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Uso de soluções hipertônicas para preservação hepática em ratos

Resumos

RACIONAL: O sucesso de um transplante depende, principalmente, da viabilidade do enxerto, sendo que, atualmente, o maior ponto de dificuldade concentra-se na tríade preservação-rejeição-infecção. Existem diversos componentes específicos das soluções de preservação que previnem danos. Destes componentes o fator osmótico tem se destacado como de prevenção do edema e posterior morte celular, sugerindo possível vantagem na utilização de soluções hipertônicas para preservação de órgãos. OBJETIVO: Comparar soluções hipertônicas como alternativas para preservação hepática. MÉTODO: Foram utilizados 105 ratas Wistar distribuídas em Grupo Padrão (GP, n=5) para controle e cinco grupos experimentais com 20 animais cada, a saber: Grupo Eurocollins (GE), Grupo Soro Fisiológico 0,9% (GF), Grupo Glicose 50% (GG), Grupo Manitol 20% (GM), Grupo Salgadão - NaCl 7,5% (GS). Todos os animais dos grupos experimentos foram ainda distribuídos em quatro subgrupos de acordo com o seu tempo de coleta em: 0 h, 2 h, 6 h e 12 h. Foram avaliados a viabilidade celular a partir da reação com Methyl Thiazolyl Blue (MTT), além das dosagens de lactato e de alanino amino-transferase (ALT). RESULTADOS: Em relação à dosagem de lactato, foi possível observar relativa melhora das soluções hipertônicas em comparação à eurocollins, sendo que em 12 h, o GE e o GS não apresentaram diferença estatisticamente significante (p>0,05). Quando avaliada a viabilidade celular, as absorbâncias ao MTT também demonstraram resultados favoráveis ao GS, visto que, não apresentou diferença estatística em relação ao GE. CONCLUSÃO: A solução de NaCl 7,5% apresentou resultados mais promissores para preservação de órgãos com capacidade de preservação comparável à solução de eurocollins.

Solução salina hipertônica; Transplante; Preservação de órgãos; Fígado; Ratos


BACKGROUND: The success of a transplant depends mainly on the viability of the graft, which is currently the main point of difficulty focuses on the triad preservation-rejection-infection. There are several specific components of preservation solutions that could prevent certain tissue damage. From these components, the osmotic factor has been highlighted as a factor in preventing edema and subsequent cell death, suggesting a possible advantage in the use of hypertonic solutions for organ preservation. AIM: To compare different hypertonic solutions as alternative to liver preservation. METHOD: A total of 105 Wistar rats were divided in Standard Group (GP, n=5 rats), to verify the normal range of the study, and five experimental groups of 20 rats each, according to the preservation solution used: Group Eurocollins (GE), Group Saline 0.9% (GF), Group Glucose 50% (GG), Group Mannitol 20% (GM), Group Salty - NaCl 7.5% (GS). All animals in experimental group were also divided into four subgroups according to the time of collection in: 0 h, 2 h, 6 h and 12 h. Was assessed cell viability by the reaction with Methyl Blue Thiazolyl (MTT) and the dosages of lactate and alanine aminotransferase (ALT). RESULTS: Regarding the lactate level, was observed a relative improvement of hypertonic solutions compared to eurocollins, and in 12 h, the GE and GS showed no statistically significant difference (p> 0.05). When assessed cell viability, absorbance at MTT also demonstrated favorable results to the GS, since no statistically significant difference in relation to GE. CONCLUSION: The 7.5% NaCl solution showed promising results for organ preservation, presenting parameters and capability comparable to eurocollins preservation solution.

Hepatectomy; Neoplasm metastasis; Portal Vein


ARTIGO ORIGINAL

Uso de soluções hipertônicas para preservação hepática em ratos

Vitor Nagai Yamaki; Renan Kleber Costa Teixeira; Marcus Vinicius Henriques Brito

Laboratório de Cirurgia Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual do Pará - UEPA, Belém, PA, Brasil

Correspondência Correspondência: Vitor Nagai Yamaki, e-mail: vitoryamaki@gmail.com

RESUMO

RACIONAL: O sucesso de um transplante depende, principalmente, da viabilidade do enxerto, sendo que, atualmente, o maior ponto de dificuldade concentra-se na tríade preservação-rejeição-infecção. Existem diversos componentes específicos das soluções de preservação que previnem danos. Destes componentes o fator osmótico tem se destacado como de prevenção do edema e posterior morte celular, sugerindo possível vantagem na utilização de soluções hipertônicas para preservação de órgãos.

OBJETIVO: Comparar soluções hipertônicas como alternativas para preservação hepática.

MÉTODO: Foram utilizados 105 ratas Wistar distribuídas em Grupo Padrão (GP, n=5) para controle e cinco grupos experimentais com 20 animais cada, a saber: Grupo Eurocollins (GE), Grupo Soro Fisiológico 0,9% (GF), Grupo Glicose 50% (GG), Grupo Manitol 20% (GM), Grupo Salgadão - NaCl 7,5% (GS). Todos os animais dos grupos experimentos foram ainda distribuídos em quatro subgrupos de acordo com o seu tempo de coleta em: 0 h, 2 h, 6 h e 12 h. Foram avaliados a viabilidade celular a partir da reação com Methyl Thiazolyl Blue (MTT), além das dosagens de lactato e de alanino amino-transferase (ALT).

RESULTADOS: Em relação à dosagem de lactato, foi possível observar relativa melhora das soluções hipertônicas em comparação à eurocollins, sendo que em 12 h, o GE e o GS não apresentaram diferença estatisticamente significante (p>0,05). Quando avaliada a viabilidade celular, as absorbâncias ao MTT também demonstraram resultados favoráveis ao GS, visto que, não apresentou diferença estatística em relação ao GE.

CONCLUSÃO: A solução de NaCl 7,5% apresentou resultados mais promissores para preservação de órgãos com capacidade de preservação comparável à solução de eurocollins.

DESCRITORES - Solução salina hipertônica. Transplante. Preservação de órgãos. Fígado. Ratos.

INTRODUÇÃO

O sucesso de um transplante tem como fator primordial a viabilidade do enxerto16. A maior parte das dificuldades atuais não se encontra na técnica cirúrgica, mas no manejo da tríade preservação-rejeição-infecção12.

O fator preservação é o que mais vem se destacando por sua marcada possibilidade de desenvolvimento, uma vez que o insucesso dos transplantes está na síndrome de isquemia e reperfusão hepática, desencadeando a liberação de radicais livres de oxigênio e reação inflamatória intensa mediada pelas células de Kupffer. No tecido, os efeitos são grandes, como necrose, apoptose, falência na microcirculação por dano parenquimatoso e no endotélio sinusoidal. Culmina na perda do enxerto ou redução da sua função17.

O processo básico da preservação consiste na remoção do órgão, armazenamento em solução de preservação com temperatura e tempo definidos e na avaliação da função do órgão preservado, excluindo a contaminação durante todo o processo12. As variações nos métodos de preservação envolvem a temperatura (criopreservação, hipotermia e normotermia), os componentes da solução e diferentes regimes de perfusão do órgão, em presença ou não de oxigênio2.

Com o intuito de melhorar os métodos de preservação, numerosos pesquisadores têm-se dedicado ao estudo da preservação de órgãos1, dando ênfase na descoberta de meios que permitam aumentar, cada vez mais, o tempo de estocagem8. O primeiro grande passo no estudo das soluções de conservação deu-se em 1987, quando Folkert Belzer da Universidade de Wisconsin apresentou uma nova solução de preservação de órgãos chamada de Solução da Universidade de Wisconsin8,19. Posteriormente foi comercializada sob o nome de Viaspan®. Essa solução permitiria preservar o fígado por período até três vezes maior do que o das soluções anteriores, passando o tempo de isquemia a frio de oito para 24 h sem afetar de modo significativo a viabilidade do órgão7. Embora, tivesse sucesso clínico considerável, diversas soluções alternativas foram introduzidas e utilizadas na preservação hepática.

Por muitos a solução da Universidade de Wisconsin é considerada padrão-ouro para a preservação de órgão. Entretanto, possui desvantagens devido à sua alta viscosidade, reduzindo a capacidade de penetração na microcirculação e nas vias biliares e, principalmente, seu alto custo dificulta a aquisição18,20.

Das demais soluções desenvolvidas, a de eurocollins tem sido, por muito tempo, das mais acessíveis. Embora, não apresente viscosidade tão acentuada que as demais, foi possível demonstrar que ela tem boa capacidade de reduzir a temperatura da superfície hepática, além de boa preservação hepática em estudos experimentais13.

Ao formular novas soluções de preservação diversos fatores são considerados como a capacidade de prevenir a acidose tissular, o edema intersticial, dano por radicais livres e depleção energética, fenômenos desencadeados pelo processo de isquemia e subsequente reperfusão11.

Destes, o fator coloidosmótico da solução de preservação apresentou-se como importante fator prognóstico à viabilidade do órgão. Visto que, no momento da lavagem intravascular, a solução difunde-se rapidamente para o espaço intersticial, levando ao edema tecidual, dificultando a irrigação da microcirculação. Portanto, a solução de preservação deve conter uma substância com propriedade colóido-osmótica, prevenindo a expansão do espaço intersticial e o posterior edema celular, comprovando a vantagem na utilização das soluções hipertônicas na preservação de órgãos12. Estudos sobre soluções de preservação ainda estão longe de chegar à conclusão da "solução ideal". Atualmente, tem-se incorporado importância à evolução bem sucedida das soluções hipertônicas na preservação de fígado9.

O objetivo do estudo consiste na comparação das soluções hipertônicas NaCl 7,%%, glicose 50% e manitol 25% como soluções alternativas e de custo reduzido para preservação hepática em relação à solução de eurocollins.

MÉTODO

Foram utilizados 105 ratas Wistar (Rattus norvegicus), com peso variando de 210 a 250 g oriundos do Instituto Evandro Chagas (Belém,PA). Os animais foram adaptados ao Laboratório de Cirurgia Experimental da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Belém, Brasil, onde todos os procedimentos operatórios foram realizados, por 15 dias antes do início do experimento, recebendo água e ração ad libitum, mantidos em ambiente refrigerado com controle de luz e temperatura.

Os animais foram distribuídos aleatoriamente em seis grupos, a saber: 1) Grupo Padrão (GP): com cinco animais que serviram para verificar o padrão de normalidade dos testes bioquímicos e do estudo da viabilidade celular; 2) Grupo Eurocollins (GE): com 20 animais, onde foi utilizada a solução de Eurocollins para a preservação hepática;3) Grupo Soro Fisiológico (GF): com 20 animais, onde foi utilizada solução fisiológica a 0,9%; 4) Grupo Glicose (GG): com 20 animais, onde foi utilizada a solução de glicose a 50%; 5) Grupo Manitol (GM): com 20 animais, onde foi utilizada a solução de manitol a 20%; 6) Grupo Salgadão (GS): com 20 animais, onde foi utilizada a solução de NaCl a 7,5%.

Todos os grupos, a exceção do GP, foram divididos em quatro sub-grupos, com cinco animais cada, diferenciados pelo momento da coleta do órgão, que foi de zero, 2, 6 e 12 horas; o GP somente foi avaliado em 0 h. Na pesquisa foi adotado o protocolo anestésico da combinação de cloridrato de ketamina e cloridrato de xilazina, por via intraperitoneal, utilizadas nas doses de 60 e 6 mg/kg, respectivamente.

Realizada a tricotomia da região toracoabdominal, foi iniciada a incisão transversal em região abdominal, ao nível do rebordo costal, com ampliação para região torácica, seguida de localização, dissecção e ligadura da artéria esplênica. Logo, foi realizada a identificação, dissecção e falsa ligadura da veia cava inferior, seguida de dissecção, ligadura da veia mesentérica. Seguiu-se então com a dissecção da veia porta, com falsa ligadura na porção caudal e falsa ligadura da porção cefálica.

Posteriormente foi realizada hemi-secção da veia porta com auxílio de tesoura de íris. Esta veia foi canulada com cateter de venopunção no 20 (Jelco®) no sentido caudal-cefálico, o qual foi fixado com o mesmo fio da falsa ligadura anteriormente realizada. Ao cateter de venopunção foi conectado equipo ligado ao frasco da solução em estudo a 4ºC, com pressão de perfusão contínua de 60 cmH20. A primeira solução utilizada para lavagem do fígado de todos os grupos, exceto o grupo padrão, foi a de NaCl 0,9%, seguida da perfusão da solução em estudo de cada grupo.

Imediatamente após a perfusão com a solução em estudo, o fígado foi isolado e retirado de seu leito. Foram retirados três fragmentos de 1x1cm, com peso aproximado de 200 mg, sendo o primeiro destinado ao estudo de viabilidade celular com aproximadamente, o segundo para a dosagem de lactato e o terceiro para dosagem de alanino aminotransferase (ALT). Os fragmentos dos grupos 2, 6 e 12 horas foram armazenados na solução de estudo para posterior análise. Os fragmentos do grupo 0 h foram imediatamente encaminhados para a análise. Após a captação do fígado, os animais foram submetidos à eutanásia.

Para a mensuração do lactato e das transaminases do parênquima hepático, foram coletados 200 mg do lobo padronizado anteriormente, em seguida macerado em tubo de ensaio com 2 mL de água destilada por 15 segundos, microfiltrado com microfiltro de 0,22UM e acondicionado respectivamente em Vacutainer® e tubo de ensaio, contendo 2 mL do macerado em cada recipiente. A dosagem de lactato e transaminases foi realizada pelo Laboratório de Bioquímica da Universidade do Estado do Pará, de acordo com a padronização dos kits de lactato (KATAL®) e ALT (KATAL®). Já para a verificação da viabilidade celular foi padronizada a retirada de um segmento de 200 mg do lobo mediano do fígado, ao lado direito da fissura mediana. Cada peça em estudo foi introduzida em tubo de ensaio tipo Eppendorf de 1,5 cc, contendo 1100 microlitros (µL) de solução salina tamponada com fosfato (PBS) pH 7,2, nos quais foram adicionados 105 µL de solução de MethylThiazolyl Blue (MTT) (Sigma®), preparada pela adição de 0,005g de sal de MTT em 1 ml de PBS.

Os tubos de ensaio foram mantidos em banho-maria a 37ºC por duas horas. Ao término deste período foi introduzido 800µL de álcool isopropílico (isopropanol) no tubo de ensaio e aguardados cinco minutos para a digestão tissular a fim de se realizar a maceração do tecido e homogeneização da solução com homogeneizador elétrico (T-8 ika®) para tubos de ensaio. Após 30 minutos de adição do álcool isopropílico, 2 ml da solução foram levados à leitura em espectrofotômetro (Espec® 20mVolts) calibrado em comprimento de onda de 570 nm. Foram realizadas cinco aferições anotadas em protocolos do trabalho. A média aritmética foi adotada como resultado de absorbância de cada animal.

Os resultados obtidos foram avaliados utilizado o teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov para examinar a distribuição Gaussiana das amostras, bem como foi utilizado o teste ANOVA seguido da correção de Tukey para análise de variância. Foram considerados significantes os valores com p<0,05.

RESULTADOS

De acordo com os níveis hepáticos de lactato, no tempo 0 h somente foi observada diferença estatística entre o GE (-0,2 ±0,14) e o GP (0,68 ±0,10). Entretanto, após 2 h em conservação, pôde-se perceber significativa (p<0,05) melhora das demais soluções. Todos os grupos, com exceção do GF, apresentaram níveis de lactato estatisticamente inferiores em relação ao Grupo Padrão. Já no tempo de 6 h, os animais do GG e GS apresentaram-se estatisticamente diferentes do GP. Os demais grupos tiveram resultados semelhantes (p>0,05). Após 12 h preservado nas soluções do estudo, todas as soluções demonstraram efeitos benéficos com níveis inferiores de lactato em relação ao GP (p<0,05). Os grupos GE e GS não tiveram diferença estatisticamente significante (p>0,05).

No que tange aos níveis de ALT, o grupo Solução Fisiológica apresentou níveis de transaminases que persistiram elevados durante todos os tempos de preservação, quando comparados às outras soluções. Os menores níveis de ALT foram observados no GE.

Em relação à média das absorbâncias das mitocôndrias hepáticas pelo MTT, pôde-se verificar, basicamente, o mesmo padrão encontrado para os demais marcadores no diversos tempos de análise. No tempo de 0 h, somente o GM apresentou-se estatisticamente superior ao GP; porém quando avaliado efeito posterior dessas soluções, no tempo de 2 h, foi possível verificar que o GF apresentou-se estatisticamente diferentes em relação aos grupos GE e GP (p<0,05). Todos os demais grupos não apresentaram diferença estatisticamente significante. No tempo de 6 h, todos os grupos do experimento apresentaram-se semelhantes (p>0,05); no entanto, quando verificada a variável no tempo de 12 h, observou-se que a solução de NaCl 7,5% foi a única que apresentou-se estatisticamente superior ao GP.

DISCUSSÃO

A preservação do tecido tem-se mostrado fator determinante no sucesso dos transplantes hepáticos. Neste quesito, diversos agentes farmacológicos foram testados de forma que se ofereça maior proteção contra as lesões desencadeadas durante o período de isquemia3. Diversas soluções de preservação têm sido propostas como forma de se evitar efeitos deletérios da isquemia normotérmica prevenindo edema celular, dano causado por radicais livres, e depleção energética, o que resultaria em lesões irreversíveis com consequente perda funcional do orgão13. Porém, a solução ideal ainda está longe de ser descoberta, suscitando a necessidade de mais pesquisas neste campo12.

Para fins de preservação de tecido a Solução da Universidade de Wisconsin é considerada, por muitos, a mais eficaz em transplantes. Entretanto, ainda possui algumas desvantagens que acarretam riscos ao órgão além de ser de difícil aquisição em decorrência de seu elevado custo6. Portanto, é de grande importância que se estude soluções de preservação alternativas que possam apresentar eficiência semelhante à ela, porém mais acessível. Assim surgem opções como as soluções hipertônicas de NaCl (7,5%), glicose (50%) e a de manitol.

Um dos parâmetros utilizados para inferir a capacidade de preservação das diversas soluções foi a dosagem de lactato intracelular que indica, de maneira indireta, a produção de ácido lático decorrente de um processo de respiração anaeróbia em condições isquêmicas. As alterações estruturais celulares que acompanham a isquemia são bem conhecidas afetando mitocôndrias, núcleo, retículo endoplasmático, lisossomos e, finalmente, as membranas celulares, cujas alterações moleculares abrigam a causa fundamental na lesão isquêmica7,19. Ao analisar o efeito das soluções nos diferentes tempos de avaliação (0, 2, 6, 12 h) na preservação hepática, a solução de eurocollins (EC) e a de NaCl (7,5%) apresentaram os melhores índices de lactato (negativo), podendo indicar, desde períodos muito precoces, característica benéfica das soluções na manutenção de baixos níveis de lactato no meio intracelular. Tal fato pode ser explicado pela diminuição do pH arterial e perda de bases observado diretamente após a reperfusão, provavelmente, desencadeada pelo aparecimento da glicose anaeróbica decorrente da deficiência de oxigênio. Considerando que o pH ácido pode proteger contra a morte celular por anóxia, a reperfusão de células isquêmicas neste pH acidótico leva à intensa morte celular (paradoxo do pH)6,10.

Por outro lado, o GF respondeu negativamente em relação à dosagem de lactato e à preservação com soro fisiológico (0,9%) devido seu caráter hipotônico ao meio hepático em acidose, ocasionando exacerbação do edema celular5. Soluções como SF e RL são cristaloides sem qualquer droga adicional. A capacidade de tamponamento, em geral, não acarreta boa resposta como soluções de preservação, exceto para finalidade de perfusão hipotérmica com intuito de arrefecer o tecido hepático, diminuindo o metabolismo e a necessidade por oxigênio. Mantido na temperatura de 28º C, o metabolismo celular e a demanda por oxigênio ainda está em aproximadamente 50% da função normal2.

Soluções cristaloides isotônicas, cujas composições químicas são incompatíveis com a preservação de órgãos, não possuem qualquer capacidade de tamponamento, aditivos como suplementos energéticos, estabilizadores de membrana e, principalmente, tornam-se hipotônicos quando comparados com órgãos submetidos a estresse oxidativo, acarretando intensificação do processo de "swelling" tecidual5.

Quanto aos níveis de AST os grupos apresentaram-se com resultados muito heterogêneos e díspares com a literatura consultada. Este fato já foi observado no estudo de Siqueira et al.15, cujo estudo também apresentou clara alteração do comportamento das médias nos tempos de observação considerados. Não sendo possível a análise estatística deste grupo, esses resultados não foram considerados relevantes nesta pesquisa.

Com intuito de avaliar o índice de viabilidade celular foi utilizado o método colorimétrico para avaliar o a sobrevivência de células após um evento nocivo como a isquemia. Trata-se de um sal (Methyl Thiazolyl Blue- C18H16N5SBr) que detecta somente células metabolicamente ativas em decorrência de seu mecanismo de ação com atuação na estrutura mitocondrial5. Baseado neste parâmetro foi observado que nos tempos iniciais, o GE apresentou-se com melhores índices de viabilidade celular, concordando também com dados encontrados na dosagem de lactato intracelular. Este dado poderia sugerir bom desempenho da solução de EC, principalmente nas primeiras horas de isquemia, com queda gradativa em sua capacidade de preservação. Fato sugerido por Ochoa et al.14, período de preservação superior a seis horas de isquemia, favorece a hipótese de que a solução de EC deveria ser utilizada para o "flushing" de fígados in situ, previamente ao uso de outra solução de preservação mais eficaz, ou ainda, para preservação em tempos reduzidos14.

De maneira geral, os parâmetros de avaliação do desempenho das soluções nos momentos iniciais de isquemia demonstram índices de má evolução, podendo sugerir que a própria hipotermia em si, presente desde o início do processo, seja fator agressivo ao tecido hepático, como assinalado por Siqueira et al.15 e leve à alterações do perfil bioquímico e enzimático do fígado.

CONCLUSÃO

É promissora a utilização de NaCl 7,5% como solução de preservação de órgãos por ser eficaz e possuir características que beneficiam ou impeçam maiores danos ao órgão durante o período de captação até o enxerto no receptor.

Recebido para publicação: 26/09/2012

Aceito para publicação: 06/12/2012

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

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  • Correspondência:

    Vitor Nagai Yamaki,
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      26 Set 2012
    • Aceito
      06 Dez 2012
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