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Atividade mioelétrica do intestino delgado de cães submetidos à oclusão parcial da veia porta

Resumos

RACIONAL: A oclusão temporária da veia porta causa estase esplâncnica e pode causar dismotilidade intestinal. OBJETIVO: Avaliar as alterações da atividade mioelétrica e da histologia do intestino delgado, além da pressão arterial média (PAM), frequência cardíaca (FC), pressão venosa central (PVC) e pressão portal (PP), na fase de pré-oclusão e de oclusão portal. MÉTODO: Realizou-se anestesia geral em seis cães, seguido de monitorização da PAM, FC e PVC, laparotomia, aferição da PP, fixação de três pares de eletrodos na parede intestinal, biópsias jejunais e oclusão parcial da veia porta, sendo programado aumento da PP entre 2,5 e 3 vezes. Os eletrodos foram conectados a um microcomputador com software de aquisição para armazenamento e análise da atividade mioelétrica, cujo registro ocorreu nos 30 minutos da fase de pré-oclusão e nos 60 minutos de oclusão. Determinouse a variância e a média do RMS (root mean square) da atividade mioelétrica. RESULTADOS: Na fase de oclusão, houve diminuição significativa da média do RMS e aumento da frequência de hemorragia da lâmina própria, sendo proporcional ao tempo de estase.Infiltrado inflamatório, dilatação vascular e desprendimento epitelial não apresentaram diferença entre as duas fases. Durante a estase, PAM, FC e PVC diminuíram (p=0,326; 0,375 e 0,008; respectivamente), e PP aumentou (p=0,015). CONCLUSÃO: A oclusão parcial da veia porta de cães promoveu diminuição da atividade mioelétrica e aumento da frequência percentual da hemorragia da lâmina própria, além de queda da PVC

Veia porta; Histologia; Intestino delgado; Cirurgia; Hipertensão portal


BACKGROUND: Temporary occlusion of the portal vein causes splancnic venous stasis and intestinal disfunction, that can produce alterations in the motility, and this fact is not vastly known. AIM: To evaluate the small bowel myoelectric activity and histology in the six dogs, also covering mean arterial blood pressure (AP), pulse rate (PR), central venous pressure (CVP) e portal pressure (PP), in two phases: pre-occlusion and occlusion. METHODS: It was done general anesthesia, invasive monitorization of the AP, PR e CVP, laparotomy, measure of the PP, fixation of the three pairs of electrodes in the intestinal wall, jejunal biopsy and parcial occlusion of the portal vein, being programmed the increase of the PP between 2.5 and 3 times baseline. Electrodes were connected to a computer system that captured electrical signals from the intestine. The computer has a software of acquisition to store and analyse the myoelectric activity after registering, what happened in 30 minutes of the pre-occlusion phase and in 60 minutes of occlusion. The variance and the mean RMS(root mean square) of the myoeletric activity were determined. The statistical analysis was done with Friedman, Dunn, Cochran and Students t tests. RESULTS: Mean RMS of myoeletric activity showed significant decrease in the phase of portal occlusion, in comparison to preocclusion phase. The frequency of hemorrhage of the lamina propria was major during occlusion. It was proportional at stasis time, with significant difference between the preocclusion and the occlusion of 60 minutes. Inflammatory infiltration, vascular dilation and epithelial detachment did not show any differences between two phases. During the stasis, AP, PR and CVP decreased (p=0,326; 0,375 e 0,008, respectively), and PP increased(p=0,015). CONCLUSIONS: Parcial occlusion of the portal vein produced reduction of the myoeletric activity and elevation of the percentage frequency of hemorrhage in lamina propria, and a fall of CVP, with relative hemodynamic stabilization.

Portal vein; Intestine, small; Surgery; Hypertension, portal


ARTIGO ORIGINAL

Atividade mioelétrica do intestino delgado de cães submetidos à oclusão parcial da veia porta

Álvaro Antônio Bandeira Ferraz; Josemberg Marins Campos; Luis Fernando Evangelista; Antonio Roberto de Barros Coelho; José Guido de Araújo-Filho; Edmundo Machado Ferraz

Correspondência Correspondência: Álvaro Antônio Bandeira Ferraz e-mail: aabf@truenet.com.br

RESUMO

RACIONAL: A oclusão temporária da veia porta causa estase esplâncnica e pode causar dismotilidade intestinal.

OBJETIVO: Avaliar as alterações da atividade mioelétrica e da histologia do intestino delgado, além da pressão arterial média (PAM), frequência cardíaca (FC), pressão venosa central (PVC) e pressão portal (PP), na fase de pré-oclusão e de oclusão portal.

MÉTODO: Realizou-se anestesia geral em seis cães, seguido de monitorização da PAM, FC e PVC, laparotomia, aferição da PP, fixação de três pares de eletrodos na parede intestinal, biópsias jejunais e oclusão parcial da veia porta, sendo programado aumento da PP entre 2,5 e 3 vezes. Os eletrodos foram conectados a um microcomputador com software de aquisição para armazenamento e análise da atividade mioelétrica, cujo registro ocorreu nos 30 minutos da fase de pré-oclusão e nos 60 minutos de oclusão. Determinouse a variância e a média do RMS (root mean square) da atividade mioelétrica.

RESULTADOS: Na fase de oclusão, houve diminuição significativa da média do RMS e aumento da frequência de hemorragia da lâmina própria, sendo proporcional ao tempo de estase.Infiltrado inflamatório, dilatação vascular e desprendimento epitelial não apresentaram diferença entre as duas fases. Durante a estase, PAM, FC e PVC diminuíram (p=0,326; 0,375 e 0,008; respectivamente), e PP aumentou (p=0,015).

CONCLUSÃO: A oclusão parcial da veia porta de cães promoveu diminuição da atividade mioelétrica e aumento da frequência percentual da hemorragia da lâmina própria, além de queda da PVC

Descritores: Veia porta. Histologia. Intestino delgado. Cirurgia. Hipertensão portal.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, vem ocorrendo aumento no número de operações hepáticas de grande porte. Hepatectomia extensa e transplante parcial de fígado determinam elevação da resistência ao fluxo portal, em função da redução do espaço vascular intra-hepático10.

Isto resulta em hipertensão portal aguda e estase venosa esplâncnica, com consequente distúrbio da função do intestino delgado, podendo ser uma das causas do íleo paralítico pós-operatório, o qual decorre da alteração eletrofisiológica intestinal, que ainda não é bem conhecida8,11,12.

Hipertensão portal aguda também pode determinar distúrbios hemodinâmicos sistêmicos, tais como, diminuição do retorno venoso e da pressão arterial sistêmica - cuja situação pode induzir hipoperfusão esplâncnica e consequente alteração da histologia da mucosa - e da motilidade intestinal. Além disso, Moriura et al.11 mostraram redução no débito cardíaco e manutenção da pressão do átrio esquerdo, indicando ausência de queda no retorno venoso. Assim, os mecanismos das alterações hemodinâmicas após oclusão parcial da veia porta continuam controversos.

Algumas peculiaridades da atividade mioelétrica do intestino delgado, secundárias à estase portal, ainda não são bem compreendidas e, até o momento, não há estudo experimental, com observação da repercussão cardiovascular, que mostre associações com a atividade mioelétrica e com aspectos morfológicos.

A determinação desses aspectos poderia contribuir para o melhor entendimento dos distúrbios funcionais do intestino delgado induzidos por hipertensão portal aguda.

Desta maneira, objetiva-se avaliar as alterações da atividade mioelétrica do intestino delgado, através do seu RMS (root mean square), e da histologia, na fase de pré-oclusão e de oclusão portal. Também foi mensurada a pressão arterial média (PAM), a frequência cardíaca (FC), a pressão venosa central (PVC) e a pressão portal (PP).

MÉTODO

Seis cães adultos mestiços foram submetidos à operação abdominal experimental como modelo de hipertensão portal aguda. Selecionaram-se sete cães sem enfermidades, sendo cinco machos e duas fêmeas, com peso entre 14 e 16,5 kg, havendo exclusão de um animal devido à ocorrência de extravasamento abdominal de linfa e hipotensão arterial severa.

É um estudo experimental controlado e dividido em duas fases, tomando-se a oclusão parcial da veia porta como o parâmetro de divisão entre a fase de préoclusão e de oclusão portal, que tiveram duração de 30 e 60 minutos. O momento da oclusão portal foi o divisor entre o grupo controle e o experimental, os quais estavam presentes em cada animal, em fases diferentes ao longo do experimento, que corresponderam, respectivamente, a fase de pré-oclusão e a de oclusão portal, de maneira que cada animal era o seu próprio controle. A fase de oclusão portal foi subdividida em três etapas a cada 20 minutos para realização das biópsias jejunais e monitorização hemodinâmica (Figura 1).


Foi determinado previamente que a oclusão da veia porta dos cães, durante 60 minutos, elevasse a PP a níveis situados entre 2,5 e 3 vezes em relação aos valores basais, medidos antes da oclusão portal (Figura 2).


Inicialmente, após jejum de 12 horas, cada animal foi submetido à intubação traqueal sob indução anestésica com tiopental sódico, por acesso venoso periférico, na dose de 0,08 mg/kg de peso. Na mesma via, administrou-se quetamina e cloridrato de pancurônio, na dose de 2 mg/kg, sendo usada quetamina na mesma dosagem para manutenção anestésica (Figura 1). A hidratação foi mantida com soro fisiológico a 0,9% na dose de 10 ml/kg/h, sendo infundido durante todo o experimento4.

Antes da operação propriamente dita, foram executados os seguintes procedimentos: monitorização contínua do ritmo e da FC através de eletrodos na pele, e dissecção da artéria e da veia braquial para aferição, respectivamente, da PAM e da PVC. Em seguida, realizou-se laparotomia para execução dos seguintes procedimentos: dissecção das veias porta e jejunal, fixação dos eletrodos no jejuno, biópsias da parede intestinal e oclusão parcial da veia porta, na fase pré e durante a oclusão. Objetivando aferir a PP, a dissecção da veia jejunal foi próxima à veia mesentérica cranial e ao ângulo duodenojejunal (Figura 3).


Para iniciar a fase de oclusão portal, a fita cardíaca envolvendo a veia porta foi tracionada e o tubo branco foi fixado com pinça hemostática, até aumentar a PP ao nível desejado, entre 2,5 e 3 vezes maior do que o valor basal (Figura 2).

Para o registro da atividade mioelétrica, utilizouse eletrodos bipolares do tipo MP-285-B, Monicrom 2-0, que são fios de marca-passo cardiovascular, e têm segmento de 4 cm descoberto na extremidade, cuja área foi implantada e fixada com fio de catgute 3-0® nas camadas mais externas (seromuscular) da parede do jejuno5. Assim, os eletrodos foram posicionados aos pares, iniciando-se a 25 cm do ângulo duodenojejunal, mantendo distância de 15 cm entre cada par, resultando na aposição de três pares.

A outra extremidade de cada eletrodo foi exteriorizada através da incisão mediana no abdome para ser conectada a um amplificador acoplado a um microcomputador contendo sistema de aquisição de dados - DATAQ Akron OH, série 200, que capta frequências entre 0,02 e 10 Hertz, o qual registrou sinais de atividade mioelétrica continuamente durante as duas fases do estudo. Para análise espectral da atividade mioelétrica intestinal, considerou-se a variância e o RMS, que é capaz de determinar a voltagem efetiva da onda elétrica nos três pares de eletrodos.

Nas duas fases do experimento, em cada animal, foram realizadas quatro biópsias jejunais de aproximadamente 1,5 cm, totalizando 24 fragmentos retirados dos seis animais; uma biópsia foi executada no início da fase de pré-oclusão portal e três na fase de oclusão, sendo uma em cada etapa (Figura 1). Os espécimes foram fixados em formol a 10% seguido de análise histológica. Em microscopia óptica, foram pesquisadas as seguintes alterações da mucosa: infiltrado inflamatório, dilatação vascular, hemorragia da lâmina própria e desprendimento do revestimento epitelial.

Foram aplicados os seguintes testes estatísticos: Friedman, Dunn, t de Student, Cochran, sendo adotado um nível de significância de 5% (p<0,05).

RESULTADOS

Na fase de pré-oclusão portal, a média do RMS foi igual a 0,5327 mV, havendo redução estatisticamente significativa (p=0,0022) nos primeiros 20 minutos de oclusão portal. Com 40 e 60 minutos, a média do RMS continuou em pequena queda, mantendo diferença estatisticamente significativa em relação à fase de préoclusão portal (p=0,0002 e p=0,0001, respectivamente), conforme o teste t de Student. A comparação entre as três etapas da fase de oclusão não apresentou diferença estatisticamente significativa (Tabela 1).

Dos 24 fragmentos jejunais dos seis animais, as análises histológicas identificaram infiltrado inflamatório em 21 espécimes (21/24 - 87,5%), dilatação vascular em 23 (23/24 - 95,8%), hemorragia da lâmina própria em oito (8/24 -33,3%) e desprendimento epitelial em três (3/24 - 12,5%) (Tabela 1).

Infiltrado inflamatório e dilatação vascular foram os únicos identificados nas duas fases do estudo, pois a hemorragia da lâmina própria ficou restrita às três etapas da fase de oclusão portal, e o desprendimento epitelial ocorreu apenas nas etapas com 40 e 60 minutos. Em geral, observou-se aumento na frequência percentual de todas as alterações histológicas na fase de oclusão portal, de forma proporcional ao tempo de estase, especificamente quando se avalia a hemorragia da lâmina e o desprendimento (Tabela 1).

Apesar dessa observação, o teste de Cochran não mostrou diferença estatisticamente significativa entre as quatro etapas do estudo, que inclui as duas fases, considerando a frequência percentual do infiltrado inflamatório (p=0,500), da dilatação vascular (p=0,392) e do desprendimento epitelial (p=0,500). A hemorragia da lâmina própria foi a única a apresentar significância estatística entre as quatro etapas (p=0,015), especificamente na comparação entre a fase de pré-oclusão portal e a etapa de 60 minutos de oclusão (p<0,05). Todas as variáveis estão sumarizadas na Tabela 1.

Na fase de pré-oclusão portal, a PP média dos seis cães foi igual a 8,3 cmH2O, havendo aumento de 2,8 vezes nos primeiros 20 minutos de oclusão, que resultou na elevação da PP para 23 cmH2O, enquanto que os demais parâmetros hemodinâmicos (PAM, FC e PVC) apresentaram queda. Na etapa seguinte, com 40 minutos de oclusão portal, a PP e a PAM evoluíram com discreta diminuição, enquanto que FC e PVC apresentaram elevação de diferentes intensidades. Aos 60 minutos de oclusão da veia porta, houve queda de intensidade variável em todos os quatro parâmetros avaliados, sendo mais marcante na PAM.

A avaliação isolada da PAM evidenciou queda proporcional ao tempo de estase, todavia, o teste de Friedman mostrou que esse comportamento não apresentou diferença estatisticamente significativa entre as quatro etapas do estudo (p=0,326). A FC também diminuiu na fase de oclusão, mas não houve significância estatística na comparação das quatro etapas (p=0,375).

Houve redução dos níveis da PVC em intensidade variável nas três etapas da fase de oclusão portal, em relação à fase de pré-oclusão, ocorrendo diferença estatisticamente significativa entre as quatro etapas, conforme o teste de Friedman (p=0,015). A PP apresentou evidente aumento na fase de oclusão portal, havendo diferença estatisticamente significativa entre as quatro etapas, conforme o teste de Friedman (p=0,008). Durante a oclusão, observou-se discreta queda da PP, de forma proporcional ao tempo, e, devido a isso, o teste de comparações múltiplas de Dunn mostrou que, somente aos 20 minutos de oclusão portal, os níveis de PP tenderam a superar os níveis na fase de pré-oclusão portal, sendo a diferença estatisticamente significativa (p<0,01). Entre as demais etapas, não houve diferença estatisticamente significativa (p>0,05).

DISCUSSÃO

Apesar da motilidade gastrintestinal ser conhecida há mais de um século, somente a partir das últimas três décadas houve maior interesse pelo assunto. Assim, foram realizadas inúmeras pesquisas experimentais, enquanto que estudos clínicos têm sido executados com menor frequência1,7,9,13, provavelmente devido à maior necessidade de se respeitar aspectos éticos e logísticos, além da maior probabilidade de ocorrer viés.

Os poucos estudos experimentais que correlacionam motilidade do intestino delgado e hipertensão portal enfatizam as repercussões intestinais crônicas promovidas pela prolongada estase esplâncnica, ou então, utilizam outros métodos de análise, como o tempo de trânsito intestinal com radioisótopos, em detrimento da análise da atividade mioelétrica, cujo meio diagnóstico foi empregado nesta pesquisa, através da implantação de eletrodos na camada serosa do intestino de cães9,13. Assim, na literatura, ainda não há avaliação específica do comportamento mioelétrico da função intestinal, resultante da estase portal aguda.

As duas fases do presente estudo se constituíram em variáveis determinadas em função do nível da PP, sendo esta uma variável independente, que foi rigorosamente controlada durante os experimentos. Com isso, os valores da PP foram determinados pelo pesquisador com o objetivo de tornar as duas fases diferentes entre si apenas em relação a esses níveis pressóricos, buscando-se a homogeneidade em relação às demais variáveis. Na fase de oclusão portal, a PP foi aumentada 2,5 a 3 vezes em relação ao nível basal, através de adequada tração da fita cardíaca que circundava a veia porta.

Todos os demais parâmetros estudados se constituíam em variáveis dependentes, e assim, não foram controlados pelo pesquisador, sendo apresentados resultados aleatórios em função da variável causal, que foi determinada pela medida da PP, ou em última análise, pelas duas fases do estudo. Presumidamente, estas fases determinaram os resultados das seguintes variáveis dependentes: média do RMS, infiltrado inflamatório, dilatação vascular, hemorragia da lâmina própria, desprendimento epitelial, PAM, FC e PVC.

Os níveis da PP foram elevados na fase de oclusão portal, buscando-se semelhança com a situação clínica de hipertensão portal aguda, que comumente ocorre após hepatectomia extensa ou transplante parcial de fígado, nos quais a PP aumenta em torno de duas vezes em relação aos valores basais pré-operatórios8,11,13. As aferições da PP durante a oclusão da veia porta também foram guiadas pela possibilidade de se desenvolver um modelo de hipertensão portal com repercussões hemodinâmicas aceitáveis, o que levou à pequena queda da PAM e da FC, não havendo assim, diferença estatisticamente significativa entre as duas fases observadas.

Outro motivo para a escolha de um modelo de oclusão parcial foi o conhecimento de que o cão não resiste ao completo clampeamento portal, devido à escassez de veias colaterais porto-sistêmicas, que resultaria em colapso cardiovascular por insuficiência de sangue para a manutenção da circulação sistêmica efetiva2,3.

No início dos experimentos, foram levantadas as seguintes hipóteses: a hipertensão portal aguda, com PP situada entre 2,5 e 3 vezes acima do nível basal; pode promover redução na média do RMS da atividade mioelétrica do intestino delgado de cães; possibilitar a ocorrência de alteração na histologia da mucosa jejunal, em relação ao estado de pré-oclusão portal.

Ao longo do experimento, o grupo controle e o experimental estavam presentes no mesmo animal, respectivamente, na fase de pré-oclusão e na fase de oclusão portal. Este tipo de desenho do estudo reduziu a probabilidade do surgimento de variáveis de confusão, uma vez que cada animal era o seu próprio controle.

No presente estudo, os três pares de eletrodos implantados diretamente na camada seromuscular do intestino delgado foram capazes de detectar pequenas alterações na atividade elétrica da parede do órgão, a partir da utilização de um amplificador acoplado a um microcomputador contendo um sistema de aquisição de dados, que captava frequências entre 0,02 e 10 Hertz, e registrava sinais de atividade mioelétrica continuamente durante todo ato cirúrgico.

A principal desvantagem desse método é a necessidade de laparotomia para o implante de eletrodos, mas, no modelo canino utilizado não houve inconveniente devido à realização de operação abdominal para execução de outro procedimento fundamental ao experimento, que foi a oclusão parcial da veia porta.

Na pesquisa atual, considerando as diversas evidências discutidas acima, observou-se a confiabilidade dos métodos empregados, além de que foram afastadas as possibilidades de interferências externas, sendo assim bastante sugestivo de que o aumento da PP seja o principal responsável pelas alterações da atividade mioelétrica, histológicas e hemodinâmicas, cujos resultados serão discutidos a seguir.

Na fase de oclusão portal, a média do RMS apresentou redução estatisticamente significativa em relação aos níveis basais. A comparação das três etapas da fase de oclusão portal entre si não apresentou diferença estatisticamente significativa.

Ao contrário dos resultados da atual pesquisa, em 1990, Jacobs, et al.9 mostraram que não houve alteração na motilidade intestinal no modelo de hipertensão portal crônica, de acordo com o registro da atividade mioelétrica realizado a partir de eletrodos colocados na camada serosa da alça jejunal isolada de cães.

Corroborando com os resultados do estudo atual, em 1994, Wang, et al.13 mostraram aumento do tempo de trânsito intestinal com uma hora de experimento no grupo submetido à hepatectomia. O tempo de trânsito intestinal foi avaliado através do uso de radioisótopos, em ratos submetidos à hepatectomia com 90% de ressecção do parênquima, e em outro grupo com hipertensão portal aguda decorrente de estenose calibrada da veia porta.

Na pesquisa em discussão, os resultados histológicos dos 24 fragmentos jejunais retirados dos seis cães demonstraram infiltrado inflamatório em 87,5% dos animais, e dilatação vascular em 95,8%, enquanto que hemorragia da lâmina própria e desprendimento epitelial ocorreram em menores proporções (33,3% e 12,5%, respectivamente).

Infiltrado inflamatório e dilatação vascular foram os únicos identificados com grande frequência percentual na fase de pré-oclusão portal. Considerando que esta fase representa o estado de normalidade tecidual, esperava-se que tais alterações ocorressem em menores proporções, no entanto, a elevada taxa de infiltrado inflamatório foi considerada dentro dos limites normais para os padrões caninos submetidos à manipulação intestinal durante laparotomia, uma vez que o intestino delgado foi mobilizado para a realização de monitorização invasiva da PP e para aposição dos eletrodos na parede jejunal. Isto pode ter causado aumento no número de células inflamatórias na mucosa intestinal, além da possibilidade de ter ocorrido dilatação vascular em pequena intensidade.

A partir dos primeiros minutos da fase de oclusão portal, a mucosa apresentava infiltrado inflamatório e dilatação vascular em maior frequência percentual, em relação a fase de pré-oclusão, chegando a ocorrer em todos os casos após 40 minutos de oclusão da veia porta, provavelmente, devido ao maior tempo de estase esplâncnica. Apesar dessas observações, não houve diferença significativa entre as quatro etapas avaliadas.

Sébe, et al.12 estudaram as alterações histopatológicas do intestino delgado em três grupos de ratos submetidos a oclusão total do pedículo hepático por 10, 20 e 30 minutos, e também observaram que a intensidade da congestão esplâncnica foi proporcional ao tempo de estase, enquanto que o grupo controle, não submetido à oclusão dos vasos pediculares, apresentou lâmina própria típica com poucos linfócitos e plasmócitos, e sem dilatação dos vasos sanguíneos e linfáticos. Com 10 minutos de oclusão total, os aspectos histológicos estiveram quase normais, havendo apenas infiltração linfoplasmocitária e dilatação vascular leves, as quais se tornaram intensas com 20 minutos de oclusão total.

Na presente pesquisa, dilatação vascular intensa foi diagnosticada a partir de 40 minutos da oclusão parcial, cuja diferença de intensidade e frequência entre tais estudos, pode ser explicada pelo grau de oclusão, uma vez que esta pesquisa aplicou estenose e não clampeamento total, como referido por Sébe, et al.12.

Na literatura, há experimento sobre oclusão parcial da veia porta que mostra edema intersticial e severa dilatação dos vasos da mucosa intestinal, o que demonstra concordância com os achados da investigação atual6.

Na pesquisa vigente, a hemorragia da lâmina própria e o desprendimento epitelial ocorreram apenas durante a fase de oclusão portal, demonstrando que essas alterações não são encontradas em situações de normalidade, estando assim relacionadas à estase do sistema portal, de forma proporcional ao tempo de obstrução venosa, principalmente quando se avalia isoladamente a hemorragia da lâmina própria, pois esta foi a única a apresentar significância estatística entre as quatro etapas do estudo, especificamente na comparação da fase de pré-oclusão portal com a etapa de 60 minutos de oclusão (p<0,05).

O aumento da PP determina dilatação vascular nas vilosidades da mucosa intestinal, resultando na ruptura dos vasos e na consequente hemorragia na lâmina própria. Concomitantemente, o processo congestivo determina a perda da adesão entre o epitélio e a lâmina própria, que leva ao desprendimento do revestimento epitelial, chegando em alguns casos a ocorrer hemorragia para o lúmen intestinal. Em geral, de acordo com os resultados deste experimento, a frequência e a gravidade das alterações histológicas foram proporcionais ao tempo de estase portal.

O desprendimento do revestimento epitelial foi identificado apenas com 40 e 60 minutos de oclusão portal, que correspondem a estágios avançados da estase venosa esplâncnica, refletindo assim a gravidade da situação. Conforme Sebe, et al.12, a hemorragia da lâmina própria e o desprendimento epitelial de grandes áreas das vilosidades intestinais dos ratos ocorreram com 30 minutos de clampeamento pedicular, cujo momento foi mais precoce do que no presente estudo, provavelmente devido à completa oclusão portal.

Durante a fase de oclusão portal, houve discreta queda da PP, que iniciou com 23 cmH2O e terminou em 22 cmH2O com 60 minutos de oclusão, o que reflete a acomodação que habitualmente ocorre no sistema esplâncnico devido à complacência dos órgãos parenquimatosos envolvidos. O baço é o principal responsável por esse fenômeno, devido ao sequestro de sangue portal no seu interior, chegando a apresentar grande aumento de volume durante o experimento. Na presente pesquisa, a oclusão da veia porta foi realizada visando avaliar os efeitos da hipertensão portal aguda sobre o intestino delgado, do ponto de vista histológico e da motilidade, procurando-se afastar a interferência da hipotensão arterial.

A oclusão parcial da veia porta de cães promoveu as seguintes alterações estatisticamente significativas: diminuição da atividade mioelétrica do intestino delgado, hemorragia da lâmina própria, a qual foi proporcional ao tempo de estase venosa esplâncnica, e diminuição da PVC e elevação da PP.

CONCLUSÃO

A oclusão parcial da veia porta de cães promoveu diminuição da atividade mioelétrica e aumento da frequência percentual da hemorragia da lâmina própria, além de queda da PVC.

Recebido para publicação: 17/11/2010

Aceito para publicação: 21/12/2010

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

Trabalho realizado no Laboratório do Núcleo de Cirurgia Experimental do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.

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  • Correspondência:
    Álvaro Antônio Bandeira Ferraz
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      17 Nov 2010
    • Aceito
      21 Dez 2010
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