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Impacto farmacoeconômico da implantação do método de dispensação de drogas em forma de kit em procedimentos cirúrgicos e anestésicos

Pharmacoeconomic impact in the implantation of pharmaceutical drug dispensation methods in the form of surgical procedures and anesthetic kits

Resumos

RACIONAL: A adequação de um sistema de distribuição de medicamentos pode significar avanço para o serviço de farmácia, atendendo às exigências das instituições com relação à qualidade e redução de custos. OBJETIVOS: Obter a racionalização de estoque na sala cirúrgica através da implantação de distribuição de medicamentos em kits; identificar os medicamentos antes e após a implantação do kit; avaliar o impacto econômico da adequação do sistema de distribuição de medicamentos nos procedimentos cirúrgicos. MÉTODOS: Comparação qualitativa/quantitativa do elenco de drogas, solicitações extra, consumo e custo de medicamentos nas etapas pré e pós kits de sala cirúrgica. RESULTADOS: Quanto à aceitação médica não houve críticas nem reclamações em relação ao novo sistema implantado. Quantitativamente, houve redução de aproximadamente 47% na quantidade de estoque inicial, 54% nas solicitações extras e 30,4% no consumo de medicamentos, com impacto muito relevante sobre os custos. CONCLUSÃO: Foi viável e benéfica a prática de implantação dos kits, com redução de gastos, traduzindo menores perdas e desperdícios.

Salas de cirurgia; Anestesia; Boas práticas de dispensação


BACKGROUND: An adequate pharmaceutical drug distribution system may add to the advancement of pharmaceutical services, attending to the demands of institutions regarding quality and cost reduction. AIM: To obtain rationalization of stock in the operating room through the implantation of a pharmaceutical drug distribution system using kits; to identify pharmaceutical drugs before and after the implantation of kits; to evaluate economic impacts of the pharmaceutical drug distribution system in surgical procedures. METHODS: Qualitative/quantitative comparison of pharmaceutical drugs, extra solicitations, consumption and cost of drugs in the pre and post kit stages in the operating room. RESULYS: There were no critics or complaints from medical staffs regarding the acceptance of the new system. Quantitatively, a reduction of approximately 47% in the initial stock quantity, 54% in extra solicitations and 30,4% in the consumption of drugs was observed, with relevant impact in costs. CONCLUSIONS: The implantation of the kits was both viable and beneficial, with cost reduction, bringing less loss and waste.

Operating rooms; Anesthesia; Good dispensing practices


ARTIGO ORIGINAL

Impacto farmacoeconômico da implantação do método de dispensação de drogas em forma de kit em procedimentos cirúrgicos e anestésicos

Pharmacoeconomic impact in the implantation of pharmaceutical drug dispensation methods in the form of surgical procedures and anesthetic kits

Elisângela Maria Santos Mattos; Joel Faintuch; Ivan Cecconello

Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Elisângela Maria Santos Mattos e-mail: jfaintuch@hcnet.usp.br

RESUMO

RACIONAL: A adequação de um sistema de distribuição de medicamentos pode significar avanço para o serviço de farmácia, atendendo às exigências das instituições com relação à qualidade e redução de custos.

OBJETIVOS: Obter a racionalização de estoque na sala cirúrgica através da implantação de distribuição de medicamentos em kits; identificar os medicamentos antes e após a implantação do kit; avaliar o impacto econômico da adequação do sistema de distribuição de medicamentos nos procedimentos cirúrgicos.

MÉTODOS: Comparação qualitativa/quantitativa do elenco de drogas, solicitações extra, consumo e custo de medicamentos nas etapas pré e pós kits de sala cirúrgica.

RESULTADOS: Quanto à aceitação médica não houve críticas nem reclamações em relação ao novo sistema implantado. Quantitativamente, houve redução de aproximadamente 47% na quantidade de estoque inicial, 54% nas solicitações extras e 30,4% no consumo de medicamentos, com impacto muito relevante sobre os custos.

CONCLUSÃO: Foi viável e benéfica a prática de implantação dos kits, com redução de gastos, traduzindo menores perdas e desperdícios.

Descritores: Salas de cirurgia. Anestesia. Boas práticas de dispensação.

ABSTRACT

BACKGROUND: An adequate pharmaceutical drug distribution system may add to the advancement of pharmaceutical services, attending to the demands of institutions regarding quality and cost reduction.

AIM: To obtain rationalization of stock in the operating room through the implantation of a pharmaceutical drug distribution system using kits; to identify pharmaceutical drugs before and after the implantation of kits; to evaluate economic impacts of the pharmaceutical drug distribution system in surgical procedures.

METHODS: Qualitative/quantitative comparison of pharmaceutical drugs, extra solicitations, consumption and cost of drugs in the pre and post kit stages in the operating room.

RESULYS: There were no critics or complaints from medical staffs regarding the acceptance of the new system. Quantitatively, a reduction of approximately 47% in the initial stock quantity, 54% in extra solicitations and 30,4% in the consumption of drugs was observed, with relevant impact in costs.

CONCLUSIONS: The implantation of the kits was both viable and beneficial, with cost reduction, bringing less loss and waste.

Headings: Operating rooms. Anesthesia. Good dispensing practices.

INTRODUÇÃO

O hospital é parte integrante de um sistema coordenado de saúde, cuja função é dispensar à comunidade completa assistência, seja esta preventiva e/ou curativa1. Para isto, necessita ser devidamente aparelhado de pessoal e material, garantindo a assistência médica diária e os cuidados permanentes da enfermagem, em regime de internação. Ao gerar estes serviços, os administradores preocupam-se em obter o menor custo possível e maximizar a qualidade2,12.

Como boa parte do custo hospitalar envolve os estoques de materiais e medicamentos, a atenção deve se voltar para o setor que os controla, a farmácia hospitalar. Este setor é definido como uma unidade de assistência técnica administrativa e contábil, dirigida por profissional farmacêutico, cujo principal objetivo é assistir à comunidade hospitalar, garantindo sempre a eficácia terapêutica4. Para isso, envolve-se em todas as fases desde a produção, armazenamento, controle até a orientação ao paciente e à equipe multiprofissional. Portanto, o farmacêutico tem-se aprimorado profissionalmente e desenvolvido pesquisas e estudos, para reformular suas antigas atividades, buscando a redução de custos e a maximização da qualidade, com ênfase para a dispensação5,6.

A dispensação de medicamentos se insere no contexto das estatísticas de utilização, distribuição, consumo e custos, que tem sido objeto de grande atenção tanto por parte de pesquisadores individuais como a própria Organização Mundial de Saúde11,12.

Tentando se adequar-se às novas tendências da farmácia hospitalar, a farmácia do Centro Cirúrgico do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP, reviu suas atividades para melhor atender este setor, no qual os pacientes permanecem apenas o tempo necessário para as intervenções cirúrgicas, e que ficam em área isolada e diferenciada no hospital.

Assim, o presente estudo teve por objetivos obter a racionalização de estoque na sala cirúrgica através da implantação de distribuição de medicamentos em kits; identificar os medicamentos antes e após a implantação do kit; avaliar o impacto econômico da adequação do sistema de distribuição de medicamentos nos procedimentos cirúrgicos.

MÉTODOS

O método de pesquisa utilizado foi um estudo de caso qualitativo/quantitativo, sendo que a aplicação do estudo de farmacoeconomia foi realizado no Centro Cirúrgico do Hospital das Clínicas localizado no 9º andar do Prédio dos Ambulatórios (PAMB). A coleta foi realizada no período de 12/5/2002 a 22/7/2002.

Desenho do estudo

O centro cirúrgico possui 33 salas. Para este estudo foram escolhidas as 10 do Bloco III, onde pode-se acompanhar procedimentos de médio e grande portes de determinadas especialidades médico-cirúrgicas. Ele foi dividido em três etapas. A primeira (informações pré-implantação do kit) e a segunda (achados pós-implantação do kit) foram experimentais. A terceira (comparação dos dados obtidos nas coletas) foi apenas de análise e interpretação dos achados.

Foi realizado o mapeamento do elenco de medicamentos disponibilizado (seja nos carrinhos de drogas, nos kits e nas solicitações extra) e o levantamento do consumo de 3 dias de funcionamento de cada sala nas duas etapas experimentais.

No 1º. dia de mapeamento (pré e pós) das salas cirúrgicas, os medicamentos vencidos encontrados eram recolhidos e considerados como consumidos.

Desenvolvimento

Na 1ª. etapa o levantamento foi realizado através da verificação do elenco e das quantidades contidas nos carros de parada e anestesia de cada uma das salas, às 6h30min da manhã antes do início das operações e, no final da tarde, após o término da última. Assim, foi delimitado o consumo/dia/sala. Estes levantamentos eram feitos em dias aleatórios para não induzir a equipe médica ou a enfermagem a modificar seu consumo.

Na 2ª. etapa realizou-se o levantamento dentro da unidade farmacêutica através da análise dos documentos de dispensação do kit e notas de débito, onde foram relacionadas a quantidade de medicamentos utilizados e solicitados pela auxiliar de enfermagem durante a operação. A confirmação desta documentação era feita através da conferência do kit e devolução de medicamentos extra. Nesta etapa, os carros de medicamentos não estavam sendo utilizados, e sim apenas os kits/medicamentos extra, que pela rotina estabelecida deviam ser devolvidos após o término de cada operação, não permanecendo nada em sala entre um procedimento e outro (Figuras 1 e 2).



O acompanhamento do consumo de medicamentos no pós-implantação dos kits foi feito em dias consecutivos, devido os dados serem colhidos das notas de débito da farmácia. Pelo protocolo, foram verificados todos os pacientes que sofreram procedimentos cirúrgicos das salas através da programação diária do centro cirúrgico; foram separados os documentos por sala e anotados todo elenco de medicamentos solicitados; foram conferidos os medicamentos devolvidos, identificando-se quais haviam sido utilizados por paciente/procedimento cirúrgico; foi certificado de que não existia nenhum erro ou desvio nos dados levantados, utilizando-se impresso preenchido pela farmácia para marcar as solicitações extra de medicamentos; vistoriou-se, ainda, as salas cirúrgicas após o término do último procedimento para comprovar se nenhum medicamento ficou sem ser devolvido a farmácia.

Na 3ª. etapa, após o fechamento dos dois levantamentos pré e pós-implantação dos kits, procedeu-se as seguintes análises: comparação do consumo de medicamentos por sala/dia; relação de preço de cada medicamento utilizado; cálculo do valor total gasto por sala/dia; comparação do valor gasto por sala/dia.

RESULTADOS

Durante todo processo da implantação e adaptação ao novo sistema de distribuição de medicamentos por kits, não foi registrado nenhum incidente, reclamação, ou suspensão de procedimento decorrente do fornecimento inadequado de medicamentos. Ao contrário, nos contatos individuais com profissionais da anestesia, constatou-se satisfação com o novo procedimento e ocorreram algumas sugestões.

Como pode ser observado no Gráfico 1, houve redução de aproximadamente 47% na quantidade de estoque inicial na etapa pós-implantação do kit.


Houve redução de aproximadamente 54% de solicitações extra na etapa pós-implantação do kit, confirmando que o elenco do kit era adequado e comprovando a aceitação médica por não causar nenhum transtorno durante o procedimento por falta de medicamentos (Gráfico 2).


Houve redução de 30,4% na quantidade utilizada, ou seja consumida, na etapa pós-implantação do kit, confirmando que anteriormente existia desperdícios e perdas (Gráfico 3).


No gasto (custo de medicamentos), notou-se que em duas salas da etapa pós kit houve elevação com relação ao pré kit, tendo sido anotada maior complexidade no ato operatório e pior estado clínico dos pacientes nelas atendidos. Mesmo com esta adversidade, houve ainda redução de aproximadamente 60% dos gastos com medicamentos (Gráfico 4).


DISCUSSÃO

Na identificação do elenco de produtos para os kits, fez-se a opção de utilizar grupos que pudessem obter, em futuro, melhor utilização de recursos econômicos; mostrar elevação da qualidade de assistência prestada ao paciente e equipe multiprofissional; possuir maior garantia do cumprimento de sua prescrição farmacoterapêutica, levando em conta a segurança do medicamento administrado; ter maior disponibilidade de tempo da enfermagem para dedicar-se ao paciente; e apresentar maior integração do farmacêutico na equipe de saúde, ao assumir atividades que lhe são específicas.

A justificativa maior para uso de kits é principalmente otimizar o elenco e racionalizar o uso de medicamentos no centro cirúrgico, podendo significar diminuição importante no custo deles junto ao hospital. Além disso, seu uso traria praticidade do serviço, melhoria na interação entre a equipe multiprofissional e a qualidade da assistência prestada ao paciente6.

O primeiro sistema de distribuição de medicamentos - a dose coletiva -, apresentava como principais problemas: o aumento do potencial de erros de medicação (doses, formas farmacêuticas, horários de administração), perdas econômicas decorrentes da falta de controle (devido aos estoques disseminados pelo hospital), e o tempo excessivo gasto pela enfermagem para separar a medicação, em vez de dar assistência aos pacientes.

Depois de serem detectadas as desvantagens deste primeiro sistema, avançou-se para outro, o de dose individualizada que trouxe boas vantagens como: diminuição do estoque nas unidades assistenciais, facilitação das devoluções à farmácia, redução dos erros de medicação, diminuição do tempo do pessoal de enfermagem quanto à manipulação e preparo, diminuição do custo com medicamentos, controlando mais efetivamente o consumo, e aumento da integração do farmacêutico com a equipe de saúde7,8.

Uma das principais desvantagens desse segundo sistema no entanto, foi o aumento das necessidades de recursos humanos e infra-estrutura da farmácia hospitalar. Todos estes requisitos dependem de recursos financeiros, motivos pelos quais muitos hospitais, de até aproximadamente 500 leitos, optam pela dose combinada, ou seja, implantam a dose individualizada sem abandonar completamente a dose coletiva1.

Atualmente prioriza-se dose unitária, originada da dose individualizada, que tem como principais objetivos: racionalizar a terapêutica, diminuir custos sem reduzir a qualidade da dispensação, garantir que os medicamentos prescritos cheguem ao paciente de forma segura e higiênica, assegurando a eficácia do esquema terapêutico prescrito9.

Toda esta movimentação das instituições em volta dos custos e da qualidade fizeram a farmácia hospitalar assumir funções prioritárias - farmacoepidemiologia, farmacovigilância, farmacoeconomia e farmácia clínica -, para adaptar-se às novas diretrizes das instituições de saúde10.

Destas funções, a farmacoeconomia associa os conceitos clínicos de eficácia, segurança e qualidade dos diversos processos de assistência sanitária com as medidas de custo da economia, ou seja, mensura e analisa custo (benefício e custo-efetividade)11,12. Portanto, qualquer estudo que vise à otimização de recursos, está contido em avaliação farmacoeconômica, que identifica, mede e compara os custos (recursos consumidos como produtos farmacêuticos e serviços) e as conseqüências (econômicas, clínicas e humanísticas) provenientes de sua utilização12.

Os anestésicos inalatórios não entraram no levantamento dos medicamentos utilizados nesta pesquisa porque são utilizados em frações diferentes para cada paciente e, na somatória final, poderiam alterar os dados quantitativos, distorcendo a análise.

Na comparação dos valores pré e pós kits segundo distintos critérios, sempre evidenciando-se indiscutíveis benefícios.

Mesmo nas salas onde ocorreram adversidades e maior consumo medicamentoso, ao final houve ainda redução dos gastos com medicamentos.

CONCLUSÕES

Foi viável e prática a implantação dos kits, sem transtornos ou incidentes registrados; foi fácil a identificação dos medicamentos antes e após os kits e estoque de complementação foi menos solicitado após a padronização; houve substancial redução de gastos traduzindo menores perdas e desperdícios.

Conflito de interesse: não há

Fonte financiadora: não há

Recebido para publicação em: 26/01/2007

Aceito para publicação em: 05/04/2007

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  • Endereço para correspondência:

    Elisângela Maria Santos Mattos
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      05 Abr 2007
    • Recebido
      26 Jan 2007
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