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Hamartoma do baço: relato de caso e revisão da literatura

Spleen hamartoma: case report and literature review

Resumos

RACIONAL: Hamartoma do baço é uma lesão incomum. Cerca de cento e cinqüenta hamartomas esplênicos foram descritos na literatura. OBJETIVO: Esse artigo relata um caso de hamartoma esplênico e revisa os achados clínicos e patológicos dessa entidade na literatura. RELATO DO CASO: Mulher com 54 anos queixava-se de sensação de empachamento e aumento do volume abdominal há dois anos. Negava vômitos e alterações do ritmo intestinal, assim como, perda de peso. Ao exame físico foi observado bom estado geral, abdome flácido, doloroso à palpação profunda em hipocôndrio esquerdo, massa palpável à cerca de 8 cm do rebordo costal esquerdo, ruídos hidroaéreos presentes. Os resultados dos exames laboratoriais foram normais Tomografia computadorizada de abdome demonstrou baço aumentado de volume devido à volumosa formação expansiva, heterogênea, com conteúdo predominantemente hipodenso (cístico) e septação grosseira com focos de calcificação de permeio medindo aproximadamente 14,0 x 16,0 x 12,0 cm nos diâmetros longitudinal, ântero-posterior e transverso respectivamente. A paciente foi submetida à laparotomia exploradora onde não foram observados implantes tumorais na cavidade peritoneal e esplenectomia foi realizada sem intercorrências. O exame macroscópico da peça operatória mostrava baço aumentado de volume, pesando 1 170 g e medindo 23,0 x 14,5 x 10,0 cm, chamando atenção uma volumosa massa de 14,5 x 10,0 cm. Exame histopatológico com imunoistoquímica concluiu tratar-se de tecido hamartomatoso e ausência de malignidade. CONCLUSÃO: O hamartoma é tumor benigno raro, mas deve ser lembrado no diagnóstico diferencial de massas originadas do baço, e a esplenectomia pode ser realizada de forma segura e eficaz.

Hamartoma; Baço; Esplenoma


BACKGROUND: Spleen Hamartoma is an uncommon lesion. Approximately one-hundred and fifty spleenic hamartomas have been described in literature. AIM: This article relates a case of spleenic hamartoma and revises clinical and pathological findings pertaining this subject in literature. CASE REPORT: A 54 year-old woman complained of full stomach sensation and increased abdominal volume for two years. She denied vomiting or having any intestinal alteration, as well as no weight loss. Upon physical examination, an overall good state of health was observed, except for a flacid abdomen, painful upon deep palpation in the left hyponchondrium area, showing a palpable mass at approximately 8 cm from the left rebordo costal, as well as hidroairy sounds. Laboratory exams showed no alterations. Computerized tomography of the abdomen showed an increased volume of the spleen due to an expansive volumous formation, heterogeneous, containing a hypodense (cystic) liquid and rough septation with underlying calcifications foci measuring about 14,0 x 16,0 x12,0 cm in diameters longitudinally, antero-posteriorlly and transversally respectively. The patient was submitted to exploratory laparotomy, where no tumors in the peritoneal cavity were observed, allowing spleenectomy to be persued without interventions. Macroscopic exams of the surgical segment showed an increased spleen, weighing 1,170 and measuring 23,0 x 14,5 x 10,0 cm. The attention was called to a volumous mass weighing 14,5 x 10,0 cm. Through hystopathological and immunohistochemical exams, it was concluded that the mass was an hamartomous tissue without any malignancy. CONCLUSION: The harmartoma is a benign rare tumor, nevertheless it should be recalled during differential diagnosis of unknown masses originated in the spleen, making spleenectomy a safe and effective procedure.

Hamartoma; Spleen; Splenoma


RELATO DE CASO

Hamartoma do baço: relato de caso e revisão da literatura

Spleen hamartoma: case report and literature review

Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto; Carlos Eduardo Caiado Anunciação; Leônidas Nogueira Gomes Rabelo; Marcelo Gominho Bispo

Cirurgia Geral e do Trauma do Hospital da Restauração - SUS, Recife, PE, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto e-mail: olivalneto@globo.com

RESUMO

RACIONAL: Hamartoma do baço é uma lesão incomum. Cerca de cento e cinqüenta hamartomas esplênicos foram descritos na literatura.

OBJETIVO: Esse artigo relata um caso de hamartoma esplênico e revisa os achados clínicos e patológicos dessa entidade na literatura.

RELATO DO CASO: Mulher com 54 anos queixava-se de sensação de empachamento e aumento do volume abdominal há dois anos. Negava vômitos e alterações do ritmo intestinal, assim como, perda de peso. Ao exame físico foi observado bom estado geral, abdome flácido, doloroso à palpação profunda em hipocôndrio esquerdo, massa palpável à cerca de 8 cm do rebordo costal esquerdo, ruídos hidroaéreos presentes. Os resultados dos exames laboratoriais foram normais Tomografia computadorizada de abdome demonstrou baço aumentado de volume devido à volumosa formação expansiva, heterogênea, com conteúdo predominantemente hipodenso (cístico) e septação grosseira com focos de calcificação de permeio medindo aproximadamente 14,0 x 16,0 x 12,0 cm nos diâmetros longitudinal, ântero-posterior e transverso respectivamente. A paciente foi submetida à laparotomia exploradora onde não foram observados implantes tumorais na cavidade peritoneal e esplenectomia foi realizada sem intercorrências. O exame macroscópico da peça operatória mostrava baço aumentado de volume, pesando 1 170 g e medindo 23,0 x 14,5 x 10,0 cm, chamando atenção uma volumosa massa de 14,5 x 10,0 cm. Exame histopatológico com imunoistoquímica concluiu tratar-se de tecido hamartomatoso e ausência de malignidade.

CONCLUSÃO: O hamartoma é tumor benigno raro, mas deve ser lembrado no diagnóstico diferencial de massas originadas do baço, e a esplenectomia pode ser realizada de forma segura e eficaz.

Descritores: Hamartoma. Baço. Esplenoma

ABSTRACT

BACKGROUND: Spleen Hamartoma is an uncommon lesion. Approximately one-hundred and fifty spleenic hamartomas have been described in literature.

AIM: This article relates a case of spleenic hamartoma and revises clinical and pathological findings pertaining this subject in literature.

CASE REPORT: A 54 year-old woman complained of full stomach sensation and increased abdominal volume for two years. She denied vomiting or having any intestinal alteration, as well as no weight loss. Upon physical examination, an overall good state of health was observed, except for a flacid abdomen, painful upon deep palpation in the left hyponchondrium area, showing a palpable mass at approximately 8 cm from the left rebordo costal, as well as hidroairy sounds. Laboratory exams showed no alterations. Computerized tomography of the abdomen showed an increased volume of the spleen due to an expansive volumous formation, heterogeneous, containing a hypodense (cystic) liquid and rough septation with underlying calcifications foci measuring about 14,0 x 16,0 x12,0 cm in diameters longitudinally, antero-posteriorlly and transversally respectively. The patient was submitted to exploratory laparotomy, where no tumors in the peritoneal cavity were observed, allowing spleenectomy to be persued without interventions. Macroscopic exams of the surgical segment showed an increased spleen, weighing 1,170 and measuring 23,0 x 14,5 x 10,0 cm. The attention was called to a volumous mass weighing 14,5 x 10,0 cm. Through hystopathological and immunohistochemical exams, it was concluded that the mass was an hamartomous tissue without any malignancy.

CONCLUSION: The harmartoma is a benign rare tumor, nevertheless it should be recalled during differential diagnosis of unknown masses originated in the spleen, making spleenectomy a safe and effective procedure.

Headings: Hamartoma. Spleen. Splenoma.

INTRODUÇÃO

Hamartomas do baço são tumores muito raros.4,19 Descritos inicialmente por Rockitansky e Fhriedreich em 1861, encontram-se apenas cento e cinqüenta casos na literatura14. São na sua maioria assintomáticos sendo diagnosticados ao acaso ou em autópsias. Entretanto, é comum a sua associação com alterações hematológicas, como anemia microcítica refratária, esferocitose hereditária e anemias hemolíticas6. Manifesta-se como nódulo único ou múltiplo às vezes difíceis de serem diferenciados do parênquima normal (porção não linfóide)1. São caracterizados por proliferação de histiócitos, fibrose e áreas de calcificação. O diagnóstico diferencial é feito principalmente com os tumores benignos do baço11.

RELATO DO CASO

MLFS, sexo feminino, 54 anos, lavadeira, era acompanhada em serviço regional sem diagnóstico, queixando-se de sensação de empachamento e aumento do volume abdominal há dois anos. Negava vômitos e alterações do ritmo intestinal, assim como, perda de peso. Referia dispnéia aos esforços e cefaléia ocasional. Apresentava hipertensão arterial e fazia uso irregular de captopril e hidroclorotiazida. Era portadora de asma brônquica e não realizava tratamento. Antecedentes negativos para etilismo e tabagismo. Ao exame físico foi observado bom estado geral e nenhuma alteração no aparelho cardiovascular e respiratório. O abdome era pouco globoso, flácido, doloroso à palpação profunda em hipocôndrio esquerdo, ruídos hidroaéreos presentes e tinha massa palpável à cerca de 8 cm do rebordo costal esquerdo. Os resultados dos exames laboratoriais foram normais (ausência de hiperesplenismo, sorologias virais negativas). A tomografia computadorizada de abdome foi realizada e demonstrou baço aumentado de volume devido à volumosa formação expansiva, heterogênea, com conteúdo predominantemente hipodenso (cístico) e septação grosseira com focos de calcificação de permeio medindo aproximadamente 14,0 x 16,0 x 12,0 cm nos diâmetros longitudinal, ântero-posterior e transverso respectivamente (Figura 1), sendo a sua natureza impossível de ser estabelecida baseada apenas em dados fornecidos por exames radiológicos. A possibilidade da massa ser de origem neoplásica foi aventada. A paciente foi submetida à laparotomia exploradora onde não foi observado implante tumoral na cavidade peritoneal e esplenectomia total foi realizada sem intercorrências (Figura 2). No pós-operatório a sua evolução foi sem complicações recebendo alta no 5º. dia de pós-operatório. O exame macroscópico da peça operatória mostrava baço aumentado de volume, pesando 1170 g e medindo 23,0 x 14,5 x 10,0 cm, chamando atenção uma volumosa massa de 14,5 x 10,0 cm. O restante do parênquima estava preservado sem adenomegalias hilares. Laudo da microscopia revelou acúmulos de material amorfo acidófilo de natureza não determinada com áreas de hemorragia. Como hipóteses diagnósticas iniciais foram propostas amiloidose (apesar do material não se corar com vermelho congo) e linfangioma. Estudo complementar com imunoistoquímica concluiu tratar-se de massa nodular bem delimitada composta de tecido hamartomatoso constituído essencialmente por padrão de polpa vermelha com focos de hematopoiese e extensas áreas de degeneração isquêmica, gelatinosa, tipo "infarto-lento" e ausência de sinais de malignidade.



DISCUSSÃO

Hamartoma esplênico é lesão incomum4,19.O seu aparecimento já foi identificado em todas as faixas etárias e não existe preferência pelo sexo2. Por ser entidade rara, a sua documentação gera vários relatos de caso e pequenas séries. Esplenoma, hiperplasia nodular do baço, esplenoadenoma, splenunculus intra-esplênico são outros termos utilizados para hamartoma do baço.

A incidência em autópsias varia entre 0,024% a 0,13%.17 Silverman e Li Volsi descreveram três casos de hamartoma esplênico entre 200.000 biópsias cirúrgicas (incluindo esplenectomias e outras biópsias) após o período de 17 anos2,17. Lam, Yip e Peh também demonstraram três casos em 380.000 biópsias cirúrgicas após período de 25 anos3.

Não há relato na literatura da incidência do hamartoma com outras lesões do baço. Existe associação dele com neoplasias18 e com aparecimento de doença proliferativa.

A apresentação clínica dos hamartomas do baço geralmente é silenciosa6.O aparecimento de dor abdominal inespecífica, a presença da febre de origem obscura e queixas urinárias já foram descritas associadas a esse tumor3,16. A ruptura espontânea causando quadro agudo de hemoperitônio também já foi relatado na literatura8.A associação de trombocitopenia, anemia e leucopenia é muito referida na maioria dos relatos. No entanto, o diagnóstico incidental de massa esplênica em check-up clínico pode ocorrer e dependendo da sua apresentação radiológica o hamartoma pode fazer parte do diagnóstico.

Ao exame ultrassonográfico a massa esplênica apresenta-se homogênea e sólida com ecogenicidade relativa quando comparada com o parênquima esplênico normal20. No entanto, usualmente são massas hipoecogênicas. Pode ocasionalmente encontrarem-se cistos ou núcleos de calcificação. A utilização do ultrassom Doppler poderá demonstrar a intensa vascularização desses tumores9.

A tomografia computadorizada de abdome poderá definir estar a lesão circunscrita ao órgão e sugerir a radicalidade da operação10. A ressonância nuclear magnética também já foi utilizada para aprimorar o diagnóstico, no entanto, parece não oferecer detalhes a mais que os outros exames de imagem15.

A indicação cirúrgica é precisa. A esplenectomia total pode ser realizada a céu aberto ou por videolaparoscopia21.

No exame histopatológico encontram-se canais vasculares tortuosos arrumados irregularmente no seio esplênico7. A arquitetura de reticulina está desorganizada em relação ao parênquima normal12.

CONCLUSÃO

O hamartoma esplênico é um tumor benigno que deve ser lembrado no diagnóstico diferencial de massas originadas do baço, e a esplenectomia pode ser realizada como atitude terapêutica segura e eficaz.

Conflito de interesse: não há

Fonte financiadora: não há

Recebido para publicação em: 07/07/2006

Aceito para publicação em: 17/11/2006

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  • Endereço para correspondência:

    Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Recebido
      07 Jul 2006
    • Aceito
      17 Nov 2006
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