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Terapia adjuvante associada à esofagectomia melhora a sobrevida nos pacientes portadores de adenocarcinoma da junção esofagogástrica?

EDITORIAL

Valdir Tercioti-JuniorI; Luiz Roberto LopesI; Rubens Antônio Aissar SallumII; Nelson Adami AndreolloI; Osvaldo MalafaiaIII

IUniversidade Estadual de Campinas - UNICAMP

IIUniversidade de São Paulo - USP

IIIUniversidade Federal do Paraná - UFPR/Faculdade Evangélica do Paraná- FEPAR, Brazil

Nos últimos dez anos, vários autores têm relatado progressivo aumento na prevalência do adenocarcinoma de esôfago e junção esfagogástrica nos países do ocidente1,2,3,4 e também em alguns países do oriente5. Os principais fatores envolvidos são o refluxo gastroesofágico crônico e não tratado, o esôfago de Barrett, o tabagismo e a obesidade6. A baixa ingestão diária de frutas frescas, vegetais e cereais com fibras podem elevar este risco7,8,9,10.

A obesidade está associada com a prevalência de vários tipos de tumores e pode existir associação entre os padrões de distribuição de gordura e o risco de malignização do esôfago de Barrett. Além disso, perfis metabólicos alterados na síndrome metabólica pode ser fator-chave no ciclo genética/alterações celulares que marcam a progressão do esôfago de Barrett para o câncer10.

A cirurgia é a modalidade primária no tratamento do adenocarcinoma do esôfago. Entretanto, os resultados do tratamento cirúrgico exclusivo são limitados. Outro aspecto a considerar-se é o fato de que nos países ocidentais - onde não há programas de vigilância endoscópica -, em geral os adenocarcinomas da transição esofagogástrica são diagnosticados em estágios avançados, com extensão da doença para a serosa ou para os linfonodos regionais no momento do diagnóstico. Sendo assim, terapêuticas adjuvantes e neoadjuvantes têm atraído o interesse de diversos grupos de pesquisadores a fim de melhorar a sobrevida e as taxas relativamente baixas de cura.

Portanto, o aumento da prevalência desta doença no mundo, sua associação com fatores de risco tão significativos para a população, seu tratamento cirúrgico - esofagectomia - ter riscos importantes e o seu prognóstico reservado a despeito das melhores técnicas cirúrgicas empregadas, justificam plenamente a necessidade do estudo de novas estratégias terapêuticas.

A terapêutica adjuvante é geralmente definida como um tratamento que é administrado após operação considerada "curativa" (ressecção R0) a fim de melhorar as possibilidades de sobrevida a longo prazo. Dependendo do tipo de doença, a terapêutica adjuvante pode ser quimioterápica, radioterápica ou ambos.

A terapia adjuvante no pós-operatório possui vantagens e desvantagens teóricas.

As potenciais vantagens seriam: a) pode basear-se em estadiamento patológico e não, e em estadiamento clínico potencialmente inexato; b) os pacientes que poderiam beneficiar-se da terapêutica adjuvante podem ser identificados, evitando-se a toxicidade naqueles que não precisam ou não se beneficiariam desta terapêutica; c) o atraso resultante da terapêutica neoadjuvante é evitada e a ressecção está assegurada; d) a disfagia é aliviada precocemente no tratamento; e) a nutrição pode ser mantida por meio de jejunostomia realizada durante a operação; e f) a toxicidade da terapêutica neoadjuvante não afeta a operação.

As potenciais desvantagens seriam: a) a irrigação sanguínea na área da ressecção pode reduzir-se, diminuindo a quantidade de quimioterápicos no leito tumoral locorregional; b) o alvo da terapia radioterápica foi removido na operação, complicando a definição dos campos para a radioterapia; c) as complicações cirúrgicas no pós-operatório podem impedir a terapêutica adjuvante; d) os óbitos no pré-operatório imediato impedem a realização da terapêutica adjuvante, possivelmente causando vieses nos dados de sobrevida; e f) os efeitos da terapêutica neoadjuvante na ressecabilidade tumoral são eliminados.

A publicação de referência sobre tratamento adjuvante é a de Macdonald et al.4 em 2001. Foi estudo prospectivo randomizado envolvendo 556 pacientes com alto risco de recidiva de adenocarcinomas do estômago e da transição esofagogástrica (2/3 com tumores T3 ou T4 e 85% com metástases linfonodais). Avaliaram o possível benefício da radioquimioterapia adjuvante. A sobrevida global média no grupo operatório exclusivo foi de 27 meses, enquanto que no com radioquimioterapia adjuvante associada foi de 36 meses. Os autores concluíram que radioquimioterapia pós-operatória deve ser considerada para todos os pacientes com alto risco de recidiva de adenocarcinoma gástrico ou da transição esofagogástrica submetidos à ressecção curativa.

Por outro lado, outro estudo norteamericano - também conhecido como Intergroup 0116 -, foi o primeiro a demonstrar benefício na sobrevida com a utilização da adjuvância nos adenocarcinomas gástricos e da transição esofagogástrica, definindo um novo padrão de tratamento nos Estados Unidos da América para estádios II e III da UICC. A informação relevante para o presente editorial é o fato de apenas 20% dos pacientes incluídos neste estudo apresentarem adenocarcinomas da transição esofagogástrica, com 80% deles com adenocarcinomas do estômago distal. Entretanto, o esquema do Intergroup 0116 tem registrado taxas altas de toxicidade.

Apesar disso, o mesmo grupo publicou um resumo apresentado no Congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica em 2009 onde relata os resultados em pacientes após dez anos de seguimento.

Estudos em outros países, como Austrália, Inglaterra, França e Japão têm avaliado e publicado melhora da sobrevida com o tratamento neoadjuvante.

Metanálise publicada pelo grupo GASTRIC - Global Advanced/Adjuvant Stomach Tumor Research International Collaboration Group - em 2010 avaliou o impacto da quimioterapia adjuvante (mono e politerapias, predominantemente baseadas em 5-fluorouracil ou derivados) na sobrevida global e na sobrevida livre de doença nos pacientes operados com adenocaracinoma gástrico avançado. Incluiu 17 estudos, com tempo de seguimento médio maior que sete anos e envolvendo 3838 pacientes no total. Houve 1000 óbitos entre 1924 pacientes no grupo submetido à terapêutica adjuvante e 1067 entre 1857 pacientes no grupo submetido ao tratamento cirúrgico exclusivo. A quimioterapia adjuvante associou-se com benefício estatisticamente significativo na sobrevida global (HR:0,82; intervalo de confiança de 95% entre 0,76 a 0,90; p<0,001) e na sobrevida livre de doença (HR:0,82; intervalo de confiança de 95% entre 0,75 a 0,90;p<0,001). A sobrevida global em cinco anos aumentou de 49,6% para 55,3% com quimioterapia adjuvante. Os autores nesta metanálise concluíram que a quimioterapia adjuvante baseada no uso de 5-fluorouracil está associada com risco diminuído de óbito no câncer gástrico avançado em comparação com a operação isolada.

Uma boa alternativa ao protocolo de tratamento do Intergroup 0116 foi aquele sugerido no estudo liderado por Cunningham et al.1 em 2006 que estabeleceu a utilidade do uso da epirrubicina, cisplatina e 5-fluorouracil infusional perioperatório em pacientes com adenocarcinomas gástrico ou da transição esofagogástrica potencialmente curável. Foram randomizados 250 pacientes submetidos a quimioterapia peri-operatória e 253 pacientes ao tratamento cirúrgico exclusivo. Os autores deste estudo que ficou conhecido mundialmente como "MAGIC trial" observaram nos submetidos à quimioterapia perioperatória a diminuição do tamanho do tumor, a redução no estadiamento tumoral, a melhora na sobrevida livre de doença e na sobrevida global, sem aumento nas complicações pós-operatórias. Este estudo resultou em um novo padrão de tratamento para os pacientes com adenocarcinomas gástrico ou da transição esofagogástrica no Reino Unido.

Van Hagen et al.9 em 2012 publicou os resultados do "CROSS trial". Ele avaliou a neoadjuvância no câncer de esôfago e da transição esofagogástrica. Foram estudados 368 pacientes, sendo efetivamente 366 incluídos na análise, dos quais 275 (75%) com adenocarcinoma. Foram administrados carboplatina, paclitaxel e radioterapia no pré-operatório em 178 pacientes, sendo os demais 188 exclusivamente tratados operatoriamente. A sobrevida global média no grupo submetido à neoadjuvância foi de 49,4 meses e 24,0 meses do grupo tratado apenas com operação, com diferença estatisticamente significante. Os autores concluíram que a quimioradioterapia neoadjuvante nos pacientes com tumores potencialmente curáveis cirurgicamente apresenta melhora da sobrevida.

Analisando os estudos recentes das vantagens do tratamento adjuvante, Solomon et al.6 em estudo de uma base populacional avaliaram a quimioradioterapia nos pacientes operados por adenocarcinoma do estômago e da transição esofagogástrica. Foram incluídos 3378 pacientes operados com intenção curativa, sendo 636 (18,8%) portadores de adenocarcinomas da transição esofagogástrica. Estes autores encontraram benefício da adjuvância na sobrevida dos que apresentavam doença em estágio mais avançado, com invasão linfonodal ou em órgãos adjacentes. Os autores enfatizaram a necessidade de cuidadosa seleção dos pacientes elegíveis para adjuvância.

Kofoed et al.2 em 2012 na Dinamarca avaliaram em estudo retrospectivo não-randomizado nos mesmos moldes do presente estudo os possíveis benefícios do protocolo de adjuvância como preconizado por Macdonald et al4. exclusivamente em pacientes com adenocarcinoma da junção esofagogástrica. Foram avaliados 211 pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico radical, sendo que 116 pacientes receberam tratamento adjuvante. Os autores concluíram que o protocolo de adjuvância poderia ser benéfico nos pacientes com invasão linfonodal presente, não tendo encontrado benefício significativo nos demais grupos analisados.

O estudo realizado na Unicamp incluindo 103 doentes com adenocarcinoma da junção esofagogástrica, comparando 78 submetidos à operação exclusiva e 25 à operação seguida de radioquimioterapia usando o protocolo de Macdonald et al.4 não evidenciou aumento de sobrevida em cinco anos de seguimento.

Após mais de cem anos de cirurgia esofágica para neoplasia, as controvérsias sobre o melhor tratamento persistem e devem se manter por vários anos visto a dificuldade na realização de trabalhos prospectivos, randomizados, multicêntricos, com padronização rigorosa da técnica cirúrgica, com estadiamento clinicopatológico cuidadoso e em um grande número de pacientes. Além disso, há o contínuo desenvolvimento de novos fármacos e o estabelecimento de novas combinações entre as drogas já existentes. Mas as dificuldades, se existem, devem ser apenas e tão somente estímulo para a busca constante e incansável pelo melhor tratamento para o nosso doente.

  • 1. Cunningham D, Allum WH, Stenning SP, Thompson JN, Van de Velde CJ, Nicolson M, Scarffe JH, Lofts FJ, Falk SJ, Iveson TJ, Smith DB, Langley RE, Verma M, Weeden S, Chua YJ, MAGIC Trial Participants.. Perioperative chemotherapy versus surgery alone for resectable gastroesophageal cancer. N Engl J Med. 2006;355(1):11-20.
  • 2. Kofoed SC, Muhic A, Baeksgaard L, Jendresen M, Gustafsen J, Holm J, Bardram L, Brandt B, Brenø J, Svendsen LB.. Survival after adjuvant chemoradiotherapy or surgery alone in resectable adenocarcinoma at the gastro-esophageal junction. Scand J Surg. 2012;101(1):26-31.
  • 3. Lehrbach DM, Cecconello I, Ribeiro Jr U, Capelozzi VL, Ab'saber AM, Alves VA. Adenocarcinoma of the esophagogastric junction: relationship between clinicopathological data and p53, cyclin D1 and Bcl-2 immunoexpressions. Arq Gastroenterol. 2009;46(4):315-20.
  • 4. Macdonald JS, Smalley SR, Benedetti J, Hundahl SA, Estes NC, Stemmermann GN, Haller DG, Ajani JA, Gunderson LL, Jessup JM, Martenson JA.. Chemoradiotherapy after Surgery Compared with Surgery Alone for Adenocarcinoma of the Stomach or Gastroesophageal Junction. N Engl J Med. 2001;345(10):725-30.
  • 5. Ryan AM, Duong M, Healy L, Ryan SA, Parekh N, Reynolds JV, Power DG. Obesity, metabolic syndrome and esophageal adenocarcinoma: Epidemiology, etiology and new targets. Cancer Epidem. 2011;35(4):309-19.
  • 6. Solomon NL, Cheung MC, Byrne MM, Zhuge Y, Franceschi D, Livingstone AS, Koniaris LG. Does chemoradiotherapy improve outcomes for surgically resected adenocarcinoma of the stomach or esophagus? Ann Surg Oncol. 2010;17(1):98-108.
  • 7. Tercioti Junior V, Lopes LR, Coelho Neto JS, Carvalheira JBC, Andreollo NA. Adenocarcinoma da transição esofagogástrica: análise multivariada da morbimortalidade cirúrgica e terapia adjuvante. Arq Bras Cir Dig. 2012;25(4):229-34.
  • 8. The GASTRIC (Global Advanced/Adjuvant Stomach Tumor Research International Collaboration) Group. Benefit of adjuvant chemotherapy for resectable gastric cancer. JAMA. 2010;303(17):1729-37.
  • 9. van Hagen P, Hulshof MC, van Lanschot JJ, Steyerberg EW, van Berge Henegouwen MI, Wijnhoven BP, Richel DJ, Nieuwenhuijzen GA, Hospers GA, Bonenkamp JJ, Cuesta MA, Blaisse RJ, Busch OR, ten Kate FJ, Creemers GJ, Punt CJ, Plukker JT, Verheul HM, Spillenaar Bilgen EJ, van Dekken H, van der Sangen MJ, Rozema T, Biermann K, Beukema JC, Piet AH, van Rij CM, Reinders JG, Tilanus HW, van der Gaast A. Preoperative Chemoradiotherapy for Esophageal or Junctional Cancer. N Engl J Med. 2012;366(22):2074-84.
  • 10. Zilberstein B, Jacob CE, Cecconello I. Gastric cancer trends in epidemiology. Arq Gastroenterol. 2012;49(3):177-8.
  • Terapia adjuvante associada à esofagectomia melhora a sobrevida nos pacientes portadores de adenocarcinoma da junção esofagogástrica?

    Does adjuvant therapy associated with esophagectomy improve survival in patients with esophagogastric junction adenocarcinoma?
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013
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