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Fitobezoar em íleo terminal: uma causa rara de obstrução intestinal

CARTA AO EDITOR

Fitobezoar em íleo terminal: uma causa rara de obstrução intestinal

Rafael Denadai Pigozzi Silva; Rogério Saad-Hossne; Rafael Aliceda Ferraz; Fábio Vieira Teixeira

INTRODUÇÃO

Fitobezoares, embora raros, são conhecidos por causar obstrução mecânica do trato digestivo1,2,7. Eles são responsáveis por cerca de 2% a 3% de todas as obstruções do intestino1,2. São compostos por aglomerados de matéria indigesta para os seres humanos, tais como cabelos, sementes e fibras de vegetais e frutas2, especialmente caqui e abacaxi2,3,4. Eles mais ocorrem em pacientes submetidos à operações abdominais2, principalmente gástricas1,2,3,6,7. Nos sem operação prévia, relatos na literatura mostram a principal causa de ingestão ser caqui e laranja; outras menos frequentes são nozes, coco, tomate, cerejas e passas7.

Dependendo do local, as manifestações clínicas podem variar desde síndrome abdominal aguda até sem sintomas4,8. Exames de imagem são úteis no diagnóstico4,6,8, mas a maioria dos casos só é diagnosticada durante operação1. O objetivo do tratamento é a remoção e prevenção da recorrência1,3,4,5.

RELATO DO CASO

Mulher com 85 anos procurou atendimento médico por apresentar há quatro meses dor em cólica abdominal difusa moderada, com pausas e períodos mais forte, associada à náuseas e vômitos. Ela negava operações anteriores. Ao exame apresentava-se desidratada (++/++++), anictérica, afebril, pressão de 90x60 mmHg, distensão abdominal, aumento de ruídos, hipertimpanismo abdominal e dor à palpação em hipogástrio, caracterizando oclusão intestinal.

Exames bioquímicos não apresentaram alterações. Tomografia computadorizada abdominal da região da válvula ileocecal mostrou presença de uma imagem sugestiva de intussuscepção enterogástrica (Figura 1).


Após a reidratação venosa, o paciente foi submetido à laparotomia exploradora, durante a qual estrutura intraluminal móvel foi encontrada no íleo terminal. Tentativa de manipular o corpo estranho para a frente não obteve sucesso. Enterotomia foi realizada e retirado material de cor amarelada com cerca de 6 cm de comprimento e 2 cm de diâmetro. Exame mais cuidadoso mostrou ser um bezoar de abacaxi. O exame anatomopatológico revelou matéria vegetal degenerada. A condição clínica da paciente deteriorou-se após a operação necessitando cuidados em UTI e morreu no dia 5º dia após a operação.

DISCUSSÃO

Envolvimento do intestino delgado nos casos de fitobezoar é rara2,3,5,8, em torno de 5%2,3. Estudo retrospectivo mostrou que de um total de 375 casos de obstrução do intestino, apenas 15 foram causados por fitobezoar, dos quais 13 estavam no íleo terminal1, como neste caso.

Seu desenvolvimento é um processo multifatorial que envolve fatores anatômicos, dietéticos e tipos do alimento ingerido1. Os principais fatores predisponentes são operações gástricas1,2,3,5,6,7, pois elas podem causar distúrbios na motilidade do estômago secundária à vagotomia, o que altera o esvaziamento gástrico e reduz a secreção de ácido gástrico, deixando mais volumoso o conteúdo que sai do estômago para o intestino. Além disso, a gastrectomia e gastroenterostomia propiciam materiais sólidos de grande diâmetro para passar do estômago ao intestino delgado1,3,4.

A região do íleo terminal é a parte mais estreita do intestino delgado com peristaltismo relativamente fraco3,5, por isso, fitobezoares, principalmente de caqui e laranja, são mais propensos a se apresentarem neste local3,7.

Outros fatores predisponentes incluem gastroparesia diabética, mastigação deficiente, saúde dental pobre, hipotireoidismo, abuso de alimentos com alto teor de fibras e medicamentos que afetam a motilidade gástrica1,3,4,6.

Um dos principais sintomas é a oclusão intestinal4,5,8, com dor abdominal e epigástrica, vômitos e náuseas plenitude ou distensão abdominal, disfagia e anorexia com perda de peso; raros casos apresentam hemorragia gastrointestinal3,4.

Oclusão intestinal, pode ser encontrada em até 60% dos casos de fitobezoar4 e geralmente requer tratamento cirúrgico5. Resulta da migração gástrica ou formação no prórpio intestino delgado, muitas vezes em associação com outras doenças pré-existentes e não sabidas como divertículo, estenose ou tumor4,5,6.

Esses casos muitas vezes não são diagnosticados antes da operação devido à ausência de sinais específicos1,3,8. A maioria das séries publicadas têm enfatizado tríade típica para o diagnóstico: exame clínico, estudo radiográfico do abdome e do intestino delgado1. No entanto, a tríade só dá hipótese diagnóstica pré-cirúrgica em 10% dos casos1. A tomografia abdominal auxilia na confirmação de obstrução, localização e eventual identificação da causa1,3,6,8. A laparoscopia também pode ser útil no diagnóstico e tratamento de fitobezoar intestinal3. O objetivo do tratamento é esvaziar o lúmen intestinal, tratar possíveis complicações e evitar recorrência1,3,4,5. Se o fitobezoar é macio, pode ser manipulado através da junção ileocecal1,2,3,7. Se não, enterotomia deve se seguir com extração direta1,3,4,7. No entanto, ela deve ser evitada a todo custo, devido ao risco de contaminação da cavidade abdominal3 ou cutânea. Ressecção intestinal é raramente indicada e deve ser reservada para casos de necrose intestinal1,3,4. Também todo o trato gastrointestinal deve ser cuidadosamente examinado durante a operação2,3,5,7, para excluir na busca de bezoar sincrônico2,3,4,5,7.

Em relação à evolução desfavorável neste paciente, Erzurumlu et al.4 descreveram ser ela frequente (32%) e, geralmente, causada por falência de múltiplos órgãos e sepse.

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

Recebido para publicação: 30/06/2010

Aceito para publicação: 31/03/2011

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de Marília e UNIGASTRO - Associação Beneficente Hospital Universitário, Marília, SP, Brasil.

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  • Correspondência:
    Fábio Vieira Teixeira,
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011
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