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Carcinossarcoma de vesícula biliar: relato de caso

CARTA AO EDITOR

Carcinossarcoma de vesícula biliar: relato de caso

José Marcos Parreira; Daniel Emílio Dalledone Siqueira; Aline Moraes Menacho; Lívia Lazzaretti Pelizzari; Liliãn Cabral Pereira dos Santos

Serviço de Cirurgia Geral do Hospital de Caridade Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, PR, Brasil

Correspondência Correspondência: Aline Moraes Menacho e-mail: alinemenacho@yahoo.com.br

INTRODUÇÃO

As neoplasias de vesícula biliar apresentam incidência de 1,2/100.000 habitantes, sendo o adenocarcinoma o tipo histológico mais comum (88%)1. O carcinossarcoma é forma mais rara de neoplasia da vesícula biliar, com apenas 67 casos descritos na literatura mundial até o momento10. Este tumor é composto por elementos malignos de origem epitelial e mesenquimal que se proliferam mutuamente2.

RELATO DO CASO

Mulher de 59 anos referia dor tipo cólica em hipocôndrio direito e epigástrio havia dois anos acompanhada de náuseas e vômitos. Surgiu massa dolorosa em hipocôndrio direito há seis meses atrás. Negava perda ponderal, comorbidades, tabagismo ou operação prévia. Ao exame físico, apresentava-se anictérica e afebril. Palpava-se uma massa móvel, lisa, dolorosa, de aproximadamente 4 cm de diâmetro em hipocôndrio direito. Exames laboratoriais encontravam-se dentro dos limites de normalidade. Ecografia abdominal demonstrou vesícula biliar com presença de uma massa medindo 4x5x4 cm e um cálculo de 0,8 cm. Foi realizada colecistectomia convencional, não tendo sido identificada invasão tumoral e acometimento linfonodal. Foi encaminhada para avaliação oncológica, não necessitando de tratamento quimioterápico adjuvante. O resultado anatomopatológico revelou processo neoplásico maligno com áreas de adenocarcinoma bem diferenciado com crescimento tubular e papilífero tendo de permeio áreas de diferenciação para carcinoma epidermóide, associado a tecido condrossarcomatoso e osteóide atípicos. A paciente morreu seis meses após o procedimento cirúrgico devido à múltiplas metástases.

DISCUSSÃO

Em 1907, Karl Landsteiner descreveu, pela primeira vez, um caso de carcinossarcoma de vesícula biliar6. Desde então, apenas 67 casos foram relatados na literatura5.

O carcinossarcoma de vesícula biliar é tumor de caráter misto, apresentando componentes epiteliais e mesenquimais2. A porção epitelial é geralmente um adenocarcinoma, mas observou-se também alguns casos com predominância de células escamosas. O componente mesenquimal costuma ser heterogêneo, podendo apresentar elementos cartilaginosos, musculares e ósseos3,10. Tavassoli9 sugere que apenas os carcinossarcomas com componente muscular deveriam ser considerados verdadeiros, pois os carcinomas poderiam desdiferenciar-se em tecido ósseo ou cartilaginoso. Apesar dos esforços em compreender a histogênese do carcinossarcoma, ela permanece incerta. Segundo Weidner, uma única célula tronco originaria os componentes epiteliais e mesenquimais. Outra teoria também aventada, porém pouco provável, é a de que uma reação atípica do tecido conectivo induziria o surgimento de carcinossarcoma11. Alguns autores sugerem que o crescimento do carcinoma e do sarcoma advém de clones malignos diferentes, porém interligados4. Uma última hipótese explicaria o surgimento de carcinossarcoma a partir da diferenciação de carcinoma convencional3.

O carcinossarcoma de vesícula biliar é mais comum no sexo feminino, em uma proporção de 4,3:1. Aparece, geralmente, após a sexta década de vida3. Aproximadamente 75% dos pacientes com carcinossarcoma apresentam colelitíase associada e os principais sintomas manifestados são dor em hipocôndrio direito, perda de peso e prurido8.

Não existem marcadores tumorais específicos, bem como achados imaginológicos conclusivos, sendo muito difícil a determinação de lesões precoces. A maioria dos pacientes é diagnosticada com doença localmente avançada (com invasão de serosa) ou metástase à distância, principalmente para o fígado. Adrenal, pâncreas e diafragma também podem ser acometidos9.

O tratamento consiste, basicamente, em colecistectomia, associada ou não a ressecção hepática ampliada. Não há evidências demonstrando benefícios em se instituir esquemas quimio e radioterápicos1,7,8.

O prognóstico é reservado, com sobrevida média de sete meses. Não há diferença de prognóstico entre os diferentes tipos histológicos; porém, observou-se que o tamanho do tumor é fator determinante na sobrevida12. Zhang et al.12 constataram que tumores menores que 5 cm proporcionam sobrevida média de 17 a 26 meses, enquanto maiores reduzem-na até 11 meses. Uzun10 relatou o caso de um paciente que teve sobrevida de 54 meses após o diagnóstico de carcinossarcoma, o mais longo já descrito na literatura. No referido caso, o tumor era menor que 3 cm, estava restrito ao lúmen da vesícula biliar e sem invasão de serosa e fígado10.

CONCLUSÃO

Pouco se sabe sobre a fisiopatologia e o tratamento do carcinossarcoma de vesícula biliar, sendo que não existem registros de cura definitiva deste tumor. Também não se tem conhecimento a respeito de marcadores específicos e de exames de imagem que tenham boa sensibilidade para esta neoplasia. Consequentemente, observa-se que o carcinossarcoma é geralmente diagnosticado tardiamente, o que piora muito o prognóstico.

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital de Caridade Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, PR, Brasil.

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  • Correspondência:

    Aline Moraes Menacho
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012
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