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Textiloma na cavidade abdominal: 35 anos depois

CARTA AO EDITOR

Textiloma na cavidade abdominal: 35 anos depois

Francisco Venditto Soares; Luciano Vicentini; Alfredo Rafael Dell'Aringa; Luís Carlos de Paula e Silva

Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Marília, Marília, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Francisco Venditto Soares, e-mail: dirhc@famema.br

INTRODUÇÃO

A descrição da presença de corpo estranho em pacientes que se submeteram a procedimentos cirúrgicos vem aumentando. Este fato tem contribuído para a elaboração de estratégias no sentido de promover a construção de instrumentos que previnam estes acontecimentos, qualificação dos profissionais e detecção precoce.

O primeiro relato de um caso com a presença de corpo estranho na cavidade abdominal foi descrito em 1884. Desde então vários outros estão sendo descritos e apontam frequência maior de produtos têxteis como compressas e gazes1,2 na cavidade.

Estudos recentes têm demonstrado que a incidência de corpo estranho nos pós-operatório é de um em cada mil casos, com predominância para as operações ginecológicas e obstétricas. Prevalece aquelas realizadas em condições de urgência. A mortalidade pode chegar à 35%3,4,5.

A presença de substância estranha no organismo pode levar à fibrose séptica, aderências, encapsulamento transformando-se em granuloma e abscesso com colonização ou não de bactérias.

Estas manifestações podem aparecer em períodos distintos após o procedimento cirúrgico, nas primeiras 24 horas Do 8º ao 13º dias surgem inflamações granulomatosas que têm como objetivo destruir o corpo estranho. Após cinco anos podem ser absorvidas, calcificar ou até ossificar6.

As gazes cirúrgicas são confeccionadas a partir do algodão, material que raramente produz reações em contato com o organismo. Porém após período de exposição podem desencadear reações que levam à formação de granulomas4.

O objetivo deste trabalho é relatar um caso de bloqueio de gazes por alça intestinal deixadas após procedimento cirúrgico realizado há 35 anos.

RELATO DE CASO

Homem de 68 anos procurou assistência referindo que há 12 horas iniciou com dor abdominal localizada em região epigástrica após ingestão alimentar e que, posteriormente, a dor evoluiu para todo o abdome acompanhada de distensão, peso pós-prandial, náuseas e ausência de eliminações intestinais. Referia que foi submetido à gastrectomia Billroth I aos 35 anos em um hospital público devido à úlcera péptica duodenal hemorrágica.

Ao exame físico apresentava-se desidratado, abdome distendido e doloroso à palpação, ruídos hidroaéreos diminuídos. Foram solicitados exames laboratoriais que apresentaram relevância somente para a amilase com 760 u/h; ultrassonografia demonstrou distensão da alça no intestino delgado; e tomografia computadorizada que revelou dilatação de alça em região paraduodenal com sinais de sofrimento da parede e ar no sistema porta (Figura 1).

Indicou-se laparotomia exploradora com incisão supraumbilical. Mostrou aderência na parede, distensão da alça jejunal há aproximadamente um metro do ângulo duodenojejunal com conteúdo intraluminal de consistência esponjosa que ocluía totalmente a luz. Foi realizada abertura desta alça com visualização de corpo estranho (gazes cirúrgicas) que estavam agrupadas e encapsuladas. Foram retiradas.


A parede da alça encontrava-se preservada e sem bloqueios no local da obstrução. Foi suturada, revista a cavidade e fechado o abdome por planos. O paciente recebeu alta hospitalar no 7º dia de pós-operatório, já com amilase de 85 u/h.

DISCUSSÃO

É imprescindível que algumas considerações sejam feitas com relação às possibilidades de acontecer este evento adverso. Para tanto é fundamental revisão do processo de trabalho com o objetivo de minimizar riscos.

Existem vários procedimentos que devem ser considerados no intra-operatório, e a literatura é ampla quando trata de medidas de prevenção.

Os relatos de achados de corpo estranho deixados acidentalmente na cavidade abdominal vêm aumentando. Isso tem contribuído para análise mais reflexiva, busca de qualificação profissional e implantação de medidas que promovam a prevenção para que estas iatrogenias deixem de ocorrer ou fiquem menos frequentes.

Recebido para publicação: 14/12/2011

Aceito para publicação: 10/09/2012

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

  • 1. Debnath D, Buxton JK, Koruth NM. Two Years of Wait and 7000 Miles of Journey: The Tale of a Gossypiboma. Int Surg. 2005;90:130-3. [ Links ]
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  • 3. Iglesias AC, Salomão RM. Gossipiboma intra-abdominal análise de 15 casos. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2007; 34(2). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc
  • 4. Jane Bunahum de Carvalho, José Carlos Vinhaes, Corpo estranho retido na cavidade abdominal durante onze anos. Rev. Col. Bras. Cir. Vol. 31 - Nº 1: 68-70, Jan. / Fev. 2004.
  • 5. Rappaport W, Haunes K. The retained surgical sponge following intra- abdominal surgery: a continuing problem. Arch Surg. 1990;125(3):405-7.
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  • Correspondência:

    Francisco Venditto Soares,
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013
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