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Cistoadenocarcinoma biliar extra-hepático mimetizando tumor de Klatskin

CARTA AO EDITOR

Cistoadenocarcinoma biliar extra-hepático mimetizando tumor de Klatskin

Sergio Renato Pais-Costa; Sandro Jose Martins; Sergio Luiz Melo Araujo; Olímpia Alves Teixeira Lima; Marcio Almeida Paes; Marcio Lobo Guimaraes

Hospital Santa Lucia, Brasília, DF, Brasil

Correspondência Correspondência: Sergio Renato Pais Costa, e-mail srenatopaiscosta@hotmail.com

INTRODUÇÃO

Cistadenocarcinoma biliar (BCAC) é uma rara neoplasia maligna cística. Alguns autores pensam ser ela a conversão de cistoadenoma biliar de longa evolução. Na maioria dos casos ocorre no parênquima (cistadenocarcinoma intra-hepático); por vezes, pode ser observado com origem biliar extra-hepática3,4,6,7,8,10,11. Cistadenocarcinoma biliar extra-hepático (EBCAC) geralmente conduz icterícia associada com massa palpável1,2,5,6,9. No passado o diagnóstico era feito por meio de colangiopancreatografia retrógrada endoscópica. No entanto, tomografia computadorizada ou ressonância magnética ainda são preferidos por serem não invasivos1,2,3,4,5,6,7,8,9,10.

Às vezes, EBCAC tem dificuldades no diagnóstico diferencial com colangiocarcinoma, principalmente quando ocorre no hilo hepático.6 O tratamento cirúrgico proporciona bom prognóstico; no entanto, ressecção em bloco do trato biliar com hepatectomia pode ser necessária para obter margens livres3,6,10. Até o momento não foi encontrado qualquer caso relatado no Brasil, nem operação bem sucedida usando ressecção biliar em bloco com hepatectomia para tratá-lo.

RELATO DO CASO

Homem de 54 anos de idade, branco, apresentava icterícia obstrutiva indolor e massa hepática palpável que começou um mês antes. Testes de função hepática apresentaram níveis elevados de bilirrubina de 14,8 ng / dl, fosfatase alcalina de 1067 U /l, gama-glutamil transferase de 550 U / l, AST de 175 U / l, e ALT 143 U / l. Alfa-fetoproteína era normal, enquanto CA19.9 estava elevado com 345 U/l. O paciente foi submetido à tomografia computadorizada, que mostrou lesão cística com irregularidade e parede espessa com dutos biliares intra-hepáticos dilatados principalmente do lado esquerdo e atrofia do lobo esquerdo. Foi submetido à colangioressonância que mostrou dilatação da árvore biliar intra-hepática mais significativa no lado esquerdo, ducto biliar com irregularidade e com parede mais espessada perto de confluência hepática (Figura 1). O paciente foi submetido a exame radiológico sem sinais de disseminação sistêmica. O diagnóstico inicial era colangiocarcinoma hilar ou cistoadenoma extra biliar ou cistoadenocarcinoma. Foi indicado tratamento cirúrgico, com ressecção da árvore biliar suprapancreática incluindo confluência hilar e hepatectomia em bloco estendida à esquerda com lobectomia caudada. Linfadenectomia hilar foi também realizada durante a ressecção cirúrgica (Figura 2). Uma deiscência autolimitada biliar foi observada e tratada conservadoramente. O paciente recebeu alta no 15o dia do pós-operatório. Exame histológico demonstrou cistoadenocarcinoma do ducto hepático esquerdo com margens livres (Figura 3). Estudos imunohistoquímicos apresentaram reações positivas para o antígeno carcinoembrionário (CEA), citoqueratina 19 e CA19.9. Nenhum tratamento adjuvante pós-operatório foi realizado. Em um ano de acompanhamento o paciente estava vivo e sem recorrência do tumor.




DISCUSSÃO

BCAC é neoplasia maligna rara epitelial dos ductos biliares. Takayasu et al.9 relataram incidência de 0,41% de todos os tumores malignos epiteliais hepáticos. Quase todos esses tumores são intra-hepáticos, enquanto a minoria surge nas vias biliares principais ou mesmo da vesícula biliar (origem extra-hepática). EBCAC surgem com mais frequência na confluência hepática ou mesmo em ductos setoriais (esquerdo ou direito) do que na vesícula biliar1,3,6,7,8,10. Há poucos relatos na literatura sobre estas neoplasias incomuns1,2,3,4,5,6,7,8,9,10. Especialmente no Brasil, nenhum caso foi relatado. Azambuja et al.1 descrevem um caso, mas era tumor intra-hepático BCAC1. Este tumor é mais frequentemente observado em pessoas de meia idade e pode ocorrer em ambos os sexos, tendo prognóstico menos favorável em hoemns3. De acordo com Devaney et al.4 existem pelo menos dois tipos bem definidos de cistadenocarcinoma hepatobiliar, um desenvolvido exclusivamente em pacientes do sexo feminino, geralmente acompanhadas de estroma "tipo-ovário", que segue curso indolente e outro, sem o estroma típivo celular, visto nos homens e segue comportamento biológico agressivo, que pode resultar na morte10.

Enquanto BCAC intra-hepática tem massa ou dor abdominal; EBCAC leva à icterícia obstrutiva que pode ser acompanhada de sintomas, perda de peso e ascite, o que denota doença avançada1,3,6,7,8,,10.

Apesar de sua raridade, EBCAC deve lembrar como diagnóstico diferencial o colangiocarcinoma hilar em pacientes que apresentam icterícia obstrutiva alta como o presente caso1,10.

Histologicamente, BCAC é caracterizado por projeções papilares com revestimento de várias camadas de células com focos de displasia e atividade mitótica moderada10. Tem positividade na coloração imunoistoquímica para citoqueratina, antígeno da membrana epitelial, CA 19.9 e carcinoembrionário4.

Embora o diagnóstico seja histológico e pode ser confirmado por imunoistoquímica, exames de imagem podem contribuir para o diagnóstico de suspeita. A tomografia computadorizada e a colangiorresonância pode revelar lesão cística multilocular com septações internas ou nódulos. Mais raramente, como no caso descrito, uma lesão unilocular pode ser observada.6 Alguns autores têm sugerido que a presença de nódulos ou calcificações grosseiras ao longo da parede ou septos favorece a BCAC2,6. Entretanto, como relatou Tseng et al.10, EBCAC pode ser confundida com colangiocarcinoma hilar porque pode levar à dilatação dos ductos biliares intra-hepáticos e atrofia do lobo afetado, como observado no presente caso. Diferente de Tseng et al.10, os autores não observaram hepatolitíase neste caso. A verdadeira causa da atrofia do lobo esquerdo era desconhecida.

Tseng et al.10 sugeriram que o tumor poderia levar a compressão do tronco esquerdo da veia porta que pode desviar o fluxo hepático de lóbulo direito. Como neste caso, EBCAC apresenta diagnóstico diferencial com colangiocarcinoma hilar comum; em exames de imagem EBCAC pode ser confundido pela dilatação intensa intra-hepática. Independentemente do diagnóstico como EBCAC ou como colangiocarcinoma hilar, o tratamento tem sido a ressecção total da lesão com margens livres, porque ressecção parcial é associada com níveis elevados de recorrência e prognóstico sombrio1,2,3,4,5,6,7,8,9. De modo geral, a ressecção cirúrgica pode ser associada com hepatectomia, devido à proximidade do parênquima hepático3,10. A ressecção radical é o único tratamento curativo e pode estar associada à cura ou sobrevivência a longo prazo1,2,3,4,5,6,7,8,9. O prognóstico geral pode ser bom com ressecção radical bem realizada, tal como no caso presente.

Recebido para publicação: 26/08/2011

Aceito para publicação: 22/08/2012

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

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  • Correspondência:

    Sergio Renato Pais Costa,
    e-mail
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013
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