado cognitivamente como categoria analítica em seus primeiros trabalhos, o que seria levado a cabo em Dependência e desenvolvimento na América Latina.

Assinaladas certas proximidades entre os autores, cabe apontar que, se por um lado Morse tende a valorizar a importância da comunidade na ordem social nascente, enfatizando certo equilíbrio entre opostos, por outro, Cardoso sustenta que tal permanência seria um problema, por dificultar o processo de modernização. Tal diagnóstico se afigura emblemático na análise do sociólogo a respeito do empresariado brasileiro, pois boa parte desse grupo social continuaria a operar com base na dinâmica patrimonialista (Cardoso, 1964a)CARDOSO, Fernando Henrique. 1964a. Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil. São Paulo: Difel.. Ou seja, enquanto que, para Morse, a expansão industrial somente teria efeitos benéficos se mantivesse as particularidades locais, dentre elas, a família patriarcal, em alguma medida preservada pelo próprio empresariado, para Cardoso, a permanência do familismo dificultaria a efetiva modernização das empresas e do modo de orientação da conduta da burguesia urbano-industrial brasileira.

No caminho, uma bifurcação: a problemática da dependência

Como pudemos acompanhar, Morse e Cardoso convergem, a despeito das diferenças aqui assinaladas, no que se refere à formulação de uma análise crítica interessada em compreender e explicar o processo de mudança social da cidade de São Paulo dentro de sua particularidade histórico-social. Entendem que a diferenciação entre o processo de desenvolvimento urbano-industrial vivido na capital paulista e aquele originado nas cidades europeias durante a Revolução Industrial não é uma constatação livre de efeitos normativos. Assinalar a particularidade da metropolização de São Paulo dentro da América Latina, mas também em relação a suas congêneres estrangeiras, implica reconhecer que as ferramentas heurísticas devem estar de acordo com as características próprias dessa sociedade.

Ao longo de Formação histórica de São Paulo, Morse (1970MORSE, Richard. 1970. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difel.) ressalta este argumento em duas frentes. Uma, como se disse, no sentido de problematizar a adequação de realidades sociais diversas à interpretação hegemônica acerca do processo de modernização europeu. Atenta, portanto, para a multiplicidade de formações culturais, insistindo sobre o equívoco das análises que buscam ler o desenvolvimento urbano-industrial de São Paulo à luz do seu correlato europeu. A outra frente diz respeito à recusa do que seria a internalização dessa visão, ou seja, tentativas equivocadas de compreender a cidade a partir da importação de ideias e costumes estrangeiros, como se, uma vez rotinizados, se impusessem decisivamente sobre a cultura local. Segundo Morse (1970, p. 312, grifo nosso)MORSE, Richard. 1970. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difel., as “técnicas e soluções estrangeiras devem ser recebidas de modo altamente discriminador e devem servir, antes que ditar, o projeto de crescimento industrial”. Entende que era preciso reconhecer e considerar a particularidade da sociedade paulista (seu ethos) para seguir adiante com sua modernização, mas sem condicioná-la a um modelo exterior, a longo prazo nocivo às características intrínsecas da cidade.

É sobretudo na prevalência desta “perspectiva interna” de análise que se evidencia a sua interpretação da cidade - e de forma geral, da América Latina - em relação à dinâmica capitalista internacional (Morse, 1971MORSE, Richard. 1971. Primacía, regionalización, dependencia: enfoques sobre las ciudades latinoamericanas en el desarrollo nacional. Desarrollo Económico, v. 11, n. 41, pp. 55-85.). Se é verdade que, no texto de Formação histórica, o tema da dependência cultural perpassa a análise nos momentos em que Morse assinala a frágil fixação dos costumes estrangeiros diante da persistência dos valores tradicionais, ou o seu papel na orientação de novos impulsos de modernização voltados para o “progresso material”, a reedição do livro em 1970 faz com que Morse busque situar seu trabalho diante do debate então em voga sobre a dependência. Contudo, cabe ressaltar que a noção de dependência codificada por Morse é bastante distinta da mobilizada por Cardoso, uma vez que o historiador norte-americano pode ser localizado, inclusive, em um debate mais amplo sobre a “dependência cultural”. Ou seja, a cultura cumpre papel decisivo no tipo de análise proposta por Morse, que parece se encontrar em diálogo com as formulações sobre a problemática da “dependência cultural” - debate esse que inclui diferentes vertentes no Brasil (cf. Botelho e Hoelz, 2020BOTELHO, André; HOELZ, Maurício. 2020. Brazil trezentos, trezentos e cinquenta. Suplemento Pernambuco. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/44Zx6p6 . Acesso em: 8 ago. 2023.
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) -, ao enfatizar as assimetrias do processo de circulação da cultura e de seus bens, que tendem a engendrar formas de dominação simbólicas que acabam por submeter as sociedades periféricas às hegemônicas, o que podemos considerar uma espécie de leitmotiv do tipo de crítica formalizada em O espelho de Próspero(Morse, 1988)MORSE, Richard. 1988. O espelho de Próspero: cultura e idéias nas Américas. São Paulo: Companhia das Letras .. Não à toa, Monteiro (2009MONTEIRO, Pedro Meira. 2009. As raízes do brasil no espelho de próspero. Novos Estudos CEBRAP, n. 83, pp. 159-182., p. 357) ressalta o incômodo de Morse com a cultura intelectual de seu país, que comumente consideraria a América Latina “como uma espécie de campo de experimentações neutro, capaz de acolher sem mais as receitas do desenvolvimento avassalador do gigante do Norte”.

A essa altura, com sua carreira já consolidada na academia norte-americana, o então professor em Yale acrescenta ao trabalho um capítulo derradeiro e sintomático da importância que o tema da dependência assume como chave interpretativa das sociedades “periféricas”. No capítulo “Ecologia, sociedade, cultura: reconsideração de alguns temas” (1968), Morse dialoga com a produção da década de 1960 sobre o desenvolvimento de São Paulo, combinando a atualização bibliográfica à releitura da sua interpretação cerca de 15 anos após a publicação original. Dentre os trabalhos repertoriados, Morse dialoga com “O café e a industrialização da cidade de São Paulo” (1960b) e Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil (1964a), de Cardoso. Concorda com o sociólogo quanto às limitações da explicação que tende a atribuir a industrialização paulista ao boom do café, destacando o fator cultural decisivo da passagem para a mentalidade de empresa que caracterizaria a racionalização da atividade agrícola do oeste paulista. Chama a atenção para o argumento de Cardoso de que “o espírito empresarial, no Brasil, só pode ser estudado como função do contexto institucional que o sustém” (Morse, 1970, p. 388)MORSE, Richard. 1970. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difel., ou seja, como resultado das condições sociais que permitem “‘a expansão das virtualidades empresariais sob a forma de capitalismo industrial’” (Cardoso apud Morse, 1970MORSE, Richard. 1970. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difel., p. 388). Como já se demonstrou, a tese do sociólogo brasileiro matizava o papel importante do empresariado na industrialização, reconhecendo também os entraves tradicionais à modernização e a impossibilidade de condensarem um impulso mais amplo de transformação social.

Ao assinalar o caráter mais acomodatício do que inovador dos grupos empresariais - mas também do operariado -, Morse, utilizando Cardoso, parece reforçar a preeminência das tradições culturais que, no fundo, determinam a ordenação social. A crítica jaz no que seria uma percepção comum sobre o processo de mudança social no Brasil, que tenderia ao diagnóstico do caráter “transitivo” para um “ethos mais padronizado ou universal de industrialismo”. Segundo resume, as

[… ] peculiaridades ou ‘assimetrias’ dos padrões reinantes são atribuídos a alterações na ordem das fases e sequências geralmente associadas à industrialização do século XIX, - enquanto se dá pouca atenção à persistência do sistema de crenças e convicções, que não apenas influem nos padrões ‘transitivos’, mas podem determinar de maneira significativa os traços de uma futura sociedade mais completamente industrializada. (Morse, 1970MORSE, Richard. 1970. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difel., p. 404)

O que se pretende argumentar é que, já em seu trabalho sobre São Paulo, mas de modo mais evidente na sua recomposição em 1970, Morse reflete sobre a sociedade brasileira, recusando o seu condicionamento a uma ordem dependente dos países de capitalismo avançado, e ainda reivindicando a necessidade de se “atentar seriamente para os imperativos culturais a prazo longo, que ajudarão a enformar as instituições dessa sociedade possível” (Morse, 1970, p. 405)MORSE, Richard. 1970. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difel.. Em outros termos, esta é a tese mais conhecida do autor, melhor elaborada no livro de 1982, O espelho de Próspero: cultura e idéias nas Américas(Morse, 1988)MORSE, Richard. 1988. O espelho de Próspero: cultura e idéias nas Américas. São Paulo: Companhia das Letras .. Realizando um largo recuo histórico na tentativa de caracterizar duas matrizes culturais de origem europeia, que teriam plasmado nas sociedades do Novo Mundo diferentes “opções culturais”, Morse contrasta nesse livro a “Ibero-América” e a “Anglo-América”, considerando a primeira “não como vítima, paciente ou ‘problema’, mas como uma imagem especular na qual a Anglo-América poderá reconhecer as suas próprias enfermidades e os seus ‘problemas’” (Morse, 1988, p. 13, grifo do autor)MORSE, Richard. 1988. O espelho de Próspero: cultura e idéias nas Américas. São Paulo: Companhia das Letras .. A “Ibero-América” de Morse desponta então como uma opção cultural que tem sido negligenciada no decurso da modernidade ocidental, tão afeita a vê-la sob as lentes do subdesenvolvimento e da comparação negativa em relação à sua vizinha do norte. Este posicionamento coerente com a sua visão de recusa à dependência cultural, tanto na perspectiva interna dos seus atores estrangeirados, quanto na perspectiva externa daqueles que reiteram o olhar eurocêntrico e reducionista sobre a multiplicidade cultural, foi largamente abordado pela sociologia brasileira como um exemplar característico da linhagem iberista (Bomeny, 1992BOMENY, Helena (org.). 1992. Um americano intranquilo. Rio de Janeiro: CPDOC.; Monteiro, 2007MONTEIRO, Pedro Meira. 2007. En busca de América. Prismas: Revista de Historia Intelectual, n. 11, pp. 43-55., 2009MONTEIRO, Pedro Meira. 2009. As raízes do brasil no espelho de próspero. Novos Estudos CEBRAP, n. 83, pp. 159-182.; Oliveira, 2000OLIVEIRA, Lúcia Lippi. 2000. Iberismo e americanismo: um livro em questão. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Americanos: representações da identidade nacional no Brasil e nos EUA. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2000.; Vianna, 2004VIANNA, Luiz Werneck. 2004. Americanistas e iberistas: a polêmica de Oliveira Vianna com Tavares Bastos. In: VIANNA, Luiz Werneck. A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2004.; Wegner, 2000WEGNER, Robert. 2000. A conquista do Oeste: a fronteira na obra de Sérgio Buarque de Holanda. Belo Horizonte: Ed. UFMG.). É provavelmente no debate travado com Simon Schwartzman, em 1988SCHWARTZMAN, Simon. 1988. O espelho de Morse., n. 22, pp. 185-192. e 1989SCHWARTZMAN, Simon. 1989. O gato de Cortázar. Novos estudos CEBRAP, n. 25. (Morse, 1989MORSE, Richard. 1989. A miopia de Schwartzman. Novos estudos CEBRAP, n. 24.; Schwartzman, 1988SCHWARTZMAN, Simon. 1988. O espelho de Morse., n. 22, pp. 185-192., 1989SCHWARTZMAN, Simon. 1989. O gato de Cortázar. Novos estudos CEBRAP, n. 25.), que este seu traço assume melhor definição ao se opor à visão americanista do sociólogo e reforçar os significados do que entende por dependência. Para usar as palavras que tão bem revelam sua convicção, a América Latina “continua a ser o tronco principal de que o Ocidente industrializado é uma ramificação”, e já é hora dela “caminhar sem muletas” (Morse, 1989, p. 174MORSE, Richard. 1989. A miopia de Schwartzman. Novos estudos CEBRAP, n. 24.).

Também expressivo deste posicionamento, e certamente mais explícito quanto à questão da dependência, é o artigo “Primacía, regionalización y dependencia: enfoques sobre las ciudades latinoamericanas en el desarrollo nacional”, publicado em 1971, e, portanto, contemporâneo da edição atualizada de Formação histórica de São Paulo, originalmente publicado em 1954, com o título De comunidade à metrópole. Realizando nova revisão bibliográfica, na qual dialoga com os autores que corporificam os enfoques da primazia urbana no desenvolvimento nacional, da regionalização e da dependência, Morse vai outra vez ao encontro da perspectiva de Cardoso sobre a América Latina. Percorrendo as interpretações propostas por André Gunder Frank, Aníbal Quijano, Rodolfo Stavenhagen, Pablo González Casanova e o livro de Cardoso e Faletto, Dependência e desenvolvimento na América Latina, Morse atualiza sua perspectiva histórica urbana à luz do debate inescapável da dependência, ainda que o faça enfatizando os aspectos culturais da problemática. Limitando a abrangência do artigo ao recorte que nos interessa aqui, Morse opõe a vertente que desdobra o conceito de “colonialismo interno”, forjado por Quijano (1967)QUIJANO, Aníbal. 1967. Dependencia, cambio social y urbanización en Latinoamérica. Santiago, Chile: ECLA, Social Affairs Division., à interpretação histórico-comparada proposta por Cardoso e Faletto (2004)CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. 2004. Dependência e desenvolvimento na América Latina . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira .. Haveria na ideia de que o processo de urbanização das cidades fomentava o subdesenvolvimento ao reproduzir internamente, em relação às zonas rurais e não industriais, a dependência externa da América Latina perante os centros hegemônicos - como proporia o “colonialismo interno” -, uma insuficiência no que diz respeito tanto à explicação cultural quanto à institucional. Morse (1971, p. 79, tradução nossa)MORSE, Richard. 1971. Primacía, regionalización, dependencia: enfoques sobre las ciudades latinoamericanas en el desarrollo nacional. Desarrollo Económico, v. 11, n. 41, pp. 55-85. assim recusa a própria ideia de “colonialismo”, a qual “presumivelmente denota uma relação entre dois sistemas que apresentam descontinuidades de estrutura e de propósitos inerentes”, ratificando, no fim das contas, uma desigualdade intrínseca.

Em face das limitações desta abordagem Morse conclui o texto com um elogio implícito à interpretação levada a cabo por Cardoso e Faletto, que analisam “extensamente, e prestando atenção às diferenças nacionais”, os “perigos que subjazem às analogias fáceis e as conexões causais entre os temas da dominação externa e interna” (Morse, 1971, p. 80, tradução nossa)MORSE, Richard. 1971. Primacía, regionalización, dependencia: enfoques sobre las ciudades latinoamericanas en el desarrollo nacional. Desarrollo Económico, v. 11, n. 41, pp. 55-85.. Como para eles a dependência não seria uma relação “metafísica”, sendo resultado de relações concretas evidenciadas em uma rede de interesses e pressões entre grupos e classes sociais, podiam compreender a história nacional (e urbana) através da sua dinâmica interna. Na medida em que rechaçam a condição histórica como reflexo da dinâmica hegemônica externa, atentando para a sua especificidade para além dos condicionantes externos que sobre ela atuam, podem postular que “dentro dos limites estruturais de cada país, a ação de grupos, classes, organizações e movimentos sociais pode conservar, modificar ou romper os laços de dependência” (Morse, 1971, p. 80, tradução nossa)MORSE, Richard. 1971. Primacía, regionalización, dependencia: enfoques sobre las ciudades latinoamericanas en el desarrollo nacional. Desarrollo Económico, v. 11, n. 41, pp. 55-85.. Em última instância, é da recusa ao condicionamento externo do desenvolvimento social latino-americano que trata Morse ao escrever a história de São Paulo a partir da sua “perspectiva interna”, conferindo protagonismo à cidade, mas também ao país e à região. Conforme coloca nesse artigo sobre a dependência, articulando a temática do momento à sua produção, as análises centradas nas implicações limitadas do “colonialismo” acabavam por converter a cidade “atriz” em mero “teatro” da ação coletiva, comportando-se como um “nó de forças” ao invés de um “quantum de energia” (Morse, 1971, p. 79)MORSE, Richard. 1971. Primacía, regionalización, dependencia: enfoques sobre las ciudades latinoamericanas en el desarrollo nacional. Desarrollo Económico, v. 11, n. 41, pp. 55-85.. É muito sintomático da visão de Morse sobre a América Latina o papel de protagonista que a cidade assume como representação da particularidade paulista e/ou brasileira e/ou latino-americana perante a modernização europeia e norte-americana, mas também do quanto é ela que concentra a vitalidade própria da mentalidade coletiva que define o seu espírito. Nada mais revelador dessa posição que o fato de a transformação social não se dar por meio dos seus atores, os quais performariam no “teatro” da cidade, mas que seja a cidade “atriz” aquela a conter o sentido da sua transformação ou, ainda, para usar um termo seu em Formação histórica, a “cidade-mente”.

Quanto ao significado do termo “dependência”, não constitui novidade afirmar que Cardoso se notabilizou como um dos construtores daquela que se convencionou chamar de “teoria da dependência”. É justamente com Dependência e desenvolvimento na América Latina que Cardoso obtém ampla projeção e notoriedade internacionais (Garcia Jr., 2004GARCIA. JR, Afrânio. 2004. A dependência da política: Fernando Henrique Cardoso e a sociologia no Brasil. Tempo Social, v. 16, n. 1, pp. 285-300.; Sorj, 2001SORJ, Bernardo. 2001. A construção intelectual do Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Zahar.). Os autores têm a preocupação de qualificar a categoria “dependência”, conferindo inteligibilidade sociológica aos distintos casos empíricos de desenvolvimento na América Latina, o que permitiria estabelecer a conexão entre os planos interno - tendo em vista as alianças e conflitos entre grupos e classes sociais - e externo - haja vista a dinâmica do mercado internacional -, de modo a apreender as especificidades dos processos de mudança social na região. A categoria “dependência” aparece, qualificam Cardoso e Faletto (2004, pp. 179-180)CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. 2004. Dependência e desenvolvimento na América Latina . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira ., como “instrumento teórico para acentuar tanto os aspectos econômicos do subdesenvolvimento quanto os processos políticos de dominação de uns países por outros, de umas classes sobre as outras, num contexto de dependência nacional”. Assim, diferentemente do tipo de formulação proposta por Morse, que se debruça de modo sistemático sobre o aspecto cultural da resistência e da particularidade da resposta latino-americana à dependência ensejada com a modernização, a preocupação de Cardoso e Faletto (2004)CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. 2004. Dependência e desenvolvimento na América Latina . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira . é efetuar uma “análise integrada do desenvolvimento”, que articule os aspectos econômicos, sociológicos e políticos codificados nas diferentes “situações de dependência”, não se voltando diretamente para suas implicações culturais.

Cardoso e Faletto analisam os diferentes momentos das relações de dependência dos países latino-americanos perante as economias centrais, passando pelos períodos de “desenvolvimento para fora”, nos quais a forma institucional Estado-nação é implementada através dos processos de independência na região no século XIX; pelo contexto de “industrialização substitutiva de importações”, no século XX, decorrente dos efeitos da crise econômica de 1929 e da Segunda Guerra Mundial, no qual as economias latino-americanas lograram diversificação, ao consolidar o mercado interno e o desenvolvimento do setor urbano-industrial; e, por último, pelo momento de “internacionalização do mercado interno” no pós-guerra, marcado pelo alto influxo de investimentos industriais diretos estrangeiros nas economias periféricas (Cardoso e Faletto, 2004)CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. 2004. Dependência e desenvolvimento na América Latina . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira .. O período de “internacionalização do mercado interno” é qualificado por Cardoso e Faletto (2004, p. 162)CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. 2004. Dependência e desenvolvimento na América Latina . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira . como o momento no qual a vinculação dependente das economias periféricas ao mercado internacional não se restringiria ao velho modelo calcado na exportação de produtos primários e importação de produtos industrializados, uma vez que “as ligações se dão também através de investimentos industriais diretos feitos pelas economias centrais nos novos mercados nacionais”. Com isso, apesar das diferenças entre as formações das economias latino-americanas - uma vez que existiriam aquelas nas quais teria sido possível o controle do processo produtivo por parte de grupos econômicos locais (casos de Argentina, Brasil, Uruguai e Colômbia) e as que teriam sido marcadas pelo predomínio de enclaves econômicos (casos de México, Bolívia, Venezuela, Chile, Peru e América Central) -, os autores assinalam que, de um modo mais geral, o sentido assumido pelo desenvolvimento capitalista na América Latina teria sido marcado pela heteronomia, bem como suas diferenças de realização seriam interpeladas pelas especificidades históricas dos diversos países. Com a internalização do plano externo no interno, Cardoso (1978, p. 204)CARDOSO, Fernando Henrique. 1978. Política e desenvolvimento em sociedades dependentes. Rio de Janeiro: Zahar. evidencia em Política e desenvolvimento em sociedades dependentes, publicado em 1971, que quaisquer relações entre “desenvolvimento, independência nacional e burguesia industrial” sairiam desautorizadas.

Como assinala Cardoso (1980CARDOSO, Fernando Henrique. 1980. A dependência revisitada. In: CARDOSO, Fernando Henrique. As ideias e seu lugar. Petrópolis: Vozes., p. 76), malgrado as contradições do desenvolvimento na periferia, haja vista seu caráter espoliativo e gerador de desigualdades, o que denota o caráter dialético de suas reflexões, economias periféricas como a brasileira e a mexicana estariam apresentando mudanças estruturais significativas, de modo a “responder mais adequadamente a uma estrutura capitalista de produção”. Sendo assim, o diagnóstico de sua sociologia histórico-comparada indica que se encontrava em curso um “processo de dependência e de desenvolvimento capitalista” (Cardoso, 1980, p. 76)CARDOSO, Fernando Henrique. 1980. A dependência revisitada. In: CARDOSO, Fernando Henrique. As ideias e seu lugar. Petrópolis: Vozes.. Em seu famoso trabalho com Faletto, Cardoso retoma sua crítica dirigida à “sociologia da modernização” - já avançada em Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil(cf. Cardoso, 1964a)CARDOSO, Fernando Henrique. 1964a. Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil. São Paulo: Difel. -, de modo a se contrapor às interpretações que entendiam que os Estados Unidos e a Europa ocidental antecipariam o futuro das formações sociais periféricas (Cardoso e Faletto, 2004)CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. 2004. Dependência e desenvolvimento na América Latina . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira .. Cardoso teria como objetivo, portanto, assim como outras formulações sobre a dependência, compreender e explicar por que as previsões cepalinas e da sociologia da modernização não se concretizaram na América Latina (Kay, 2011KAY, Cristóbal. 2011. Latin American theories of development and underdevelopment. New York: Routledge., p. 134). Convergindo com a interpretação de Cardoso e Faletto, em particular com relação ao diferencial que os aspectos histórico-sociais das sociedades latino-americanas representam para os tipos de modernização que nelas se realizam, Morse (1970MORSE, Richard. 1970. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difel., p. 404) destaca as “assimetrias” desses modelos como fundamentais para a compreensão do desenvolvimento, assinalando como “se dá pouca atenção à persistência do sistema de crenças e convicções, que não apenas influem nos padrões ‘transitivos’, mas [que ] podem determinar de maneira significativa os traços de uma futura sociedade mais completamente industrializada”.

Assim, ao estabelecer um corpo a corpo entre as proposições de Morse e Cardoso, podemos notar que, além do fato de o brasilianista não mobilizar de forma programática a categoria “dependência”, ainda que esteja analisando, tanto em Formação histórica de São Paulo quanto em O espelho de Próspero, problemas que remetem ao debate de uma certa dependência cultural, o sociólogo brasileiro constitui, como é sabido, uma agenda de pesquisas em torno do conceito. Contudo, isso não quer dizer que Morse não procurasse estabelecer diálogo, como vimos, com as formulações de Cardoso sobre a dependência. Matizando o argumento, se, em relação à discussão sobre a formação de São Paulo, malgrado suas ênfases distintas, certos termos e reflexões de Morse e Cardoso dialoguem diretamente, no que se refere à problemática da dependência isso não ocorre. Para o historiador norte-americano o tema da dependência é incorporado como parte reflexiva dos seus estudos sobre a América Latina, mas não necessariamente como ponta de lança da sua interpretação, enquanto que, para o sociólogo brasileiro, ela informa sua agenda de pesquisas sobre o capitalismo periférico operando como categoria decisiva de análise. Para Morse, em particular na reedição de 1970 do seu estudo sobre o desenvolvimento da cidade de São Paulo à luz das interpretações contemporâneas sobre o tema, a problemática da dependência é inescapável em uma pesquisa que visa atualizar o lugar da cidade-metrópole latino-americana perante o debate urgente e redefinidor acerca do desenvolvimento do continente. Naquilo que aqui buscamos caracterizar como uma recusa ao condicionamento do desenvolvimento latino-americano ao modelo “universal” do Ocidente moderno, o tema da dependência cultural deixa sobressair desde os seus estudos sobre São Paulo, como em sua personalidade enquanto metrópole, características persistentes que são decisivas para o seu processo de modernização. Como vimos, já nos estudos de Cardoso sobre a cidade de São Paulo, podemos identificar sua preocupação com a problemática do caráter dependente das economias latino-americanas. Neles, apesar da dependência não se encontrar formalizada como categoria sociológica, ele destaca a questão da transferência de filiais de empresas estrangeiras para São Paulo, o que favoreceria o desenvolvimento de um novo padrão de trabalho industrial, otimizando a racionalização do processo produtivo.

Pouco antes de partir para o exílio no Chile, o que ocorre em 1964 (cf. Cardoso, 2014CARDOSO, Fernando Henrique. 2014. O improvável presidente do Brasil: recordações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.), em projeto de estudos publicado no mesmo ano com o título “Empresários industriais e desenvolvimento econômico na América Latina” (cf. Cardoso, 1964b)CARDOSO, Fernando Henrique. 1964b. Empresários industriais e desenvolvimento econômico na América Latina. América Latina, ano 7, n. 1, pp. 101-104., a questão da dependência começa a ganhar certo destaque. Cardoso (1964b, p. 103)CARDOSO, Fernando Henrique. 1964b. Empresários industriais e desenvolvimento econômico na América Latina. América Latina, ano 7, n. 1, pp. 101-104. assinala que, ao lado das pressões das populações ausentes da economia urbano-industrial, a “dependência econômica e política dos países latino-americanos para com os países capitalistas desenvolvidos serão os marcos dentro dos quais as burguesias nacionais terão de definir políticas capazes de permitir a industrialização sob seu controle”. Seu projeto de estudos nos permite perceber que o interesse de Cardoso pela América Latina é anterior ao seu exílio (Santaella Gonçalves, 2018SANTAELLA GONÇALVES, Rodrigo. 2018. Teoria e prática em Fernando Henrique Cardoso: da nacionalização do marxismo ao pragmatismo político (1958-1994). Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo.), bem como já internaliza uma preocupação em desenvolver sua análise sociológica histórico-comparada entre as distintas experiências sociais de modernização da região, mediante o recorte preliminar dos casos argentino, brasileiro e mexicano (Helayel, 2019HELAYEL, Karim Abdalla. 2019. Um sociólogo na periferia do capitalismo: a sociologia histórico-comparada de Fernando Henrique Cardoso. Tese de Doutorado em Sociologia e Antropologia. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro.).

Como vimos, ainda que pontualmente no artigo de 1971 e no epílogo de Formação histórica de São Paulo, Morse não deixa de discutir a perspectiva de Cardoso sobre a dependência, tecendo elogios à sua ênfase nas particularidades históricas dos países da região e à dinâmica interna dos processos sociais, o que evitaria uma visão, se assim podemos dizer, “externalista” e reducionista no modo pelo qual o sociólogo brasileiro trata o problema. Por outro lado, o brasilianista mobiliza a categoria de forma assistemática, dispersa, mais preocupado com um debate que gira em torno do problema da dependência cultural, divergindo de Cardoso, que constrói suas reflexões conferindo centralidade ao conceito para a compreensão e explicação do processo de desenvolvimento econômico dos países latino-americanos. Enquanto Cardoso formula e elabora a categoria de dependência, sendo identificado como um dos autores decisivos nesse debate, Morse incorpora o tema como parte da sua interpretação histórico-cultural sobre a América Latina, muito mais como um autor do seu tempo, capaz de refletir, contestando, a noção de uma cultura dependente, embora também apareça como comentador do debate, nos artigos e no livro sobre São Paulo onde dialoga mais diretamente com a problemática da dependência através de seus autores-chave. Se determinados termos e questões em suas reflexões sobre a cidade de São Paulo convergem, no que diz respeito à dependência, os autores assumem trajetórias divergentes.

Considerações finais

Finalizando o trajeto de São Paulo à dependência nas visões de Richard Morse e Fernando Henrique Cardoso, podemos dizer que, para ambos, a cidade representou um lugar central da imaginação sobre a temática em seu quadro latino-americano. Na contramão do debate largamente consolidado na década de 1970, buscaram argumentar, cada qual a seu modo, como não se tratava de superar a dependência para que o Brasil pudesse se desenvolver nos moldes do capitalismo industrial. Para isso, a comum prerrogativa de que a análise histórica das sociedades deve partir das condições e características que lhe são particulares, dialogando de forma não submissa com as tendências gerais da dinâmica global, possibilitou a Morse e a Cardoso a elaboração de chaves interpretativas enriquecedoras. Neste sentido, teria sido em parte graças à atração provocada pelo despontar da metrópole paulista que os autores rumariam em direção a propostas mais abrangentes de compreensão dos processos histórico-sociais vividos na América Latina.

Buscamos argumentar ao longo do texto que haveria uma convergência quanto à recusa da dependência externa enquanto condicionante das experiências históricas particulares, ao passo que o modo pelo qual a dependência é percebida aponta para divergências significativas. Em Morse, há não somente uma crítica à dependência cultural, como há mesmo um descarte da sua possibilidade, dado que seria “irrealizável” a completa ocidentalização da América Latina nos moldes da racionalização europeia e norte-americana. Em outros termos, a própria dinâmica de desenvolvimento latino-americano alimentava um conjunto cultural avesso à dependência dos modelos capitalistas externos. Essa condição inconciliável se sustenta na tese iberista já presente no estudo sobre São Paulo, na qual, embora reconheça a transformação racionalizadora da conduta urbana, assinala a vigência da herança cultural ibero-americana como parte constitutiva da direção histórica do continente. Em uma espécie de concepção autorreguladora da sociedade, baseada na longa duração, o seu desenvolvimento estaria contido na matriz cultural forjada no limiar de sua tradição.

Para Cardoso, por outro lado, a questão da dependência era, por assim dizer, constitutiva da própria formulação sobre os processos históricos e políticos latino-americanos, não apenas como diagnóstico sobre sua condição política e econômica, mas enquanto categoria decisiva para a compreensão das relações desiguais e tensas da América Latina com os países de desenvolvimento capitalista originário, e dos desafios colocados para os empresários urbano-industriais em suas interações com os grupos subalternos locais e com o capital estrangeiro, com o qual se associaria. Em suma, se Morse se preocupa com a construção de uma enfática recusa da dependência cultural, valorizando a tradição ibérica e entendendo que o desenvolvimento econômico nos moldes modernizantes deveria coexistir, e aprender com as tradições e concepções de mundo de matriz ibérica (vistas em geral como arcaicas), a preocupação de Cardoso se volta para a construção do diagnóstico da dependência em suas diferentes modalidades, entendendo que o desenvolvimento econômico poderia coexistir com o estabelecimento de relações dependentes com os países de capitalismo originário. De certa maneira, o foco na matriz ocidental ibérica como resposta e proposta para uma outra modernização, conforme Morse postula em O espelho de Próspero, permite que a leitura sobre o desenvolvimento latino-americano se descole da lógica da dependência, ainda que ela sustente possibilidades distintas do avanço moderno, tal qual para Cardoso.

Retomando o contraste apontado anteriormente, enquanto que, para Morse, o crescimento urbano-industrial apenas lograria efeitos benéficos se fossem efetivamente mantidas as particularidades locais, dentre elas, a família patriarcal, cujos princípios de orientação da conduta teriam sido mantidos pelo empresariado industrial, para Cardoso, a permanência da lógica familista imporia óbices à modernização das empresas e do próprio modus operandi da burguesia urbano-industrial brasileira. Em outras palavras, o comunitarismo da perspectiva de Morse seria oposto aos imperativos modernizantes que orientam a reflexão de Cardoso. Enquanto o historiador norte-americano se preocupa com a manutenção das especificidades locais e com a manutenção dos vínculos pré-capitalistas, o sociólogo brasileiro tem em vista as vias para a efetiva edificação do capitalismo moderno no Brasil, o que mostra que a percepção dos dois autores em relação às possibilidades de uma certa “modernidade periférica” se configura de forma distinta. Com isso, temos dois sentidos divergentes de dependência, uma vez que, para Morse, a compreensão de que as particularidades locais devem ser vistas diante da sua permanência e do efeito histórico de produção de um ethos local implica a valorização da lógica interna contra a dominação exercida pelo imperialismo cultural de seu país em relação à América Latina, de modo a ressaltar os limites da dependência no que diz respeito à inviabilização do desenvolvimento próprio em países da periferia. Por seu turno, se assim podemos dizer, Cardoso diverge de Morse ao diagnosticar a simultaneidade entre dependência e desenvolvimento, chamando a atenção para o fato de que a dependência, apesar das contradições que engendra, não seria um fator que inviabilizaria o desenvolvimento capitalista na periferia.

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  • 1
    Não custa lembrar que Lévi-Strauss chega à cidade de São Paulo em 1935, participando do período de consolidação da Universidade de São Paulo (USP) (cf. Lévi-Strauss, 1996)LÉVI-STRAUSS, Claude. 1996. Tristes trópicos. São Paulo: Companhia das Letras..
  • 2
    Materiais empírico-documentais podem ser encontrados no acervo digital da Fundação Fernando Henrique Cardoso: Bibliografia de FHC”. Disponível em: http://acervo.ifhc.org.br. Acesso em: 23 set. 2021. Cartas de Richard Morse a Fernando Henrique Cardoso, 08/07/1970MORSE, Richard. 1970. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difel. e 12/03/1971MORSE, Richard. 1971. Primacía, regionalización, dependencia: enfoques sobre las ciudades latinoamericanas en el desarrollo nacional. Desarrollo Económico, v. 11, n. 41, pp. 55-85.. Disponíveis em: http://acervo.ifhc.org.br. Acesso em: 23 set. 2021.
  • 3
    É interessante notar que a obra de Morse logrou ressonância no contexto intelectual latino-americano, especialmente seu livro O espelho de Próspero, que interpelou, de modos distintos, as intelectualidades brasileira e mexicana (Ricupero, 2022RICUPERO, Bernardo. 2022. Uma sucessão de mal entendidos? Richard Morse e seus leitores mexicanos e brasileiros. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 37, n. 108.).
  • 4
    Morse dialoga com esse estudo de Florestan Fernandes no epílogo de Formação histórica de São Paulo, capítulo final adicionado para a edição de 1970, onde atualiza a sua leitura sobre a cidade de São Paulo à luz dos estudos recentes sobre o seu desenvolvimento. Além do debate sobre a questão racial explorada por Florestan, inclui ainda as pesquisas de Fernando Henrique Cardoso em “O café e a industrialização da cidade de São Paulo” (1960bCARDOSO, Fernando Henrique. 1960b. O café e a industrialização da cidade de São Paulo. Revista de História, n. 42, pp. 471-475.) e Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil (1964a).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    07 Fev 2022
  • Aceito
    06 Jun 2023
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