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Tratamento adjuvante nos GISTs

Resumos

INTRODUÇÃO: O tumor estromal gastrointestinal (GIST) é o sarcoma mais comum do aparelho digestivo. Essa neoplasia ocorre devido à mutação do gene KIT com consequente ativação constitutiva da proteína KIT. O tratamento primário é cirúrgico e consiste na sua ressecção completa. Entretanto, alguns grupos de pacientes apresentam risco elevado de recorrência mesmo após operação com ressecção completa (R0), indicando diferenças no comportamento biológico. Estudos clínicos comprovaram a atividade clínica do mesilato de imatinibe, fazendo dele a primeira linha de tratamento padrão nos GISTs metastáticos ou irressecáveis, mudando muito o desfecho clínico dessa doença em relação aos benefícios anteriormente obtidos com a quimioterapia antineoplásica. MÉTODO: Foi realizada revisão da literatura com consulta nos periódicos das bases Medline/Pubmed, Scielo e Lilacs cruzando os descritores: tumor estromal gastrointestinal, Gist, tratamento, adjuvância. Além desta revisão foi adicionada a experiência pessoal dos autores. CONCLUSÃO: Melhor refinamento dos critérios de prognóstico tem permitido selecionar de forma mais adequada pacientes para o tratamento adjuvante com imatinibe. Os resultados de maior evidência até o momento respaldam o tratamento adjuvante por um ano, o que produz benefício significativo na sobrevida livre de recidiva, mas não na sobrevida global desses pacientes.

Gist; Tratamento; Adjuvância; Tumor estromal gastrointestinal


INTRODUCTION: Gastrointestinal stromal tumor (GIST) is the most common sarcoma of the digestive tract. This cancer occurs due to mutation of the KIT gene resulting in constitutive activation of KIT protein. The primary treatment is surgical and consists of complete resection. However, some groups of patients at high risk of recurrence even after surgery with complete resection (R0), indicate differences in biological behavior. Clinical studies have demonstrated the clinical activity of imatinib mesylate, making it the standard first-line treatment in metastatic or unresectable GISTs, changing the outcome of this disease in relation to the benefits obtained previously with cancer chemotherapy. METHODS: Was performed a literature review with consultation in Medline/Pubmed, Lilacs and Scielo crossing the key words: gastrointestinal stromal tumor, GIST, treatment, adjuvant treatment. In addition to this review was added to the authors' personal experience. CONCLUSION: Better refinement of prognostic criteria is allowed to select the most appropriate patients for adjuvant treatment with imatinib. The results are yet evident on basis of one year, which produces significant benefit in relapse-free survival but not overall survival in these patients.

GIST; Treatment; Adjuvant treatment; Gastrointestinal stromal tumor


ARTIGO DE REVISÃO

Tratamento adjuvante nos GISTs

Laercio Gomes Lourenço1 Correspondência: Laercio Gomes Lourenço, e-mail: llourenco.dcir@unifesp.br ; Ricardo Caponero2 Correspondência: Laercio Gomes Lourenço, e-mail: llourenco.dcir@unifesp.br

Correspondência Correspondência: Laercio Gomes Lourenço, e-mail: llourenco.dcir@unifesp.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: O tumor estromal gastrointestinal (GIST) é o sarcoma mais comum do aparelho digestivo. Essa neoplasia ocorre devido à mutação do gene KIT com consequente ativação constitutiva da proteína KIT. O tratamento primário é cirúrgico e consiste na sua ressecção completa. Entretanto, alguns grupos de pacientes apresentam risco elevado de recorrência mesmo após operação com ressecção completa (R0), indicando diferenças no comportamento biológico. Estudos clínicos comprovaram a atividade clínica do mesilato de imatinibe, fazendo dele a primeira linha de tratamento padrão nos GISTs metastáticos ou irressecáveis, mudando muito o desfecho clínico dessa doença em relação aos benefícios anteriormente obtidos com a quimioterapia antineoplásica.

MÉTODO: Foi realizada revisão da literatura com consulta nos periódicos das bases Medline/Pubmed, Scielo e Lilacs cruzando os descritores: tumor estromal gastrointestinal, Gist, tratamento, adjuvância. Além desta revisão foi adicionada a experiência pessoal dos autores.

CONCLUSÃO: Melhor refinamento dos critérios de prognóstico tem permitido selecionar de forma mais adequada pacientes para o tratamento adjuvante com imatinibe. Os resultados de maior evidência até o momento respaldam o tratamento adjuvante por um ano, o que produz benefício significativo na sobrevida livre de recidiva, mas não na sobrevida global desses pacientes.

Descritores: Gist. Tratamento. Adjuvância. Tumor estromal gastrointestinal.

INTRODUÇÃO

O tumor estromal gastrointestinal (GIST) é o sarcoma mais comum do aparelho digestivo. Essa neoplasia ocorre devido à mutação do gene KIT com consequente ativação constitutiva da proteína KIT.

O tratamento primário é cirúrgico e consiste na sua ressecção completa. Entretanto, alguns grupos de pacientes apresentam risco elevado de recorrência mesmo após operação com ressecção completa (R0), indicando diferenças no comportamento biológico. Hoje sabe-se que esse risco varia desde zero até 100%7. (Tabela 1) O risco de recidiva depende de vários fatores principalmente da localização anatômica do tumor primário (os de estômago apresentam menor risco do que os de reto), índice mitótico tumoral (< ou > 5 mitoses em 50 CGA), tamanho do tumor (> 3 cm) e, provavelmente, a presença de ruptura tumoral durante a operação. A detecção do sítio da mutação primária no tumor apresenta papel prognóstico discutível em pacientes sem tratamento com imatinibe. No entanto, a presença de mutação do éxon 11 é preditiva de maior tempo para progressão de doença e de sobrevida, em relação aos pacientes com mutações do éxon 9, quando tratados com a mesma dose de imatinibe4,5.

MÉTODOS

Foi realizada revisão da literatura com consulta nos periódicos das bases Medline/Pubmed, Scielo e Lilacs cruzando os descritores tumor estromal gastrointestinal, Gist, tratamento, adjuvância. Além desta revisão foi adicionada a experiência pessoal dos autores.

Os GISTs são neoplasias que se desenvolvem mais frequentemente a partir da mutação, com ganho de função, da tirosinoquinase (KIT). No entanto, essa alteração genômica não parece ser suficiente, nem absolutamente necessária. Há relatos de microGISTs (tumorlets) gástricos, com mutação de KIT e que não progridem para a neoplasia maligna, como há entre 5% a 10% de pacientes com GIST de fenótipo maligno com ausência de mutação do cKIT.

Os sítios principais de recidiva são o fígado e peritônio. Mais raramente estão descritas recidivas nos linfonodos abdominais, pulmão e ossos.

O mesilato de imatinibe (Glivec® - Gleevec®, Novartis Pharmaceutical, Basel, Suíça) é uma molécula que foi desenhada para ligar-se ao sítio de ligação do ATP na tirosinoquinase resultante da translocação (q34, q11), que dá origem ao cromossomo Philadelphia e à tirosinoquinase Bcr-Abl. Durante o desenvolvimento da molécula observou-se sua capacidade de impedir também a fosforilação da tirosinoquinase KIT, PDGFR alfa e, em menor intensidade, outras tirosinoquinases.

Estudos clínicos progressivos (fase I, fase II e fase III) comprovaram a atividade clínica do mesilato de imatinibe, fazendo dele a primeira linha de tratamento padrão nos GISTs metastáticos ou irressecáveis, mudando muito o desfecho clínico dessa doença em relação aos benefícios anteriormente obtidos com a quimioterapia antineoplásica.

Uma vez demonstrada a atividade na doença avançada, o passo lógico é estudar o efeito da medicação como tratamento adjuvante, com o intuito de aumentar o tempo para a progressão e, de preferência, a sobrevida global dos pacientes. Paralelamente se investiga o potencial do mesilato de imatinibe em aumentar a ressecabilidade e diminuir a morbidade cirúrgica quando utilizado de forma pré-operatória (neo-adjuvante).

No contexto clínico, pacientes com doença presente apresentam risco de progressão e óbito que se aproxima da certeza. Não se descreveu nenhum caso de remissão espontânea até o momento. Após a operação, no entanto, apenas parte dos pacientes evoluirá com recidiva. Os pacientes curados com a operação não se beneficiarão com o uso do imatinibe, ao contrário, apresentarão eventos adversos e despenderão recursos financeiros. Os pacientes com fatores prognósticos adversos poderão vir a apresentar recidiva da doença, sendo necessário tratá-los.

Duas perguntas são fundamentais nessa situação. Primeiro, qual a redução de risco que o tratamento pode oferecer (benefício relativo) e, segundo, qual o risco que o paciente corre. A redução nesse risco é que nos dará o benefício absoluto do tratamento. Logo, estimar o risco de recorrência dos GISTs é crucial.

Para determinar a segurança do tratamento e o potencial de redução de risco, o American College of Surgeons Oncology Group (ACOSOG) conduziu dois estudos clínicos. Um primeiro de fase II de factibilidade do tratamento com imatinibe no pós-operatório, e um segundo, aleatorizado, de fase III, controlado por placebo (ACOSOG - Z9001), que incluiu 713 pacientes portadores de GISTs ressecados (R0). Esses estudos demonstraram que, além de ser tratamento bem tolerado, foi possível observar menor taxa de recorrência no grupo que usou imatinibe por um ano de tratamento (2%) quando comparado ao grupo que recebeu placebo (17%).

Esses achados permitiram a aprovação, pela Food and Drug Administration dos EUA (FDA), em dezembro de 2009, da indicação de imatinibe como tratamento adjuvante em doentes portadores de GIST, operados, e classificados como sendo de alto risco de recorrência.

A evolução do conhecimento sobre a biologia dessa doença tem modificado a avaliação prognóstica ao longo do tempo. Esse é um ponto difícil, ainda controverso, e por isso passou a ser um detalhe fundamental nos estudos em andamento. O estudo Z9001, em virtude do conhecimento disponível na época, só valorizava o tamanho do tumor, o que contribuía para superestimar o risco em alguns pacientes com GISTs gástricos, e subestimar o risco nos tumores de localização duodenal e retal.

Em 2009, um consenso do Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH) definiu como sendo de alto risco os tumores maiores de 10 cm de diâmetro (independentemente do índice mitótico), tumores de qualquer tamanho com índice mitótico que exceda a 10 mitoses por 50 CGA e ainda tumores maiores de 5 cm com índice mitótico maior de cinco mitoses por 50 CGA. Esses critérios definiriam melhor um grupo de pacientes que seria beneficiado com o uso do imatinibe.

Posteriormente, o Instituto de Patologia das Forças Armadas Americanas (AFIP) incluiu a localização anatômica como fator prognóstico. No entanto, nem os critérios de Fletcher (NIH), nem os de Miettinem-Lasota (AFIP), consideraram a rotura tumoral (espontânea ou pela manipulação cirúrgica). Essa situação é classificada por Joensuu6 como sendo importante na disseminação da doença que, nesse caso, passa a ser classificada como de alto risco de recorrência7.

Gold et al.5 em 2009 propuseram um nomograma de predição de recorrência após ressecção completa dos GISTs composto, como nos critérios da AFIP, por três fatores prognósticos: tamanho do tumor, índice mitótico e localização anatômica. A diferença está no fato de permitir tratar o risco como uma variável contínua, e não categórica, predizendo a taxa de recorrências em dois e cinco anos. Esse nomograma já foi validado em duas grandes series de GIST - Grupo Espanhol de Pesquisa em Sarcoma e pela Clinica Mayo em Rochester, EUA.

Apesar dos progressos no refinamento do prognóstico, ainda perduram detalhes técnicos que precisam ser mais bem definidos, como por exemplo, se a medida do tumor deve ser considerada antes ou depois da fixação da peça cirúrgica; qual o diâmetro do campo de grande aumento do microscópio onde se contarão as mitoses; como determinar quais áreas da microscopia devem ser analisadas na busca de mitoses, visto que não há homogeneidade tumoral4,6,8.

A contagem mitótica deve ser ampliada, pois na situação atual o número de cinco mitoses por 50 CGA é muito crítico e define grupos de risco muito distintos. Nos GIST duodenais, por exemplo, pacientes com tumores de mesmo tamanho terão risco de recorrência de 4% se < 5 mitoses em 50CGA ou 60% se > 5 mitoses em 50CGA1,2,8.

Outra definição necessária é de quanto tempo deve durar o tratamento adjuvante. O estudo Z9001 mostrou benefício na redução do risco de recidiva com um ano de tratamento, mas não se demonstrou ganho de sobrevida global, até o momento. Há várias explicações para isso, mas uma delas, corroborada por evidências indiretas de outros estudos clínicos, é de que um ano de tratamento possa não ser suficiente3,5.

Três grandes estudos estão em andamento onde se comparam dois (EORTC/Intergrupo) com três anos (SSG/AIO) e outro com até cinco anos (estudo Americano). A previsão para divulgação dos dados de eficácia desses estudos é para o ano de 2015.

Outro aspecto que pode explicar a não observância de ganhos de sobrevida global no estudo Z9001 é o resgate dos pacientes do grupo placebo com o tratamento cirúrgico e/ou imatinibe após a recidiva. Os pacientes que receberam este medicamento apresentaram a mesma resposta quando comparado ao grupo de recebeu a medicação desde o início, não havendo, aparentemente, prejuízo para a sobrevida desses pacientes.

CONCLUSÃO

Melhor refinamento dos critérios de prognóstico tem permitido selecionar de forma mais adequada pacientes para o tratamento adjuvante com imatinibe. Os resultados de maior evidência até o momento respaldam o tratamento adjuvante por um ano, o que produz benefício significativo na sobrevida livre de recidiva, mas não na sobrevida global desses pacientes.

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

Recebido para publicação: 09/09/2010

Aceito para publicação: 22/02/2011

Trabalho realizado na 1Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo e 2Hospital Heliópolis, São Paulo, SP, Brasil.

  • 1. Cohen MH, Cortazar P, Justice R, Pazdur R. Approval summary: imatinib mesylate in the adjuvant treatment of malignant gastrointestinal stromal tumors. Oncologist. 2010;15(3):300-7.
  • 2. DeMatteo RP, Ballman KV, Antonescu CR. Adjuvant imatinib mesylate after resection of localised, primary gastrointestinal stromal tumour: A randomised, Double-blind, placebo-controlled Trial. Lancet 2009, 373:1045-52.
  • 3. Demetri GD, Benjamin RS, Blanke CD, Blay JY, Casali P, Choi H, Corless CL, Debiec-Rychter M, DeMatteo RP, Ettinger DS, Fisher GA, Fletcher CD, Gronchi A, Hohenberger P, Hughes M, Joensuu H, Judson I, Le Cesne A, Maki RG, Morse M, Pappo AS, Pisters PW, Raut CP, Reichardt P, Tyler DS, Van den Abbeele AD, von Mehren M, Wayne JD, Zalcberg J. NCCN Task Force report: management of patients with gastrointestinal stromal tumor (GIST)--update of the NCCN clinical practice guidelines. J Natl Compr Canc Netw. 2007 Jul;5 Suppl 2:S1-29.
  • 4. Fletcher CDM, Berman JJ, Corless. Diagnosis of gastrointestinal stromal tumors: a consensus approach. Hum Pathol 2002:33: 459-65.
  • 5. Gold JS, Gönen M, Gutiérrez A, Broto JM, García-del-Muro X, Smyrk TC, Maki RG, Singer S, Brennan MF, Antonescu CR, Donohue JH, DeMatteo RP. Development and validation of a prognostic nomogram for recurrence-free survival after complete surgical resection of localised primary gastrointestinal stromal tumour: a retrospective analysis. Lancet Oncol. 2009 Nov;10(11):1045-52.
  • 6. Joensuu H. Predicting recurrence-free survival after surgery for GIST. The Lancet Oncol. 2009, 10:1025.
  • 7. Miettinen M, Lasota J, Gastrointestinal stromal tumors: review on morphology, molecular pathology, prognosis and differenctioal diagnosis. Arch Pathol Lab Med 2006: 130:1446-78.
  • 8. Woodall CE, Brock GN, Fan J. An evaluation of 2537 gastrointestinal stromal tumors for a proposed clinical staging system. Arch Surg 2009; 144: 670-78.
  • Correspondência:
    Laercio Gomes Lourenço,
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Aceito
      22 Fev 2011
    • Recebido
      09 Set 2010
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