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Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE): fatores que interferem na adesão

Resumos

RACIONAL: O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aborda informações que precisam estar descritas de forma clara e de fácil compreensão, destacando riscos, possíveis benefícios e procedimentos. Atualmente discute-se a possibilidade de sujeitos de pesquisa não entenderem totalmente o texto do TCLE nem seus direitos como participantes, mesmo tendo assinado o TCLE e aderido à pesquisa. OBJETIVOS: Avaliar a legibilidade dos TCLE, bem como correlacionar a aceitação do sujeito da pesquisa com estado demográfico, fatores sociais, relação risco-benefício e nível de instrução. MÉTODOS: Análise dos dados de 793 pacientes, que foram convidados a participar de diferentes protocolos de pesquisa clínica em hospitais privados e públicos. Foram revistos os dados dos prontuários médicos para obtenção dos dados demográficos e sociais. Foram usados os Índices de Legibilidade Flesch Reading Ease e Flesch-Kincaid para avaliar o nível de legibilidade dos textos dos TCLE. RESULTADOS: A adesão dos sujeitos de pesquisa aos protocolos propostos não teve influência dos fatores demográficos e sociais, no entanto, verificou-se maior adesão entre os pacientes de instituição de tratamento público (99,7%) em comparação com instituição de tratamento privada (93,7%). A adesão foi maior entre os pacientes que participaram de protocolos com menor risco (99,73%) em comparação com os que participaram de protocolos com maior risco (81,3%). Apesar da adesão não ter tido influência do nível de escolaridade, ele foi menor ou igual a oito anos de estudo para 462 pacientes (58,26%), entre os quais 444 (96,1%) eram de instituição de tratamento público. Os índices de legibilidade obtidos variaram de 9.9 a12 para o teste de Flesch-Kincaid e 33,1 a 51,3 para o teste de Flesch Reading Ease. CONCLUSÕES: Os TCLE apresentaram altos graus de dificuldade para leitura. Apesar da aceitação pelo paciente não estar relacionada com fatores sociais ou demográficos, foi influenciado pela relação risco-benefício.

Consentimento informado; Estudos clínicos; Sujeitos de pesquisa


BACKGROUND: The written informed consent form (WICF) provides information that must be written in simple, easily understood language, highlighting voluntary participation safeguards, risks, possible benefits, and procedures. Currently, the possibility that research subjects do not fully understand the text of the WICF or their rights as participants, despite having signed the WICF and agreed to participate in the study, has been a point of discussion. AIM: To evaluate the readability of the WICFs, as well as to correlate research subject acceptance of the WICF with demographic status, social factors, risk-benefit relationship, and education level. METHODS: The study involved 793 patients treated in public or private hospitals and asked to give informed consent for their inclusion. Were reviewed patient medical charts in order to obtain demographic and social data, and was used the Flesch Reading Ease and the Flesch-Kincaid Readability Indices to evaluate the reading level of the WICF texts. RESULTS: Acceptance was higher (99.7%) among patients treated in public health care facilities and among patients (99.73%) who participated in protocols involving lower risk. Although acceptance was not influenced by education level, 462 patients (58.26%) had eight or less years of schooling. The obtained readability index ranged from 9.9 to 12 on the Flesch-Kincaid test, and from 33.1 to 51.3 on the Flesch Reading Ease test. CONCLUSION: The WICFs had high degree of reading difficulty. Although patient acceptance was not found to be related to demographic or social factors, it was found to be influenced by the risk-benefit relationship.

Informed consent; Clinical trial; Research subjects


ARTIGO ORIGINAL

Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE): fatores que interferem na adesão

Miriam Karine SouzaI, Carlos Eduardo JacobI, Joaquim Gama-RodriguesII, Bruno ZilbersteinI, Ivan CecconelloI, Angelita Habr-GamaII

ITrabalho realizado noDepartmento de Gastroenterologia, Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina

IIInstituto Angelita & Joaquim Gama, São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Carlos Eduardo Jacob E-mail: cejacob@uol.com.br

RESUMO

RACIONAL: O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aborda informações que precisam estar descritas de forma clara e de fácil compreensão, destacando riscos, possíveis benefícios e procedimentos. Atualmente discute-se a possibilidade de sujeitos de pesquisa não entenderem totalmente o texto do TCLE nem seus direitos como participantes, mesmo tendo assinado o TCLE e aderido à pesquisa.

OBJETIVOS: Avaliar a legibilidade dos TCLE, bem como correlacionar a aceitação do sujeito da pesquisa com estado demográfico, fatores sociais, relação risco-benefício e nível de instrução.

MÉTODOS: Análise dos dados de 793 pacientes, que foram convidados a participar de diferentes protocolos de pesquisa clínica em hospitais privados e públicos. Foram revistos os dados dos prontuários médicos para obtenção dos dados demográficos e sociais. Foram usados os Índices de Legibilidade Flesch Reading Ease e Flesch-Kincaid para avaliar o nível de legibilidade dos textos dos TCLE.

RESULTADOS: A adesão dos sujeitos de pesquisa aos protocolos propostos não teve influência dos fatores demográficos e sociais, no entanto, verificou-se maior adesão entre os pacientes de instituição de tratamento público (99,7%) em comparação com instituição de tratamento privada (93,7%). A adesão foi maior entre os pacientes que participaram de protocolos com menor risco (99,73%) em comparação com os que participaram de protocolos com maior risco (81,3%). Apesar da adesão não ter tido influência do nível de escolaridade, ele foi menor ou igual a oito anos de estudo para 462 pacientes (58,26%), entre os quais 444 (96,1%) eram de instituição de tratamento público. Os índices de legibilidade obtidos variaram de 9.9 a12 para o teste de Flesch-Kincaid e 33,1 a 51,3 para o teste de Flesch Reading Ease.

CONCLUSÕES: Os TCLE apresentaram altos graus de dificuldade para leitura. Apesar da aceitação pelo paciente não estar relacionada com fatores sociais ou demográficos, foi influenciado pela relação risco-benefício.

Descritores: Consentimento informado. Estudos clínicos. Sujeitos de pesquisa..

INTRODUÇÃO

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) é documento de caráter explicativo, onde são abordadas todas as questões relativas ao estudo clínico que possam estar relacionadas à decisão do sujeito da pesquisa e, assim, garantir sua participação voluntária. A participação voluntária em estudos humanos é baseada no direito de ser informado de todos os aspectos do estudo, bem como ter respostas para questões em linguagem clara e de fácil entendimento.

Para garantir sua participação voluntária, o sujeito de pesquisa não deverá ser pressionado ou coagido. Através do TCLE e de sua assinatura, o sujeito de pesquisa reconhece que ele entende e aceita todos os aspectos do estudo, incluindo os riscos e possíveis benefícios envolvidos. Ele prioriza a garantia da autonomia através da ausência de coerção, do respeito através de uma explicação simples, clara e honesta e da possibilidade de recusa ou desistência do paciente, que poderá ocorrer em qualquer fase do estudo clínico.

A aplicação de TCLE adequada proporciona tratamento ético na relação pesquisador-sujeito da pesquisa e estimula o respeito aos direitos humanos, disto resultando seu crescente uso nos últimos anos.

De acordo com dados da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde do Brasil, houve aumento no número de projetos recebidos no país, nos últimos anos. A falta de adequação do TCLE se mostrou expressiva entre os projetos não-aprovados ou aprovados com recomendação.

Apesar do seu uso crescente, dados do "Food and Drug Administration" (FDA, Estados Unidos) mostram grande inadequação do TCLE, fazendo com que essa seja a maior causa de suspensão de estudos clínicos pelos conselhos de ética nos últimos dois anos naquele país. De acordo com esses dados, os problemas encontrados incluem textos com linguagem de difícil compreensão, lista incompleta dos riscos a que o sujeito de pesquisa poderá ser exposto durante o estudo e falha na inserção do nome da pessoa para contato de emergência.

Diante da observação do incremento no uso do TCLE na literatura médica, tornou-se oportuno avaliar diferentes aspectos referentes ao seu emprego. É de interesse averiguar a adesão dos pacientes ao TCLE e, principalmente, a compreensibilidade do documento, assim como a correlação entre o entendimento dele, relação envolvida risco/benefício e fatores demográficos, sociais e culturais.

Este estudo tem como objetivos: 1) avaliar grau de facilidade de leitura dos TCLE; 2) correlacionar a adesão ao TCLE do sujeito de pesquisa com fatores demográficos ( raça, gênero e idade), sociais (local de nascimento, morada atual e tipo de instituição de assistência médica), relação risco/benefício e nível de escolaridade; 3) avaliar, a posteriori, a postura crítica do sujeito de pesquisa, quanto à adesão ao TCLE na época de sua assinatura ou discordância.

MÉTODOS

Foram avaliadas, retrospectivamente, as informações contidas nos protocolos de pesquisa científica de 793 indivíduos convidados a participar de investigação científica. Antes do início do preenchimento de cada protocolo, havia sido apresentado aos sujeitos de pesquisa TCLE correspondente, que deveria ser assinado após informação fornecida pelos componentes da equipe responsável pelas pesquisas, explicando os objetivos, os métodos a serem utilizados, os riscos e os eventuais benefícios individuais ou coletivos destes estudos.

O presente estudo inclui avaliação de cinco diferentes TCLE aplicados aos sujeitos de pesquisa, incluindo o grupo controle, no período de 17 de outubro de 2000 a 10 de dezembro de 2004. Os participantes foram pacientes atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Departamento de Gastroenterologia) ou em duas instituições privadas na cidade de São Paulo: Hospital Alemão Oswaldo Cruz e Instituto Angelita e Joaquim Gama. Foram revistos também os registros clínicos e TCLE aplicados aos pacientes do Projeto Genoma Clínico do Câncer e estudo sobre anti-inflamatórios e pólipos adenomatosos (MK-0966).

Os pacientes assim como os componentes do grupo controle foram identificados de acordo com suas iniciais para que a privacidade fosse preservada. Para todos os envolvidos foram coletadas informações relacionadas a diversas variáveis: gênero, raça, nível educacional, morada atual, local de nascimento e tipo de instituição de assistência médica.

Os pacientes foram classificados de acordo com o tempo de estudo: Grupo I (até oito anos), II (entre nove e 11 anos), III (acima de 12 anos).

Para estabelecer morada atual e local de nascimento, as cidades foram agrupadas em cinco macro-regiões nacionais: Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste, Norte e Sul. O grupo exterior engloba pacientes que nasceram ou moravam em outro país.

Os sujeitos de pesquisa foram divididos, quanto à adesão ao TCLE, em dois grupos: os que aceitaram participar da pesquisa e assinaram o TCLE; e os que não aceitaram participar da pesquisa.

Para ambos os grupos, os TCLE foram submetidos a análise linguística que apresenta o tempo aproximado de estudo necessário para que o paciente pudesse entendê-lo. Procurando aplicar os testes de legibilidade normalmente utilizados na América do Norte e não tendo encontrado instrumento semelhante validado para a língua portuguesa, foi realizada tradução juramentada para o inglês, por profissional afeito à linguagem médica, dos TCLE de cada grupo, seguida da aplicação dos testes de legibilidade de Flesch-Kincaid e Flesch Reading Ease.

O teste de legibilidade de Flesch-KIncaid é definido como teste gramatical que classifica de 0 a 12 o texto, segundo o nível de escolaridade das escolas norte-americanas. Um índice de 7,0 significa que leitor da sétima série poderá entender o documento. Para a maioria dos documentos padrão, o índice ideal é aproximadamente 7,0 a 8,0 para os textos em língua inglesa.

A fórmula utilizada é: (0,39 x ASL) + (11,8 x ASW) – 15,5967, onde ASL=comprimento médio da frase (o número de palavras dividido pelo número de frases) e ASW=número médio de sílabas por palavra (o número de sílabas dividido pelo número de palavras)

O teste de Flesch Reading Ease, também definido como teste gramatical, classifica o texto em escala de 100 pontos: quanto maior o índice, mais fácil será entender o documento. Para a maioria dos documentos padrão, o índice ideal é aproximadamente 60 a 70 para os textos em língua inglesa.

Fórmula utilizada: 206,835 – (1,015 x ASL) – (84,6 x ASW)68, onde ASL=comprimento médio da frase (o número de palavras dividido pelo número de frases) e ASW=número médio de sílabas por palavra (o número de sílabas dividido pelo número de palavras).

Realizou-se, também, a correlação entre a adesão ao TCLE e dados demográficos e sociais e nível de escolaridade. Para correlacionar a adesão ao TCLE com a relação risco/benefício classificaram-no em baixo e médio risco, de acordo com os procedimentos solicitados para cada protocolo de pesquisa. O grupo de baixo risco era Projeto Genoma Clínico do Câncer do Aparelho Digestivo e Grupo Controle do Projeto Genoma Clínico do Câncer e o de médio risco era o Projeto MK-966.

Para avaliar, "a posteriori" a postura, do sujeito de pesquisa quanto à adesão ao TCLE na época de sua assinatura ou discordância, utilizou-se questionário, aplicado aos entrevistadores.

Análise estatística

Os dados foram referidos como média±DP. Os resultados foram analisados usando-se os testes qui-quadrado, com valor p<0,05 considerado significante. O coeficiente de correlação de Spearman também foi utilizado para calcular o grau de associação entre os dois testes de legibilidade aplicados nos TCLE. Utilizou-se o programa SPSS para Windows 2000, versão 2000 (SPSS Inc, Philadelphia, Pennsylvania, EUA).

RESULTADOS

Dos 793 sujeitos de pesquisa estudados, 421(53%) eram homens. A idade variou de 17 a 96 anos, com média de 58,2±16 anos. A distribuição por grupos étnicos foi: 614 brancos (77.43%), 54 afro-brasileiros (6,81%), 91 mestiços (11,5%), 33 descendentes de japoneses (4,16%), e um índio (0,13%).

A Tabela 1 mostra o nível educacional dos pacientes. A maioria tinha menos de oito anos de escolaridade. A residência atual e o local do nascimento estão expressos na Tabela 2, de acordo com as cinco macro-regiões do país.

Os resultados do teste de legibilidade de Flesch-KIncaid e do Flesch Reading Ease entre os grupos de acordo com a localização do tumor e grupo controle estão descritos na Tabela 3. Os índices de legibilidade obtidos variaram de 9.9 a 12 e 33,1 a 51,3. Os resultados encontrados na aplicação dos testes de legibilidade classificaram todos os textos avaliados em nível de difícil compreensão, exigindo maior nível de escolaridade para o seu entendimento. Houve correlação estatística entre os resultados encontrados pelos dois testes avaliados.

Não foi observada correlação estatística entre o nível de escolaridade e a aceitação do TCLE (Figura 1).


Não foi encontrada correlação estatística entre o TCLE e fatores demográficos: idade (p=0,81), gênero (p=0.26) e grupos étnicos (p=0,19).

Observou-se correlação entre risco e aceitação do TCLE, com maior aceitação entre pacientes de protocolos de baixo risco (99,7% vs 81,2%; p<0,01). Igualmente foi observada correlação entre nível de escolaridade e tipo e instituição de saúde, sendo maior em pacientes do setor privado (Figura 2).


A análise da correlação entre tipo de instituição de saúde e aceitação do TCLE mostrou menor aceitação em pacientes atendidos em instituições privadas (99.7% vs 69.2%; p<0.01). Também foi analisada a atitude dos sujeitos da pesquisa em assinar o TCLE (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Esforços para garantir a segurança dos pacientes como sujeitos de pesquisa em estudos clínicos iniciaram-se há mais de dois séculos. Durante este período aprimoraram-se as discussões em torno do TCLE, documento aplicado ao sujeito de pesquisa no momento em que este é convidado a participar de um estudo clínico, com o objetivo de garantir, através da informação, a sua voluntariedade. Contudo, estudos que avaliam o processo de obtenção do TCLE e os fatores relacionados à correta aplicação do mesmo em pesquisas envolvendo seres humanos é fato relativamente recente na literatura mundial, embora cada vez mais frequente nos últimos anos.

A aplicação do TCLE preserva a autonomia do sujeito de pesquisa. Autonomia é um termo derivado do grego auto (próprio) e nomos (lei, regra, norma). Refere-se à capacidade do ser humano de decidir o que é "bom", o que é seu "bem-estar", de acordo com valores, expectativas, necessidades, prioridades e crenças pessoais.

O nível de instrução dos sujeitos de pesquisa é, atualmente, um dos fatores avaliados no processo de obtenção do TCLE, pois estes precisam compreender o texto que lhe foi proposto antes de assiná-lo. Por isso muitos pesquisadores discutem a redação do texto no intuito de garantirem uma leitura de fácil compreensão através de linguagem acessível ao sujeito de pesquisa. Em 1988, Imel85 aponta para a diferença entre o conceito tradicional de alfabetização (acadêmico) e o novo conceito de alfabetização funcional, voltada para as rotinas diárias e particularmente para o local de trabalho.

Baseado na relação entre analfabetismo funcional e poucos anos de escolaridade, Bruening propõe a seguinte classificação em anos de estudo: 1) analfabetos funcionais: nível de leitura de 0 a 4 anos; 2) marginalmente alfabetizados: nível de leitura de 5 a 8 anos; 3) alfabetizados funcionais: nível de leitura de 9 ou mais anos.

Considera-se, portanto que os analfabetos funcionais, ou seja, pessoas com menos de quatro anos de estudo, não possuem as habilidades de leitura, escrita e cálculo para fazer face às necessidades da vida social e profissional contemporâneas. Estima-se que aproximadamente 900 milhões de pessoas no mundo se enquadrem neste padrão.

Na América Latina, o problema tem características específicas e mais complexas, entretanto, a disponibilidade de informações baseadas em pesquisas extensas é muito mais reduzida. Relativamente aos países mencionados, o Brasil encontra-se em desvantagem no tocante as medidas de alfabetização funcional. Seguindo recomendações da UNESCO, na década de 90, o IBGE passou a divulgar também índices de analfabetismo funcional, tomando como base não a auto-avaliação dos respondentes, mas o número de séries escolares concluídas. Pelo critério adotado, são analfabetas funcionais as pessoas com menos de quatro anos de escolaridade.

Os resultados de estudos que avaliaram o processo de obtenção do consentimento informado nos Estados Unidos e Europa sugerem que os participantes podem não entender totalmente o estudo que participarão e podem não saber os direitos como participantes, mesmo após ler e assinar o TCL7,11.

Hooper et al. utilizando apenas os documentos escritos, usados como fonte de informação para obtenção de consentimento na área de radiologia, demonstrou que os mesmos são muito complexos para o nível médio de compreensão dos pacientes5. Pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Chile avaliaram, durante dois anos, 44 projetos de pesquisa submetidos ao seu comitê de ética. O problema mais frequente nas avaliações foi a ausência ou inadequação do consentimento Informado8.

Estudo realizado em Bangladesh sugere que a falta de entendimento pode ser mais frequente em países menos desenvolvidos, onde os voluntários são pobres e o nível educacional tende a ser baixo10.

O interesse em melhorar a redação do TCLE para facilitar a leitura vem crescendo nos últimos anos. Hochhauser em 2000, revisou 12 TCLE e concluiu que os textos eram de difícil entendimento, principalmente por apresentarem palavras incomuns e muitas palavras por frase4. Zanecchia (1992) e Hochhauser(1997) examinaram questões relacionadas à leitura do TCLE e elaboraram estratégias para construí-lo mais compreensívelmente. Em geral essas estratégias concentraram-se na simplificação do texto e na utilização de audiovisual como ferramenta para a compreensão dos textos3,14.

Neste estudo, observaram-se sujeitos de pesquisa com até quatro anos de escolaridade em 40% dos casos. Apesar disto, diferentemente do que era a impressão no início desta pesquisa, o nível de escolaridade dos sujeitos de pesquisa não foi fator decisivo para adesão ao TCLE

Também não se encontrou diferença entre o índice de adesão e fatores demográficos e sociais; notou-se, entretanto, que este índice foi maior no hospital público; este resultado leva a cogitar da existência de eventual fator (fatores) cultural influente no nível de adesão, o qual pode direta ou indiretamente estar relacionado ao nível de escolaridade.

É também de se ressaltar que no hospital privado, o nível de escolaridade é mais elevado, tendo 61,8% dos entrevistados formação universitária, em contraposição a aproximadamente 10% do mesmo nível no hospital público. No hospital privado, cerca de 60% dos entrevistados realizaram a leitura do texto do TCLE antes de se decidir pela sua assinatura; com estes resultados é possível se aventarem novamente as razões pelas quais o índice de adesão ao TCLE é menor na instituição privada.

A atitude de acolhimento e adesão ao TCLE deve ser entendida como símbolo de espírito de colaboração? Este último eventualmente estaria relacionado a fatores sociais e culturais?

Para fundamentar alguns destes questionamentos, é de se notar que justamente no grupo populacional com mais alto nível de escolaridade considerado na presente pesquisa, o curso universitário, foi maior o índice de rejeição ao TCLE.

De acordo com os índices de legibilidade encontrados, os textos se mostraram de difícil compreensão, exigindo maior escolaridade dos sujeitos de pesquisa.

Os índices de Flesch-Kincaid encontrados para cada TCLE variaram de 9,7 a 12, todos acima de 8,0. Os índices de Flesch Ease-Reading variaram de 33,1 a 51,3, também todos abaixo de 60,0. Embora a variação entre os valores encontrados para cada TCLE não tenha sido significativa, houve correlação entre os dois índices: aqueles TCLE que obtiveram índice de Flesch-Kincaid mais elevados (12,0 e 11,4) foram também os que resultaram em índices de Flesch Ease-Reading mais baixos (33,1 e 34,9, respectivamente), e vice-versa. Estes dados sugerem a validação da aplicação destes dois índices, embora tenha sido feita a partir de documentos da língua inglesa.

A questão do risco inerente aos estudos clínicos e seus possíveis benefícios também tem gerado discussões no meio cientifico, principalmente nos estudos clínicos realizados em países de terceiro mundo ou em desenvolvimento. Um dos pontos importantes que envolvem risco ao paciente é a utilização de grupo placebo nos estudos comparativos de novos medicamentos.

O risco percebido pelo paciente também precisa ser avaliado. Em estudo sobre riscos assistências realizado na Inglaterra, os pacientes superestimaram risco cirúrgico de 2% para até 65%9. Este estudo reforça a ideia de como é importante explicar adequadamente o risco associado a procedimentos de pesquisa. Como fundamental o importante é verificar o grau de compreensão das informações prestadas aos voluntários.

A utilização do placebo como integrante fundamental da pesquisa clínica de utilização de novos fármacos, com o intuito de evitar falso resultado, precisa estar clara no TCLE para que o sujeito de pesquisa possa avaliar o risco do tratamento, caso ele seja contemplado com o placebo e não com a droga ativa.

Para avaliar a influência do risco/benefício na adesão ou não do sujeito de pesquisa, foi intenção deste trabalho selecionar TCLE que abordassem, de maneira distinta, esta questão.

Portanto, através da escolha de TCLE que mostrassem duas situações distintas em relação ao risco/desconforto para o paciente, foi possível avaliar também, a influência que o fator risco/desconforto pode ter na decisão do sujeito de pesquisa em aceitar, ou não, participar do projeto de investigação científica. Em 1996, resolução regulamentando a aplicação do TCLE foi aprovada pelo Ministério da Saúde do Brasil.

Futuros projetos de pesquisa devem aparecer destas reflexões12. Por exemplo, estudos devem apresentar diferentes TCLE para os vários níveis de escolaridade, aplicados randomicamente para os objetos da pesquisa. Outra possibilidade é acrescentar recursos audiovisuais com vídeos educacionais que possam ajudar o paciente a entender a proposta do estudo.

Além disso, deve-se criar sistema apropriado para determinar a influência de fatores culturais tenha na aceitação do TCLE pelos sujeitos da pesquisa. Torna-se importante analisar o papel da compreensão da leitura, levando em consideração a adequada capacidade de leitura para todos os grupos da população que será recrutada para estudos no Brasil. Termos de consentimento com linguagem apropriada deve ser confeccionados.

Apesar das altas taxas de aceitação dos TCLE, torna-se necessária a análise de novos métodos de aplicação do TCLE, de modo que sujeitos da pesquisa com menor escolaridade possam entender totalmente as propostas dos estudos.

CONCLUSÕES

Os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido apresentam alto grau de dificuldade de leitura. Apesar da aceitação do paciente não estar relacionada com fatores sociais ou demográficos, houve influência da relação risco-benefício.

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

Recebido para publicação: 21/01/2013

Aceito para publicação: 28/05/2013

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  • Correspondência:

    Carlos Eduardo Jacob
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      21 Jan 2013
    • Aceito
      28 Maio 2013
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