Acessibilidade / Reportar erro

Esplenose mimetizando gist: relato de caso e revisão da literatura

CARTA AO EDITOR

Esplenose mimetizando gist: relato de caso e revisão da literatura

Cláudio Bresciani; Nélio Reis Ferreira; Rodrigo Oliva Perez; Carlos Eduardo Jacob; Bruno Zilberstein; Ivan Cecconello

Correspondência Correspondência: Cláudio Bresciani, e-mail: cbresciani@ig.com.br

INTRODUÇÃO

Esplenose é o "seeding" ou autotransplante de tecido esplênico após trauma ou cirurgia esplênica4. Há implante de tecido esplênico em forma de nódulos encapsulados com mais frequência na cavidade peritoneal, mas também pode ocorrer na cavidade pleural, pericárdio, pulmão, parede abdominal, tecido subcutâneo e no cérebro. No abdome, geralmente é descoberto por acaso como uma massa assintomática.

O tumor do estroma gastrointestinal (GIST) é a neoplasia maligna mais comum mesenquimais do trato gastrointestinal14 e o estômago é o principal sítio mais comum. Os sintomas incluem sangramento, dor, desconforto ou uma massa abdominal, sem sintomas. Ressecção cirúrgica é a opção preferida de tratamento para GIST operados, em especial os tumores primários localizados5. Como a maioria dos GIST são da submucosa, o diagnóstico definitivo muitas vezes não pode ser feita antes da operação.

Este é o relato de um caso de uma lesão na submucosa gástrica, que foi inicialmente pensado ser tumor estromal gástrico por endoscopia digestiva e ultra-sonografia endoscópica (EUS). A esplenose foi diagnosticada após tomografia computadorizada e cintilografia com Tc-99m.

A nosso conhecimento, não existem casos relatados de esplenose que imita um GIST gástrico.

RELATO DO CASO

Homem de 74 anos foi internado para tratamento eletivo de uma lesão na submucosa gástrica encontrada na endoscopia digestiva alta (Figura 1). Ele se queixou de dor abdominal superior vaga. A ultrassonografia endoscópica revelou uma lesão bilobular homogênea, localizada na camada muscular do fundo gástrico, medindo 36x25 mm e 20x21 mm (Figura 2). Como havia grandes vasos acima da lesão, e alta probabilidade de ser um GIST foi indicada a ressecção cirúrgica. Aspiração com agulha fina para biópsia não foi realizada.



No passado o paciente havia sido submetido à colectomia esquerda para câncer colorretal 20 anos antes. Ele também teve uma segunda operação após um ano devido à recidiva local s, ocasião em que o baço também foi retirado. Ele não tinha histórico de perda de peso nem quaisquer sintomas ou sinais intestinais. Seu exame físico mostrou apenas uma hérnia incisional abdominal de grande porte. Os exames laboratoriais foram normais.

Desde que a lesão submucosa era altamente suspeita de um tumor estromal, tomografia computadorizada abdominal foi realizada. Apesar de ter sido feita sem a injeção de contraste intravenoso, devido à história de alergia, ela revelou duas massas abdominais medindo 4,0 cm e 2,5 cm em fundo gástrico, sugerindo esplenose (Figura 3A, 3B e 3C).




A cintilografia com tecnécio Tc 99m mostrou tecido esplênico no epigástrio e nos quadrantes inferiores esquerdo e superior, confirmando o diagnóstico de esplenose (Figura 4). Colonoscopia mostrou um pequeno pólipo de cólon e o exame patológico diagnosticou ser hamartoma.


O paciente recebeu alta do hospital recusando o tratamento cirúrgico da hérnia incisional.

DISCUSSÃO

Esplenose pode ser detectada em 16 a 67% dos pacientes que sofreram ruptura esplênica traumática18. Geralmente não levam a sintomas clínicos 2,15,16, especialmente esplenose torácica2. Entretanto, alguns pacientes podem experimentar uma massa abdominal ou pélvica dolorosa12. Mais raramente, pode levar a complicações como obstrução intestinal1, hemorragia gastrointestinal1 e recidiva de doenças hematológicas, principalmente trombocitopenia auto-imune6. Foram relatados hematoma intraperitoneal em trauma e hidronefrose devido à compressão ureteral por compressãoados17.

O intervalo médio entre a lesão esplênica ou operação e o diagnóstico de esplenose é de 18 anos8. No presente caso, este período de intervalo foi de 20 anos. Neste caso, a endoscopia inicial foi realizada para a investigação de sintomas dispépticos em um paciente idoso. Curiosamente, os resultados endossonográficos foram sugestivos de GIST gástrico, com base na localização da lesão muscular gástrica. A ressecção cirúrgica é o tratamento de primeira linha para GIST, particularmente em tumores primários. Imatinib é o tratamento padrão para doença metastática e avançada9,14.

Neste caso, a suspeita inicial de uma doença maligna levou à tomografia computadorizada. Esta análise sugeriu o diagnóstico de esplenose, apesar de contraste intravenoso não ter sido utilizado devido ao histórico de alergia. Infelizmente, a CT é incapaz de diferenciar dentre outras lesões tumorais, mesmo com a injeção de contraste intravenoso. O método de escolha para estabelecer o diagnóstico é Tc-99m2,3,11. Cintilografia Tc-99m com enxofre coloidal também pode ser usado19, mas o primeiro é mais sensível e específico7. Neste caso, além de confirmar a suspeita diagnóstica, esta técnica mostrou outros focos patológicos no abdômen compatível com esplenose que não haviam sido identificados anteriormente.

A remoção cirúrgica na esplenose é considerada desnecessária19. O tecido esplênico implantado oferece algum grau de proteção contra a infecção bacteriana e redução da frequência de sepse pós-esplenectomia10. Isso pode ser especialmente importante em pacientes com doenças hematológicas13. O tratamento cirúrgico, portanto, deve ser reservado para pacientes sintomáticos12,16, complicações ou quando o diagnóstico correto não pode ser feito12.

Como ilustrado por este relatório, o diagnóstico de tumor estromal gástrico pode ser muito difícil para confirmar e esplenose deve ser considerada como diagnóstico alternativo em pacientes com operações anteriores sobre o baço. Os cuidados detalhados no diagnóstico neste caso permitiram fazê-lo preciso, e contribuiram para evitar ressecção cirúrgica desnecessária.

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

Recebido para publicação: 30/03/2010

Aceito para publicação: 25/01/2011

Trabalho realizado no Departamento de Gastroenterologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

  • 1. Abeles DB, Bego DG. Occult gastrointestinal bleeding and abdominal pain due to entero-enteric intussusception caused by splenosis. Surg Endosc. 2003;17(9): 1494.
  • 2. Alaraj AM, Chamoun RB, Dahdaleh NS, Sfeir PM, Miski MS, Otrock ZK, Skaf GS. Thoracic splenosis mimicking thoracic schwannoma: case report and review of the literature. Surg Neurol. 2005;64(2): 185-188.
  • 3. Bidet AC, Dreyfus-Schmidt G, Mas J, Combe J, Millert, P, Bidet R. Diagnosis of splenosis: the advantages of splenic scintiscanning with Tc99m heat damaged red blood cells. Eur J Nucl Med 1986;12: 357358.
  • 4. Brunning RD, Desmet VJ, Ordonez NG. Splenosis. In: Rosai and Ackerman's, ed. Surgical Pathology, 9th ed. St Louis: Mosby, 2004, pp 20202075.
  • 5. DeMatteo RP, Lewis JJ, Leung D, Mudan SS, Woodruff JM, Brennan MF. Two hundred gastrointestinal stromal tumors: recurrence patterns and prognostic factors for survival. Ann Surg 2000; 231: 51.
  • 6. Greschus S, Hackstein N, Puille MF, Discher T, Rau WS. Extensive abdominal splenosis: imaging features. Abdom Imaging. 2003;28(6): 866-867.
  • 7. Hagan I, Hopkins R, Lyburn I. Superior demonstration of splenosis by heat-denatured Tc-99m red blood cell scintigraphy compared with Tc-99m sulfur colloid scintigraphy. Clin Nucl Med. 2006;31(8): 463-466.
  • 8. Hardin VM, Morgan ME. Thoracic splenosis. Clin Nucl Med 1994;19: 438-440.
  • 9. Joensuu H. Gastrointestinal stromal tumor (GIST). Annals of Oncology 2006; 17 (10): 280-286.
  • 10. Lanng Nielsen J, Saksø P, Haanberg Sørensen F, Hvid Hansen, H. Demonstration of splenic function following splenectomy and autologous spleen implantation. Acta Chir Scand 1984; 150:469473.
  • 11. Martinez Del Valle Torres MD, Ortega Lozano SJ, Jimenez-Hoyuela Garcia JM, Delgado Garcia A, Gavilan Carrasco JC, Bermudez Recio FJ. Utility of Tc-99m labeled heat-denatured red blood cell scintigraphy in a case of hepatic splenosis. Gastroenterol Hepatol 2005;28(5): 279-282.
  • 12. Molina Vargas P, Cruz Minoli V, Morales Gomez R, Carreto Chavez G, Ceniceros Franco LG, Rocha del Valle G. Splenosis and pelvic pain. A report of a case and literature review. Ginecol Obstet Mex. 2004;72: 120-124.
  • 13. Pearson HA, Johnston D, Smith KA, Touloukian RJ. The born-again spleen. Return of splenic function after splenectomy for trauma. N Engl J Med 1978;298: 1389-1392.
  • 14. Rossi CR, Mocellin S, Mencarelli R, Foletto M, Pilati P, Nitti D, Lise M. Gastrointestinal stromal tumors: from a surgical to a molecular approach. Int J Cancer 2003;107: 171.
  • 15. Tasci Y, Kayikcioglu F, Cavusoglu D, Gokcin H. Splenosis mimicking pelvic mass. Obstet Gynecol 2005;106(5): 1167-1169.
  • 16. Thourani VH, Sharma J, Duarte IG, Miller JI Jr. Intrathoracic splenosis. Ann Thorac Surg. 2005;80(5): 1934-1936.
  • 17. Varma DGK, Campeau RJ, Kartchner ZA, Karnik S. Scintigraphic detection of splenosis causing ureteral compression and hydronephrosis [letter]. AJR Am J Roentgenol 1991;156: 406.
  • 18. Wedemeyer J, Gratz KF, Soudah B, Rosenthal H, Strassburg C, Terkamp C, Bahr MJ, Manns MP, Gebel MJ, Bleck JS. Splenosis. An important differential diagnosis in splenectomized patients presenting with abdominal masses of unknown origin. Z Gastroenterol. 2005;43(11): 1225-1229.
  • 19. Yammine JN, Yatim A, Barbari A. Radionuclide imaging in thoracic splenosis and a review of the literature. Clin Nucl Medicine 2003;28: 121-123.
  • Correspondência:

    Cláudio Bresciani,
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011
    Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 278 - 6° - Salas 10 e 11, 01318-901 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (11) 3288-8174/3289-0741 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revistaabcd@gmail.com