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EFEITOS DAS CONTROVÉRSIAS INVESTIDOR-ESTADO NA CAPACIDADE DOS ESTADOS DE SALVAGUARDAR DIREITOS: UM ESTUDO DE CASOS EM TRIBUNAIS DE ARBITRAGEM ENTRE 1987 E 2020

EFFECTS OF INVESTOR-STATE DISPUTES ON STATES’ CAPACITY TO PROMOTE RIGHTS: A STUDY OF ISDS CASES FROM 1987 TO 2020

Resumo

O presente artigo apresenta e discute os resultados de pesquisa sobre controvérsias em tribunais internacionais de arbitragem nos quais empresas acionaram Estados por implementação de leis e normas relativas à saúde pública, à proteção ambiental, ao direito à água e a direitos de povos indígenas. Buscamos identificar padrões e tendências na abertura de processos e nas decisões tomadas, a fim de verificar se e de que forma esses processos restringiram tentativas de Estados de salvaguardar direitos individuais ou coletivos. Concluímos que, na maior parte dos casos, as controvérsias de fato restringiram a capacidade do Estado de legislar a favor do interesse público.

Palavras-chave:
Investimentos; Direitos Humanos; Arbitragem Internacional; UNCTAD; ISDS; Tratados de Investimento; Resfriamento Regulatório; Diretos Ambientais; Direito à Saúde; Direito à Água

Abstract

This study describes and discusses the results of research into publicly divulged cases of disputes in international courts in which companies have sued states for implementing laws and standards relating to public health, environmental protection, the right to water, and Indigenous peoples’ rights. We seek to identify patterns and trends in the opening of proceedings and in the taken decisions to ascertain whether and how these proceedings have restricted state attempts to safeguard individual or collective rights. We conclude that, in most cases, the controversy has in fact restricted the state ability to legislate toward the public interest.

Keywords:
Investment; Human Rights; International Arbitration; UNCTAD; ISDS; International Investment Agreements; Regulatory Chill; Environmental Rights; Right to Health; Right to Water

Introdução

Estados vêm assinando acordos bilaterais com cláusulas de proteção ao investidor para reger suas políticas de investimento desde a década de 1950. A partir da década de 1990, com o processo de abertura de mercados e de privatização de bens públicos, além do enfraquecimento de mecanismos multilaterais de resolução de controvérsias, esses tratados proliferaram, em especial nos anos 2000.

Há hoje mais de 2.500 acordos internacionais de investimento em vigor, incluindo tratados bilaterais de investimento (TBI), e outros acordos com cláusulas de proteção ao investidor (TIP) (UNCTAD, 2020). Acompanhando essa tendência, também cresceu nos últimos 20 anos o número de controvérsias investidor-Estado abertas com base nessas cláusulas. De um total de 43 casos em toda a década de 1990 (média de pouco mais de quatro litígios por ano), o número de processos passou à média anual de 33 casos na década de 2000, cifra que subiu para 65 no decênio de 2010, com um pico de 86 controvérsias em 2015 (UNCTAD, 2020).

Um fenômeno paralelo à proliferação de tratados bilaterais tem sido o uso feito por empresas - particularmente na última década e meia - das cláusulas de proteção ao investimento e à propriedade intelectual contidas nesses acordos, para contestar não apenas expropriações diretas de seus bens ou regras fiscais e comerciais que veem como prejudiciais aos seus negócios, mas também regulamentações sanitárias e ambientais instituídas nos países nos quais investiram. Em 2010, por exemplo, a Philip Morris propôs ações contra os governos da Austrália e do Uruguai por terem aumentado o tamanho das advertências de saúde em maços de cigarros, alegando que este gesto constituiria expropriação de sua propriedade intelectual (sua marca), e, portanto, violaria acordos bilaterais. Na Europa, a empresa sueca de energia Vatenfall processou a Alemanha num tribunal de arbitragem, pedindo 3,7 bilhões de euros como indenização por ter decidido, em nome da saúde pública, desativar suas usinas de energia nuclear após o acidente de 2011 em Fukushima. No Canadá, a petrolífera americana Lone Pine processou o governo do Quebec por razões ambientais após a província ter imposto uma moratória à prática de faturamento hidráulico (fracking). Vinte mineradoras abriram litígios contra Estados por terem licenças ambientais revogadas ou negadas.

Diante desse quadro, pesquisadores e organizações da sociedade civil vêm se debruçando sobre os desdobramentos da explosão de tratados e litígios, e seu potencial de reduzir a margem de discricionariedade do Estado ou seu espaço político (policy space) - definido pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) como “a liberdade e habilidade de governos para identificar e buscar a combinação de políticas econômicas e sociais” que julgar mais apropriada (UNCTAD, 2014bUNCTAD. 2014b. Trade and development report 2014: global governance and policy space for development. New York: UN. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3P2r8y4 . Acesso em: 18 ago. 2023.
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)1 1 Para a UNCTAD, o tamanho do espaço político de determinado país depende da “combinação da soberania de jure, que é a autoridade formal que formuladores de políticas possuem sobre os instrumentos e metas de políticas nacionais, e controle de facto sobre políticas nacionais, que envolve a capacidade desses formuladores para definir prioridades, influenciar metas específicas e pesar possíveis trade-offs” (UNCTAD, 2014b). - para legislar em matéria de interesse público.

Alguns estudos concentraram-se nos efeitos de determinados processos em países particularmente afetados por controvérsias investidor-Estado, tais como Argentina e Indonésia (como exemplos, ver Burke-White, 2008BURKE-WHITE, William W. 2008. The Argentine financial crisis: state liability under bits and the legitimacy of the ICSID system. Asian Journal of WTO & International Health Law and Policy, v. 3, n. 1, pp. 199-234., e Gross, 2003GROSS, Stuart. 2003. Inordinate Chill: Bits, Non-NAFTA MITs, and Host-State Regulatory Freedom - An Indonesian Case Study. 24 Michigan Journal of International Law, v. 4, n. 3. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/45wWrGS . Acesso em: 18 ago. 2023.
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), ou sob determinado acordo, tal como o NAFTA (Yee, 2002YEE, Marisa. 2002. The future of environmental regulation after article 1110 of NAFTA: a look at the methanex and metalclad cases. Hastings Environmental Law Journal, v. 9, n. 85.), ou, ainda, sobre a capacidade dos Estados de legislar sobre determinado tema, consistindo, principalmente, de análises jurídicas sobre os conflitos entre as doutrinas dos investimentos e a legislação ambiental ou a proteção internacional dos direitos humanos (por exemplo, Pattberg, 2004PATTBERG, Philipp. 2004. The institutionalisation of private governance: conceptualising an emerging trend in global environmental politics. The Global Governance Project. Disponível em: Disponível em: http://www.glogov.org . Acesso em: 18 ago. 2023.
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; Tienhaara, 2006TIENHAARA, Kyla. 2006. Mineral investment and the regulation of the environment in developing countries: lessons from Ghana. International Environmental Agreements: Politics, Law and Economics, v. 6, pp. 371-394..; Dupuy, 2009DUPUY, Pierre-Marie; PETERSMANN, Ernst-Ulrich; FRANCIONI, Francesco. 2009. Human rights in international investment law and arbitration. Oxford: Oxford University Press.; Gordon e Pohl, 2011GORDON, Kathryn; POHL, Joachim. 2011. Environmental Concerns in International Investment Agreements: A Survey. OECD Publishing, n. 2011/01. DOI: 10.1787/5kg9mq7scrjh-en.
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; Simma, 2011SIMMA, Bruno. 2011. Foreign investment arbitration: a place for human rights? International & Comparative Law Quarterly, v. 60, n. 3, pp. 573-596.; e Levashova, 2020LEVASHOVA, Yulia. 2020. The right of access to water in the context of investment disputes in Argentina: Urbaser and Beyond. Utrecht Law Review, v. 16, n. 2.). Na área da saúde, destacam-se as pesquisas de Koivusalo (ver, por exemplo, 2010KOIVUSALO, Meri. 2010. Common health policy interests and the shaping of global pharmaceutical policies. Ethics & International Affairs, v. 24, n. 4., 2014KOIVUSALO, Meri. 2014. Policy space for health and trade and investment agreements. Health Promotion International, v. 29, n. 3., 2015aKOIVUSALO, Meri. 2015a. Health systems and policy space for health in the context of European Union trade policies. In: KRAJEWSKI, Markus (ed.). Services of General Interest Beyond the single market external and international law dimensions. Haia: T. M. C. Asser Press., 2015bKOIVUSALO, Meri. 2015b. Governance for health: global health policy and the politics of global health. Public Health, v. 129, n. 7, pp. 868-869.) e Drahos (Drahos et al., 2004DRAHOS, Peter et al. 2004. Pharmaceuticals, intellectual property and free trade: the case of the US-Australia Free Trade Agreement, Prometheus, v. 22, n. 3.; Walls, Smith e Drahos, 2015WALLS, Helen; SMITH, Richard; DRAHOS, Peter. 2015. Improving regulatory capacity to manage risks associated with trade agreements. Globalization and Health, v. 11, n. 14.), concentrando-se no conflito entre mecanismos de defesa da propriedade intelectual e o dever de provisão de tratamento pelos Estados.

Estudiosos da área do direito e da ciência política também têm se apoiado em análises jurídicas e estudos de caso para constatar uma “crise de legitimidade” mais geral dos mecanismos de resolução de controvérsia investidor-Estado (por exemplo, Franck, 2004FRANCK, Susan D. 2004. The legitimacy crisis in investment treaty arbitration: privatizing public international law through inconsistent decisions. Fordham Law Review, v. 73, n. 4.; Brower e Schill, 2018BROWER, Charles N; SCHILL, Stephan W. 2008. Is arbitration a threat or a boom to the legitimacy of international investment law? Chicago Journal of International Law, v. 9, n. 2.; Dietz, Dotzauer e Cohen, 2019DIETZ, Thomas; DOTZAUER, Marius; COHEN, Edward S. 2019. The legitimacy crisis of investor-state arbitration and the new EU investment court system. Review of International Political Economy, v. 26, n. 4, pp. 749-772.). Destacam-se os estudos de caso de Van Harten (2005VAN HARTEN, Gus. 2005. Private authority and transnational governance: the contours of the international system of investor protection. Review of International Political Economy , v. 12, n. 5., 2007VAN HARTEN, Gus. 2007. Investment treaty arbitration and public law. Oxford: Oxford University Press ., 2008VAN HARTEN, Gus. 2008. Policy impacts of investment agreements for Andean community states. SSRN. DOI: 10.2139/ssrn.1461097.
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, 2013VAN HARTEN, Gus. 2013. Sovereign choices and sovereign constraints: judicial restraint in investment treaty arbitration. Oxford: Oxford University Press .) e Van Harten e Scott (2017VAN HARTEN, Gus; SCOTT, Dayna Nadine. 2017. Investment treaties and the internal vetting of regulatory proposals: a case study from Canada. International Institute for Sustainable Development, 26 set. 2017. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/47AlURw . Acesso em: 18 ago. 2023.
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) e a análise de Tienhaara sobre o potencial constrangedor dos tribunais de arbitragem (2011aTIENHAARA, Kyla. 2011a. Once BITten, twice shy? The uncertain future of “shared sovereignty” in investment treaty arbitration. Policy and Society, v. 30, n. 3, pp. 185-196., 2011bTIENHAARA, Kyla. 2011b. Regulatory chill and the threat of arbitration: a view from political science. In: BROWN, Chester; MILES, Kate. Evolution in investment treaty law and arbitration. Cambridge: Cambridge University Press.), segundo a qual, além de obrigar países a retroceder em regulamentações já adotadas, a arbitragem de casos ensejados por supostas violações de tratados bilaterais tem inibido países a adotar nova legislação. Ou seja, a mera possibilidade, enunciada ou tácita, de que uma empresa recorra à arbitragem pode fazer com que países deixem de regular ou amenizem normas, num fenômeno chamado por ela de “resfriamento” ou constrangimento regulatório (regulatory chill) (Tienhaara, 2011bTIENHAARA, Kyla. 2011b. Regulatory chill and the threat of arbitration: a view from political science. In: BROWN, Chester; MILES, Kate. Evolution in investment treaty law and arbitration. Cambridge: Cambridge University Press.).

Organizações internacionais também têm realizado estudos sobre os efeitos dos tratados bilaterais de investimento para informar tentativas de reforma do sistema de arbitragem de litígios investidor-Estado (ISDS, na sigla em inglês). Mais recentemente, organizações da sociedade civil europeias e norte-americanas publicaram relatórios, sobre casos em que empresas se utilizaram de tratados bilaterais ou multilaterais para desafiar Estados tentando implementar leis ou normas sanitárias e ambientais (South Centre, 2015SOUTH CENTRE. 2015. Investment treaties: views and experiences from developing countries. Geneva: South Centre. Disponível em: Disponível em: https://www.southcentre.int/book-by-the-south-centre-2015-2/ . Acesso em: 18 ago. 2023.
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; Eberhardt e Olivet, 2012EBERHARDT, Pia; OLIVET, Cecilia. 2012. Profiting from injustice: how law firms, arbitrators and financiers are fuelling an investment arbitration boom. Amsterdam: Transnational Institute.; Verheecke et al., 2019VERHEECKE, Lora et al. 2019. Red carpet courts: 10 stories of how the rich and powerful hijacked justice. Amsterdam: Transnational Institute .; Johnson e Volkov, 2014JOHNSON, Lise; VOLKOV, Oleksandr. 2014. State Liability for Regulatory Change: How International Investment Rules are Overriding Domestic Law. IISD. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3OEQHDV . Acesso em: 18 ago. 2023.
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), ou sobre o impacto dos tratados bilaterais de investimento em países como África do Sul, Índia, Moçambique e Indonésia (Singh e Ilge, 2016SINGH, Kalvaljit; ILGE, Burghard (org.). 2016. Rethinking bilateral treaties: critical issues and policy choices. SOMO, 16 mar. 2016. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3saGiZ4 . Acesso em: 18 ago. 2023.
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). Os relatórios baseiam-se sobretudo em análises de controvérsias investidor-Estado específicas e evidências anedóticas.

Não há até o momento, contudo, estudos que tenham olhado para a totalidade dos casos relativos a matérias de interesse público levados a tribunais de arbitragem para quantificar e tentar identificar tendências e extrair inferências sobre seu efeito no espaço político dos Estados para legislar sobre esses temas.2 2 Alguns fatores podem ajudar a explicar essa lacuna. Em primeiro lugar, o número de ações movidas por empresas contra Estados era relativamente baixo até recentemente, tendo sofrido um aumento pronunciado apenas na última década e meia - e, como sua resolução é demorada, muitas ainda estão pendentes. Além disso, grande parte dos casos é total ou parcialmente confidencial, dificultando a pesquisa e a comparação entre eles. Adicionalmente, provar o efeito dos acordos sobre a capacidade regulatória dos Estados implica a difícil tarefa de demonstrar que algo que poderia ter acontecido não aconteceu.

Procurando contribuir para preencher esta lacuna, o presente estudo teve como objetivo analisar todos os casos conhecidos de controvérsias investidor-Estado que tramitaram em tribunais de arbitragem até 2020, buscando identificar padrões e tendências na abertura de processos e nas decisões tomadas, e, a partir desses, verificar particularmente se e de que forma esses processos restringiram tentativas de países agirem com o objetivo de salvaguardar direitos individuais ou coletivos.

Para tanto, por meio de pesquisa documental, examinamos os 1.023 casos de controvérsias ou litígios investidor-Estado ocorridos entre 1987 e 2019 elencados na base de dados da UNCTAD. Os anos correspondem a todo o período para o qual havia dados oficiais sobre controvérsias investidor-Estado durante a realização da presente pesquisa. Este número não corresponde à totalidade dos litígios, pois é característica desses processos que tramitem em sigilo, sendo tornados públicos apenas quando ambas as partes o consentem. Assim, constam da base de dados da UNCTAD apenas os casos levados a público, e somente as informações tornadas públicas a respeito de cada um deles. Logo, é comum a falta de dados sobre os montantes requeridos pelos investidores ou a indenização determinada pelos tribunais, ou, ainda, o desconhecimento do texto da decisão. A confidencialidade dos processos é, em si, determinante para seus efeitos políticos e prejudica a capacidade de se extrair padrões e repetições e de identificar peculiaridades de casos específicos. Apesar destas limitações, o assunto tem importância e potencial suficiente para guiar futuras escolhas políticas.

Critérios de seleção dos casos

A partir da leitura da integralidade dos casos não sigilosos elencados na base de dados da UNCTAD, selecionamos aqueles nos quais empresas acionaram países por implementação de leis e normas relativas à saúde pública, à proteção ambiental, ao direito à água e a direitos de povos indígenas.

É possível alegar que quase qualquer um dos processos levados a cabo nos tribunais de arbitragem diz respeito a ações do Estado em nome do interesse público - políticas tributárias, escolhas de alocação orçamentária etc. também são, ao menos em teoria, escolhidas com base em uma interpretação do que seria o interesse público. Em lugar de debater se cada política ou normativa estatal de fato corresponde ao interesse público, porém, optamos por focar em políticas que procuram salvaguardar direitos já consensualmente considerados pela comunidade internacional como direitos fundamentais.

Escolhemos, portanto, nos debruçar sobre os processos gerados em desafio a tentativas do Estado de proteger direitos codificados em tratados internacionais, quais sejam:

  • o direito à saúde, entronizado no artigo 12 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC, 1966), entre vários outros instrumentos;

  • o direito à água, na Resolução nº 64/292 da Assembleia Geral da ONU (2010), e no Comentário Geral nº 15 do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da mesma organização (2002COMITÊ DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS DA ONU. 2002. Substantive Issues Arising in the Implementation of the International Covenant On Economic, Social and Cultural Rights General Comment No. 15 (2002) The right to water (arts. 11 and 12 of the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights). Genebra, E/C.12/2002/11.);

  • os direitos dos povos indígenas, na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007);

  • e o direito a um meio ambiente limpo, que, apesar de ainda não ser sujeito de um tratado específico, é considerado parte indivisível do direito à saúde, de acordo com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano (1972) e a Resolução nº 75/94 das Nações Unidas, entre outros instrumentos(Shelton, 2002).

Ao examinar os 1.023 casos, foram encontradas 72 controvérsias motivadas por tentativas de Estados agirem para salvaguardar tais direitos. Após a identificação desses casos, procurou-se detectar tendências no que diz respeito aos tipos de ação estatal que ensejaram processos, às alegações de violação de tratados feitas pelas empresas, aos montantes demandados e outorgados, e às decisões tomadas pelos tribunais.

Na primeira parte do artigo, serão apresentados os principais resultados da pesquisa. Na segunda, serão discutidas as principais formas pelas quais os litígios parecem interferir na capacidade dos Estados de legislar em matéria de saúde, meio ambiente, direito à água e direitos de povos indígenas, procurando apontar as características dos litígios e dos sistemas de ISDS que parecem ter contribuído para esses efeitos.

Resultados

Foram identificadas 72 controvérsias na base de dados da UNCTAD iniciadas em desafio a tentativas de Estados legislarem para garantir direitos. Dessas, 21 dizem respeito a iniciativas para promoção ou proteção do direito à saúde, e 40 a tentativas do Estado de implementar novas leis ambientais ou fazer cumprir normas ou leis ambientais já existentes. Outros nove casos são relativos a leis ou normas de proteção do direito à água, e dois respondem à tentativa do Estado de proteger direitos de comunidades indígenas (Gráfico 1).

Gráfico 1
Total de casos por tema

Decisões

Do total de 72 casos examinados, 22 ainda não haviam sido decididos pelos tribunais de arbitragem durante a realização deste estudo, dois haviam sido suspensos por questões procedimentais, e outros dois suspensos sob a alegação dos árbitros de que o tribunal não tinha jurisdição para opinar sobre a questão (Gráfico 2).

Gráfico 2
Total de casos por status

Dos 50 casos que tiveram os méritos examinados e decididos, 19 dizem respeito a leis e normas sanitárias, 21 a leis ambientais, nove à tentativa de salvaguardar o direito à água, e um à proteção de direitos de povos indígenas (Gráfico 3).

Gráfico 3
Casos decididos, por assunto

Partes vencedoras

Dos casos examinados, 21 foram decididos em favor do investidor, 14 em favor do Estado, e sete terminaram em acordo entre as partes (Gráfico 4).

Gráfico 4
Casos decididos, por tipo de vencedor

Comparando com o total de casos decididos conhecidos na base da UNCTAD, constata-se que a proporção de vitórias do investidor é ainda maior nas controvérsias relativas a ações estatais de proteção a direitos (48%) do que nas controvérsias relativas a todos os temas (29%). A proporção de casos que resultaram em acordos é um pouco menor nos casos relativos a direitos (16%) do que no geral (21%), mas, ainda assim, a proporção de vitórias do Estado é menor no caso das controvérsias geradas por tentativas do Estado de proteger direitos (28%) do que nos casos considerando todos os temas (37%).

É importante ressaltar que os acordos com cláusulas de proteção ao investidor não permitem que Estados processem empresas e, em grande parte dos acordos, o Estado têm de arcar com alguma indenização, comprometer-se a voltar atrás na decisão que propiciou o processo, ou, no mínimo, pagar metade das despesas do processo. Assim, pode-se alegar que o Estado é perdedor da ação mesmo quando há acordo. Além disso, mesmo os casos que terminam em acordo podem ter efeitos “resfriadores” duradouros. Ou seja, a partir dos dados examinados, pode-se inferir que os Estados ganharam, na pior das hipóteses (ou seja, caso se considerem acordos como perdas), cerca de um terço dos casos, e, na melhor das hipóteses (avaliando-se os acordos como neutros), pouco menos da metade dos litígios.

Desagregando os números por tema, nota-se que o investidor ganhou mais casos nas controvérsias relativas a todos os assuntos, mas que venceu uma proporção significativamente maior de controvérsias nos casos em que o Estado agiu baseado na proteção do direito à saúde. Ainda que o número de casos decididos no tema do direito à água represente a metade dos de saúde e meio ambiente, é notável que nenhum tenha sido decidido em favor do Estado. O único caso relativo a direitos de povos indígenas já decidido foi favorável ao Estado (Gráfico 5).

Gráfico 5
Vencedor por tema

Tratados utilizados

Tratados bilaterais foram utilizados na grande maioria dos casos examinados (51), seguidos pelo NAFTA e pelo Acordo da Carta de Energia (Gráfico 6).

Gráfico 6
Tratados invocados para iniciar controvérsias

Quantias demandadas

Os investidores exigiram dos Estados, por tentarem legislar ou implementar leis de interesse público, quantias que variaram de US$ 2 milhões a US$ 15 bilhões, chegando a um total de US$ 57 bilhões e uma média de US$ 950 milhões por caso.

Nos casos já decididos, foram demandados US$ 31 bilhões em indenizações. Nos 25 casos em que o investidor venceu e em que há informação sobre os valores outorgados, os tribunais ordenaram que os Estados pagassem um total de US$ 3,1 bilhões em indenizações, variando de US$ 4 milhões a US$ 1,2 bilhão, e chegando a uma média de US$ 125 milhões por caso. Não é possível detectar um padrão de montantes outorgados por tema da controvérsia ou tipo de violação alegada pelo investidor. Os casos em que as indenizações foram mais altas foram dois abertos por mineradoras contra o governo da Venezuela (Crystallex vs. Venezuela,3 3 Crystallex v. Venezuela (2011) Crystallex International Corporation v. Bolivarian Republic of Venezuela (ICSID Case No. ARB(AF)/11/2), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw7194.pdf com uma indenização de US$ 1,2 bilhão, e Gold Reserve vs. Venezuela,4 4 Gold Reserve v. Venezuela (2009) Gold Reserve Inc. v. Bolivarian Republic of Venezuela (ICSID Case No. ARB(AF)/09/1), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw4009.pdf com uma indenização de US$ 750 milhões), seguidos pelos casos de consórcios ou empresas de fornecimento de água e esgoto que processaram a Argentina por medidas de congelamento do preço da água e outras tomadas durante a crise financeira do país no início dos anos 2000.

Além disso, um estudo de 2016 concluiu que os principais beneficiários das controvérsias investidor-Estado foram empresas com faturamento maior que US$ 1 bilhão por ano - particularmente aquelas com receita maior que US$ 10 bilhões, que tendem a vencer casos com muito mais frequência do que outros demandantes - e indivíduos com patrimônio maior que US$ 100 milhões (Van Harten e Malysheuski, 2016VAN HARTEN, Gus; MALYSHEUSKI, Pavel. 2016. Who has benefited financially from investment treaty arbitration? An evaluation of the size and wealth of claimants. Osgoode Legal Studies Research Paper, n. 14. DOI: 10.2139/ssrn.2713876.
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).

Violações alegadas

No que diz respeito às alegações das empresas, a mais frequente na abertura de controvérsias contra Estados foi a de violação da obrigação de tratamento justo e igualitário (ou padrão mínimo de tratamento), levantada em 55 casos, o que representa 90% dos casos para os quais há informações disponíveis sobre as acusações dos investidores (61). A expropriação indireta foi invocada 52 vezes (85%), e a direta, onze vezes (18%). Outras alegações comuns foram violação da obrigação de tratamento nacional (45 casos) ou de fornecimento de proteção e segurança integrais ao investidor (28 casos), e, em menor medida, de tratamento da nação mais favorecida (13) e de não tomar medidas arbitrárias ou discriminatórias (12) (Gráfico 7).

Gráfico 7
Violações alegadas pelos investidores e constatadas pelos tribunais

Tipo de ação estatal questionada

Em relação aos tipos de ação estatal que deram origem aos processos, pode-se dividir os casos em dois grupos: os ensejados por tentativas do Estado de implementar leis ou normas já existentes (39 controvérsias), e os que abordam a implementação de nova legislação (33 controvérsias) (Gráfico 8).

Gráfico 8
Tipo de ação estatal que gerou a controvérsia

Nas disputas por normas e leis sanitárias ou ambientais já existentes, a maioria dos casos - 33 de 39 - iniciou-se após negativas do Estado de conceder ou renovar licenças ambientais para operação de seus negócios, sendo que vinte deles foram abertos por mineradoras,5 5 Global Gold Mining v. Armenia (2007) Global Gold Mining LLC v. Republic of Armenia (ICSID Case No. ARB/07/7); Commerce Group v. El Salvador (2009) Commerce Group Corp. and San Sebastian Gold Mines, Inc. v. Republic of El Salvador (ICSID Case No. ARB/09/17), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0202.pdf; Gold Reserve v. Venezuela (2009) Gold Reserve Inc. v. Bolivarian Republic of Venezuela (ICSID Case No. ARB(AF)/09/1), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw4009.pdf; Pac Rim v. El Salvador (2009) Pac Rim Cayman LLC v. Republic of El Salvador (ICSID Case No. ARB/09/12), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0599.pdf e http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0935.pdf; Copper Mesa v. Ecuador (2011) Copper Mesa Mining Corporation v. Republic of Ecuador (PCA No. 2012-2), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw7443.pdf; Crystallex v. Venezuela (2011) Crystallex International Corporation v. Bolivarian Republic of Venezuela (ICSID Case No. ARB(AF)/11/2), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw7194.pdf; South American Silver v. Bolívia (2013) South American Silver Limited v. The Plurinational State of Bolivia (PCA Case No. 2013-15), disponível em: https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw10361.pdf; Bear Creek Mining v. Peru (2014) Bear Creek Mining Corporation v. Republic of Peru (ICSID Case No. ARB/14/21), disponível em: https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw9381.pdf; Corona Materials v. República Dominicana (2014) Corona Materials, LLC v. Dominican Republic (ICSID Case No. ARB(AF)/14/3), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw7314.pdf; Infinito Gold v. Costa Rica (2014) Infinito Gold Ltd. v. Republic of Costa Rica (ICSID Case No. ARB/14/5), disponível em: https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw9384.pdf; Cortec Mining v. Quênia (2015) Cortec Mining Kenya Limited, Cortec (Pty) Limited and Stirling Capital Limited v. Republic of Kenya (ICSID Case No. ARB/15/29), disponível em: https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw10051.pdf; Gabriel Resources v. Romênia (2015) Gabriel Resources Ltd. and Gabriel Resources (Jersey) v. Romania (ICSID Case No. ARB/15/31), Corcoesto v. Espanha n (2016) Corcoesto, S.A. v. Kingdom of Spain (PCA Case No. 2016-26); Eco Oro v. Colômbia (2016) Eco Oro Minerals Corp. v. Republic of Colombia (ICSID Case No. ARB/16/41); RAKIA v. Índia (2016) Ras-AI-Khaimah Investment Authority v. India; Kingsgate v. Tailândia (2017) Kingsgate Consolidated Ltd v. The Kingdom of Thailand; Galway Gold v. Colômbia (2018) Galway Gold Inc. v. Republic of Colombia (ICSID Case No. ARB/18/13); Gran Colombia v. Colômbia (2018) Gran Colombia Gold Corp. v. Republic of Colombia (ICSID Case No. ARB/18/23); Kappes v. Guatemala (2018) Daniel W. Kappes and Kappes, Cassidy & Associates v. Republic of Guatemala (ICSID Case No. ARB/18/43); Odyssey v. México (2019) Odyssey Marine Exploration, Inc. and Exploraciones Oceánicas S. de R.L. de C.V. v. United Mexican State. quatro por empresas de gestão de resíduos tóxicos,6 6 Metalclad v. México (1997) Metalclad Corporation v. The United Mexican States (ICSID Case No. ARB(AF)/97/1), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0510.pdf; Tecmed v. México (2000) Técnicas Medioambientales Tecmed v. United Mexican States (ICSID Case No. ARB(AF)/00/2), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0854.pdf; Abengoa v. México (2009) Abengoa, S.A. y COFIDES, S.A. v. United Mexican States (ICSID Case No. ARB(AF)/09/2), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw3187.pdf; Lee-Chin v. República Dominicana (2018) Michael Anthony Lee-Chin v. Dominican Republic (ICSID Case No. UNCT/18/3). três por empresas tentando construir ou operar resorts de luxo,7 7 Aven and others v. Costa Rica (2014) David R. Aven, Samuel D. Aven, Giacomo A. Buscemi and others v. Republic of Costa Rica (ICSID Case No. UNCT/15/3), disponível em: https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw9955_0.pdf; Ballantine v. República Dominicana (2014) Michael Ballantine and Lisa Ballantine v. The Dominican Republic (PCA Case No. 2016-17); Elitech and Razvoj v. Croácia (2017) Elitech B.V. and Razvoj Golf D.O.O. v. Republic of Croatia (ICSID Case No. ARB/17/32). dois por empresas de geração de energia,8 8 Vattenfall v. Alemanha (I) (2009) Vattenfall AB, Vattenfall Europe AG, Vattenfall Europe Generation AG v. Federal Republic of Germany (I) (ICSID Case No. ARB/09/6), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0890.pdf; Windstream Energy v. Canada (2013) Windstream Energy LLC v. The Government of Canada, disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw7875.pdf um por uma fábrica de alimentos,9 9 Industria Nacional de Alimentos v. Peru (2003) Industria Nacional de Alimentos, S.A. and Indalsa Perú, S.A. (formerly Empresas Lucchetti, S.A. and Lucchetti Perú, S.A.) v. Republic of Peru (ICSID Case No. ARB/03/4), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0275.pdf um por uma pedreira,10 10 Clayton/Bilcon v. Canadá (2008) Clayton and Bilcon of Delaware Inc. v. Government of Canada (PCA Case No. 2009-04), disponível em https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw10377_0.pdf um por uma fabricante de tubos para transporte de petróleo,11 11 TransCanada v. EUA (2016) TransCanada Corporation and TransCanada PipeLines Limited v. United States of America (ICSID Case No. ARB/16/21), disponível em: https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw8574.pdf e um por uma produtora de etanol.12 12 Agro EcoEnergy and others v. Tanzânia (2017) Agro EcoEnergy Tanzania Limited, Bagamoyo EcoEnergy Limited, EcoDevelopment in Europe AB, EcoEnergy Africa AB v. United Republic of Tanzania (ICSID Case No. ARB/17/33)

A alegação de violação do tratado mais frequente nesses casos foi a de expropriação. Entre as mineradoras, por exemplo, dezessete das vinte empresas alegaram ter sofrido expropriação indireta de seus bens ao ter tido sua licença de operação revogada ou negada,13 13 Global Gold Mining v. Armênia (2007) Global Gold Mining LLC v. Republic of Armenia (ICSID Case No. ARB/07/7); Commerce Group v. El Salvador (2009) Commerce Group Corp. and San Sebastian Gold Mines, Inc. v. Republic of El Salvador (ICSID Case No. ARB/09/17), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0202.pdf; Gold Reserve v. Venezuela (2009) Gold Reserve Inc. v. Bolivarian Republic of Venezuela (ICSID Case No. ARB(AF)/09/1), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw4009.pdf; Pac Rim v. El Salvador (2009) Pac Rim Cayman LLC v. Republic of El Salvador (ICSID Case No. ARB/09/12), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0599.pdf e http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0935.pdf; Copper Mesa v. Ecuador (2011) Copper Mesa Mining Corporation v. Republic of Ecuador (PCA No. 2012-2), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw7443.pdf; Crystallex v. Venezuela (2011) Crystallex International Corporation v. Bolivarian Republic of Venezuela (ICSID Case No. ARB(AF)/11/2), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw7194.pdf; South American Silver v. Bolívia (2013) South American Silver Limited v. The Plurinational State of Bolivia (PCA Case No. 2013-15), disponível em: https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw10361.pdf; Bear Creek Mining v. Peru (2014) Bear Creek Mining Corporation v. Republic of Peru (ICSID Case No. ARB/14/21), disponível em: https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw9381.pdf; Corona Materials v. República Dominicana (2014) Corona Materials, LLC v. Dominican Republic (ICSID Case No. ARB(AF)/14/3), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw7314.pdf; Infinito Gold v. Costa Rica (2014) Infinito Gold Ltd. v. Republic of Costa Rica (ICSID Case No. ARB/14/5), disponível em: https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw9384.pdf; Gabriel Resources v. Romênia (2015) Gabriel Resources Ltd. and Gabriel Resources (Jersey) v. Romania (ICSID Case No. ARB/15/31); Eco Oro v. Colômbia (2016) Eco Oro Minerals Corp. v. Republic of Colombia (ICSID Case No. ARB/16/41); RAKIA v. Índia (2016) Ras-AI-Khaimah Investment Authority v. India; Kingsgate v. Tailândia (2017) Kingsgate Consolidated Ltd v. The Kingdom of Thailand; Galway Gold v. Colômbia (2018) Galway Gold Inc. v. Republic of Colombia (ICSID Case No. ARB/18/13); Kappes v. Guatemala (2018) Daniel W. Kappes and Kappes, Cassidy & Associates v. Republic of Guatemala (ICSID Case No. ARB/18/43); Odyssey v. México (2019) Odyssey Marine Exploration, Inc. and Exploraciones Oceánicas S. de R.L. de C.V. v. United Mexican State e uma alegou expropriação direta.14 14 Cortec Mining v. Quênia (2015) Cortec Mining Kenya Limited, Cortec (Pty) Limited and Stirling Capital Limited v. Republic of Kenya (ICSID Case No. ARB/15/29), disponível em: https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw10051.pdf Em dois casos, não há informações públicas sobre as alegações dos investidores,15 15 Corcoesto v. Espanha n (2016) Corcoesto, S.A. v. Kingdom of Spain (PCA Case No. 2016-26); Gran Colombia v. Colômbia (2018) Gran Colombia Gold Corp. v. Republic of Colombia (ICSID Case No. ARB/18/23) ou seja, em 100% das controvérsias sobre as quais há dados sobre as alegações, as mineradoras alegaram que a não renovação ou não concessão de licença ambiental para operar constituiu expropriação. Dos vinte casos, quatro foram decididos em favor do investidor, três foram favoráveis ao Estado e um resultou em acordo - os outros 12 ainda não foram decididos (Gráficos 9 e 10).

Gráfico 9
Controvérsias geradas por tentativas do Estado de implantar norma ou lei já existente, por tema

Gráfico 10
Vencedor das controvérsias movidas por tentativas do Estado de fazer cumprir leis ou normas já existentes

Dez desses casos foram decididos em favor do investidor (sendo que os Estados tiveram de pagar um total de US$ 2.072.100.000 em indenização às empresas), quatro terminaram em acordo, sete foram decididos em favor do Estado, e três foram suspensos (em dois casos, o tribunal decidiu que não tinha jurisdição para examinar seus méritos, e um caso foi suspenso por questões procedimentais). Os outros 15 ainda estão pendentes.

Em 33 casos, do total de 72 controvérsias iniciadas, a abertura do processo de arbitragem se deu pela tentativa do Estado de implementar novas leis ou normas para proteger a saúde, o meio ambiente, o direito à água ou os direitos indígenas (Gráfico 11).

Gráfico 11
Controvérsias geradas por tentativas do Estado de implantar nova norma ou lei, por tema

A maior parte desses casos diz respeito à implementação de leis ou normas de saúde (15), nove são relacionadas à proteção ambiental, e um, a direitos de povos indígenas. Notavelmente, uma única medida por parte do governo argentino deu origem a oito processos relacionados ao direito à água.

Em relação aos quinze casos de saúde, quatro dizem respeito ao banimento do uso de substâncias tóxicas ou suspeitas de ser tóxicas,16 16 Ethyl v. Canadá (1997) Ethyl Corporation v. The Government of Canada, disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0300_0.pdf; Methanex v. EUA (1999) Methanex Corporation v. United States of America, disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0529.pdf; Chemtura v. Canada (2002) Crompton (Chemtura) Corp. v. Government of Canada, disponível em http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0149_0.pdf; Dow AgroSciences v. Canadá (2009) Dow AgroSciences LLC v. Government of Canada. e um, à proibição de importação de carne bovina do Canadá depois da confirmação de um caso de encefalopatia bovina espongiforme (“doença da vaca louca”) em Alberta.17 17 Canadian Cattlemen v. EUA (2005) The Canadian Cattlemen for Fair Trade (formerly Consolidated Canadian Claims) v. United States of America, disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0114.pdf Em todos esses casos, as empresas alegaram sofrer expropriação e exigiram indenização pelos prejuízos sofridos. Em alguns deles, o Estado não apenas teve de ressarcir os investidores financeiramente como também voltar atrás na legislação que deu origem à controvérsia. No caso Ethyl vs. Canadá (1997),18 18 Ethyl v. Canadá (1997) Ethyl Corporation v. The Government of Canada, disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0300_0.pdf por exemplo, a empresa americana processou o país vizinho, exigindo uma indenização de US$ 251 milhões por proibir o MMT, um aditivo usado na gasolina, depois que estudos demonstraram que a substância era neurotóxica. O caso encerrou-se com um acordo, no qual o Canadá foi condenado a pagar US$ 13 milhões, revogar a proibição e dizer publicamente que o MMT não era prejudicial à saúde. Doze anos depois, outra empresa americana, a Dow Agrosciences, voltou a processar o Canadá quando a província de Quebec proibiu o uso dos chamados “pesticidas cosméticos”, utilizados apenas para melhorar a aparência de jardins, em propriedades privadas, parques e escolas, baseada no princípio da precaução, depois que estudos demonstraram que a utilização desses produtos poderia causar efeitos negativos na saúde de crianças e adolescentes. O processo terminou num acordo em que o Canadá afirmava que o nível de risco à saúde causado pelo pesticida fabricado pela Dow era “aceitável” se a substância fosse usada de acordo com as instruções do fabricante (Cooper et al., 2014COOPER, Kathleen et al. 2014. Seeking a regulatory chill in Canada: the dow agrosciences NAFTA chapter 11 challenge to the Quebec pesticides management code. The Golden Gate University Environmental Law Journal, v. 7, n. 1. Disponível em Disponível em https://digitalcommons.law.ggu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1109&context=gguelj . Acesso em: 13 jul. 2020.
https://digitalcommons.law.ggu.edu/cgi/v...
).

Duas outras controvérsias que ganharam notoriedade após serem tornadas públicas foram as abertas pela Philip Morris contra os governos da Austrália e do Uruguai depois que os países decidiram, seguindo recomendações da OMS e da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, adotar embalagens uniformes para cigarros (plain packaging).19 19 Philip Morris v. Uruguay (2010) Philip Morris Brand Sàrl (Switzerland), Philip Morris Products S.A. (Switzerland) and Abal Hermanos S.A. (Uruguay) v. Oriental Republic of Uruguay (ICSID Case No. ARB/10/7), disponível em http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw1531.pdf; http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw7417.pdf; e http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw7585.pdf ; Philip Morris v. Austrália (2011) Philip Morris Asia Limited v. The Commonwealth of Australia (PCA Case No. 2012-12), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw7303_0.pdf; e https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw9212.pdf Nos dois casos, a empresa mudou sua sede para poder utilizar tratados bilaterais. No caso da Austrália, a Philip Morris transferiu a sede de suas operações australianas para Hong Kong. Por causa desse movimento, o tribunal de arbitragem responsável pelo caso australiano aceitou a alegação da Austrália de que não tinha jurisdição para examinar o caso e rejeitou a controvérsia. Ainda assim, o país teve de arcar com metade dos custos do processo - US$ 17 milhões. No caso do Uruguai, a empresa decidiu usar sua subsidiária Suíça para iniciar a controvérsia, utilizando-se do TBI entre os dois países. Neste caso, o tribunal admitiu examinar os méritos da controvérsia mas, seis anos depois, deu ganho de causa para o Estado.

Uma mesma lei ou norma pode dar origem a mais de um processo. O principal exemplo disso é o das controvérsias abertas contra a Argentina em razão de medidas tomadas pelo governo durante e após a crise financeira de 2001-2002. O país foi alvo de mais de cinquenta litígios, sendo oito deles relativos a medidas de congelamento do preço da água tomadas pelo governo durante a crise. Apesar de a Argentina ter invocado o “princípio da necessidade”, do direito consuetudinário dos investimentos, e sua obrigação de garantir o direito à água a seus cidadãos, os investidores ganharam todas as controvérsias, e o país foi condenado a pagar mais de US$ 856 milhões em indenizações às empresas de água e saneamento. Em praticamente todas as sentenças, os árbitros adotaram a lógica de que, apesar de a Argentina ter sido motivada a agir por motivos legítimos (crise econômica e direito à água de seus cidadãos), poderia ter tomado outras medidas que não as selecionadas para proteger esse direito, medidas essas que não violassem as cláusulas de seus tratados com os investidores. Segundo o tribunal que julgou o caso Suez e Vivendi vs. Argentina,20 20 Suez and Vivendi v. Argentina (II) (2003) Suez, Sociedad General de Aguas de Barcelona, S.A. and Vivendi Universal, S.A. (formerly Aguas Argentinas, S.A., Suez, Sociedad General de Aguas de Barcelona, S.A. and Vivendi Universal, S.A.) v. Argentine Republic (II) (ICSID Case No. ARB/03/19), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0826.pdf; http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0819.pdf; e http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw6304.pdf por exemplo, as obrigações dos Estados em matéria de direitos humanos não têm precedência sobre suas obrigações para com os investidores: os Estados devem respeitar as duas obrigações igualmente).

Dos casos relacionados à proteção ambiental, quatro dizem respeito à criação de zonas de preservação ambiental (reservas ou parques) em territórios em que investidores operavam ou pretendiam operar,21 21 Marion Unglaube v. Costa Rica (2008) Marion Unglaube v. Republic of Costa Rica (ICSID Case No. ARB/08/1), Award dated 16 May 2012 http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita1052.pdf; ; Berkowitz v. Costa Rica (2013) Aaron C. Berkowitz, Brett E. Berkowitz, Trevor B. Berkowitz v. Republic of Costa Rica (ICSID Case No. UNCT/13/2), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw7692_0.pdf; https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw8954.pdf; e https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw8956.pdf; Dominion Minerals v. Panama (2016) Dominion Minerals Corp. v. Republic of Panama (ICSID Case No. ARB/16/13); Rockhopper v. Itália (2017) Rockhopper Exploration Plc, Rockhopper Italia S.p.A. and Rockhopper Mediterranean Ltd v. Italian Republic (ICSID Case No. ARB/17/14), disponível em: https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw10646_0.pdf um trata da proibição de exportação de uma substância tóxica por riscos de contaminação do meio ambiente durante o manejo,22 22 Myers v. Canadá (1998) S.D. Myers, Inc. v. Government of Canada, disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0754.pdf; http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0747.pdf; e http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0752.pdf uma da proibição da prática de faturamento hidráulico (fracking) na província de Quebec, por ser prejudicial ao meio ambiente,23 23 Lone Pine v. Canadá (2013) Lone Pine Resources Inc. v. Canada (ICSID Case No. UNCT/15/2) e três de anúncio de medidas de transição para o uso de fontes de energia menos poluentes ou perigosas para o ambiente e a saúde.24 24 Vattenfall v. Alemanha (II) (2012) Vattenfall AB and others v. Federal Republic of Germany (II) (ICSID Case No. ARB/12/12), disponível em: https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw9916.pdf; Westmoreland v. Canada (2018) Westmoreland Coal Company v. Canada; Aura Energy vs. Suécia, 2019 Aura Energy Limited v. Sweden, disponível em: https://www.italaw.com/cases/7847 Entre os últimos, estão os casos Vattenfall vs. Alemanha - caso 2 (2012)25 25 Vattenfall v. Alemanha (II) (2012) Vattenfall AB and others v. Federal Republic of Germany (II) (ICSID Case No. ARB/12/12), disponível em: https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw9916.pdf; e Aura Energy vs. Suécia (2019).26 26 Aura Energy vs. Suécia, 2019 Aura Energy Limited v. Sweden, disponível em: https://www.italaw.com/cases/7847 No primeiro caso, os legisladores da Alemanha decidiram, após o acidente nuclear em Fukushima, não utilizar mais energia nuclear, anunciando planos de transição para outros tipos de energia. A empresa sueca Vattenfall, que operava dois reatores nucleares no país, entrou então com uma ação pedindo indenização de US$ 5 bilhões por danos causados pela perda do valor dos seus investimentos - o dobro do orçamento total da Alemanha para ações de proteção ambiental (BMU, 2018). No caso Aura Energy, a empresa deu início a uma controvérsia pedindo US$ 1,8 bilhão de indenização depois que a Suécia decidiu fechar suas minas de urânio - o triplo do que o país escandinavo reserva para o meio ambiente (Sweden, 2018SWEDEN. 2018. Ministry of the Environment. Ministry of Entreprise and Innovation. Clear environmental profile in budget for 2018. Government Offices of Sweden, 21 set. 2017. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3YDsZN9 . Acesso em: 18 ago. 2023.
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). Ambos os casos estão pendentes (Gráfico 12).

Gráfico 12
Vencedor da controvérsia gerada por tentativas do Estado de implantar nova lei

Os investidores venceram 14 dos casos que moveram em desafio à implementação de novas leis de interesse público, os Estados ganharam sete, quatro terminaram em acordo e um foi suspenso por questões procedimentais. Os outros sete estão pendentes. Os investidores demandaram US$ 22.716.200.000 dos países. Os Estados tiveram que pagar, até o final de 2019, US$ 1,080 bilhão em indenizações.

Discussão dos resultados

Ao analisar os casos selecionados, constatamos que os investidores venceram duas vezes mais casos em tribunais de arbitragem do que os Estados - três vezes mais, se considerarmos os acordos entre as partes como desfechos favoráveis ao investidor; que as ações governamentais que mais ensejaram processos foram tentativas de implementar leis ou normas já existentes, em grande parte dos casos, em consequência de mobilizações populares ou da sociedade civil; que as alegações mais comuns e mais bem-sucedidas dos investidores são as de violação do princípio de tratamento justo e igualitário e a da proibição à expropriação direta ou indireta; e que há enorme variação entre as indenizações outorgadas pelos tribunais.

Permitiria a análise desses casos, porém, afirmar que a abertura dessas controvérsias reduziu o espaço político dos Estados para proteger os direitos de seus cidadãos? O exame detalhado dos litígios parece apontar que sim.

Exigência de ressarcimento

O simples fato de tribunais de arbitragem poderem impor multas a países é um constrangimento ao espaço político dos Estados, porque compromete fundos públicos que, de outra forma, poderiam ter sido utilizados para outros fins de interesse público decididos pelos legisladores. Como vimos acima, investidores demandaram um total de US$ 57 bilhões dos Estados nos 72 casos estudados, sendo que, em nove casos, a quantia demandada ultrapassou o US$ 1 bilhão. Nos 46 casos que já foram decididos, e sobre os quais há informações referentes a quantias outorgadas, os respectivos países foram condenados a pagar, no total, US$ 3 bilhões. Em alguns casos, a multa foi tão alta que superou orçamentos de ministérios inteiros, como vimos nos casos da Vattenfall vs. Alemanha (2012) e Aura Energy vs. Suécia (2019).

Não apenas os altos valores em indenizações pesam para os Estados, mas os próprios custos de arbitragem podem representar porções significativas de seus orçamentos. Um estudo de 2017 concluiu que os países gastam, em média, US$ 4,9 milhões por processo de arbitragem, e os investidores, US$ 6 milhões (Hodgson e Campbell, 2017HODGSON, Matthew e CAMPBELL, Alastair. 2017. Damages and costs in investment treaty arbitration revisited, Global Arbitration Review, 14 December 2017). Mas os custos podem ser bem mais altos. O Equador, por exemplo, gastou US$ 90 milhões de dólares em advogados para se defender de casos entre 2007 e 2012 (Villavicencio, 2013VILLAVICENCIO, Fernando Valencia. 2013. Las Costosas Derrotas del Ecuador en Cortes Internacionales Periodismo de Investigación, 26 out. 2013. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3qASTV0 . Acesso em: 18 ago. 2023.
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). O governo do Uruguai admitiu que não teria condições de se defender da controvérsia aberta pela Philip Morris se os custos não tivessem sido pagos pela Fundação Bill e Melinda Gates e pela Fundação Bloomberg, que decidiram financiar a defesa do país como caso de litígio estratégico contra a indústria do tabaco (Ranald, 2019RANALD, Patricia. 2019. “When Even Winning is Losing: The Surprising Cost of Defeating Philip Morris over Plain Packaging”, The Conversation, 26 mar 2019, Disponível em: Disponível em: https://theconversation.com/when-even-winning-is-losing-the-surprising-cost-of-defeating-philip-morris-over-plain-packaging-114279 . Acesso em: 29 ago. 2023.
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).27 27 Os custos da defesa do Uruguai foram estimados em US$ 10 milhões. Em uma decisão inédita, o tribunal condenou a Philip Morris a pagar US$ 7 milhões ao Uruguai para custear essas despesas. (Philip Morris Brands Sàrl, Philip Morris Products S.A &.Andabal Hermanos S.A vs. The Oriental Republic Of Uruguay, 2016, Award).

Anulação de leis ou normas em vigor

Outra forma de constrangimento do espaço político dos Estados para legislar em matéria de interesse público causada pelas controvérsias investidor-Estado foi a anulação de leis ou normas em vigor.

Como visto acima, os casos Ethyl vs. Canadá (1997), Dow Agrosciences vs. Canadá (2009) e Gilead vs. Ucrânia (2016) terminaram em acordos nos quais o país acionado não apenas teve de pagar indenização ao investidor, mas também voltar atrás na legislação que ensejou o processo. Também o caso Vattenfall vs. Alemanha (caso 1)28 28 Vattenfall v. Alemanha (I) (2009) Vattenfall AB, Vattenfall Europe AG, Vattenfall Europe Generation AG v. Federal Republic of Germany (I) (ICSID Case No. ARB/09/6), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0890.pdf terminou num acordo em que o país mudou a legislação ambiental para permitir que a água utilizada para resfriar um reator fosse jogada num rio - a controvérsia foi iniciada quando o país negou a outorga de licença ambiental à empresa porque a temperatura da água descartada no rio ameaçava algumas espécies de peixes.

Inibição na proposição de novas leis (efeito “resfriador”)

Apesar de ser difícil medir o efeito resfriador - ou inibidor - das controvérsias investidor-Estado - ou seja, sua influência na não-proposição de novas leis ou normas -, é possível identificar indícios de que Estados deixaram de legislar em nome do interesse público por temerem processos de arbitragem.

É importante notar que o efeito resfriador não se dá apenas quando o investidor vence uma controvérsia. Às vezes, mesmo quando há acordo entre as partes, os legisladores sentem-se inibidos a aprovar novas leis semelhantes às que provocaram as controvérsias.

Contribui para isso o já mencionado alto custo dos processos e a imprevisibilidade tanto dos resultados - já que os tribunais não operam com jurisprudência - quanto das quantias a serem ressarcidas caso o Estado perca a controvérsia - já que não há um método definido de cálculo para indenizações por expropriação. Após o caso Ethyl,29 29 Ethyl v. Canadá (1997) Ethyl Corporation v. The Government of Canada, disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0300_0.pdf por exemplo, o Canadá passou a ter de se apoiar em medidas voluntárias de regulação do uso do aditivo MMT, pois nenhuma província voltou a aprovar medidas de proibição da substância (Van Harten, 2015VAN HARTEN, Gus. 2015. Sold down the Yangtze: Canada’s lopsided investment deal with China. Burlington: IIAPP., pp. 107-111). Em alguns casos, o efeito atravessa as fronteiras do demandado. No caso Philip Morris vs. Austrália,30 30 Philip Morris v. Austrália (2011) Philip Morris Asia Limited v. The Commonwealth of Australia (PCA Case No. 2012-12), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw7303_0.pdf; e https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw9212.pdf o primeiro-ministro da Nova Zelândia afirmou que havia suspendido seu projeto de aprovar uma lei antitabaco semelhante porque um processo em tribunais de arbitragem representaria um prejuízo elevado para o país (Crosbie e Thomson, 2018CROSBIE, Eric; THOMSON, George. 2018. Regulatory chills: tobacco industry legal threats and the politics of tobacco standardised packaging in New Zealand. The New Zealand medical journal, v. 131, n. 1473, pp. 25-41.). A ausência de parâmetros para calcular as demandas e as indenizações outorgadas também pode estimular empresas a pedir altas quantias para persuadir os Estados a fazerem acordos ou voltar atrás na lei ou norma que deu origem à controvérsia.

Outro indício do efeito resfriador dos litígios investidor-Estado é o de que a simples ameaça de um processo pode fazer Estados voltarem atrás em suas intenções de legislar em nome do interesse público. Grande parte dessas ameaças provavelmente não chega a ser conhecida, mas alguns casos que vieram a público demonstram o potencial inibidor das controvérsias.

Em 2016, por exemplo, a Novartis ameaçou o governo da Colômbia de abrir uma controvérsia num tribunal de arbitragem caso o país fosse adiante com sua intenção de outorgar o licenciamento compulsório do medicamento Glivec (Public Eye, 2017PUBLIC EYE. 2017. Compulsory licensing in Colombia: Leaked documents show aggressive lobbying by Novartis. Public Eye, 12 abr. 2017. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3OJnxUt . Acesso em: 18 ago. 2023.
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). O remédio é usado no tratamento da leucemia, e, por sua eficácia, foi incluído na lista de medicamentos essenciais da OMS. O país utilizou o mecanismo do licenciamento compulsório, previsto no TRIPs, e declarou o remédio como medicamento de interesse público, o que permitiria o licenciamento compulsório e a autorização de venda de sua versão genérica. Após receber a ameaça da Novartis, o país decidiu apenas negociar o preço do medicamento com a farmacêutica, obtendo um desconto de 44% (Verheecke et. al., 2019VERHEECKE, Lora et al. 2019. Red carpet courts: 10 stories of how the rich and powerful hijacked justice. Amsterdam: Transnational Institute .).

Na França, uma lei que baniria o uso de todos os hidrocarbonos após 2020 foi revista e o prazo estendido até 2040 depois que a empresa canadense Vermillion ameaçou o governo de abrir uma controvérsia investidor-Estado em 2017. O Canadá também deixou de propor uma lei de embalagens uniformes de cigarros, como a uruguaia e a australiana, após ser ameaçado com um processo por uma firma de advocacia contratada pela Philip Morris, e funcionários do governo do país admitiram que deixaram de implementar diversas políticas ambientais por medo de sofrer processos de arbitragem (Greider, 2001GREIDER, William. 2001. The Right and US Trade Law: Invalidating the 20th Century. The Nation, 17 nov. 2001. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3KHs1JJ . Acesso em: 18 ago. 2023.
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; Labonté, 2003LABONTÉ, Ronald. 2003. Dying for Trade: why globalization can be bad for our health. CSJ Foundation for Research and Education. ). Após a abertura do processo da Philip Morris contra o governo da Austrália, a Nova Zelândia adiou a decisão de proibir marcas em maços de cigarros (Armitage, 2014ARMITAGE, Jim. 2014. Big Tobacco puts countries on trial as concerns over TTPI deals mount. The Independent. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3YIf9J6 . Acesso em: 18 ago. 2023.
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). A Namíbia aprovou uma lei antitabaco em 2010, mas reluta em regulamentar a matéria após ser ameaçada de processos (Tavernise, 2013TAVERNISE, Sabrina. 2013. Tobacco firms’ strategy limits poor nations’ smoking laws. The New York Times, 13 dez. 2013. Disponível em: Disponível em: https://nyti.ms/44gNHU0 . Acesso em: 18 ago. 2023.
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). Um estudo constatou, ainda, o efeito resfriador dos processos de arbitragem na proposição de novas leis ambientais que restringissem as atividades de mineradoras multinacionais em Gana (Tienhaara, 2006TIENHAARA, Kyla. 2006. Mineral investment and the regulation of the environment in developing countries: lessons from Ghana. International Environmental Agreements: Politics, Law and Economics, v. 6, pp. 371-394..). E, na Indonésia, o governo voltou atrás na declaração de uma área de proteção ambiental depois de sofrer a ameaça de abertura de processo de arbitragem pela mineradora australiana Newcrest (Hamby, 2016HAMBY, Chris. 2016. The Billion Dollar Ultimatum. Buzzfeed News, 30 ago. 2016. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/45Dnlgl . Acesso em: 18 ago. 2023.
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).

Limites aos abusos por investidores

Certas características substantivas e processuais dos sistemas de resolução de disputas investidor-Estado parecem contribuir particularmente para reduzir o espaço político dos Estados para defender os direitos de seus cidadãos, uma vez que empresas fazem uso dessas cláusulas de proteção ao investidor para inibi-los quando tal defesa parece ameaçar sua lucratividade. Entre as chamadas características substantivas, destaca-se a existência do princípio de “expropriação indireta”, que possibilita que empresas classifiquem quase qualquer tentativa de regulamentação de sua atividade por parte do Estado como violação do tratado.

Já entre as principais características processuais que dificultam a imposição de limites ao uso abusivo das cláusulas de proteção ao investidor, estão o fato de que apenas investidores podem abrir controvérsias nos sistemas de ISDS, e o de que não é possível recorrer de decisões de tribunais, além da dificuldade de obter anulação de sentenças. Tanto nas controvérsias regidas pelas normas do CIADI quanto naquelas regidas pela Lei-Modelo da Comissão das Nações Unidas sobre Direito Comercial Internacional (UNCITRAL), ou similares, para que o tribunal de arbitragem ad hoc (no caso do CIADI) ou o tribunal doméstico (nos outros casos) possa anular uma sentença de arbitragem, é preciso constatar que houve erro ou má-fé no processo, ou que o tribunal aplicou a legislação incorreta ao caso, mas não cabe anulação se o processo tiver preservado a legalidade e a legislação correta tiver sido aplicada à controvérsia, ainda que a interpretação dessa lei possa ter sido incorreta (Fernández-Armesto, 2011FERNÁNDEZ-ARMESTO, Juan. 2011. Different systems for the annulment of investment awards. ICSID Review: Foreign Investment Law Journal, v. 26, n. 1, pp. 128-146. DOI: 10.1093/icsidreview/26.1.128.
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; CIADI, 2006aCIADI. 2006a. ICSID convention, regulations and rules. Washington, DC: ICSID. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/45cp4sR . Acesso em: 18 ago. 2023.
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, Art. 50; UNCTAD, 2014UNCTAD. 2014. Investor-state dispute settlement: a sequel. UNCTAD Series on International Investment Agreements II. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3KNVulk . Acesso em: 18 ago. 2023.
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, p. 154).

Caso uma decisão seja anulada, o investidor pode abrir nova controvérsia sobre o mesmo caso. Árbitros, contudo, parecem ser bastante relutantes em conceder anulações. Nos últimos 33 anos, o CIADI acolheu, integral ou parcialmente, dezenove dos 116 pedidos de anulação registrados (16%). Dos 72 casos examinados no presente estudo, houve pedido de anulação em sete controvérsias - quatro que haviam sido orginalmente vencidas pelo investidor (todas casos de direito à água na Argentina),31 31 Suez and Interagua v. Argentina (2003) Suez, Sociedad General de Aguas de Barcelona, S.A. and Interagua Servicios Integrales de Agua, S.A. v. Argentine Republic (ICSID Case No. ARB/03/17), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0807.pdf; Suez and Vivendi v. Argentina (II) (2003) Suez, Sociedad General de Aguas de Barcelona, S.A. and Vivendi Universal, S.A. (formerly Aguas Argentinas, S.A., Suez, Sociedad General de Aguas de Barcelona, S.A. and Vivendi Universal, S.A.) v. Argentine Republic (II) (ICSID Case No. ARB/03/19), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0819.pdf e http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw6304.pdf; Impregilo v. Argentina (I) (2007) Impregilo S.p.A. v. Argentine Republic (I) (ICSID Case No. ARB/07/17), disponível em: http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0418.pdf e três pelo Estado.32 32 Industria Nacional de Alimentos v. Peru (2003) Industria Nacional de Alimentos, S.A. and Indalsa Perú, S.A. (formerly Empresas Lucchetti, S.A. and Lucchetti Perú, S.A.) v. Republic of Peru (ICSID Case No. ARB/03/4), disponível em http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0275.pdf; Commerce Group v. El Salvador (2009) Commerce Group Corp. and San Sebastian Gold Mines, Inc. v. Republic of El Salvador (ICSID Case No. ARB/09/17), disponível em http://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0202.pdf; Cortec Mining v. Quênia (2015) Cortec Mining Kenya Limited, Cortec (Pty) Limited and Stirling Capital Limited v. Republic of Kenya (ICSID Case No. ARB/15/29), disponível em: https://www.italaw.com/sites/default/files/case-documents/italaw10051.pdf Todos os pedidos de anulação pelo Estado (Argentina) foram rejeitados. Dos três pedidos registrados por empresas, um está pendente, um foi suspenso pelo CIADI, e o terceiro foi rejeitado.

Tribunais locais também parecem relutar em anular decisões. Entre as 72 controvérsias analisadas no presente estudo, onze das partes vencidas pediram anulação da sentença por tribunais nacionais. Destes casos, dois ainda estão pendentes. Dos nove restantes, sete pedidos foram rejeitados - ou seja, a sentença original foi mantida -, um foi parcialmente concedido e um foi aceito. O caso anulado é a controvérsia Achmea vs. Eslováquia,33 33 Achmea v. Eslováquia (I) (2008) Achmea B.V. (formerly Eureko B.V.) v. The Slovak Republic (I) (PCA Case No. 2008-13) em que o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu, em 2018, que, em controvérsias entre investidores e Estados da União Europeia, a lei europeia tem precedência sobre qualquer tratado bilateral, e que, de acordo com a legislação europeia, qualquer decisão judicial envolvendo Estados-parte da UE tem de permitir recurso a instâncias superiores, de acordo com o que determinam os Tratados do bloco. O tribunal concluiu que o tratado bilateral entre Países Baixos e Eslováquia, no qual a controvérsia se baseava, não provia essa possibilidade, portanto não poderia ser aplicado. Dado que o tratado em questão é similar aos outros baseados na Lei-Modelo da UNCITRAL e nas regras do CIADI, a medida possivelmente terá consequências para todas as arbitragens baseadas em tratados entre membros da União Europeia.

Uma possibilidade que Estados teriam para limitar abusos por parte do investidor seria a abertura de contrademandas (counterclaims) dentro de uma controvérsia. Dentre os 72 casos examinados no presente estudo, porém, apenas em um deles o Estado entrou com uma contrademanda. Trata-se da controvérsia Urbaser vs. Argentina (2007),34 34 Urbaser and CABB v. Argentina (2007) Urbaser S.A. and Consorcio de Aguas Bilbao Biskaia, Bilbao Biskaia Ur Partzuergoa v. Argentine Republic (ICSID Case No. ARB/07/26) em que o país alegou que, ao não investir o suficiente nos sistemas de provimento de água e esgoto, a empresa havia violado o direito humano à água. O tribunal deu ganho de causa ao investidor, mas o simples fato de o tribunal ter aceitado examinar um caso baseado no direito internacional dos direitos humanos foi considerado significativo (Crow e Escobar, 2018CROW, Kevin; ESCOBAR, Lina L. 2018. International corporate obligations, human rights, and the urbaser standard: breaking new ground. BU Int’l LJ, v. 36, n. 87.).

Por fim, o sigilo quanto aos processos é uma característica do sistema de controvérsias investidor-Estado que dificulta não apenas pesquisas como esta, mas sobretudo a participação de grupos afetados, que poderiam mobilizar a opinião pública, nacional ou internacional, tanto no sentido de pressionar os tribunais de arbitragem para que permitam que o Estado cumpra a sua obrigação de proteger direitos, quanto no de constranger publicamente as empresas demandantes que tentam impedi-lo. O CIADI registra todos os casos e publica a existência da controvérsia, o nome das partes, e suas datas de início e fim. Dados como decisões e sentenças, valor da indenização requerida e outorgada e outros detalhes, contudo, são divulgados apenas a pedido de pelo menos uma das partes. Já as regras da UNCITRAL não incorporavam, até recentemente, nenhuma exigência de publicidade sobre nenhum aspecto dos casos, que só podiam ser divulgados com o consentimento de ambas as partes. Em 2014, entraram em vigor novas regras de arbitragem, ampliando a transparência do processo (UNCITRAL, 2013UNCITRAL. 2013. Rules on transparency in treaty-based investor-state arbitration. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3YFOoVM . Acesso em: 18 ago. 2023.
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). As normas, contudo, se aplicam apenas a controvérsias relativas a tratados assinados depois de abril de 2014. Para que países que assinaram tratados antes da publicação dessas regras pudessem aderir a elas, foi criada também a Convenção sobre Transparência, que entrou em vigor em 2017, e, por enquanto, foi ratificada por apenas seis países.

Conclusões

Os achados acima demonstram que o transplante de um sistema de resolução de controvérsias privadas (investidor-investidor) para um sistema de resolução de controvérsias entre entes privados e públicos trouxe grandes desvantagens para os últimos, as quais não trazem apenas prejuízos financeiros aos Estados, mas, mais gravemente, afetam sua capacidade de agir para proteger os direitos de seus cidadãos.

Em pelo menos 23 dos cinquenta casos resolvidos, a controvérsia restringiu a capacidade do Estado de legislar em matéria de interesse público ao obrigar o país a ressarcir o investidor financeiramente por medidas tomadas no interesse público, ou, mais gravemente, como ocorreu em pelo menos nove casos, fazê-lo sustar a implementação ou ainda recuar da proposição de leis ou normas para salvaguardar direitos - causando o chamado “resfriamento” ou constrangimento regulatório. Em alguns casos, esse efeito resfriador atingiu não apenas o país em questão, mas outros Estados.

Algumas características dos tratados e dos mecanismos de resolução de controvérsias parecem contribuir para esse constrangimento da margem discricionária dos Estados. O maior efeito inibidor possivelmente advenha da imprevisibilidade quanto aos desfechos dos processos, incerteza esta que decorre da ausência de critérios uniformes para definir no que consiste a expropriação indireta, assim como para calcular valores de indenização quando ela é constatada pelos tribunais. Essa imprevisibilidade é agravada pelo fato de que não há jurisprudência no sistema de controvérsias investidor-Estado, nem mesmo em decisões concernentes a um mesmo tratado: cada tribunal decide cada caso conforme critérios próprios, sem necessidade de dialogar com decisões anteriores. Esse quadro de incerteza, aliado ao histórico de vitórias muito mais frequentes dos investidores, parece fazer com que a simples ameaça de abrir uma controvérsia investidor-Estado constranja países a voltar atrás em decisões já tomadas de implementação de leis ou normas de interesse público, ou, em alguns casos, que a simples existência de tratados contendo cláusulas de proteção ao investidor refreie a proposição de novas leis ou normas que possam causar prejuízos a investidores estrangeiros.

Contribuem ainda para a “vulnerabilidade” dos Estados perante os tribunais de arbitragem a falta de mecanismos de controle externo dos sistemas de resolução de controvérsia investidor-Estado (tais como o sigilo e os obstáculos à participação de terceiros), alimentada pela falta de transparência dos processos, e a dificuldade para recorrer das decisões desses tribunais e conter abusos dos investidores.

Tendo em vista o potencial das cláusulas de proteção ao investidor constantes dos TBI e tratados de livre comércio de constranger o espaço político dos Estados, assim como dúvidas sobre seu real poder de trazer ganhos econômicos, diversos países vêm cancelando tratados bilaterais com essas cláusulas e/ou se engajando em tentativas de reforma do sistema de resolução de controvérsias investidor-Estado (UNCTAD, 2020aUNCTAD. 2020a. Database of investor-state dispute settlement. New York: UN . Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/45x9TdQ . Acesso em: 18 ago. 2023.
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).

Segundo a UNCTAD, 349 tratados de investimento já foram cancelados, e a tendência tem se intensificado - 221 desses cancelamentos ocorreram desde 2010 (UNCTAD, 2019UNCTAD. 2019. Taking stock of IIA reform: recent developments. IIA Issues Notes, n. 3.), sendo que, de 2017 a 2020, mais acordos foram cancelados do que novos tratados assinados (UNCTAD, 2020cUNCTAD. 2020c. The changing IIA Landscape: new treaties and recent policy developments. IIA Issues Notes .).

De outro lado, órgãos de solução de controvérsias, como o CIADI e a UNCITRAL, deram início a processos de reforma dos próprios mecanismos de ISDS. Paralelamente, a União Europeia criou um novo Sistema de Tribunal de Arbitragem (ICS, na sigla em inglês) para gerir potenciais controvérsias entre investidores e Estados e tem advogado pela criação de um Tribunal Multilateral de Investimentos (MIC, na sigla em inglês). Também o Brasil, que nunca ratificou TBI com cláusulas de ISDS, vem propondo na arena internacional outro modelo de tratado para gerir a política de investimentos entre Estados: os Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos.

Em suas tentativas de reforma de seus próprios tratados e TBI-modelo e de sua legislação de investimento, os Estados parecem estar se esforçando para delimitar o escopo da proteção aos investidores, excluindo, por exemplo, certas medidas estatais da proteção contra expropriação indireta, detalhando outros princípios substantivos, ampliando a transparência dos processos e incluindo mecanismos para que as partes possam recorrer das decisões do tribunal de arbitragem (UNCITRAL, ICS/MIC). Outra reforma proposta com a intenção de prevenir o uso de controvérsias como forma de pressão contra Estados tem sido a inclusão de cláusulas para evitar a abertura de “demandas frívolas”, atribuindo uma parte maior dos custos do processo aos investidores que iniciem controvérsias manifestamente sem mérito legal (CIADI, ICS/MIC) e tornando mais acessível aos Estados a possibilidade de iniciar contrademandas contra o investidor (CIADI, 2020CIADI. 2020. Proposals for amendments of the ICSID Rules. [ICSID] Working Paper 4, v. 1, p. 55. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3seSDLY . Acesso em: 18 ago. 2023.
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, p. 55). Notadamente, porém, nenhum dos dois principais mecanismos de solução de controvérsias, a UNCITRAL e o CIADI, inclui em suas tentativas de reforma o aperfeiçoamento de princípios substantivos de proteção ao investidor.

Como têm afirmado os países e organizações da sociedade civil críticos ao sistema de ISDS, um mecanismo no qual apenas um lado tem obrigações, e apenas o outro pode iniciar controvérsias e ser recompensado financeiramente, é desequilibrado per se. A única forma de corrigir essa assimetria seria introduzir obrigações aos investidores e atribuir a possibilidade de recorrer ao tribunal também ao Estado (Transport and Environment, CIEL, Client Earth e SOMO, [2018?]TRANSPORT AND ENVIRONMENT; CIEL; CLIENT EARTH; SOMO. [2018?]. Reform Options for ISDS. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3YFOoVM . Acesso em: 18 ago. 2023.
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; Public Services International, 2018PUBLIC SERVICES INTERNATIONAL. 2018. Letter: More Than 300 Civil Society Organizations From 73 Countries Urge Fundamental Reform at UNCITRAL’s Investor-State Dispute Settlement Discussions. PSI, 30 out. 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.world-psi.org/en/node/11693 . Acesso em: 18 ago. 2023.
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).

Essa medida, porém, ainda não corrigiria o caráter antidemocrático dos ISDS, pois colocaria empresas privadas estrangeiras e Estados, em grande parte governados por representantes democraticamente eleitos para promover e proteger os direitos de seus cidadãos, em pé de igualdade. Como apontaram organizações da sociedade civil críticas ao sistema, o grande perigo de investir em reformas dos ISDS é dar novo fôlego a um sistema que estava morrendo ou, caso a proposta de um tribunal permanente vá adiante, consolidar uma estrutura manifestamente injusta.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    05 Nov 2020
  • Aceito
    23 Mar 2022
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