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Colangite como uma manifestação clínica atípica de linfoma pancreático: relato de caso

CARTAS AO EDITOR

Colangite como uma manifestação clínica atípica de linfoma pancreático: relato de caso

Cleber Soares-Junior; Carlos Augusto Gomes; Rodrigo de Oliveira Peixoto; Luciano Augusto Juste

Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil

Correspondência Correspondência: Cleber Soares Júnior e-mail: cleberdoc@ig.com.br

INTRODUÇÃO

Linfoma não Hodgkin envolvendo o pâncreas é incomum, mas bem documentado; este órgão é o principal local em que ele ocorre10,11. O papel da ressecção cirúrgica na cura desta doença é mal definido. A maioria dos pacientes com linfoma de pâncreas apresenta massa na cabeça da glândula13, e é muitas vezes descrito como uma grande massa, com ou sem linfadenopatia associada. Devido a que o carcinoma pancreático tem perspectiva sombria, muitos pacientes não são submetidos à biópsia e o fracasso em fazer este diagnóstico elimina a chance de cura1,12.

Descreve-se aqui um caso de linfoma pancreático no qual a colangite representou seu sinal principal.

RELATO DO CASO

Homem de 41 anos de idade foi examinado com história de dois meses de perda de peso e icterícia. Sinais e sintomas consistiram em intensa icterícia, febre e dor no lado direito (tríade de Charcot). Havia também prurido, acolia fecal e colúria. A perda de peso foi referida como de 8 kg em dois meses.

O paciente não registrou qualquer outra doença, nem alcoolismo e nem hábito de fumar. Não havia história de pancreatite, diabetes, litíase biliar ou câncer. Os resultados laboratoriais mostraram bilirrubina total e conjugada de 5,56 mg / dl e 4,77 mg / dl, respectivamente. Fosfatase alcalina era de 1500 U / l (normal: 27-100 U / l) e gama-glutamil transferase de 450 (valor normal: 5-27 U / l). Atividade de protrombina era de 46%. Marcadores virais, HbsAg, Anti-HBc e Anti-HCV foram negativos. Ultrassonografia abdominal demonstrou dilatação intra e extra-biliar e uma massa na cabeça do pâncreas. Tomografia abdominal mostrou lesão heterogênea na cabeça do pâncreas com diâmetro 6 cm, dilatação intensa de vias biliares, envolvimento da artéria mesentérica superior e veia porta (Figura 1). Não existiam sinais de ascite ou colelitíase e nenhuma metástase foi encontrada. Gastroduodenoscopia mostrou esofagite, compressão extrínseca importante do duodeno com deformação da segunda porção.


O protocolo institucional para estes casos não recomendava descompressão biliar pré-operatória e, portanto, ela não foi feita. Angiografia também não foi realizada. O diagnóstico foi definido como neoplasia pancreática na cabeça e laparotomia foi marcada. O paciente foi submetido a uma grande incisão subcostal. Após a abertura da cavidade peritoneal, a inspeção visual e palpação da cavidade abdominal e pélvica foi o objetivo inicial. Não havia metástases à distância, mas foram encontrados envolvimento da veia porta, da artéria hepática e dos vasos mesentéricos superiores. Na verdade, o tumor estendeu-se além dos limites normais de ressecção pancreática e houve fixação no retroperitônio. Existiam implantes peritoneais e omentais, e grande quantidade de linfonodos comprometidos era evidente na área. Todos estes achados intra-operatórios contraindicaram a ressecção pancreática.

O paciente foi submetido a um procedimento paliativo que consistiu em anastomose hepaticojejunal látero-lateral associada a um bypass gastrojejunal. Ele já tinha sido submetido à colecistectomia anteriormente. Não houve hemorragia intra-operatória, nem necessidade de transfusão. Drenagem laminar foi usada com base em protocolo. Algumas biópsias foram feitas. O tempo cirúrgico foi de cerca de quatro horas; cefazolina foi usada na antibioticoprofillaxia.

Ocorreram algumas complicações no pós-operatório, principalmente por causa do sangramento gastrointestinal que começou seis dias após a operação. A avaliação endoscópica foi necessária para controlar a hemorragia e ela foi feita duas vezes com bons resultados. Transfusão também foi necessária. A alta hospitalar ocorreu após 11 dias. O exame histopatológico de biópsias intra-operatórias mostrou linfoma pancreático. O paciente foi avaliado pelo serviço de oncologia e iniciou combinação de quimioterapia CHOP: ciclofosfamida, adriablastina, vincristina e prednisona (100 mg/dia). Após 60 meses de tratamento, ele encontrava-se bem e livre dos sintomas.

DISCUSSÃO

Linfoma extranodal não Hodgkin, representa cerca de 25% dos casos. Na maioria das séries o trato gastrointestinal é o local mais comum, respondendo por 30% a 40% dos casos. Para os tumores solitários extra-nodais o estômago, pele e cérebro são os sítios mais frequentes. A sobrevida está correlacionada com o subtipo histológico. O linfoma primário não Hodgkin do pâncreas é doença rara e representa menos de 1% dos não Hodgkin extranodais e 0,3% de todos os tumores pancreáticos2. Seu diagnóstico é difícil, sem exame histológico, e achados clínicos ou de imagem não são específicos.

Os doentes com linfoma gastrointestinal podem apresentar náuseas e perda de peso (50%), devido à má absorção, dor abdominal (83%), massa palpável (58%). Pancreatite aguda associada é muito rara3,5,9, embora a elevação da amilase pode ser vista em 57% dos casos. Apesar do grande tamanho dos tumores, icterícia está presente em apenas 33% dos pacientes2 e colangite é rara. A doença pode às vezes ser diferenciada de adenocarcinoma por tomografia computadorizada e confirmada por aspiração com agulha fina. Outro diagnóstico diferencial pré-operatório inclui o carcinoma gástrico, coledocolitíase, neoplasia abdominal não especificada. A intervenção cirúrgica pode ser necessária para confirmar o diagnóstico8.

Os achados clínicos e de imagem geralmente não são específicos; exames de imagem, muitas vezes não diferenciam linfomas pancreáticos de outros tumores, embora uma grande e bem circunscrita massa homogênea no pâncreas pode levantar a suspeita de linfoma. Pacientes com linfoma primário de pâncreas, mesmo com invasão ductal, podem não ter dilatação ductal ou outra alteração de ducto pancreático principal. Contudo, envolvimento linfonodal abaixo do nível das veias renais deve sugerir o diagnóstico. Em pacientes com infiltração difusa da glândula pancreática, sem sinais clínicos de pancreatite, o radiologista deve estar alerta para a possibilidade de linfoma pancreático4,7.

Deve-se ter em mente que apresentações extranodais primárias são investigadas e tratadas como os seus homólogos nodais; na prática, as mesmas orientações se aplicam ao manuseio dos dois tipos. Linfoma do pâncreas não exige preparo cirúrgico ou procedimento cirúrgico paliativo antes da químio ou radioterapia. Para se obter melhor prognóstico com tratamento não cirúrgico é necessário buscar sinais secundários ao linfoma primário de pâncreas10,11. Por outro lado há experiência na literatura que sugere que a ressecção cirúrgica pode desempenhar papel benéfico no tratamento do linfoma de pâncreas localizado6. Koniaris, et al.6 realizou revisão na literatura de língua inglesa, onde 58 destes casos apresentavam-se em estágio I ou II, tratados sem ressecção cirúrgica, com taxa de cura de 46%. Quinze pacientes que foram operados com ressecção da doença localizada tiveram cura em 94%. É importante ressaltar que a biópsia intra-operatória foi fundamental para o diagnóstico e prognóstico. Caso tivesse sido tratado como um portador de adenocarcinoma, provavelmente o paciente não apresentaria recuperação sem intercorrências.

Recebido para publicação: 11/08/2009

Aceito para publicação: 10/05/2010

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

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  • Correspondência:

    Cleber Soares Júnior
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010
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