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Avaliação das complicações da esofagectomia de resgate na terapêutica cirúrgica do câncer de esôfago avançado

Resumos

RACIONAL: Apesar das inúmeras opções terapêuticas, o prognóstico da neoplasia maligna de esôfago continua sombrio. Devido à baixa taxa de cura da esofagectomia, foram desenvolvidas novas propostas de tratamento como a quimioterapia e radioterapia isoladas ou associadas, concomitante ou não à cirurgia, além da quimiorradiação exclusiva. A esofagectomia de regaste surge como opção terapêutica para aqueles pacientes com recorrência ou persistência da doença após tratamento clínico. OBJETIVO: Avaliar os resultados da esofagectomia de resgate em pacientes com câncer de esôfago submetidos previamente à quimiorradiação exclusiva, assim como descrever as complicações locais e sistêmicas. MÉTODO: Foram analisados retrospectivamente 18 pacientes com diagnóstico inicial de carcinoma epidermóide de esôfago irressecável, submetidos previamente à quimiorradioterapia. Após o tratamento oncológico eles foram examinados quanto às suas condições clínicas pré-operatórias. Foi realizada a esofagectomia por toracotomia direita e reconstrução do trânsito digestivo por cervicolaparotomia. Os mesmos foram avaliados no período pós-operatório tanto em relação às complicações locais e sistêmicas como em relação à qualidade de vida. RESULTADOS: As complicações foram frequentes, sendo que cinco pacientes desenvolveram fístula por deiscência da anastomose. Quatro desses evoluíram de maneira satisfatória. Cinco também apresentaram estenose esofagogástrica cervical, mas responderam bem à dilatação endoscópica. Infecção pulmonar foi outra complicação observada e presente em sete pacientes, sendo inclusive causa de óbito em dois deles. Dentre os em que se conseguiu realizar seguimento com tempo médio de 5,6 anos, 53,8% estão vivos sem doença. CONCLUSÕES: Existe elevada morbidade da esofagectomia de regaste principalmente após longo espaço de tempo entre quimiorradiação e a cirurgia, propiciando maior dano tecidual e predisposição à formação de fistulas anastomóticas. No entanto, os resultados se mostram favoráveis àqueles que não possuem mais opções terapêuticas.

Cirurgia torácica; Esofagectomia; Neoplasias


BACKGROUND: Even though the esophageal cancer has innumerous treatment options its prognosis is still unsettled. Because esophagectomy is rarely curative, new and emerging therapies come to light such as isolated chemotherapy and radiotherapy or combined chemoradiation, followed or not by surgery. The rescue esophagectomy is an alternative for those patients with recurrent or advanced disease. AIM: To evaluate the results of the rescue esophagectomy in patients with esophageal cancer who had previously undergone chemoradiation and describe local and systemic complications of the procedure. METHODS: Eighteen patients with unresectable esophageal squamous cell carcinoma were treated with chemoradiation followed by rescue esophagectomy. All of them presented the preoperative clinical conditions required to indicate the surgical procedure. Transthoracic esophagectomy with right side thoracotomy plus midline laparotomy was performed. Patients were evaluated with regard to any postoperative complications. RESULTS: There were five patients with evidence of fistula at the level of the anastomosis, and four of them progressed satisfactorily. Postoperative dilation was needed in five out of eighteen patients due to stenosis of the esophagogastric suture line. Seven patients did develop pulmonary infection with a fatal outcome for two of them. Among the patients who were available for a five-year follow-up, there was a rate of 53.8% of disease-free survival. CONCLUSIONS: These patients presented an elevated morbidity of the procedure related to many factors such as the long period between chemoradiation and surgery, which leads to tissue injury resulting in anastomotic fistulas. Nevertheless, esophagectomy seems to be valuable in cases without any other therapeutic option.

Thoracic surgery; Esophagectomy; Neoplasms


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação das complicações da esofagectomia de resgate na terapêutica cirúrgica do câncer de esôfago avançado

José Luis Braga de Aquino; Marcelo Manzano Said; Douglas Alexandre Rizzanti Pereira; Gustavo Nardini Cecchino;Vânia Aparecida Leandro-Merhi

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Torácica e Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Celso Pierro da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: José Luis Braga de Aquino E-mail: jlaquino@sigmanet.com.br

RESUMO

RACIONAL: Apesar das inúmeras opções terapêuticas, o prognóstico da neoplasia maligna de esôfago continua sombrio. Devido à baixa taxa de cura da esofagectomia, foram desenvolvidas novas propostas de tratamento como a quimioterapia e radioterapia isoladas ou associadas, concomitante ou não à cirurgia, além da quimiorradiação exclusiva. A esofagectomia de regaste surge como opção terapêutica para aqueles pacientes com recorrência ou persistência da doença após tratamento clínico.

OBJETIVO: Avaliar os resultados da esofagectomia de resgate em pacientes com câncer de esôfago submetidos previamente à quimiorradiação exclusiva, assim como descrever as complicações locais e sistêmicas.

MÉTODO: Foram analisados retrospectivamente 18 pacientes com diagnóstico inicial de carcinoma epidermóide de esôfago irressecável, submetidos previamente à quimiorradioterapia. Após o tratamento oncológico eles foram examinados quanto às suas condições clínicas pré-operatórias. Foi realizada a esofagectomia por toracotomia direita e reconstrução do trânsito digestivo por cervicolaparotomia. Os mesmos foram avaliados no período pós-operatório tanto em relação às complicações locais e sistêmicas como em relação à qualidade de vida.

RESULTADOS: As complicações foram frequentes, sendo que cinco pacientes desenvolveram fístula por deiscência da anastomose. Quatro desses evoluíram de maneira satisfatória. Cinco também apresentaram estenose esofagogástrica cervical, mas responderam bem à dilatação endoscópica. Infecção pulmonar foi outra complicação observada e presente em sete pacientes, sendo inclusive causa de óbito em dois deles. Dentre os em que se conseguiu realizar seguimento com tempo médio de 5,6 anos, 53,8% estão vivos sem doença.

CONCLUSÕES: Existe elevada morbidade da esofagectomia de regaste principalmente após longo espaço de tempo entre quimiorradiação e a cirurgia, propiciando maior dano tecidual e predisposição à formação de fistulas anastomóticas. No entanto, os resultados se mostram favoráveis àqueles que não possuem mais opções terapêuticas.

Descritores: Cirurgia torácica. Esofagectomia. Neoplasias.

INTRODUÇÃO

A neoplasia maligna do esôfago continua sendo doença muito comum, ocupando o terceiro lugar entre os tumores malignos mais frequentes do trato gastrointestinal e o décimo entre os mais prevalentes do mundo1,5,19. Nos Estados Unidos nota-se tendência de aumento desta afecção na ordem de 10% ao ano, com estimativa de 13.770 óbitos anuais10,22. No Brasil é a oitava neoplasia maligna mais comum com 10.550 casos novos em 2009, além de ser o sexto tipo mais mortal18. Ademais, destaca-se sua maior incidência nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, sendo os estados de São Paulo e Rio Grande do Sul os responsáveis pela maioria dos casos9.

O atraso no diagnóstico, a perda excessiva de peso em razão da disfagia e a associação de doenças cardiopulmonares decorrentes do abuso do tabaco, tornam o portador paciente de difícil controle clínico, tendo o médico que o assiste poucas possibilidades terapêuticas4,23. Em vários centros de tratamento da neoplasia esofágica, apenas 30 a 40% dos pacientes conseguem realizar tratamento cirúrgico radical, o que torna o prognóstico bastante desfavorável10,18,23.

Devido à baixa efetividade da esofagectomia em termos curativos, novas propostas terapêuticas têm sido preconizadas nos últimos anos, como a radioterapia e quimioterapia isoladas ou em associação no pré ou pós-operatório. Outra opção é a quimiorradiação radical exclusiva 15,33.

Atualmente tem sido preconizada a quimiorradiação radical exclusiva para pacientes portadores de câncer esofágico localmente avançado, ou naqueles sem condições clínicas e nutricionais suficientes para serem submetidos ao tratamento cirúrgico. Nesses casos, a sobrevida de cinco anos varia de 10 a 30% com controle locorregional insatisfatório e taxas de recidiva local de 40 a 60%14,24.

A única maneira de tentar potencial cura nos pacientes com doença persistente ou recorrente apesar da quimiorradioterapia seria a realização da esofagectomia de resgate, que recentemente tem demonstrado taxa de sobrevida de cinco anos na ordem de 25%19,20,24. Diferentemente da esofagectomia planejada, que é parte integral da terapia multimodal do câncer de esôfago, a esofagectomia de resgate é indicada de modo seletivo após falha da quimiorradiação definitiva24,31. Na esofagectomia convencional, após a quimiorradiação neoadjuvante, o procedimento cirúrgico é sempre realizado, a menos que haja contraindicação para sua realização, como progressão da doença maligna ou maior comprometimento do estado geral do paciente15,24,33.

Do ponto de vista teórico, a operação de resgate é dotada de maior dificuldade técnica e morbimortalidade operatória, devido tanto às altas doses de radiação aplicada no leito tumoral como também ao maior intervalo de tempo entre o término do tratamento e a operação, o que determina maior grau de fibrose entre as estruturas periesofagianas5,18,19,24,31.

Tal fato, associado ao ceticismo em relação à cura do câncer de esôfago, explica a relutância de muitos cirurgiões em realizar este tipo de procedimento, fazendo com que esta modalidade terapêutica seja ainda pouco divulgada, principalmente no meio nacional.

Sendo assim, o objetivo deste estudo é avaliar os resultados da esofagectomia de resgate em pacientes com câncer de esôfago avançado submetidos previamente à quimiorradiação radical exclusiva, destacando as complicações locais e sistêmicas.

MÉTODO

No período compreendido entre janeiro de 1996 a dezembro de 2011 foram estudados 18 pacientes com câncer de esôfago avançado, os quais foram submetidos previamente à quimiorradioterapia exclusiva, por apresentarem na avaliação inicial tumor irressecável. Na reavaliação após o tratamento oncológico, sendo demonstrada a ressecabilidade tumoral, todos os pacientes foram considerados elegíveis para a operação de ressecção de resgate, que foi indicada dentro de seis a nove meses. Dezesseis pacientes (88.8%) eram do sexo masculino, com idade variável de 59 a 76 anos. Todos eram tabagistas de 20 a 40 cigarros/dia por 35 a 58 anos, bem como etilistas de duas a três doses de destilado/dia por 30 a 45 anos.

Avaliação pré-operatória

Após o tratamento com quimiorradiação radical, todos os pacientes foram submetidos à avaliação pré-operatória, tanto para confirmação diagnóstica, quanto para re-estadiamento da lesão maligna, a fim de confirmar a ressecabilidade do tumor. Esta avaliação foi realizada através de:

a) Endoscopia digestiva alta: demonstrou lesão tumoral no terço proximal do esôfago (20 a 23 cm da arcada dentária) em três pacientes, no terço médio (25 a 31 cm da arcada dentária) em nove e nos seis restantes, no terço distal do esôfago (34 a 38 cm da arcada dentária). O anatomopatológico da biópsia confirmou carcinoma epidermóide em todos os pacientes.

b) Tomografia computadorizada de tórax e abdome: demonstrou em todos os pacientes que a lesão tumoral não apresentava infiltração das estruturas do mediastino, caracterizando então sua ressecabilidade. Não foram evidenciados sinais de metástase pulmonar ou abdominal em nenhum dos pacientes.

c) Traqueobroncoscopia: não demonstrou infiltração da lesão tumoral na árvore traqueobrônquica dos pacientes.

Todos os pacientes apresentavam condição clínica e nutricional suficientes para serem submetidos ao procedimento proposto.

Técnica cirúrgica

Em todos foi realizada esofagectomia por toracotomia direita e reconstrução do trânsito digestivo por cervicolaparotomia, com a transposição gástrica pela via retroesternal e anastomose esofagogástrica cervical com sutura mecânica circular.

Avaliação pós-operatória

O foco principal foi avaliar a ocorrência de complicações locais (deiscência e estenose da anastomose) e sistêmicas (cardiovasculares, respiratórias e infecciosas). Para tanto foi realizada evolução clínica diária, bem como exames laboratoriais e de imagem quando necessário.

Quanto à deiscência da anastomose esofagogástrica cervical com consequente fístulização, o diagnóstico foi clínico, através da observação de saída de secreção salivar pela região cervical até o sétimo dia de pós-operatório. Não havendo sinais de fístula procedeu-se radiografia contrastada da região cervical para avaliar qualquer evidência de extravasamento de contraste pela sutura.

Em relação à estenose da sutura esofagogástrica, a suspeita foi levantada quando houve sintoma de disfagia, principalmente a partir do 30º dia de pós-operatório. O exame radiológico contrastado do esôfago e a endoscopia digestiva alta, quando aplicados, corroboraram o diagnóstico definitivo da estenose.

A qualidade de vida assim como as taxas de sobrevida geral foram avaliadas a partir do momento em que o paciente iniciou sua deglutição normal no pós-operatório, graduando-se a intensidade da disfagia e avaliando-se qualquer sinal de recidiva tumoral.

RESULTADOS

Na avaliação precoce, realizada até o 30º. dia de pós-operatório, cinco pacientes (27,7%) apresentaram deiscência da anastomose esofagogástrica cervical. Ocorreu entre o quarto e o sétimo dia de pós-operatório, sendo que quatro deles apresentaram boa evolução após drenagem cervical na beira do leito e dieta enteral pela jejunostomia. Consequentemente houve fechamento da fístula entre o 15º e o 21º dia de pós-operatório, quando foi iniciada a dieta por via oral, progressiva na sua consistência, e de acordo com aceitação desses pacientes. O outro paciente que apresentou deiscência desenvolveu o quadro no 2º. dia de pós-operatório e mesmo sendo realizada exploração cirúrgica, evoluiu a óbito por choque séptico. Além disso, sete pacientes (38,8%) apresentaram infecção pulmonar, sendo que cinco evoluíram bem com tratamento clinico específico, porém dois foram a óbito por sepse.

Na avaliação em médio prazo, entre o 30º e 90º dias, cinco pacientes (38,8%) apresentaram estenose da anastomose esofagogástrica cervical. Quatro eram os mesmos que apresentaram deiscência da anastomose. Foram realizadas sessões de dilatação endoscópica em todos os pacientes, com boa evolução.

A avaliação tardia realizada em 13 pacientes e com tempo de seguimento variando de um a 13 anos (média 5,6), mostrou que quatro pacientes (30,7%) evoluíram a óbito, sendo um por metástase pulmonar e hepática e três por recidiva locorregional.

No último seguimento, dois pacientes (15,3%) estavam vivos com doença locorregional e metástases pulmonares, em vigência de quimioterapia. Os outros sete vivos (53,8%) não apresentam sinais de atividade da doença e referiam estar satisfeitos com o tratamento.

DISCUSSÃO

A esofagectomia sempre foi a terapêutica de escolha para o câncer de esôfago, apesar de seus índices de cura não ultrapassarem 40%12,24,33. A baixa eficácia deste procedimento em termos curativos é explicada pela disseminação sistêmica precoce do câncer de esôfago, o que leva a maior parte dos pacientes a apresentarem metástases ocultas no momento do diagnóstico. Outro fator envolvido é a relação anatômica intrínseca do esôfago, localizado próximo às estruturas vitais presentes no mediastino, o que dificulta ressecção oncológica adequada21,22,24.

Devido à baixa efetividade da ressecção cirúrgica isolada, outras modalidades terapêuticas foram desenvolvidas e habitualmente são empregadas em combinação com a operação. Estas associações envolvem radioterapia, quimioterapia ou quimiorradioterapia, podendo ser neoadjuvante e/ou adjuvante. Por vezes existe indicação de quimiorradioterapia exclusiva, sem tratamento cirúrgico associado 12,13,14,15,30,33.

A combinação de radio com quimioterapia exclusiva é atualmente aceita como tratamento de primeira linha nos casos de lesões esofágicas localmente avançadas e sem condições de ressecabilidade, ou naqueles pacientes com contraindicação clínica ao ato operatório4,12,13,14,18,22,23,24. Isto ficou bem evidente nos pacientes deste estudo, os quais foram submetidos previamente à quimiorradiação exclusiva por terem doença avançada e comprometimento dos órgãos mediastinais.

A esofagectomia de resgate vem tendo maior divulgação pelo fato da quimiorradiação exclusiva apresentar inerente falha de até 60%, com sobrevida média de 12 a 18 meses, e 10 a 30 % em cinco anos5,13,15,23,24,30,33. No entanto, é bem conhecida a maior morbimortalidade da esofagectomia de resgate quando comparada à esofagectomia após neoadjuvância20,24,30.

Algumas séries têm demonstrado maiores lesões teciduais nos pacientes submetidos à esofagectomia de resgate, já que a dose total utilizada na quimiorradiação com intenção inicialmente definitiva é maior, em média 50 a 60 Gray, em relação aos 30 a 40 Gray para o grupo de pacientes submetidos inicialmente à neoadjuvância24,28,30.

Também é relevante o fato de que a esofagectomia convencional e planejada tem menor intervalo de tempo entre o término da quimiorradiação e a operação, geralmente não maior que 20 a 30 dias. Na esofagectomia de resgate a indicação da operação é mais tardia, geralmente dentro de alguns meses, o que propicia intensa fibrose e dificulta a dissecção do esôfago e das estruturas mediastinais, contribuindo para maior morbidade13,20,24,30,31. Neste estudo, todos os pacientes foram submetidos à operação de resgate em aproximadamente seis meses após o fim da quimiorradiação.

Em relação ao tipo de ressecção esofágica é importante lembrar que apesar do objetivo principal do ato cirúrgico ser a realização de ressecção completa, isto se torna difícil após a quimiorradiação. Assim, as séries que realizam a esofagectomia de resgate indicam, na maioria das vezes, ressecção de todo o esôfago torácico através de visualização direta por toracotomia direita, a fim de facilitar a dissecção e minimizar as complicações17,20,24,27,31. Alguns autores também têm preconizado dissecção mais conservadora, isto é, sem necessidade de esvaziamento mediastinal completo, para evitar a desvacularização das vias aéreas. Tachimori et al.28 demonstraram recentemente comparação da esofagectomia de resgate realizada em 59 pacientes contra 553 pacientes submetidos à esofagectomia sem nenhuma terapia pré-operatória. No primeiro grupo foi possível a dissecção de três campos linfonodais em 31% dos pacientes, já no segundo grupo sem terapia prévia isto ocorreu em 91%.

Por este motivo nos 18 pacientes desta série optou-se pela realização da esofagectomia por toracotomia, proporcionando ampla visão do mediastino, o que facilitou a dissecção do esôfago, mesmo com intensa fibrose pós-radioterapia. Não foi realizada dissecção mediastinal ampla em nenhum dos pacientes.

A reconstrução esofágica no mesmo tempo cirúrgico da ressecção é responsável pela maioria das complicações sépticas e pulmonares no pós-operatório. Alguns autores preconizam que ela seja feita em um segundo tempo cirúrgico, principalmente em pacientes com grave comprometimento nutricional26,31. Apesar do órgão a ser transposto na reconstrução apresentar boa perfusão no abdome, ela poderá ser comprometida pela distensão anatômica da transposição imediata5,26,31. Desta forma, a via de acesso mais favorável para reconstrução é a mediastinal anterior, que minimizaria as consequências de provável fístula anastomótica cervical, e facilitaria o diagnóstico e conduta mais conservadora, com drenagem da região cervical à beira do leito20,26,28,31,32. Assim, decidiu-se realizar a transposição gástrica pela via retroesternal em todos os pacientes, e dos cinco pacientes que apresentaram fístula, quatro evoluíram bem com o tratamento conservador.

A etiologia da deiscência da anastomose esofagogástrica é multifatorial, mas erros técnicos além de má perfusão tecidual são as causas mais importantes5,16. A vascularização do estômago transposto é realizada pelos vasos gastroepiplóicos direitos, já que as artérias gástrica esquerda, gastroepiplóica esquerda e vasos curtos são seccionados. O conduto gástrico se mantém devido ao rico plexo vascular submucoso. Muitas vezes a irradiação prévia pode obliterar alguns destes vasos submucosos, contribuindo para isquemia do órgão e deiscência anastomótica. Apesar do coto esofágico da anastomose ser melhor perfundido do que o estômago, ele também pode ser comprometido pela irradiação prévia, na dependência da extensão do campo irradiado5,18,24,31.

A morbidade relacionada à deiscência da anastomose esofagogástrica depende basicamente da localização da anastomose, da viabilidade do conduto gástrico e das condições dos tecidos perianastomóticos, os quais podem bloquear possível fístula. A situação mais favorável, presente neste estudo, é quando a deiscência se dá no pescoço e apresenta conduto gástrico viável e protegido pelos tecidos moles ao redor da anastomose.

Apesar da casuística restrita, cinco dos 18 pacientes deste estudo apresentaram deiscência da anastomose esofagogástrica, mesmo optando-se pela sutura mecânica em todos os pacientes que, por ser dupla e invertida, é mais segura e diminui a incidência de fístula2,3,6,7. Quatro desses pacientes apresentaram boa evolução clínica após drenagem e curativos diários. Recentemente alguns autores evidenciaram que a conduta conservadora pode não ter sucesso nos casos de deiscência, principalmente se a fístula for precoce e se o leito tecidual tiver sido irradiado5,21,27,28,31. Isto talvez explique a evolução fatal do outro paciente, apesar da exploração cirúrgica ter sido realizada no segundo dia de pós-operatório.

Infecções pulmonares afetaram sete dos pacientes, inclusive com evolução fatal para dois deles. Isto pode ter sido propiciado pela presença de doença pulmonar obstrutiva crônica secundária ao longo tempo de tabagismo, como tem sido publicado em diversas séries13,20,24,31. Além disso, o status nutricional deficitário característico da maioria dos pacientes com câncer de esôfago, associado à imunossupressão pela quimiorradiação, também podem predispor a esses quadros. Tachimori et al..28 tiveram a mesma conclusão após notar incidência de complicações pulmonares da ordem de 54% nos 59 pacientes submetidos à esofagectomia de resgate, em relação a 33% de complicações nos outros 553 pacientes submetidos à esofagectomia sem nenhum tratamento prévio.

Outro ponto relevante é o edema da região cervical, consequente à dissecção do esôfago, que compromete a deglutição e predispõe à aspiração de secreção para a árvore traqueobrônquica5. Ademais, a utilização de sonda nasogástrica para descompressão do estômago transposto no pós-operatório imediato, favorece a abertura dos esfíncteres superior e inferior do esôfago5,31.

Associada à infecção pulmonar, muitos desses pacientes irradiados previamente, apresentam pneumonite actínica. Acredita-se que este seja o primeiro ato danoso aos pulmões, que quando somado à liberação das citocinas inflamatórias no ato cirúrgico, aumentaria a intensidade da lesão pulmonar25. A ventilação mecânica durante a operação ou no pós-operatório imediato pode também iniciar cascata inflamatória nos pulmões, principalmente quando há necessidade de períodos prolongados de ventilação monopulmonar e com alto volume da fração de oxigênio inspirado29. A obstrução linfática decorrente da irradiação ou da excisão cirúrgica, para aqueles que preconizam o esvaziamento mediastinal, pode contribuir para a injúria pulmonar aguda11.

Apesar de não ter ocorrido em nenhum de pacientes desta série, outras complicações como a necrose e fístula de vias aéreas, lesão do nervo laríngeo recorrente, quilotórax e derrame pleural, também são descritas5,8,24. Todas estas complicações estão relacionadas à maior dose de radiação aplicada sobre o mediastino.

Em relação à sobrevida, alguns autores têm avaliado nos últimos anos, fatores que poderiam beneficiar os pacientes submetidos à esofagectomia de resgate. Tumores T1 a T3 e ressecção com margens cirúrgicas livres de tumor foram os que apresentaram a melhor sobrevida13,24,28. Swisher et al.27 demonstraram em 13 pacientes submetidos à esofagectomia de resgate após quimiorradioterapia exclusiva, sobrevida em cinco anos 25% maior quando comparada aos 99 pacientes submetidos à terapia bimodal neoadjuvante.

Apesar da casuística restrita, 53,8% destes pacientes ficaram livres da doença, com tempo de seguimento pós-operatório variando de três anos e meio a sete anos.

CONCLUSÃO

A esofagectomia de resgate é tecnicamente factível, mas apresenta morbidade não desprezível. Constitui a única possibilidade de cura para os casos de recidiva ou persistência da doença após quimiorradiação exclusiva. Desta forma, representa a melhor segunda linha de tratamento, embora necessite de maior número de pacientes e de novos estudos que avaliem os resultados de sua eficácia.

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

Recebido para publicação: 26/02/2013

Aceito para publicação: 14/05/2013

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  • Correspondência:

    José Luis Braga de Aquino
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      26 Fev 2013
    • Aceito
      14 Maio 2013
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