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Pancreatectomia distal com ressecção em bloco do tronco celíaco para adenocarcinoma de corpo de pâncreas localmente avançado (operação de Appleby): relato de caso

CARTA AO EDITOR

Pancreatectomia distal com ressecção em bloco do tronco celíaco para adenocarcinoma de corpo de pâncreas localmente avançado (operação de Appleby): relato de caso

Distal pancreatectomy with en-bloc celiac trunk resection for locally advanced pancreatic body cancer (Appleby procedure): case report

Orlando Jorge Martins TorresI; Jose Maria Assunção Moraes-JuniorI; Eduardo de Souza Martins FernandesII

IDepartamento de Cirurgia da Universidade Federal do Maranhão e Hospital São Domingos, São Luis, MA

IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro e Hospital Silvestre do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Orlando Jorge M Torres e-mail: o.torres@uol.com.br

INTRODUÇÃO

O câncer do pâncreas é uma das mais temidas neoplasias do trato gastrointestinal. A única chance de sobrevida em longo prazo é a ressecção cirúrgica curativa. Embora apropriado este procedimento é somente aplicável à minoria de pacientes, pois a maioria se apresenta com doença avançada. Menos de 20% dos pacientes com adenocarcinoma do colo, corpo e cauda do pâncreas apresenta lesão ressecável. O padrão de tratamento para tumores do corpo e cauda do pâncreas é a pancreatectomia distal com esplenectomia concomitante. 10,11,12

A maioria dos pacientes perde a chance de ressecção cirúrgica devido à metástase distante, invasão regional para órgãos adjacentes ou envolvimento de grandes vasos. O envolvimento da artéria hepática comum e/ou do tronco celíaco pelo tumor é uma das principais razões que impede a ressecção radical 10. Fortner introduziu o conceito de pancreatectomia regional com ressecção vascular, descrevendo os tipos I e II onde o segmento venoso ou arterial era ressecado, respectivamente5.

Entretanto, a pancreatectomia distal com ressecção em bloco do tronco celíaco aumentou o espectro operatório na operação do pâncreas. Este procedimento foi primeiro descrito por Appleby em 1935 com a finalidade de atingir clareamento nodal ao redor do tronco celíaco para câncer gástrico avançado2. Subsequentemente, Mayumi et al. e Kimura et al. adotaram esta abordagem com ou sem a preservação do estômago para adenocarcinoma do corpo do pâncreas localmente avançado8,9. Recentes registros de centros especializados mostraram claramente que ressecção vascular não aumenta a morbidade ou mortalidade e pode oferecer a estes pacientes a possibilidade de cirurgia radical3,4,6. Entretanto, a presença de invasão vascular no estadiamento é ainda considerada por muitos como uma contraindicação para cirurgia e o conceito de ressecção do tronco celíaco também implica no risco de relevante isquemia hepática e gástrica11.

As estratégias de revascularização têm sido recentemente descritas para assegurar a preservação do fluxo arterial hepático e evitar complicações hepatobiliares, tais como necrose do fígado, abscesso hepático, necrose da vesícula biliar e colecistite aguda. Nestas situações a revascularização do tronco celíaco para a artéria hepática utilizando próteses seria útil quando o comprometimento do fluxo hepático é detectado durante a operação4,14.

Este estudo tem por objetivo apresentar um caso de adenocarcinoma do corpo do pâncreas invadindo o tronco celíaco tratado por pancreatectomia distal estendida com ressecção em bloco do tronco celíaco e revascularização utilizando prótese.

RELATO DO CASO

Homem de 42 anos, previamente saudável vinha apresentando dor epigástrica e lombar por seis semanas. Tomografia computadorizada do abdome evidenciou uma lesão de 4,5 x 3,5 cm no corpo do pâncreas com envolvimento linfonodal ao longo da artéria gástrica esquerda e invadindo o tronco celíaco. Ressonância magnética do abdome foi realizada e confirmou o diagnóstico e identificou dilatação do ducto pancreático principal. Foi complementado com angiotomografia que demonstrou envolvimento do tronco celíaco, artéria hepática e artéria esplênica (Figura 1). O paciente foi então encaminhado para tratamento cirúrgico.


A exploração cirúrgica não identificou carcinomatose ou metástase hepática e uma biópsia de congelação foi realizada, confirmando o diagnóstico. Foi realizada e ressecção em bloco do corpo e cauda do pâncreas, baço, tronco celíaco, linfonodos adjacentes e plexo nervoso. Gastrectomia subtotal com colecistectomia foi também realizada. A dissecção da veia porta revelou potencial infiltração tumoral na confluência da veia esplênica, sendo, portanto realizada a ressecção da veia porta e anastomose concomitante. Foi utilizada uma prótese de 4 mm de politetrafluoroetileno (PTFE) desde o tronco celíaco até a artéria hepática comum (Figura 2).


Finalmente o ducto pancreático foi ligado separadamente e o coto da cabeça do pâncreas suturado com material não absorvível. Dois drenos de sucção foram colocados na cavidade abdominal e o abdome foi fechado. O paciente recebeu duas unidades de concentrado de hemácias no intra-operatório.

O curso pós-operatório foi realizado na unidade de terapia intensiva. A monitorização diária da função hepática não revelou insuficiência funcional. O débito dos dois drenos abdominais esteve sempre inferior a 150 ml/dia e a dosagem das enzimas pancreáticas do dreno abdominal foi de 47 U/dl no 5o dia do pós-operatório, indicando não haver fístula pancreática. O tempo de internação na unidade de terapia intensiva foi de seis dias.

No 14º dia o paciente apresentou dor abdominal e vazamento de bile através do dreno abdominal à direita. Tomografia do abdome foi realizada e revelou trombose da prótese, porém com fluxo arterial suficiente das artérias hepáticas através das arcadas pancreatoduodenais. A artéria e veia mesentérica superior estavam patentes e uma coleção no espaço sub-hepático direito foi identificada. Foi realizada drenagem percutânea da coleção abdominal e o paciente foi encaminhado para tratamento com oxigênio terapia hiperbárica.

O estudo anatomopatológico revelou adenocarcinoma ductal do pâncreas, invasivo, medindo 4,5 cm com margens histológicas livres de neoplasia (R0). Metástases linfonodais não foram observadas nos 31 linfonodos removidos.

Foram administradas as vacinas pós-esplenectomia contra Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenza tipo B e Neisseria meningitidis durante a permanência no hospital. O paciente recebeu alta hospitalar no 23º dia do período pós-operatório.

Após 40 dias da operação ele desenvolveu diarreia e desnutrição. Foi então readmitido e tratado com enzimas pancreáticas, loperamida e suporte nutricional. Devido ao fato do paciente permanecer desnutrido por muito tempo não foi realizado quimioterapia adjuvante. O seguimento pós-operatório de um ano e meio revelou paciente com desnutrição leve, porém sem sinais de doença recorrente.

DISCUSSÃO

No câncer do pâncreas, a falta de sinais e sintomas específicos faz com que o diagnóstico seja dificultado, especialmente naqueles localizados no corpo e na cauda. Apesar do desenvolvimento de diferentes técnicas para o diagnóstico precoce e variadas modalidades de tratamento atualmente, o prognóstico em longo prazo permanece inalterado. O índice de sobrevida global em cinco anos permanece abaixo de 5% com uma baixa possibilidade de ressecção10,13.

O diagnóstico pré-operatório de invasão vascular é importante para o planejamento cirúrgico. O uso da angiotomografia estabelece a extensão do envolvimento vascular. Além disto, ela permite estudo anatômico de pequenos vasos pancreáticos com acurácia14. Neste estudo a angiotomografia foi realizada e confirmou o envolvimento vascular pelo tumor.

A pancreatectomia distal combinada com ressecção do tronco celíaco permanece como a única chance de sobrevida para estes pacientes. Nenhum aumento na sobrevida e elevada morbimortalidade são os argumentos utilizados para recusar a ressecção cirúrgica no câncer do pâncreas com envolvimento vascular. Entretanto este procedimento tem resultado em sobrevida estimada em cinco anos de 42% para pacientes com câncer do corpo do pâncreas localmente avançado. A ressecção vascular deve ser planejada e decidida o mais breve possível durante a avaliação pré-operatória 3,4,6,7.

Pacientes com ou sem ressecção vascular apresentam índices de sobrevida comparáveis e mesmo com invasão da parede vascular não tem sido demonstrado afetar a sobrevida. Deve-se levar em consideração que estes pacientes haviam sido previamente considerados irressecáveis. O tempo de sobrevida média de 20 meses relatado por alguns autores é excelente considerando o estádio avançado da doença3,6,13. No estudo de Adham et al., apenas uma de seis artérias ressecadas estava envolvida pela neoplasia1.

Alguns centros têm defendido a realização de embolização pré-operatória da artéria hepática comum com a finalidade de reduzir as complicações relacionadas com a isquemia, tais como a necrose do estômago, da vesícula biliar e do fígado. Não realizou-se aqui este procedimento e não observou-se qualquer isquemia gástrica. A colecistectomia foi realizada devido ao risco pós-operatório de colecistite isquêmica3. A embolização apresenta alguns riscos e pode ser desnecessária se o paciente for irressecável. Esta determinação frequentemente não é realizada até o momento da operação4,7.

Um aspecto importante é a seleção do paciente para ressecção extensa do câncer do pâncreas localmente avançado e envolvimento vascular. 3,6 O paciente do presente estudo estava com 42 anos no momento da operação e não apresentava comorbidades.

Durante o procedimento é difícil determinar se as aderências firmes com a parede do vaso são apenas devido à reação inflamatória ou secundária a extensão da neoplasia. Nestas situações realiza-se ressecção segmentar venosa com clampeamento para evitar lesão vascular descontrolada3,4,13.

Utilizou-se uma prótese entre o tronco celíaco e a artéria hepática comum, pois imaginava-se que o fluxo arterial através da artéria pancreatoduodenal estivesse comprometido. Entretanto, tomografia realizada no 14º dia da operação revelou trombose da prótese, mas com fluxo arterial suficiente para as artérias hepáticas através das arcadas pancreatoduodenais. A tomografia com contraste na fase arterial no pós-operatório é útil, pois proporciona informações sobre o suprimento sanguíneo arterial para o sistema hepatobiliar, pancreático e gastrintestinal3,4,13,14.

Do ponto de vista arterial, a invasão do tronco celíaco pode ser objeto de ressecção. Este procedimento sem a reconstrução arterial (procedimento de Appleby) é baseado na presença de circulação colateral entre a artéria mesentérica superior e a hepática por meio de uma arcada pancreatoduodenal intacta. No caso de reconstrução vascular este pode ser realizado por anastomose direta, por interposição de um enxerto venoso ou com a utilização de próteses8,9,12,14.

Diarreia incontrolável desenvolve-se após pancreatectomia ou duodenopancreatectomia com ressecção circunferencial do plexo nervoso ao redor da artéria mesentérica superior e leva a alteração do apetite, desnutrição e geralmente qualidade de vida comprometida. A extensão do clareamento do tecido nervoso autonômico é maior na pancreatectomia distal com ressecção do tronco celíaco incluindo a ressecção do plexo celíaco e gânglios bilaterais3,4,13. No presente estudo o paciente desenvolveu diarreia e desnutrição sendo tratado com enzimas pancreáticas, loperamida e suporte nutricional.

Recebido para publicação: 22/06/2011

Aceito para publicação: 27/11/2012

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

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  • Endereço para correspondência:

    Orlando Jorge M Torres
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013
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