Acessibilidade / Reportar erro

Aspectos ultrassonográficos e anatomia da aponeurose do músculo transverso do abdome

Resumos

RACIONAL: A avaliação da parede abdominal pela ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética tem sido cada vez mais indicada para auxiliar no diagnóstico das hérnias quando o exame clínico deixa dúvidas. A correlação de estudos da anatomia da parede abdominal com o exame ultrassonográfico da aponeurose do músculo transverso do abdome pode auxiliar no diagnóstico de uma hérnia desta localização, a hérnia de Spiegel, que se apresenta como doença de diagnóstico clínico difícil. OBJETIVO: Comparar os achados ultrassonográficos da parede anterolateral do abdome, com foco na aponeurose de Spiegel, e a anatomia da parede abdominal estudada em cadáveres não fixados. MÉTODO: A avaliação da aponeurose do músculo transverso do abdome foi realizada durante exames ultrassonográficos de rotina da parede anterolateral do abdome em 90 indivíduos de ambos os gêneros, maiores de 25 anos e estes dados foram relacionados com 60 dissecções da parede abdominal realizadas em cadáveres não fixados. RESULTADOS: Os exames ultrassonográficos não evidenciaram falhas significativas na aponeurose do músculo transverso do abdome nos 90 indivíduos estudados e a largura das aponeuroses de Spiegel variou de 0,83 a 2,93 cm (média de 1,72 cm). Durante as dissecções do transverso do abdome foram encontradas alterações anatômicas em 14 de 60 músculos e aponeuroses estudadas (23,3%) e a largura da aponeurose de Spiegel variou de 1,5 a 3,5 cm (média de 2,26 cm). A comparação entre os grupos etários e gêneros avaliados pelo estudo ultrassonográfico com as dissecções efetuadas em cadáveres não apresentou significância estatística. CONCLUSÃO: Os exames ultrassonográficos não encontraram defeitos na aponeurose do músculo transverso do abdome compatíveis com hérnias, assim como as variações anatômicas e os defeitos encontrados durante as dissecções também não foram acompanhados de hérnias de Spiegel nos cadáveres estudados.

Hérnia ventral; Ultrassom; Parede abdominal; Anatomia


BACKGROUND: Ultrasound, computed tomography, and magnetic resonance imaging of abdominal wall has increasingly been used for hernia diagnosis when clinical examination is uncertain. Anatomical study of abdominal wall along with the ultrasound of transversus abdominis muscle aponeurosis can help identify a Spigelian hernia in this region, a disease of difficult diagnosis. AIM: To compare the ultrasound findings of anterolateral wall of the abdomen, focusing on Spigelian aponeurosis, to the anatomy of abdominal wall studied in cadavers. METHODS: The evaluation of the transversus abdominis aponeurosis was performed during routine ultrasound exams of the anterolateral wall of the abdomen in 90 individuals of both genders, over 25 years, and data were correlated with 60 dissections of the abdominal wall, held on cadavers. RESULTS: Ultrasound showed no significant defects in the aponeurosis of transversus abdominis muscle in the 90 subjects studied and the width of the Spigelian aponeurosis ranged from 0.83 to 2.93 cm (mean 1.72 cm). During dissections of the transversus abdominis, some defects were found in 14 out of 60 muscles and aponeurosis studied (23.3%) and the width of the Spigelian aponeurosis ranged from 1.5 to 3.5 cm (mean 2.26 cm). Comparisons between age groups and genders evaluated by ultrasound with cadaver dissections performed were not statistically significant. CONCLUSION: Sonographic examinations found no defects in the aponeurosis of transversus abdominis muscle compatible with hernias, and anatomical variations and defects found during dissections were not as well accompanied by Spigelian hernias in the studied corpse.

Ventral hernia; Ultrasonics; Abdominal wall; Anatomy


ARTIGO ORIGINAL

Aspectos ultrassonográficos e anatomia da aponeurose do músculo transverso do abdome

Rodrigo Carvalho Turatti; Vitor Mayer de Moura; Richard Halti Cabral; Dante Simionato-Netto; Marta Maite Sevillano; Pedro Luiz Squilacci Leme

Trabalho realizado na Clínica Serviço de Assistência em Ginecologia e Obstetrícia, São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Rodrigo Carvalho Turatti e-mail: roturatti@hotmail.com

RESUMO

RACIONAL: A avaliação da parede abdominal pela ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética tem sido cada vez mais indicada para auxiliar no diagnóstico das hérnias quando o exame clínico deixa dúvidas. A correlação de estudos da anatomia da parede abdominal com o exame ultrassonográfico da aponeurose do músculo transverso do abdome pode auxiliar no diagnóstico de uma hérnia desta localização, a hérnia de Spiegel, que se apresenta como doença de diagnóstico clínico difícil.

OBJETIVO: Comparar os achados ultrassonográficos da parede anterolateral do abdome, com foco na aponeurose de Spiegel, e a anatomia da parede abdominal estudada em cadáveres não fixados.

MÉTODO: A avaliação da aponeurose do músculo transverso do abdome foi realizada durante exames ultrassonográficos de rotina da parede anterolateral do abdome em 90 indivíduos de ambos os gêneros, maiores de 25 anos e estes dados foram relacionados com 60 dissecções da parede abdominal realizadas em cadáveres não fixados.

RESULTADOS: Os exames ultrassonográficos não evidenciaram falhas significativas na aponeurose do músculo transverso do abdome nos 90 indivíduos estudados e a largura das aponeuroses de Spiegel variou de 0,83 a 2,93 cm (média de 1,72 cm). Durante as dissecções do transverso do abdome foram encontradas alterações anatômicas em 14 de 60 músculos e aponeuroses estudadas (23,3%) e a largura da aponeurose de Spiegel variou de 1,5 a 3,5 cm (média de 2,26 cm). A comparação entre os grupos etários e gêneros avaliados pelo estudo ultrassonográfico com as dissecções efetuadas em cadáveres não apresentou significância estatística.

CONCLUSÃO: Os exames ultrassonográficos não encontraram defeitos na aponeurose do músculo transverso do abdome compatíveis com hérnias, assim como as variações anatômicas e os defeitos encontrados durante as dissecções também não foram acompanhados de hérnias de Spiegel nos cadáveres estudados.

Descritores: Hérnia ventral. Ultrassom. Parede abdominal. Anatomia.

INTRODUÇÃO

O estudo da aponeurose do músculo transverso do abdome tem importância clínica, uma vez que ocorrendo falha na disposição das fibras desta aponeurose, pode se desenvolver um tipo pouco frequente de hérnia, de difícil diagnóstico clínico, denominada hérnia de Spiegel, que seria representada pela protrusão de um saco peritoneal ou gordura pré-peritoneal por um defeito desta aponeurose, entre a linha semilunar e a borda lateral do músculo reto abdominal13. Com o uso da ultrassonografia, tomografia computadorizada8,27 e ressonância magnética24, o diagnóstico desta doença aumentou nos últimos anos.

A ultrassonografia passou a ser utilizada na avaliação da hérnia de Spiegel a partir dos estudos pioneiros de Leif Spangen em 197625. Trata-se de um método rápido, não invasivo, que fornece imagens de boa qualidade e evidencia adequadamente as estruturas da parede abdominal, mesmo em obesos, podendo ser realizado facilmente inclusive em situações de urgência4. Este exame também tem sido amplamente utilizado no estudo das outras hérnias e para a diferenciação de massas palpáveis, quando existe dúvida no exame clínico, se são originadas na cavidade ou na parede abdominal7. A melhora da qualidade das imagens com o uso de transdutores de alta frequência, a possibilidade da avaliação dinâmica da parede abdominal em posição supina, com o auxílio da manobra de Valsalva e o estudo detalhado dos planos musculares, permite que este exame seja cada vez mais indicado24.

A tomografia computadorizada evidencia claramente os planos da parede abdominal, sendo opção quando persiste dúvida; também, permite a avaliação com aumento da pressão intra-abdominal induzido pela manobra de Valsalva. A peritoniografia com contraste foi descrita para complementar a avaliação quando a suspeita clínica de hérnia é significativa e o exame clínico não é conclusivo6,24.

A ressonância magnética começou a ser utilizada, sendo considerada precisa, mas todos os métodos de diagnóstico por imagem estão sujeitos aos artefatos que podem interferir na qualidade do exame20,29, sendo útil principalmente em obesos9.

Os três músculos da parede anterolateral do abdome (oblíquo externo, oblíquo interno e transverso do abdome), tornam-se aponeuróticos medialmente e formam a bainha do músculo reto abdominal. Acima da linha arqueada a aponeurose do oblíquo interno se divide, fundindo-se anteriormente com a aponeurose do oblíquo externo e posteriormente com a aponeurose do músculo transverso do abdome, formando esta bainha. Abaixo da linha arqueada, esta divisão da aponeurose do oblíquo interno está ausente e as aponeuroses dos três músculos passam anteriormente ao reto abdominal. O músculo transverso do abdome é o mais profundo, sua porção lateral é muscular e a medial aponeurótica, sendo que o limite de separação entre estas porções descreve uma linha curva, de convexidade externa, da reborda costal ao púbis, a linha semilunar (Linea Semilunaris) ou linha de Spiegel. A porção aponeurótica do transverso abdominal entre a linha semilunar e a borda lateral da bainha do reto abdominal é denominada aponeurose de Spiegel12,26,27.

O objetivo deste artigo foi comparar os resultados de exames ultrassonográficos da aponeurose do músculo transverso do abdome com a anatomia da parede abdominal estudada em cadáveres não fixados (Figura 1).


MÉTODOS

Para o estudo ultrassonográfico foram avaliados 90 indivíduos, 45 do gênero feminino e 45 do masculino. Cada um destes grupos maiores foi dividido pela faixa etária em grupos de 15 indivíduos de cada gênero, sendo dois grupos com idade entre 25 e 44 anos, dois com idade entre 45 e 64 anos e mais dois grupos com maiores de 65 anos.

O estudo dinâmico da parede abdominal foi realizado com aparelho de ultrassom Toshiba Nemio®, sendo utilizado transdutor linear de 7,5 MHz e todos os exames foram realizados pelo mesmo observador. A avaliação teve como foco o músculo transverso do abdome e sua aponeurose, acima (Figura 2) e abaixo da linha arqueada (Figura 3), durante exames de rotina da parede anterolateral do abdome, em indivíduos que aceitaram sua realização, concordando com termo de consentimento livre e informado previamente estabelecido. A escolha da aponeurose a ser avaliada e medida, se direita ou esquerda, foi aleatória, mas as medidas sempre foram realizadas acima da linha arqueada (Figura 2).



Os valores obtidos foram relacionados com dados de anatomia da parede anterolateral do abdome de cadáveres estudados por Leme em 199612, que dissecou 31 cadáveres não fixados, com idade média de 65 anos, tendo sido realizada nos dois primeiros cadáveres a dissecção unilateral e nos 29 restantes o estudo bilateral da parede abdominal, completando 60 dissecções (Figura 1).

Foram comparadas as medidas da aponeurose entre cada um dos grupos divididos pelo gênero e pela faixa etária com as medidas obtidas durante as dissecções dos cadáveres, estes resultados foram submetidos à análise estatística pelo teste t de Student.

RESULTADOS

Não foram evidenciadas falhas compatíveis com hérnias durante os exames ultrassonográficos da aponeurose do músculo transverso do abdome nos 90 indivíduos estudados e a largura das aponeuroses de Spiegel variou de 0,83 a 2,93 cm, medindo em média de 1,72 cm.

A largura média em centímetros da aponeurose do músculo transverso abdominal obtida com o exame ultrassonográfico foi semelhante entre os 45 indivíduos de cada gênero, tendo sido 12,5 % maior nos homens. A maior diferença ocorreu no grupo de homens entre 25 e 44 anos, que apresentou medida em média 42,5% maior em relação às mulheres da mesma faixa etária. A largura da aponeurose deste grupo etário foi 25,2 % maior que a média dos outros grupos etários do gênero masculino e 34,5 % maior que a média dos grupos etários femininos. Quando as medidas individuais de cada grupo foram comparadas houve significância estatística (p<0,05) apenas quando foram comparados os grupos de homens entre 25 e 44 anos com os maiores de 65 anos (p=0,01) e quando foram comparados os grupos de mulheres entre 25 e 44 anos com as mulheres entre 45 e 64 anos (p=0,04).

Durante as 60 dissecções do músculo transverso do abdome foram encontrados, além da disposição não usual das fibras musculares, vários defeitos fusiformes em sua aponeurose (14 dissecções - 23,3%), porém não foi evidenciada nenhuma hérnia de Spiegel nos cadáveres dissecados. A linha semilunar foi estudada em todas as dissecções e a aponeurose foi medida, sendo encontrados valores entre 1,5 e 3,5 cm, com média de 2,26 cm (Tabela 1).

A comparação das medidas das aponeuroses entre os grupos etários e gêneros avaliados pelo estudo ultrassonográfico com as medidas encontradas durante as dissecções efetuadas em cadáveres não apresentaram significância estatística (p>0,05).

DISCUSSÃO

A ultrassonografia da parede abdominal é método adequado para o estudo da aponeurose do músculo transverso do abdome e as imagens, geralmente realizadas bilateralmente, são analisadas comparando as aponeuroses direita e esquerda do mesmo indivíduo. Spangen27 considera a acurácia do ultrassom e da tomografia muito semelhantes para se evidenciar as hérnias de Spiegel.

Existe diferença de ecogenicidade entre a pele, mais ecogênica, e o tecido subcutâneo, que tem espessura variável, mas a camada gordurosa apresenta-se hipoecóica ao ultrassom. As camadas musculares podem ser reconhecidas por suas características lamelares típicas. Habitualmente os exames são realizados com transdutores lineares de alta frequência, variando entre 5 e 12 MHz. O exame pode ser iniciado com imagens panorâmicas para se evidenciar as estruturas da parede abdominal, não há necessidade de preparo específico e mesmo quando a pele está lesada o transdutor pode ser coberto com um protetor estéril ou mesmo uma luva, permitindo o exame adequado7.

Jamadar et al.11 não descreveram dificuldades na avaliação da borda lateral da bainha do músculo reto abdominal procurando as hérnias de Spiegel. Ao avaliar a região inguinal consideraram que as estruturas desta região são superficiais e um transdutor linear de 10 MHz já seria efetivo, embora em indivíduos com maior massa muscular possa ser necessário transdutor de 7 MHz. Em obesos, a individualização das estruturas anatômicas pode ser mais difícil, principalmente quando se estuda a região inguinal, mas esta afirmação é discutida por Spangen27, que avaliando a aponeurose do transverso abdominal, considerou que o tecido gorduroso não afeta a penetração ou a reflexão do ultrassom. A manobra de Valsalva é importante, podendo identificar as hérnias menores e sem conteúdo no saco herniário. Quando padronizou-se este estudo, optou-se por realizar todos os exames com o mesmo transdutor de 7,5 MHz e a obesidade não foi limitante para a obtenção de imagens adequadas.

A hérnia de Spiegel é pouco frequente, mas a discussão clássica persiste sobre ser hérnia pouco reconhecida e não propriamente rara18,19, sendo pouco relatada na literatura nacional14. A maioria de suas manifestações é relacionada com queixas de dor ou ao encarceramento do intestino. Na última década houve aumento significativo na indicação da tomografia computadorizada em situações de urgência, sendo considerada atualmente a melhor opção para o diagnóstico das emergências abdominais relacionadas às hérnias4,8,16.

Mesmo com a tomografia é possível realizar imagens durante a realização da manobra de Valsalva para aumentar a pressão intra-abdominal. Este estudo pode ser complementado com a injeção de contraste na cavidade peritoneal (peritoniografia), método mais invasivo para detectar hérnias de difícil localização, que não é difundido em nosso meio, mas deve ser citado6,24. Um cuidado importante na interpretação deste exame deve ser tomado na avaliação de áreas de adelgaçamento da parede abdominal, que não representam hérnias. A tomografia é útil quando o panículo adiposo é muito espesso e dificulta o exame clínico apurado6.

A ressonância magnética também tem sido utilizada, sendo considerada exame preciso, mas os métodos de diagnóstico por imagem, estão sujeitos aos artefatos que podem interferir na interpretação dos exames20. Mesmo os movimentos do abdome com a respiração e a gordura da parede abdominal podem produzir artefatos significativos nas imagens da ressonância, prejudicando sua avaliação29. Como os outros exames citados, depende da interpretação do radiologista e seu emprego no estudo das hérnias começou a ser difundido em nosso meio recentemente, sendo indicada como opção adequada e precisa quando há dúvida diagnóstica.

A parede anterolateral do abdome possui uma estrutura laminar. O músculo oblíquo externo é o maior e mais forte da parede lateral do abdome, com uma porção muscular lateral e aponeurótica medial. Reflexão de sua borda inferior forma o ligamento inguinal entre a espinha ilíaca anterior e superior e o tubérculo púbico. Medialmente contribui para a formação da linha alba e sua porção aponeurótica, na região inguinal, forma o anel inguinal superficial, os ligamentos inguinal, inguinal reflexo e lacunar2,10.

O músculo oblíquo interno é menor e mais delgado que o oblíquo externo, sendo aderido a reborda costal, décima segunda costela e apêndice xifóide. Medialmente se dirige para a bainha do reto e inferiormente para o púbis, crista ilíaca e espinha ilíaca anterior superior. Seus fascículos anteriores se fundem com o transverso abdominal e seus fascículos médios terminam na aponeurose anterior do oblíquo externo.

O músculo transverso do abdome é profundo em relação às seis últimas cartilagens costais e se interdigita com as fibras do diafragma; se vistos do interior do abdome parecem um só músculo21. Suas fibras inferiores são paralelas ao oblíquo interno e sua aponeurose contribui para a bainha do reto abdominal, recobrindo-o posteriormente até o limite determinado pela linha arqueada17. Existem controvérsias a respeito da disposição anatômica dos músculos da parede anterolateral formando a bainha do músculo reto abdominal e são descritas variações anatômicas em todos os músculos da parede abdominal anterior; os diferentes arranjos da musculatura abdominal podem ser considerados apenas variações da disposição habitual dos grupos de fibras destes músculos.

Embora exista mais de uma definição para a linha semilunar e se considere que a fusão dos folhetos musculares e aponeuróticos no local se faz de forma pouco precisa, tornando-a pouco definida12, foi seguida a definição que a descreve como a linha que marca a transição entre músculo e aponeurose do transverso abdominal, uma linha curva de convexidade externa, formando um arco da reborda costal ao púbis25,26,27. A porção de aponeurose do transverso abdominal que fica entre a linha semilunar e a borda lateral da bainha do reto abdominal é chamada de aponeurose de Spiegel26. Esta aponeurose pode ser recoberta pela porção muscular ou aponeurótica do oblíquo interno. Spangen25 valoriza uma faixa de seis centímetros acima da linha imaginária que une as espinhas ilíacas anteriores superiores, chamada de "cinturão" das hérnias de Spiegel, onde esta aponeurose e a aponeurose do oblíquo interno são mais largas; neste local aparecem a maioria destas hérnias. No estudo em cadáver utilizado nesta publicação a largura da aponeurose de Spiegel, a disposição do oblíquo interno e transverso abdominal em forma de faixas musculares formadas por feixes de fibras e o tecido adiposo sobre a aponeurose de Spiegel, embora presentes, não se acompanharam de hérnias na região. Askar3, dissecando o transverso abdominal em 40 cadáveres, notou que seus feixes musculares não são realmente transversos. Este mesmo autor, estudando a decussação das fibras aponeuróticas dos músculos abdominais na linha alba, encontrou decussação simples das fibras do transverso abdominal em 30% e tripla em 70% de suas dissecções.

Anson et al.2 encontraram defeitos fusiformes do transverso abdominal em 13 de 100 dissecções. Embora existam várias, a maior variação anatômica deste músculo se deveu às inserções da borda inferior de sua aponeurose, que pode ser encontrada desde uma posição alta na bainha do reto abdominal até na borda medial do anel femoral. Estes defeitos fusiformes foram encontrados nas dissecções que aqui foram realizadas, mas o músculo se mostrou bastante resistente e seus defeitos foram pequenos e pouco significativos. Na região da aponeurose de Spiegel, as fibras musculares do oblíquo interno e transverso abdominal se mostraram paralelas. Foram encontradas faixas musculares justapostas no oblíquo interno e principalmente no transverso abdominal, com escasso tecido adiposo entre os fascículos musculares, caracterizando áreas significativas de enfraquecimento da musculatura entre estas faixas, assim como defeitos em forma de fendas na aponeurose do transverso abdominal. As variações anatômicas e os defeitos encontrados, durante as dissecções do transverso abdominal e oblíquo interno, não se acompanharam de hérnias de Spiegel nos cadáveres avaliados, mas a gordura pré-peritoneal, dissecando as fibras da aponeurose de Spiegel e o oblíquo interno, foi encontrada tanto em operações quanto nas dissecções, podendo representar relação entre os defeitos musculares e aponeuróticos da parede anterolateral do abdome e a hérnia de Spiegel13.

Leme12 realizou o estudo de cadáveres não fixados pela formalina, dissecando material semelhante em cor e textura aos tecidos vivos, revisou a anatomia cirúrgica, as eventuais alterações anatômicas da parede anterolateral do abdome e as hérnias de Spiegel. Estes estudos foram úteis para comparação com os achados dos exames ultrassonográficos avaliados nesta publicação. A média da idade dos cadáveres dissecados foi de 65 anos, faixa etária onde as hérnias de Spiegel ocorrem com maior frequência.

A hérnia de Spiegel é difícil de ser diagnosticada e algumas vezes os exames de imagem como o ultrassom, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética podem ser necessários. A ultrassonografia é muito útil por ser simples e permite a avaliação dinâmica da parede abdominal, tanto com o doente em pé quanto durante a realização de manobras que produzem aumento da pressão intra-abdominal, podendo ser indicada como primeira opção quando houver dúvida diagnóstica24. Com o uso cada vez mais frequente das imagens com cortes transversais, permitindo a avaliação precisa de detalhes anatômicos, as possibilidades de se realizar o diagnóstico em casos difíceis aumentou, mas sua indicação precisa ainda deve ser corretamente determinada28, uma vez que grande parte da literatura disponível para consulta se baseia em relatos de casos clínicos4,5,15,22,23,30, mas já aparecem estudos mostrando a superioridade de método mais específico como a ressonância magnética1.

CONCLUSÃO

Os exames ultrassonográficos realizados não evidenciaram defeitos na aponeurose do músculo transverso do abdome compatíveis com hérnias, assim como as variações anatômicas e os defeitos encontrados durante as dissecções também não se acompanharam de hérnias de Spiegel no cadáver.

AGRADECIMENTO

Ao Dr. Oswaldo Turatti Filho, que com extrema competência e dedicação realizou o estudo ultrassonográfico empregado neste artigo.

REFERÊNCIAS

1 Aguirre DA, Casola G, Sirlinhttp://www.ajronline.org/content/183/3/681.long - aff-1 C. Abdominal Wall Hernias: MDCT Findings. Am J Rad 2004; 183: 3.681-90

2. Anson BJ, Morgan EH, McVay CB. Surgical anatomy of the inguinal region based upon a study of 500 body - halves. Surg Gynecol Obstet 1960; 111: 707-25

3. Askar OM. Surgical anatomy of the aponeurotic expansions of the anterior abdominal wall. Ann R Coll Surg Engl 1977; 59: 313-21.

4. Chung KL, Kam CW. Left lower quadrant abdominal mass: a case of Spigelian hernia diagnosed by emergency ultrasound. Hong Kong J Emerg Med 2006; 13: 90-3

5. Demetriou GA, Nair MS, Al-Abed Y, Alobaid N, Safar-Aly H, Athow A. Appendicular abscess with appendicolith in a Spigelian hernia masquerading caecal volvulus - A case report. Int J Surg Case Rep 2012; 3: 481-2

6. Emby DJ, Aoun G. CT technique for suspected anterior abdominal wall hernia. Am J Rad 2003; 181: 431-3

7. Gokhale S. Sonography in identification of abdominal wall lesions presenting as palpable masses. J Ultrasound Med 2006; 25: 1199-1209

8. Goodman P, Raval B. CT of the Abdominal Wall. Am J Rad 1990; 154: 1207-11

9. Graf JL, Caty MG, Martin DJ, Glick PL. Pediatric hernias. Semin Ultrasound CT MR 2002; 23: 197-200

10. Halverson K, McVay CB. Inguinal e femoral hernioplasty. Arch Surg 1970; 101: 127-35

11. Jamadar DA, Jacobson JA, Morag Y, Girish G, Ebrahim F, Gest T et al. Sonography of Inguinal Region Hernias. Am J Rad 2006; 187: 185-90

12. Leme PLS. Hérnia de Spiegel – Cirurgia e Anatomia: estudo de treze doentes e trinta e um cadáveres. Dissertação (Mestrado em Cirurgia Geral). São Paulo. Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, 1996, 117 p.

13. Leme PLS, Carvalho DLM, Botter M, Höhne OMP, Salinas JA, Viana AT. Estudo anatômico da parede anterior do abdome em cadáver e hérnia de Spiegel. Rev Col Bras Cir 2001; 28: 414-20

14. Leme PLS, Soler WV, Terzian HG, Höhne OMP. Hérnia de Spiegel: relato de quatro casos. Rev Col Bras Cir 1990; 17: 114-8

15. Levy G, Nagar H, Blachar A, Ben-Sira L, Kessler A. Pre-operative sonographic diagnosis of incarcerated neonatal Spigelian hernia containing the testis. Pediatr Radiol 2003; 33: 407-9

16. Martin M, Paquette B, Badet N, Sheppard F, Aubry S, Delabrousse E. Spigelian hernia: CT findings and clinical relevance. Abdom Imag 2012; 3: published online 10.1007/s00261-012-9889-z

17. McVay CB. Abdominal wall. In: Anson & McVay Surgical anatomy. 6 ed. Philadelphia, Saunders, 1984, pp. 484-584

18. Mittal T, Kumar V, Khullar R, Sharma A, Soni V, Baijal M, at al. Diagnosis and management of Spigelian hernia: A review of literature and our experience. J Minim Access Surg 2008; 4: 95-8

19. Olson RO, Davis WC. Spigelian hernia: rare or obscure? Am J Surg 1968; 116: 842-6

20. Palácio GAS, Francisco VV, Abbehusen CL, Tiferes DA, D'Ippolito G, Szejnfelds J. Artefatos em ressonância magnética do abdome: ensaio iconográfico. Radiol Bras 2002; 35: 371-6

21. Rives JD. Anatomy of the attachments of the diaphragm: their relation to the problems of the surgery of diaphragmatic hernia. Ann Surg 1942; 115: 745-55

22. Salemis NS, Kontoravdis N, Gourgiotis S, Panagiotopoulos N, Gakis C, Dimitrakopoulos D. Colonic obstruction secondary to incarcerated Spigelian hernia in a severely obese patient. Int J Surg Case Rep 2010; 1: 27-9

23. Satorras-Fioretti AM, Vázquez-Cancelo J, Pigni-Benzo L, Salem AM, Ramos-Ardá A. Hernias de pared abdominal de localización poco frecuente. Cir Esp 2006; 79: 180-3

24. Sen G, Lochan R, Joypaul BV. Herniography (Peritoneography) for diagnosis of Spigelian hernia. Scottish Med J 2005; 50: 124-5

25. Spangen L. Spigelian hernia. Acta Chir Scand 1976; (suppl.) 462

26. Spangen L. Spigelian hernia. World J Surg 1989; 13: 573-80

27. Spangen L. Spigelian hernia. In: Nyhus LM, Condon RE. Hernia. 4 ed. Philadelphia, Lippincott, 1995, pp. 381-92

28. Toms AP, Dixon AK, Murphy JM, Jamieson NV. Illustrated review of new imaging techniques in the diagnosis of abdominal wall hernias. Br J Surg 1999; 86: 1243-9

29. Wood ML, Runge VM, Henkelman RM. Overcoming motion in abdominal MR imaging. Am J Rad 1988; 150: 513-22

30. Zeina AR, Mahamid A, Sakran N, Troitsa A. Computed Tomographic diagnosis of incarcerated Meckel's diverticulum in a patient with bilateral Spigelian hernia. J Gastrointest Surg 2012; 16: 447-9

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

Recebido para publicação: 01/02/2013

Aceito para publicação: 28/04/2013

  • 2. Anson BJ, Morgan EH, McVay CB. Surgical anatomy of the inguinal region based upon a study of 500 body - halves. Surg Gynecol Obstet 1960; 111: 707-25
  • 3. Askar OM. Surgical anatomy of the aponeurotic expansions of the anterior abdominal wall. Ann R Coll Surg Engl 1977; 59: 313-21.
  • 4. Chung KL, Kam CW. Left lower quadrant abdominal mass: a case of Spigelian hernia diagnosed by emergency ultrasound. Hong Kong J Emerg Med 2006; 13: 90-3
  • 5. Demetriou GA, Nair MS, Al-Abed Y, Alobaid N, Safar-Aly H, Athow A. Appendicular abscess with appendicolith in a Spigelian hernia masquerading caecal volvulus - A case report. Int J Surg Case Rep 2012; 3: 481-2
  • 6. Emby DJ, Aoun G. CT technique for suspected anterior abdominal wall hernia. Am J Rad 2003; 181: 431-3
  • 7. Gokhale S. Sonography in identification of abdominal wall lesions presenting as palpable masses. J Ultrasound Med 2006; 25: 1199-1209
  • 8. Goodman P, Raval B. CT of the Abdominal Wall. Am J Rad 1990; 154: 1207-11
  • 9. Graf JL, Caty MG, Martin DJ, Glick PL. Pediatric hernias. Semin Ultrasound CT MR 2002; 23: 197-200
  • 10. Halverson K, McVay CB. Inguinal e femoral hernioplasty. Arch Surg 1970; 101: 127-35
  • 11. Jamadar DA, Jacobson JA, Morag Y, Girish G, Ebrahim F, Gest T et al. Sonography of Inguinal Region Hernias. Am J Rad 2006; 187: 185-90
  • 13. Leme PLS, Carvalho DLM, Botter M, Höhne OMP, Salinas JA, Viana AT. Estudo anatômico da parede anterior do abdome em cadáver e hérnia de Spiegel. Rev Col Bras Cir 2001; 28: 414-20
  • 14. Leme PLS, Soler WV, Terzian HG, Höhne OMP. Hérnia de Spiegel: relato de quatro casos. Rev Col Bras Cir 1990; 17: 114-8
  • 15. Levy G, Nagar H, Blachar A, Ben-Sira L, Kessler A. Pre-operative sonographic diagnosis of incarcerated neonatal Spigelian hernia containing the testis. Pediatr Radiol 2003; 33: 407-9
  • 16. Martin M, Paquette B, Badet N, Sheppard F, Aubry S, Delabrousse E. Spigelian hernia: CT findings and clinical relevance. Abdom Imag 2012; 3: published online 10.1007/s00261-012-9889-z
  • 17. McVay CB. Abdominal wall. In: Anson & McVay Surgical anatomy. 6 ed. Philadelphia, Saunders, 1984, pp. 484-584
  • 18. Mittal T, Kumar V, Khullar R, Sharma A, Soni V,  Baijal M, at al. Diagnosis and management of Spigelian hernia: A review of literature and our experience. J Minim Access Surg 2008; 4: 95-8
  • 19. Olson RO, Davis WC. Spigelian hernia: rare or obscure? Am J Surg 1968; 116: 842-6
  • 20. Palácio GAS, Francisco VV, Abbehusen CL, Tiferes DA, D'Ippolito G, Szejnfelds J. Artefatos em ressonância magnética do abdome: ensaio iconográfico. Radiol Bras 2002; 35: 371-6
  • 21. Rives JD. Anatomy of the attachments of the diaphragm: their relation to the problems of the surgery of diaphragmatic hernia. Ann Surg 1942; 115: 745-55
  • 22. Salemis NS,  Kontoravdis N,  Gourgiotis S,  Panagiotopoulos N,  Gakis C, Dimitrakopoulos D. Colonic obstruction secondary to incarcerated Spigelian hernia in a severely obese patient. Int J Surg Case Rep 2010; 1: 27-9
  • 23. Satorras-Fioretti AM, Vázquez-Cancelo J, Pigni-Benzo L, Salem AM, Ramos-Ardá A. Hernias de pared abdominal de localización poco frecuente. Cir Esp 2006; 79: 180-3
  • 24. Sen G, Lochan R, Joypaul BV. Herniography (Peritoneography) for diagnosis of Spigelian hernia. Scottish Med J 2005; 50: 124-5
  • 25. Spangen L. Spigelian hernia. Acta Chir Scand 1976; (suppl.) 462
  • 26. Spangen L. Spigelian hernia. World J Surg 1989; 13: 573-80
  • 27. Spangen L. Spigelian hernia. In: Nyhus LM, Condon RE. Hernia. 4 ed. Philadelphia, Lippincott, 1995, pp. 381-92
  • 28. Toms AP, Dixon AK, Murphy JM, Jamieson NV. Illustrated review of new imaging techniques in the diagnosis of abdominal wall hernias. Br J Surg 1999; 86: 1243-9
  • 29. Wood ML, Runge VM, Henkelman RM. Overcoming motion in abdominal MR imaging. Am J Rad 1988; 150: 513-22
  • 30. Zeina AR, Mahamid A, Sakran N, Troitsa A. Computed Tomographic diagnosis of incarcerated Meckel's diverticulum in a patient with bilateral Spigelian hernia. J Gastrointest Surg 2012; 16: 447-9
  • Correspondência:

    Rodrigo Carvalho Turatti
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      01 Fev 2013
    • Aceito
      28 Abr 2013
    Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 278 - 6° - Salas 10 e 11, 01318-901 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (11) 3288-8174/3289-0741 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revistaabcd@gmail.com