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Terapêutica neo-adjuvante aumenta as complicações pós-operatórias da esofagectomia?

Does neoadjuvant therapy increase postoperative complications of esophagectomy?

Resumos

RACIONAL: O câncer de esôfago é o oitavo tipo de câncer mais incidente na população no mundo, sendo que no Brasil são estimados 10.630 novos casos para o ano de 2010. Na terapêutica curativa, a esofagectomia destaca-se nas suas mais diversas modalidades de tratamento. OBJETIVO: Avaliar por meio de um estudo retrospectivo não-randomizado as complicações peri-operatórias dos pacientes submetidos à esofagectomia por carcinoma epidermóide do esôfago, com ou sem terapêutica neo-adjuvante. MÉTODOS: Foram analisados 123 pacientes operados, submetidos na sua maioria (80%) à esofagectomia transmediastinal com anastomose esofagogástrica cervical, assim distribuídos: 81 (65,8%) submetidos à radioterapia neo-adjuvante, 16 (13%) à radioterapia e quimioterapia neo-adjuvantes e 26 (21,2%) à cirurgia exclusiva. RESULTADOS: As principais complicações consideradas foram: hemorragia intra-operatória (4%), pneumotórax / hemotórax (73,1%), broncopneumonia (20,3%) e fístulas e estenose de anastomose (44,7%). Não houve diferenças significativas nas complicações entre os grupos, exceto em relação pneumotórax / hemotórax em que houve menor ocorrência no grupo de cirurgia exclusiva. A mortalidade geral foi de 14 casos (8,8%), não relacionada ao tratamento empregado. CONCLUSÃO: O emprego da terapêutica neo-adjuvante com quimioterapia e radioterapia com a finalidade de obter-se melhor sobrevida e taxas de ressecção completa não resultou em aumento nas complicações peri-operatórias.

Neoplasias esofágicas; Cirurgia; Quimioterapia; Radioterapia


BACKGROUND: Esophageal cancer is the eighth most frequent type of cancer in the population in the world, and in Brazil 10.630 new cases are estimated for the year 2010. In curative treatment, esophagectomy stands out in its various treatment modalities. AIM: To assess by means of a retrospective nonrandomized the perioperative complications of patients submitted to esophagectomy for squamous cell carcinoma of the esophagus, with or without neoadjuvant therapy. METHODS: Were analyzed 123 patients operated, undergoing mostly (80%) transmediastinal esophagectomy with cervical esophagogastric anastomosis, distributed as follows: 81 (65.8%) underwent radiotherapy neo-adjuvant, 16 (13%) chemoradiotherapy neoadjuvant and 26 (21,2%) to surgery alone. RESULTS: Major complications considered were: intraoperative hemorrhage (4%), pneumothorax / hemothorax (73.1%), pneumonia (20.3%) and fistula and anastomotic stenosis (44.7%). No significant differences in complications between the groups, except for pneumothorax / hemothorax in which there was a lower incidence in the group of surgery alone. Overall mortality was 14 cases (8.8%), unrelated to the treatment used. CONCLUSION: The neoadjuvant chemoradiotherapy in order to obtain better survival rates and complete resection resulted in no increase in perioperative complications.

Esophageal neoplasms; Surgery; Chemotherapy; Radiotherapy


ARTIGO ORIGINAL

Terapêutica neo-adjuvante aumenta as complicações pós-operatórias da esofagectomia?

Does neoadjuvant therapy increase postoperative complications of esophagectomy?

Valdir Tercioti Jr; Luiz Roberto Lopes; João de Souza Coelho-Neto; Nelson Adami Andreollo

Disciplina de Moléstias do Aparelho Digestivo e Gastrocentro do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Campinas, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Nelson Adami Andreollo e-mail: nandreollo@hotmail.com

RESUMO

RACIONAL: O câncer de esôfago é o oitavo tipo de câncer mais incidente na população no mundo, sendo que no Brasil são estimados 10.630 novos casos para o ano de 2010. Na terapêutica curativa, a esofagectomia destaca-se nas suas mais diversas modalidades de tratamento.

OBJETIVO: Avaliar por meio de um estudo retrospectivo não-randomizado as complicações peri-operatórias dos pacientes submetidos à esofagectomia por carcinoma epidermóide do esôfago, com ou sem terapêutica neo-adjuvante.

MÉTODOS: Foram analisados 123 pacientes operados, submetidos na sua maioria (80%) à esofagectomia transmediastinal com anastomose esofagogástrica cervical, assim distribuídos: 81 (65,8%) submetidos à radioterapia neo-adjuvante, 16 (13%) à radioterapia e quimioterapia neo-adjuvantes e 26 (21,2%) à cirurgia exclusiva.

RESULTADOS: As principais complicações consideradas foram: hemorragia intra-operatória (4%), pneumotórax / hemotórax (73,1%), broncopneumonia (20,3%) e fístulas e estenose de anastomose (44,7%). Não houve diferenças significativas nas complicações entre os grupos, exceto em relação pneumotórax / hemotórax em que houve menor ocorrência no grupo de cirurgia exclusiva. A mortalidade geral foi de 14 casos (8,8%), não relacionada ao tratamento empregado.

CONCLUSÃO: O emprego da terapêutica neo-adjuvante com quimioterapia e radioterapia com a finalidade de obter-se melhor sobrevida e taxas de ressecção completa não resultou em aumento nas complicações peri-operatórias.

Descritores: Neoplasias esofágicas. Cirurgia. Quimioterapia. Radioterapia.

ABSTRACT

BACKGROUND: Esophageal cancer is the eighth most frequent type of cancer in the population in the world, and in Brazil 10.630 new cases are estimated for the year 2010. In curative treatment, esophagectomy stands out in its various treatment modalities.

AIM: To assess by means of a retrospective nonrandomized the perioperative complications of patients submitted to esophagectomy for squamous cell carcinoma of the esophagus, with or without neoadjuvant therapy.

METHODS: Were analyzed 123 patients operated, undergoing mostly (80%) transmediastinal esophagectomy with cervical esophagogastric anastomosis, distributed as follows: 81 (65.8%) underwent radiotherapy neo-adjuvant, 16 (13%) chemoradiotherapy neoadjuvant and 26 (21,2%) to surgery alone.

RESULTS: Major complications considered were: intraoperative hemorrhage (4%), pneumothorax / hemothorax (73.1%), pneumonia (20.3%) and fistula and anastomotic stenosis (44.7%). No significant differences in complications between the groups, except for pneumothorax / hemothorax in which there was a lower incidence in the group of surgery alone. Overall mortality was 14 cases (8.8%), unrelated to the treatment used.

CONCLUSION: The neoadjuvant chemoradiotherapy in order to obtain better survival rates and complete resection resulted in no increase in perioperative complications.

Headings: Esophageal neoplasms. Surgery. Chemotherapy. Radiotherapy.

INTRODUÇÃO

O câncer de esôfago é o oitavo tipo de câncer mais incidente na população no mundo, sendo que no Brasil são estimados 10.630 novos casos para o ano de 20103 . Na terapêutica curativa, a ressecção cirúrgica destaca-se nas suas mais diversas modalidades desde a primeira esofagectomia, realizada em 1870 por Billroth e Czerny27.

Por décadas, o procedimento de escolha para a ressecção do câncer esofágico foram as operações descritas por Lewis13 e Tanner34 em que o tumor e o tecido peri-esofágico com os seus linfonodos adjacentes eram ressecados por meio de toracotomia direita combinada com laparotomia. A reconstrução do trato digestivo realiza-se preferencialmente com o estômago, ou, alternativamente com o cólon, ficando a anastomose intratorácica. Uma das principais desvantagens da esofagectomia radical com extensa linfadenectomia são suas altas taxas de morbidade e mortalidade. A taxa de mortalidade associada a este procedimento varia entre 1% a 12% e a taxa de morbidade geralmente varia entre 50% a 60%, enquanto a sobrevida a longo prazo é usualmente desapontadora37.

Sendo assim, outras estratégias cirúrgicas foram sendo desenvolvidas com o intuito de diminuir a morbi-mortalidade operatórias, melhorando a sobrevida a longo prazo.

Em 1962, McKeown20 descreveu uma ressecção com três incisões. Inicialmente realizava-se toracotomia direita para a dissecção e mobilização do esôfago. A seguir, reposicionava-se o paciente e realizava-se cervicotomia esquerda e laparotomia para a mobilização do estômago e confecção da anastomose ao nível cervical. Neste nível, eventual deiscência da anastomose raramente seria causa de mediastinite como no procedimento descrito por Lewis e Tanner.

Mais tarde, em 1977, Pinotti26 descreveu a primeira esofagectomia transmediastinal na prática clínica que consiste em uma ressecção esofágica transhiatal, sem a realização de toracotomia. Utilizava-se de uma incisão abdominal mediana supra-umbilical e de outra cervical lateral esquerda, sendo que todo o esôfago torácico era mobilizado e ressecado desde o nível das clavículas até a transição esofagogástrica. O estômago remanescente era mobilizado e posicionado no mediastino posterior no leito esofágico original ou retroesternal. A continuidade do trato alimentar era re-estabelecida por anastomose entre o esôfago cervical e o estômago acima do nível das clavículas. Um procedimento de drenagem gástrica, geralmente piloromiotomia, e uma jejunostomia para alimentação enteral também eram realizadas rotineiramente. Nos pacientes com história de ressecção gástrica prévia ou remanescente gástrico inadequado para atingir o pescoço para a anastomose cervical, a opção era tanto pelo cólon como pelo jejuno. Os linfonodos intra-abdominais, paraesofágicos e subcarinais acessíveis pelo hiato esofágico era removidos.

A partir de 1978, Orringer et al.24 difundiu e popularizou no mundo a esofagectomia transmediastinal.

Em resposta às recidivas loco-regionais que continuavam ocorrendo nos pacientes submetidos às ressecções esofágicas anteriormente descritas foram propostas operações com linfadenectomias ampliadas, ou seja, esofagectomias com linfadenectomia em três campos (abdominal, mediastinal e cervical)12,33 ou linfadenectomias mediastinais radicais (linfonodos e demais estruturas do mediastino posterior) na busca de diminuir as recidivas neoplásicas e elevar a taxa de sobrevida29,32.

Nos últimos anos, também os acessos minimamente invasivos, como a toracoscopia e a laparoscopia, vêm sendo utilizados no tratamento cirúrgico do câncer de esôfago7.

Com relação às complicações pós-operatórias, independentemente do tipo de operação realizada, as de natureza respiratória e as deiscências de anastomose, associadas ou não à mediastinite e/ou sepse, são as mais referidas na literatura como causas dos óbitos6 .

Apesar do progresso nos últimos anos no tratamento cirúrgico do carcinoma do esôfago, a sobrevida a longo prazo, mesmo após ressecção completa, continua desapontadora. Apenas uma minoria dos pacientes obtém ressecção macro e microscópica completa do tumor primário, incluindo seus sítios de drenagem linfática (ressecção R0, como definido pela UICC). No momento do diagnóstico, cerca de dois terços dos pacientes já apresentam tumores localmente avançados que cresceram além da parede esofágica, ou seja, tumores invadindo a adventícia (T3) e estruturas adjacentes (T4)23,39.

A radioterapia no câncer de esôfago é utilizada há muitos anos, com bons resultados, objetivando o tratamento definitivo (radioterapia exclusiva) como também o tratamento neo-adjuvante a fim de melhorar o controle loco-regional da doença. Além disso, a radioterapia exclusiva tem como objetivo preservar os órgãos de ressecção, tais como a laringe no câncer do esôfago cervical ou o estômago no câncer do esôfago distal25. Consequentemente, estratégias terapêuticas multidisciplinares empregando princípios adjuvante e/ou neo-adjuvante têm recebido atenção crescente pela comunidade científica9,10,30.

O objetivo do presente trabalho foi avaliar por meio de um estudo retrospectivo não-randomizado as complicações peri-operatórias após esofagectomia, com ou sem a utilização de terapêutica neo-adjuvante, dos pacientes tratados por carcinoma espino-celular do esôfago no período de 1979 a 2006 no Hospital das Clinicas da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.

MÉTODOS

Uma revisão do banco de dados foi realizada a fim de se identificar todos os pacientes com o diagnóstico de carcinoma epidermóide do esôfago. Os pacientes atendidos no ambulatório ou na enfermaria com o diagnóstico histológico confirmado no período de 1979 a 2006 foram incluídos neste estudo. Esta pesquisa recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.

As características de cada paciente e do tumor, as modalidades de tratamento e o seguimento foram revisadas e analisadas. As características dos pacientes examinadas incluíram a idade, o sexo, a raça, o consumo de álcool e o tabagismo. Os dados do tumor incluíram o tamanho na avaliação histológica e a sua localização no esôfago.

Os critérios de inclusão foram: 1) pacientes com neoplasia de esôfago submetidos à ressecção cirúrgica; 2) histologia tumoral tipo carcinoma epidermóide; 3) localização tumoral nos terços médio e inferior do esôfago. Os doentes com prontuários não localizados ou com dados incompletos, foram excluídos.

O estadiamento patológico foi realizado segundo os critérios da classificação TNM, recomendados pela UICC31. A idade dos pacientes calculada era a da data da operação.

Os doentes considerados no estudo totalizaram 123 assim distribuídos: 1) 81 (65,8 %) submetidos à radioterapia neo-adjuvante (Grupo II); e 2) 16 (13 %) à radioterapia e quimioterapia neo-adjuvantes (Grupo III). E outros 26 (21,2 %) foram submetidos à esofagectomia exclusiva (Grupo I).

O tipo de ressecção cirúrgica mais realizada nos três grupos foi a esofagectomia subtotal transmediastinal (80% dos casos) conforme a técnica descrita por Pinotti7. Os demais casos foram realizadas esofagectomias com toracotomia conforme a técnica de McKeown20. O estômago foi o órgão preferencialmente utilizado para a reconstrução do trato digestivo (95 % dos casos), na forma de tubo gástrico. A esofagocoloplastia foi realizada nos doentes com gastrectomia prévia.

A radioterapia consistiu na aplicação de teleterapia com dose média de 3.762,71 cGy (desvio-padrão 792,62 cGy) no grupo II e uma dose média de 4212,5 cGy (desvio padrão 602,07 cGy) no grupo III, não havendo diferenças estatisticamente significativas para a dose total e o intervalo entre a radioterapia e a cirurgia entre os dois grupos.

A quimioterapia neo-adjuvante utilizada foi baseada em cisplatina (um a dois ciclos de 75 mg/m2 entre D1 ou D4) associado ou não a 5-fluorouracil (1000 mg/m2 em infusão contínua em D1).

Os programas computacionais utilizados foram: The Statistical Analysis System (SAS) para Windows versão 8.02 (SAS Institute Inc, 1999-2000, Cary, NC, USA) e SPSS para Windows, versão 10.0.5 (SPSS Inc, 1989-1999, Chicago, IL, USA).

Para verificar se existia associação entre as variáveis categóricas, foi utilizado o teste qui-quadrado. Quando os valores esperados eram menores que 5, utiliza-se o teste exato de Fisher5. O nível de significância estatística adotado foi de 5 %.

RESULTADOS

Quanto à cor, sexo e idade dos pacientes nos três grupos analisados não houve diferenças estatisticamente significativas (p>0.05)(Tabela 1).

O estadiamento dos grupos não evidenciou diferença estatisticamente significativa (teste exato de Fisher, p=0,2013, p>0,05) (Tabela 2).

A localização tumoral no esôfago apresentou-se da seguinte forma: nos grupos com tratamento cirúrgico exclusivo e Rtx-Qtx neo-adjuvante houve 50 % dos casos do tumor no terço médio do esôfago e 50 % dos casos no terço distal; no grupo Rtx neo-adjuvante houve 79 % dos casos com tumor no terço médio e 21 % dos casos com tumor no terço distal. A análise estatística com o χ2 mostrou p=0,0043 (p<0.05), com prevalência significativamente diferente na localização no terço médio no grupo de Rtx neo-adjuvante.

As complicações peri-operatórias, assim como os óbitos peri-operatórios, distribuíram-se como apresentado na Tabela 3.

A análise estatística das complicações resultou em: a) complicação hemorragia intra-operatória (Fisher): p=0,5072 (p>0.05); b) complicação fístula/estenose (χ2): p=0,0978 (p>0.05); c) complicação pneumotórax / hemotórax (χ2): p=0,0411 (p<0.05); d) complicação broncopneumonia (Fisher): p=0,4414 (p>0.05); e) óbito peri-operatório (Fisher): p=1,000 (p>0.05). Portanto, não houve diferenças significativas nas complicações entre os grupos, exceto em relação pneumotórax / hemotórax em que houve menor ocorrência no grupo de operação exclusiva.

Considerando-se a prevalência total de complicações entre os grupos não se observou diferença estatisticamente significativa entre eles (Fisher) com p=0,0635 (p>0.05). Quando comparadas as vias de acesso para esofagectomia utilizadas e as complicações e óbitos, também não foram encontradas diferenças significativas (p>0.05)

As causas dos óbitos peri-operatórios (até 30 dias no pós-operatório) estão descritas na Tabela 4.

DISCUSSÃO

As complicações das esofagectomias têm sido objeto de várias publicações nos últimos anos, relacionando-as com as técnicas utilizadas e os tratamentos complementares associados.

Malthaner et al.19 em 2004 em metanálise no Canadá avaliaram 34 trabalhos randomizados e seis metanálises envolvendo treze diferentes combinações de tratamento neo-adjuvante e/ou adjuvante na neoplasia de esôfago ressecável e concluíram que o tratamento cirúrgico isolado (ou seja, sem terapêutica neo-adjuvante ou adjuvante) deve ser recomendado como o padrão de tratamento no câncer de esôfago torácico ressecável.

Também Malthaner et al.18 em 2006 em outra metanálise do Banco de Dados Cochrane de Revisões Sistemáticas (Cochrane Database of Systematic Reviews) sobre o papel da quimioterapia neo-adjuvante no câncer de esôfago torácico ressecável concluíram que a quimioterapia neo-adjuvante poderia oferecer vantagem na sobrevida comparada ao tratamento cirúrgico isolado para o câncer de esôfago torácico ressecável, mas as evidências foram inconclusivas. Além disso, acrescentaram que havia evidências de toxicidade e mortalidade pré-operatória associadas com a quimioterapia.

A análise desta experiência, porém, sugere que a radio e/ou quimioterapia neo-adjuvantes foram bem toleradas pelos pacientes, não ocasionando aumento das complicações no peri-operatório.

A terapia neo-adjuvante deve ser realizada três a quatro semanas antes da operação e apresenta como vantagens a possível melhora na ressecção completa do tumor e o aumento na sobrevida global e sobrevida livre de doença. A seu favor, existem algumas vantagens clínicas e teóricas, a saber: a) vasos sanguíneos e linfáticos íntegros, que possibilitam uma concentração de droga efetiva nas áreas peri-tumorais, com oxigenação tumoral e subsequente radiosensibilidade preservados; b) melhor estado clínico (performance status) do paciente quando comparado com a sua situação pós-operatória por meio de melhora na nutrição (aumento da ingestão no pré-operatório), o que possibilita melhor administração de Qtx combinada baseada em cisplatina mais agressiva; c) melhora do estado clínico dos pacientes respondedores à terapia neo-adjuvante no período pós-operatório; d) diminuição do tamanho tumoral e, portanto, aumento da probabilidade de ressecção completa; e) a terapia pré-operatória poderia desvitalizar células tumorais e minimizar os riscos de contaminação intra-operatória e implantes de células tumorais.

Os objetivos primários da modalidade combinada de tratamento (Qtx e Rtx) no período pré-operatório são tanto o aumento do controle local através da intensificação da Rtx com Qtx concomitante (radio-sensibilizadora) como também a erradicação de micrometástases clinicamente ocultas através da Qtx sistêmica11,39.

As desvantagens da terapêutica neo-adjuvante seriam: a) retardar a operação; b) causa edema e fibrose no mediastino podendo dificultar a operação; c) propicia o acúmulo de secreções pulmonares no pré-operatório e pode deteriorar a ventilação pulmonar; d) em alguns pacientes, pode causar anemia e leucopenia.

Alguns trabalhos avaliando o tratamento neo-adjuvante foram publicados com resultados controversos especialmente em relação à possível melhora da sobrevida as custas de maiores complicações peri-operatórias1,2,4,8,11,14,15,16,17,18,19,21,22,28,35,36,38,40.

Na literatura nacional, Gagliardi et al.6, analisando as complicações pós-operatórias de doentes submetidos à operação paliativa e radical para câncer do esôfago, relatam que as complicações pleuro-pulmonares foram as mais frequentes, atingindo 43,3%. Tomasich et al.36 relatam também complicações pleuropulmonares elevadas nos doentes operados e submetidos ao tratamento neoadjuvante e mortalidade hospitalar de 13,7%.

Nesta casuística, a maioria dos doentes operados se apresentavam nos estádios II e III, portanto com doença localmente avançada, comprometendo as condições clinicas gerais e nutricionais, e certamente favorecendo número mais elevado de complicações pós-operatórias. As lesões pleurais mediastinais durante a realização de esofagectomia transmediastinal são muito frequentes, uma vez que na maioria das vezes os tumores acometem estas estruturas e as dissecções levam à ocorrência de hemotórax ou pneumotórax, tanto uni como bilateralmente, sendo necessário realizar drenagens torácicas fechadas ao final do ato cirúrgico. Em decorrência disto, as drenagens torácicas juntas somaram 73,1% dos casos. Além disso, as infecções respiratórias atingiram 20,3% dos casos, taxa igualmente relatada pela literatura. As fístulas e estenoses da anastomose esofagogástrica cervical juntas somaram 44,7%, no entanto, sem comprometer o estado geral do doente, e de fácil resolutividade com tratamento conservador, sem necessidade de reoperação. A mortalidade pós-operatória geral de 8,8%, principalmente decorrente de complicações respiratórias está em concordância com as publicações relacionadas, por se tratar de procedimento de grande porte, com manipulação mediastinal. É muito significativa a taxa de pulmão de choque e/ou síndrome de angustia respiratória (SIRS) e complicações pulmonares infecciosas pós-operatórias, uma vez que a grande maioria dos doentes portadores de carcinoma epidermóide do esôfago são tabagistas crônicos desde a infância.

Embora o tratamento cirúrgico exclusivo continue a ser o mais comumente empregado, os resultados obtidos pelo este grupo médico com a terapêutica neo-adjuvante estimula a perseverar dentro da filosofia do tratamento "multimodal".

CONCLUSÃO

O emprego da terapêutica neo-adjuvante com quimioterapia e radioterapia na finalidade de se obter melhor sobrevida e taxas de ressecção completa não resultou em aumento nas complicações peri-operatórias.

Recebido para publicação: 25/06/2010

Aceito para publicação: 23/07/2010

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

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  • Correspondência:

    Nelson Adami Andreollo
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Recebido
      25 Jun 2010
    • Aceito
      23 Jul 2010
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