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Direitos em Disputa

O número 120 da revista Lua Nova conta com nove artigos enviados espontaneamente por seus autores e que foram avaliados positivamente por nossos pareceristas, aos quais muito agradecemos. O artigo “O Problema da Tolerância Religiosa no Pensamento Político de Lutero”, de Júlio Barroso, abre o volume examinando qual o sentido da noção de tolerância religiosa defendida por Lutero e as razões para que o reformador rejeitasse a interferência do poder secular na esfera das crenças. Em seguida, Ricardo Silva discorre criticamente sobre o modelo normativo de soberania globalizada de Phillip Petit, cujo intuito é expandir a teoria neorrepublicana de liberdade como não dominação à esfera internacional, lidando teoricamente com o problema da justiça e legitimidade na ordem global.

Os trabalhos seguintes exploram processos, conjunturas e dilemas da realidade social contemporânea, nos quais há disputas entre atores em torno de concepções de sociedade, política e direitos. O artigo “Contra os Sacerdotes Vermelhos: a confederação anticomunista latino-americana (CAL) e a formação de uma direita religiosa (1972-1984)”, de André Kaysel, analisa o discurso ideológico da CAL e a sua influência na articulação de redes transnacionais da extrema direita latino-americana. Dois pontos centrais despontam nesse estudo. Kaysel demonstra que o antagonismo de membros da CAL ao clero progressista se manifestava na disputa discursiva em defesa da fé religiosa, do cristianismo verdadeiro, da soberania nacional e do direito à propriedade, além do ataque contra a “infiltração do comunismo” e a denúncia de supostas “distorções da fé autêntica”. Nesse sentido, há convergências entre o discurso da extrema direita católica e dos setores repressivos e, além disso, de fato, a CAL desempenhou um papel na articulação de aparatos repressivos sul-americanos e na organização da chamada Operação Condor.

Ao mesmo tempo que antagonizam com os setores progressistas, os diferentes atores da extrema direita também constroem campos de convergência entre si. Outro pesquisador do tema, por exemplo, qualifica a Nova Direita pela defesa de “alguma combinação de capitalismo de livre mercado e desregulamentação”; “nacionalismo e anticomunismo”; e uma renovação reacionária da moralidade e dos valores tradicionais” (Cowan, 2018COWAN Benjamin Arthur. 2018. A hemispheric moral majority: Brazil and the transnational construction of the New Right. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 61, n. 2, pp.1-25. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/47JgzqL . Acesso em: 5 dez. 2023.
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, p. 2). Na interpretação documental de Kaysel, foi o anticomunismo que operou como um ponto de articulação entre interpelações discursivas heterogêneas (a fé religiosa, a soberania nacional, o direito de propriedade) que convergiram em um mesmo campo discursivo. Nesse sentido, destaca-se o papel fundamental do anticomunismo na coesão e coalizão de atores diversos em uma rede transnacional de direita.

O texto “A classe média rural brasileira e o agronegócio: cooptação e hegemonia”, de Marconi Severo, aborda as concepções que o agronegócio e os movimentos sociais possuem acerca da sociedade, como um todo, e do meio rural, em específico e se eles disputam (ou não) a adesão da classe média às imagísticas respectivas. A partir do exame de entrevistas e fontes primárias, o autor conclui que o agronegócio almeja suprimir fronteiras com a classe média e produzir imagísticas universalizantes, ao mesmo tempo que os movimentos sociais preferem demarcar divisas entre o pequeno e o médio produtor.

Na sequência, o artigo intitulado: “A intensificação dos conflitos distributivos no Brasil e o deslocamento político empresarial no governo Dilma (2011-16)”, de autoria de Hugo Fanton da Silva e Gabriel Nunes de Oliveira, lança luz sobre o acirramento da disputa pela distribuição de ganhos e remunerações entre empresários e trabalhadores e a mudança de posição política dos setores empresariais da Construção Civil em Habitação e de Autopeças, que antecedeu o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Quanto ao texto “Vigiando o protesto: reconfigurações das táticas policiais de controle às manifestações sociais durante a Copa do Mundo de 2014”, de Eduardo Fernandes, esse artigo examina a instrumentalização de novas tecnologias de informação e comunicação, em Porto Alegre, em 2014, para vigilância e controle de protestos sociais e da ação coletiva, avaliando os impactos dessas táticas na democracia e na violação de direitos individuais e sociais. Por sua vez, o trabalho “Escola Sem Partido e o processo de desdemocratização no Brasil”, de autoria de Rayani Mariano Santos e Flávia Biroli, analisa a tentativa de controlar autoritariamente as condutas e de privatizar o público e o coletivo, que está por trás do Projeto de Lei nº 7.180, de 2014, conhecido como Projeto Escola Sem Partido. Examinando os discursos enunciados em audiências e reuniões públicas sobre a proposta de lei, as autoras discutem como o Escola Sem Partido pretende normalizar desigualdades, injustiças, censurar determinadas pautas e expandir o privado, reforçando o mercado e a responsabilidade das famílias e dos indivíduos em detrimento do público. Ambos os artigos discutem fenômenos, portanto, que envolvem não apenas disputas econômicas, ou mesmo entre concepções de sociedade, política e de direitos, mas que também implicam um reforço daquilo que Dardot e Laval (2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. 2016. A Nova Razão do Mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo.) entendem, partindo de Foucault, como formas de controlar as condutas (discursos, práticas e dispositivos) e produzir determinadas maneiras de viver e subjetividades.

Em “Direito inacessível: pessoas com deficiência e eleições no Brasil”, Gustavo Martins Piccolo e Enicéia Gonçalves Mendes examinam a participação de pessoas com deficiência no processo eleitoral brasileiro e discutem razões teórico-normativas para impulsionar essa representação.

Por fim, o número 120 se encerra com o artigo “Análise de Conjuntura: contribuições teórico-metodológicas”, de João Henrique Araujo Virgens e Carmen Fontes Teixeira, que sistematiza e problematiza os estudos recentes teórico-metodológicos que examinaram questões fundamentais para a elaboração de análises de conjunturas, discutindo, definindo e demonstrando as opções envolvidas na delimitação do tempo, do recorte espacial, da articulação entre conjuntura e estrutura, na apreensão das incertezas e na análise de correlação de forças.

Bibliografia

  • COWAN Benjamin Arthur. 2018. A hemispheric moral majority: Brazil and the transnational construction of the New Right. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 61, n. 2, pp.1-25. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/47JgzqL Acesso em: 5 dez. 2023.
    » https://bit.ly/47JgzqL
  • DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. 2016. A Nova Razão do Mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023
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