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Hepatectomia laparoscópica com portal único: experiência pioneira no Brasil

Resumos

INTRODUÇÃO: Na última década, a cirurgia laparoscópica evoluiu e hoje produz menor trauma graças à redução do número e tamanho dos trocárteres. Recentemente nova técnica com uso de portal único foi descrita. OBJETIVO: Descrever os detalhes de uma segmentectomia lateral esquerda (segmentos 2 e 3) laparoscópica com portal único. TÉCNICA: Portal único com cobertura de gel é introduzido por meio de incisão de 3 cm periumbilical. O procedimento inicia-se com exploração da cavidade com laparoscópio e exame ultra-sonográfico do fígado. É realizado Acesso intra-hepático ao pedículo Glissoniano dos segmentos 2 e 3. O pedículo é seccionado com grampeador com carga vascular. O fígado é seccionado com bisturi harmônico e a veia hepática esquerda é dividida com grampeador. A peça é retirada pelo portal único. A cavidade é revista mas não é deixado dreno. CONCLUSÃO: Segmentectomia lateral esquerda laparoscópica com portal único é procedimento seguro desde que realizado em centros especializados e por equipes com experiência em cirurgia hepática e laparoscopia avançada.

Fígado; Técnicas; Laparoscopia; Hepatectomia; Portal único


INTRODUCTION: Since the past decade, minimal access surgery is moving towards minimizing the surgical trauma by reducing numbers and size of the laparoscopic ports . A novel technique with a single-incision laparoscopic approach has been recently described. AIM: To describe the single-port technique for laparoscopic liver resection. TECHNIQUE: A transumbilical 3-cm skin incision is performed and a single-incision advanced access platform is introduced. Operation began with exploration of the abdominal cavity and ultrasound examination of the liver. Intrahepatic Glissonian access for retrieval of portal pedicles from segments 2 and 3 is performed. Vascular endoscopic stapler is used to divide segments 2 and 3 Glissonian pedicle. Liver is transected with harmonic scalpel and left hepatic vein is divided with stapler. Procedure is completed. Surgical specimen is retrieved through the single umbilical incision. No drains are left in place. CONCLUSION: Single port laparoscopic left lateral segmentectomy is feasible and can be safely performed in specialized centers by skilled laparoscopic surgeons.

Liver; Techniques; Laparoscopy; Hepatectomy; Single-port


TÉCNICA

Hepatectomia laparoscópica com portal único: experiência pioneira no Brasil

First single-port laparoscopic liver resection in Brazil

Marcel Autran Cesar Machado; Rodrigo Cañada Trofo Surjan; Fábio Ferrari Makdissi

Trabalho realizado no Hospital Sírio-Libanês, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marcel Autran Cesar Machado E-mail: dr@drmarcel.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Na última década, a cirurgia laparoscópica evoluiu e hoje produz menor trauma graças à redução do número e tamanho dos trocárteres. Recentemente nova técnica com uso de portal único foi descrita.

OBJETIVO: Descrever os detalhes de uma segmentectomia lateral esquerda (segmentos 2 e 3) laparoscópica com portal único.

TÉCNICA: Portal único com cobertura de gel é introduzido por meio de incisão de 3 cm periumbilical. O procedimento inicia-se com exploração da cavidade com laparoscópio e exame ultra-sonográfico do fígado. É realizado Acesso intra-hepático ao pedículo Glissoniano dos segmentos 2 e 3. O pedículo é seccionado com grampeador com carga vascular. O fígado é seccionado com bisturi harmônico e a veia hepática esquerda é dividida com grampeador. A peça é retirada pelo portal único. A cavidade é revista mas não é deixado dreno.

CONCLUSÃO: Segmentectomia lateral esquerda laparoscópica com portal único é procedimento seguro desde que realizado em centros especializados e por equipes com experiência em cirurgia hepática e laparoscopia avançada.

Descritores: Fígado. Técnicas. Laparoscopia. Hepatectomia. Portal único.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Since the past decade, minimal access surgery is moving towards minimizing the surgical trauma by reducing numbers and size of the laparoscopic ports . A novel technique with a single-incision laparoscopic approach has been recently described.

AIM: To describe the single-port technique for laparoscopic liver resection.

TECHNIQUE: A transumbilical 3-cm skin incision is performed and a single-incision advanced access platform is introduced. Operation began with exploration of the abdominal cavity and ultrasound examination of the liver. Intrahepatic Glissonian access for retrieval of portal pedicles from segments 2 and 3 is performed. Vascular endoscopic stapler is used to divide segments 2 and 3 Glissonian pedicle. Liver is transected with harmonic scalpel and left hepatic vein is divided with stapler. Procedure is completed. Surgical specimen is retrieved through the single umbilical incision. No drains are left in place.

CONCLUSION: Single port laparoscopic left lateral segmentectomy is feasible and can be safely performed in specialized centers by skilled laparoscopic surgeons.

Headings: Liver. Techniques. Laparoscopy. Hepatectomy. Single-port.

INTRODUÇÃO

Na última década, a cirurgia minimamente invasiva vem evoluindo progressivamente com redução do trauma cirúrgico graças à redução do número e tamanho dos trocárteres. Nos últimos anos, foi descrita uma nova técnica laparoscópica com uso de incisão única5. Ela técnica é muito utilizada em mulheres e jovens em virtude do bom resultado cosmético. No Brasil e em outros países esta técnica tem sido empregada geralmente em colecistectomia laparoscópica12.

A cirurgia hepática e o manejo ds doenças do fígado vem apresentando grande evolução. Hoje a hepatectomia laparoscópica é realidade no nosso meio e estes autores a têm empregado de maneira rotineira desde 2007 com mais de 100 casos descritos, incluindo ressecções maiores8,9,10,11.

O objetivo deste trabalho é descrever a hepatectomia laparoscópica usando a técnica de portal único. Neste relato, descreve-se os aspectos técnicos de uma hepatectomia lateral esquerda (segmentos 2 e 3) laparoscópica com portal único. Do nosso conhecimento, trata-se do primeiro caso de hepatectomia com portal único no Brasil e América Latina.

TÉCNICA

O paciente é colocado em decúbito dorsal e proclive com cirurgião entre as pernas. O assistente posiciona-se no lado direito com o monitor o acima da cabeça do paciente. Sob anestesia geral, é realizada uma incisão transumbilical de 3 cm. Por ela é introduzida um sistema de portal único com gel (GelPoint, Applied Med. RS Margarita, CA, EUA) (Figura 1a). Três portais de trabalho (5-10 mm) são introduzidos no dispositivo. Não há necessidade de uso de instrumentos articulados. O pneumoperitônio de CO2 é estabelecido a 12 mm Hg. Usa-se laparoscópio rígido de 30o de 10 milímetros. A plataforma de portal único é capaz de acomodar simultaneamente três ou quatro instrumentos sem prejuízo de triangulação, dependendo da configuração necessária (Figura 1b). Dois grandes instrumentos, tais como um laparoscópio de 10 mm, um grampeador flexível de 12 mm podem ser utilizados simultaneamente com um instrumento de 5 mm. Outra configuração possível é o uso de uma câmera de 10 mm junto com mais quatro instrumentos de 5 mm, porque a incisão inicial e abertura aponeurose possui 30 mm de largura. O procedimento inicia-se com exploração da cavidade abdominal com o laparoscópio e introdução do probe de ultrassom laparoscópico (SonoSite, Inc., Bothell, WA, EUA) para avaliar o tumor e sua relação com estruturas anatômicas hepáticas (Figuras 1c, 1d, 1e). Após esta avaliação inicial, o fígado esquerdo é mobilizado por meio de secção dos ligamentos falciforme, triangular e coronário com bisturi harmônico (Ultracision, Ethicon Endo-Surgery, Cincinnati, OH). O lobo esquerdo é tracionado para cima, e o omento menor é aberto.



O próximo passo é a realização do acesso intra-hepático ao pedículo Glissoniano dos segmentos 2 e 3. Duas incisões são necessárias. A primeira é feita acima da extremidade proximal do ligamento de Arantius e a segunda na base esquerda do ligamento redondo11. Uma pinça vascular é introduzida através destas incisões e fechada. Depois de alguns minutos, é observada a delimitação isquêmica de segmentos 2 e 3. A futura linha de transecção é marcada na cápsula hepática com cautério. A pinça vascular é substituída por grampeador endoscópico (Figura 2a). Um grampeador é disparado e é seccionado o pedículo portal dos segmentos 2 e 3 (Figura 2b). A transecção hepática é feita com bisturi harmônico. O último passo é seccionar a veia hepática esquerda com grampeador. O procedimento é concluído e o espécime cirúrgico é colocado dentro de um saco plástico e retirado através da incisão umbilical. Dependendo do tamanho do espécime cirúrgico, a incisão tem de ser alargada, mas geralmente o segmento lateral esquerdo pode ser retirado através da incisão umbilical de 3 cm. A plataforma de portal único é recolocada para verificar a existência de sangramento e fístula biliar na superfície cruenta do fígado. Tecido hemostático é aplicado nessa superfície do fígado e a operação é finalizada (Figura 2c). A cavidade não é drenada.



Foi realizado este procedimento em uma mulher de 33 anos de idade, com adenoma de fígado. A duração do procedimento foi de 54 minutos. O sangramento foi mínimo, sem necessidade de transfusão e ela recebeu alta hospitalar no primeiro dia do pós-operatório. O aspecto cosmético da incisão foi bom após o procedimento (Figura 2d).

DISCUSSÃO

A cirurgia laparoscópica tornou-se uma excelente alternativa menos invasiva à cirurgia de fígado. Avanços de imagem pré e intra-operatório resultaram em uma melhor avaliação anatômica e, assim, melhor planejamento cirúrgico.

A cirurgia hepática laparoscópica tem experimentado um desenvolvimento significativo nos últimos anos. Nossa experiência com ressecções hepáticas laparoscópicas começou em 20078. Da mesma forma como ocorreu em outros centros, o aumento da experiência em cirurgia laparoscópica avançada nos permitiu realizar operações mais complexas, como a hepatectomia direita, em dois tempos e mesmo ALPPS totalmente laparoscópico8,9,10,11.

No entanto, apenas alguns centros, incluindo o nosso, realizaam a ressecção hepática laparoscópica de rotina13. Para vários autores, apenas segmentectomia esquerda laparoscópica lateral é considerado padrão-ouro3. Para nós, qualquer cirurgia hepática anatômica pode ser feito por laparoscopia, mas estamos de acordo que só devem ser feito em centros especializados e por equipes capacitadas8,13.

A cirurgia laparoscópica com portal único é menos invasiva do que o padrão com vários trocartes, mas existem dificuldades inerentes a este método14,15. Primeiro, a exposição é significativamente limitada. A introdução de uma câmara e vários instrumentos paralelos uns aos outras pode resultar numa diminuição da amplitude de movimento e na colisão de instrumentos1,2,4. A plataforma de portal único utilizada no nosso caso, permite o uso de instrumentos normais, sem perda de triangulação. Fomos capazes de utilizar uma ótica de 10 mm de alta definição, durante todos os passos da operação.

Optamos por realizar uma segmentectomia esquerda lateral laparoscópica por portal único, porque este procedimento é a hepatectomia mais fácil de realizar por laparoscopia e sua técnica já está padronizada3.

Na literatura existem poucos trabalhos de ressecção hepática com portal único6,7,14,15. A principal razão é que a maioria dos sistemas disponíveis para o uso desta técnica necessita de instrumentos especiais com articulação e uso de laparoscópios pequenos com triangulação reduzida. Acreditamos que este novo sistema com gel pode oferecer uma plataforma melhor para esta técnica e pode reduzir a curva de aprendizagem. Na nossa experiência inicial com um segmentectomia lateral esquerda laparoscópica com portal único não houve nenhuma dificuldade de exposição ou de triangulação e o tempo operatório não foi superior aos nossos outros casos de laparoscopia. Do nosso conhecimento, trata-se do primeiro relato do uso desta técnica em cirurgia do fígado laparoscópica no Brasil e na América Latina.

Apesar do custo e da curva de aprendizado,os benefícios cosméticos da cirurgia com portal único são óbvios. Em conclusão, segmentectomia lateral esquerda laparoscópica com portal único é viável e pode ser realizada com segurança em centros especializados e por cirurgiões laparoscópicos capacitados.

Recebido para publicação: 04/02/2013

Aceito para publicação: 11/03/2013

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

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  • Endereço para correspondência:

    Marcel Autran Cesar Machado
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      04 Fev 2013
    • Aceito
      11 Mar 2013
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