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Intussuscepção intestinal em adultos: relato de caso

CARTA AO EDITOR

Intussuscepção intestinal em adultos : relato de caso

Maurilio Ramos Paiva; Luiz Gonzaga Torres-Júnior; Fernado Augusto Vasconcelos Santos

Correspondência Correspondência: Maurilio Ramos Paiva, e-mail: mauriliopaiva@hotmail.com

INTRODUÇÃO

A intussuscepção nos adultos representa apenas 5% de todos os casos de intussuscepção e é causa infrequente (1% a 5%) de obstrução intestinal nos adultos. Geralmente localiza-se entre segmentos que se movimentam livremente e segmentos retroperitoneais ou fixados por aderências. Quanto a localização são classificadas em três categorias principais: 1) êntero-entérica; 2) colo-cólica; 3) íleo-cólica.

Nos adultos o quadro clínico é bastante variável e inespecífico, o que torna o diagnóstico desta condição geralmente difícil e na maioria das vezes um achado intra-operatório, ao contrário das crianças que geralmente têm sintomas específicos, com dor abdominal, fezes sanguinolentas e massa palpável, dominando o quadro clínico. Nas crianças a intussuscepção é primária ou idiopática na maioria dos pacientes e até 80% são efetivamente tratados por redução pneumática ou por enema. Nos adultos devido ao fato de que a maioria dos pacientes apresenta algum processo patológico subjacente na parede intestinal e o risco de doença maligna associada aproximadamente em 65%, é consenso de que a ressecção é a conduta apropriada nestes pacientes. No entanto, ainda é controverso se a intussuscepção deve ser reduzida antes da ressecção.

RELATO DO CASO

Mulher de 53 anos, previamente hígida, com história de dor abdominal difusa há 48 horas, caracterizada com uma dor em cólica de moderada intensidade associada ao aparecimento de massa em fossa ilíaca direita desde o início do quadro. Relatava também ausência de evacuação e eliminação de flatus desde então. Negava febre, náuseas, vômitos ou dor abdominal prévia semelhante. Ao exame físico apresentava dados vitais dentro da normalidade e abdome com abaulamento visível em mesogástrio, dor à palpação superficial e profunda com sinais de irritação peritoneal e massa palpável, móvel em mesogástrio. Nos exames laboratoriais não apresentava leucocitose ou alterações bioquímicas. Ultrassonografia abdominal mostrou imagem em casca de cebola no corte transversal.

Laparotomia evidenciou invaginação do ceco para dentro do cólon ascendente até a porção inicial do cólon transverso. Realizado ileocolectomia direita respeitando princípios oncológicos, com anastomose primária entre íleo terminal e cólon transverso. A paciente apresentou hipertensão importante no pós-operatório com necessidade de doses altas de anti-hipertensivos para controle pressórico. Evoluiu sem outras intercorrências recebendo alta no 6º dia pós-operatório.

O exame anatomopatológico da peça cirúrgica mostrou lesão polipóide, vinhosa, de aspecto hemorrágico de 7,0 x 4,0 cm. Adjacente à esta lesão foi evidenciado ainda intussuscepção de segmento de alça com edema da mesma. Aos cortes a lesão polipóide era amarelada, macia e homogênea. À microscopia a parede intestinal apresentava intenso edema, micro-hemorragias e infiltrado leucocitário. Na região do ceco notava-se lesão benigna, constituída por adipócitos maduros, uniloculares, sem atipias, com áreas de erosão do epitélio de revestimento. Impressão diagnóstica: lipoma de parede intestinal de região cecal e ausência de malignidade.

DISCUSSÃO

A maioria das séries atuais mostram que, em aproximadamente 90% dos pacientes, há uma causa anatômica ou patológica subjacente à intussuscepção4,6,7,9,12. Em relação à localização, o intestino delgado é o local mais comum de acometimento8,9,12, sendo que as lesões nos segmentos distais são predominantes12. Quanto à etiologia as intussuscepções podem ser classificadas em benignas, malignas ou idiopáticas. Parece haver leve predomínio de causas malignas em relação às benignas, principalmente nas intussuscepções colônicas3,6,10,12. Begos et al.4 fizeram uma revisão de oito séries com 1048 pacientes. Sessenta e quatro por cento dos casos foram de intussuscepções no intestino delgado, sendo que, 63% tinham uma causa benigna subjacente, contra 14% de lesões malignas. Já no intestino grosso, 36% dos casos lesões malignas foram identificadas8. Esta condição, rara em adultos, permanece como um desafio diagnóstico para a maioria dos cirurgiões, principalmente por apresentar grande variedade de sintomas, muitas vezes predominando sintomatologia crônica2,4,5,6,8,9. Em todas as séries dor abdominal foi o sintoma mais comum, seguido de sintomas inespecíficos com náuseas, vômitos, constipação e febre. A tríade clássica, encontrada nas crianças, de dor abdominal, massa palpável e fezes sanguinolentas é encontrada em uma minoria de pacientes adultos. Em um estudo com 41 pacientes a tríade só foi vista em quatro casos4. Mesmo com a evolução dos procedimentos diagnósticos não invasivos, a intussuscepção no adulto, dificilmente é diagnosticada no pré-operatório (32%)4. Radiografia abdominal é um dos exames mais solicitados e, apesar de raramente apresentar sinais sugestivos de intussuscepção, pode ajudar na definição de um quadro obstrutivo e em alguns casos da localização8.

Exame contrastado do trato gastrointestinal superior pode mostrar o sinal da "mola em espiral" e ser útil nas intussuscepções de intestino delgado alto. O enema baritado é útil em pacientes com suspeita de intussuscepção colo-cólica ou ileo-cólica e os sinais clássicos obtidos por este exame são o "sinal do menisco" e o sinal da "mola em espiral"1,3,12.

Imagens ultrassonográficas sugerem intussuscepção com o sinal do alvo no corte transversal e o do pseudo rim, no longitudinal. Também podem ser evidenciadas, como no caso relatado, as várias camadas das paredes intestinais envolvidas, produzindo um padrão multilamelar ou "em casca de cebola". Na maioria das séries a ultrassonografia não apresenta boa acurácia7,9.

Tomografia computadorizada é considerada exame radiológico com maior sensibilidade para confirmar intussuscepção3,4,12 e avalia possível extensão de tumor, se existente12.

Exame colonoscópico tem grande valor para avaliação dos casos de intussuscepção aguda e crônica, principalmente quando os sintomas sugerem obstrução do cólon8. Pode confirmar a intussuscepção, a localização e mostrar a lesão subjacente quando esta existir. Nos casos de lipoma, achados colonoscópicos típicos incluem o "sinal da almofada" (depressão da massa ao se forçar o colonoscópio contra ela) e extravazamento de gordura durante a biópsia.

Na maioria dos pacientes adultos o diagnóstico é feito durante exploração cirúrgica. Nestes casos a conduta recomendada é a ressecção1. - Por outro lado, a extensão da ressecção e a manipulação do intestino invaginado durante a redução permanecem controvérsios8. Alguns autores sugerem que a ressecção deve ser feita sem redução prévia pelos seguintes motivos: 1) possibilidade de disseminação tumoral intraluminal ou venosa durante a redução; 2) risco de perfuração e disseminação de microorganismos e células tumorais para a cavidade peritoneal; 3) maior risco de complicações nas anastomoses feitas sobre tecido intestinal manipulado, friável e edematoso8,11. Portanto intussuscepção íleo-cólica, íleo-cecal e colo-cólica, principalmente em pacientes com mais de 60 anos, pelo alto risco de lesões malignas subjacentes funcionando como fator etiológico, devem ser ressecadas sem redução prévia. A ressecção deve respeitar os princípios oncológicos e é recomendada anastomose primária entre tecidos saudáveis e viáveis8,11,12. Nos casos em que o diagnóstico é estabelecido no pré-operatório e lesão benigna é bem estabelecida, pode-se tentar a redução para permitir uma ressecção mais limitada.

CONCLUSÃO

Devido à grande incidência de condições malignas como causa das intussuscepções na população adulta, a ressecção é necessária. A redução pode ser tentada antes da ressecção, nos casos de intussuscepção de intestino delgado onde ele esteja viável e nenhuma condição maligna seja suspeitada.

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

Recebido para publicação: 23/06/2010

Aceito para publicação: 08/02/2011

Trabalho realizado no Hospital Governador Israel Pinheiro - IPSEMG, Belo Horizonte, MG, Brasil.

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  • Correspondência:
    Maurilio Ramos Paiva, e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011
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