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Complicações após pancreatectomias: estudo prospectivo após as novas classificações GIEDFP e GIECP

Resumos

RACIONAL: No Brasil existe escassa publicação científica destinada à divulgação dos resultados das ressecções pancreáticas. OBJETIVO: Apresentar os resultados cirúrgicos das ressecções pancreáticas. MÉTODOS: Analisou-se prospectivamente 54 casos consecutivos de pacientes submetidos à pancreatectomias. Foi avaliada a ocorrência de complicações pós-operatórias (fístula pancreática, retardo do esvaziamento gástrico e hemorragia pós-operatória) fundamentadas nos critérios dos Grupos Internacionais de Estudo sobre a Definição de Fístula Pancreática e de Cirurgia Pancreática. RESULTADOS: Das 54 pancreatectomias, 32 foram realizadas em mulheres (59,26%) e 22 em homens (40,74%). A média de idade dos pacientes foi de 54,5 anos. O procedimento mais praticado foi à cirurgia de Whipple em 38 pacientes. Em oito destes, houve ressecção do eixo mesentérico-portal. O tempo médio de internação foi de 20,7 dias. A maioria dos pacientes (51%) esteve internada por até 10 dias. A fístula pancreática foi observada em 50% da amostra em 44,7% dos pacientes submetidos à operação de Whipple. O sangramento pós-operatório e o retardo do esvaziamento gástrico nos pacientes submetidos à essa operação ocorreram, respectivamente, em 13,15% e 18,41%. Na amostra a taxa global de morbidade e mortalidade foi respectivamente de 62,9% e 5,5%. CONCLUSÃO: Há necessidade das publicações nacionais assimilarem os conceitos e critérios apresentados pelas classificações GIEDFP e GIECP para permitir a comparação dos resultados obtidos com o tratamento cirúrgico de doenças pancreáticas, no contexto brasileiro. Quem sabe, se o grande avançado visto nos últimos 40 anos em termos de redução das taxas de mortalidade associadas com ressecções pancreáticas também pode ocorrer com os níveis persistentemente elevados de complicações pós-operatórias.

Pancreatectomia; Pancreaticoduodenectomia; Complicações pós-operatórias


BACKGROUND: Scientific publications focusing on the results of pancreatic resections in Brazil are scarce. AIM: To present the surgical results of pancreatic resections. METHODS: Were analyzed prospectively 54 consecutive cases of patients undergoing consecutive pancreatectomy evaluating the occurrence of postoperative complications (pancreatic fistula, delayed gastric emptying and postoperative hemorrhage) based on the criteria of the International Study Group on Pancreatic Fistula Definition and International Study Group of Pancreatic Surgery. RESULTS: Of the 54 pancreatectomy, 32 occurred in women (59,26%) and 22 in men (40,74%). The mean age of patients was 54,5 years. The most performed procedure was the Whipple operation, in 38 patients. In eight of those cases, mesenteric-portal confluence was ressected. The mean period of hospitalization was 20,7 days. The hospitalization in 51% of patients was up to 10 days. A pancreatic fistula was observed in 50% of the cases submitted to the Whipple surgery. The postoperative hemorrhage and delayed gastric emptying in patients undergoing the surgery occurred respectively in 13,15% and 18,41%. The overall morbidity and mortality was respectively 62.9% and 5.5%. CONCLUSION: There is a need for the national publications to assimilate the concepts and criteria presented by the ISGFP² and ISGPS23,25 to enable comparison of the results obtained with surgical treatment of pancreatic disorders, in the Brazilian context. Who knows, therefore, whether the great advanced seen in the last 40 years in terms of the reduction in mortality rates associated with pancreatic resections may also occur with the persistently high levels of postoperative complications.

Pancreatectomy; Pancreaticoduodenectomy; Postoperative Complications


ARTIGO ORIGINAL

Complicações após pancreatectomias: estudo prospectivo após as novas classificações GIEDFP e GIECP

Enio Campos Amico; José Roberto Alves; Samir Assi João; Priscila Luana Franco Costa Guimarães; Élio José Silveira da Silva Barreto; Leonardo Silveira da Silva Barreto; Paulo Renato Leal Costa; Joafran Alexandre Costa de Medeiros

Trabalho realizado no Hospital Universitário Onofre Lopes, Liga Norte Riograndense Contra o Câncer e na Casa de Saúde São Lucas, Natal, RN, Brasil

Correspondência Correspondência: Enio Campos Amico, E-mail: ecamic@uol.com.br

RESUMO

RACIONAL: No Brasil existe escassa publicação científica destinada à divulgação dos resultados das ressecções pancreáticas.

OBJETIVO: Apresentar os resultados cirúrgicos das ressecções pancreáticas.

MÉTODOS: Analisou-se prospectivamente 54 casos consecutivos de pacientes submetidos à pancreatectomias. Foi avaliada a ocorrência de complicações pós-operatórias (fístula pancreática, retardo do esvaziamento gástrico e hemorragia pós-operatória) fundamentadas nos critérios dos Grupos Internacionais de Estudo sobre a Definição de Fístula Pancreática e de Cirurgia Pancreática.

RESULTADOS: Das 54 pancreatectomias, 32 foram realizadas em mulheres (59,26%) e 22 em homens (40,74%). A média de idade dos pacientes foi de 54,5 anos. O procedimento mais praticado foi à cirurgia de Whipple em 38 pacientes. Em oito destes, houve ressecção do eixo mesentérico-portal. O tempo médio de internação foi de 20,7 dias. A maioria dos pacientes (51%) esteve internada por até 10 dias. A fístula pancreática foi observada em 50% da amostra em 44,7% dos pacientes submetidos à operação de Whipple. O sangramento pós-operatório e o retardo do esvaziamento gástrico nos pacientes submetidos à essa operação ocorreram, respectivamente, em 13,15% e 18,41%. Na amostra a taxa global de morbidade e mortalidade foi respectivamente de 62,9% e 5,5%.

CONCLUSÃO: Há necessidade das publicações nacionais assimilarem os conceitos e critérios apresentados pelas classificações GIEDFP e GIECP para permitir a comparação dos resultados obtidos com o tratamento cirúrgico de doenças pancreáticas, no contexto brasileiro. Quem sabe, se o grande avançado visto nos últimos 40 anos em termos de redução das taxas de mortalidade associadas com ressecções pancreáticas também pode ocorrer com os níveis persistentemente elevados de complicações pós-operatórias.

Descritores: Pancreatectomia. Pancreaticoduodenectomia. Complicações pós-operatórias.

INTRODUÇÃO

As ressecções pancreáticas são procedimentos com altos índices de morbidade14. A topografia do pâncreas no retroperitônio em proximidade com os vasos mesentéricos superiores, a necessidade de ressecções de órgãos adjacentes, o grande número de anastomoses que se seguem à ressecção da sua porção cefálica e a alta incidência de fistula pancreática após qualquer tipo de ressecção do órgão, justificam a complexidade desse procedimento.

No Brasil, são poucas as publicações científicas destinadas à divulgação dos resultados das pancreatectomias10,12,13,20-22 devido, em parte, à existência de um pequeno número de serviços especializados nesses procedimentos. Associado a isto, a maioria dos estudos foram publicados antes da atual padronização proposta pelo Grupo Internacional de Estudo sobre a Definição de Fístula Pancreática (GIEDFP) e Grupo Internacional de Estudo de Cirurgia Pancreática (GIECP) para definição das principais complicações pós-cirúrgicas.

O grupo cirúrgico dos autores tem se dedicado tanto nos hospitais públicos quanto na clínica privada à prática de ressecções pancreáticas.

Assim, o objetivo deste estudo é apresentar os resultados nos últimos cinco anos à luz das publicações do GIEDFP2 e do GIECP23,25.

MÉTODO

Esta pesquisa foi aprovada pelos Conselhos de Ética de todos os hospitais onde foram realizados os procedimentos cirúrgicos: Hospital Universitário Onofre Lopes, Liga Norte Riograndense Contra o Câncer e a Casa de Saúde São Lucas. Foram analisados prospectivamente 54 pacientes submetidos à ressecções pancreáticas, consecutivas, realizadas pelos autores, no período de abril de 2007 a setembro de 2012, para o tratamento de doenças pancreáticas ou peri-pancreáticas.

Para os casos de ressecção cefálica (gastroduodenopancreatectomia ou operação de Whipple), os passos técnicos foram: a) incisão subcostal bilateral; b) inventário da cavidade com pesquisa de metástases e da ressecabilidade da lesão; c) ressecção da peça cirúrgica que consistia do antro gástrico, vesícula biliar, colédoco, cabeça pancreática (por vezes com segmento venoso do eixo mesentérico-portal) e duodeno com gânglios regionais; d) anastomose pancreatojejunal; e) anastomose hepaticojejunal; f) anastomose gastrojejunal; g) jejunostomia por meio da técnica de Witzel; h) drenagem com dois drenos túbulo-laminar com saída em ambos os flancos.

Três técnicas para a anastomose pancreatojejunal foram utilizadas a depender das características do remanescente pancreático. Para o pâncreas com textura amolecida e ducto pancreático principal normal ou discretamente aumentado (diâmetro até 5 mm) foi empregado anastomose pancreatojejunal término-terminal (tipo telescopagem) ou anastomose pancreatojejunal término-lateral (invaginação). Em ambos os casos foi utilizado pontos simples separados de prolene 4-0. Para o pâncreas com textura endurecida e ducto pancreático principal aumentado (diâmetro>5 mm), foi realizada anastomose pancreatojejunal término-lateral ductomucosa em dois planos.

Para a pancreatecomia corpo-caudal ou distal, os passos técnicos foram: a) incisão subcostal esquerda; b) inventário da cavidade com pesquisa de metástases e da ressecabilidade da lesão; c) ressecção da peça cirúrgica que, a depender do tipo de doença, podia incluir o corpo e cauda do pâncreas ou apenas a cauda do órgão com ou sem a remoção concomitante do baço e gânglios regionais; d) sutura do coto pancreático com pontos separados em "U" com fio de prolene 4-0; e) jejunostomia por meio da técnica de Witzel; f) drenagem com dreno túbulo-laminar com saída em flanco esquerdo.

Foi utilizado octreotide na maioria dos pacientes a depender da disponibilidade do hospital, como profilaxia para prevenção de fístula pancreática, na dose de 0,3 mg/dia, fracionada em intervalos de oito horas, durante sete dias. Diariamente, foi anotado o débito e realizado dosagens da amilase do líquido dos drenos no 1º, 3º, 5º, e 7º dias de pós-operatório.

No 7º dia exame foram realizados estudos ultrassonográficos ou tomográficos de controle. A retirada dos drenos procedia-se no 8º dia de pós-operatório para os casos com valores baixos de amilase do líquido dos drenos e exame de imagem sem coleções abdominais. Na presença de fístula pancreática o paciente era mantido em jejum, por via oral, introduzia-se nutrição enteral via jejunostomia e o octreotide subcutâneo era mantido.

Para o diagnóstico de fístula pancreática foi utilizado o critério do GIEDFP2. Desta forma a fístula pancreática foi definida quando no 3º dia de pós-operatório o valor da amilase do líquido dos drenos era maior que três vezes o limite superior da amilase sérica. Ainda, de acordo com o GIEDFP2, a graduação da fístula pancreática foi definida resumidamente da seguinte forma: Grau A – pacientes sem queixas clínicas e o aparecimento da fístula não modificou o tempo de internação hospitalar; Grau B – pacientes mantidos em jejum, introdução de nutrição enteral ou parenteral além de posicionamento dos drenos, uso de antibióticos, octreotide, outras medidas quando necessárias com tempo de internação maior; Grau C – pacientes em sepse, necessidade de UTI, reoperação e risco de morte.

O diagnóstico de sangramento e retardo do esvaziamento gástrico pós-operatório foi fundamentado nas definições propostas pelo GIECP23,25.

Desta forma a hemorragia pós-pancreatectomia foi definida como perda de sangue pelo dreno abdominal, trato digestivo ou cavidade abdominal com queda dos níveis de hemoglobina sérica no período pós-operatório. Quanto à estratificação do sangramento, foram definidos três graus: Grau A – sangramento precoce (≤24 horas do término da operação), leve e sem necessidade de transfusão; Grau B – sangramento precoce (≤24 horas do término da operação) severo, ou sangramento tardio (>24 horas do término da operação) leve, ambos com condição clínica boa ou intermediária, associadas à necessidade de terapêutica transfusional, endoscópica, radiológica ou cirúrgica; Grau C – sangramento tardio (>24 horas do término da operação) severo, com condição clínica grave, risco de morte, e com necessidade de terapêutica transfusional, endoscópica, radiológica ou cirúrgica.

O diagnóstico de esvaziamento gástrico retardado pós-operatório foi estabelecido e graduado assim: Grau A – manutenção da sonda nasogástrica por mais de três dias, ou re-introdução a partir do 4º dia de pós-operatório, ou ainda para aqueles pacientes em que a re-introdução da dieta oral sólida era impossível até o 7º dia de pós-operatório; Grau B – manutenção da sonda nasogástrica por oito a 14 dias, ou re-introdução a partir do 8º dia de pós-operatório, ou ainda para aqueles pacientes em que a re-introdução da dieta oral sólida era impossível até o 14º dia de pós-operatório; Grau C – manutenção da sonda nasogástrica por mais de 14 dias, ou re-introdução a partir do 15º dia de pós-operatório, ou para aqueles pacientes em que a re-introdução da dieta oral sólida era impossível até o 21º dia de pós-operatório.

A mortalidade intra-hospitalar foi considerada quando o óbito ocorreu nos primeiros 90 dias de pós-operatório.

RESULTADOS

A amostra constitui-se de 54 pacientes, sendo 32 mulheres (59,26%) e 22 homens (40,74%). A idade média foi de 54,5 anos (16 à 90). Foram realizadas 54 pancreatectomias consecutivas no período do estudo.

As doenças mais frequentes foram o adenocarcinoma de pâncreas e de papila duodenal, cada um com 16 casos (Tabela 1).

Os procedimentos cirúrgicos mais realizados foram a operação de Whipple (70,37%) e a pancreatectomia corpocaudal ou distal (20,37%) (Tabela 2).

Em oito pacientes submetidos à Whipple, houve necessidade de ressecção circunferencial (sete casos) ou parcial (um caso) do eixo mesentérico-portal. Prótese de politetrafluoroetileno foi implantada em dois desses casos.

Para um paciente portador de adenocarcinoma de vesícula biliar, a operação de Whipple foi associada à ressecção de segmentos hepáticos IVb e V, além de linfadenectomia. Em outros dois casos ela, foi associada à ressecção segmentar do cólon transverso por invasão tumoral direta. Em outro, à nefrectomia direita por doença renal com perda da função.

A anastomose pancreatojejunal mais realizada nos pacientes submetidos à operação de Whipple foi a terminoterminal por telescopagem (68,4% dos casos) seguida da anastomose terminolateral ductomucosa (21% dos casos) e da anastomose terminoterminal por invaginação (10,5%).

O segundo tipo mais comum de procedimento foi a pancreatectomia corpo-caudal ou distal realizada em 11 pacientes. Em um destes casos houve preservação do baço. O acesso laparoscópico foi praticado em um paciente portador de pequeno tumor de Frantz que foi submetido à pancreatectomia distal. Na maioria dos casos o tratamento do coto pancreático foi realizado com pontos de prolene 4-0 separados em "U". Apenas em três casos foi realizado grampeamento do coto pancreático e reforço com cola biológica.

A pancreatectomia central foi praticada em três pacientes com tumores pequenos de comportamento benigno (dois casos de tumor de Frantz e um de tumor neuroendócrino), situados em colo pancreático, com a finalidade de preservação de parênquima. Preferencialmente o coto pancreático foi tratado com pontos separados em "U" com fio de prolene 4.0 e a anastomose pancreatojejunal mais comumente realizada foi do tipo terminolateral por invaginação.

Em 77,7% de todos os pacientes da casuística, o octreotide profilático foi utilizado por sete dias.

A média do tempo cirúrgico incluindo todos os pacientes e apenas aqueles submetidos à operação de Whipple foi, respectivamente, 421,7 min (125 à 600) e 451,8 min (290 à 600).

A queda média nos valores da hemoglobina sérica por paciente ocorrida na casuística durante os primeiros sete dias de pós-operatório foi de 2,07 mg/dl. Caso considerado apenas o grupo de pacientes submetidos à Whipple foi de 2,19 mg/dl. Houve necessidade de transfusão de concentrado de hemácias no intra-operatório ou nas primeiras 24 horas de pós-operatório em 48% dos pacientes. Quando avaliado apenas o grupo submetido à Whipple esse valor foi de 57,9% para todos os 38 pacientes e 33,3 % apenas para os últimos 19 casos.

O tempo médio de internação foi de 20,7 dias (7 à 114). Excetuando-se os três pacientes que morreram, 51% dos demais tiveram período de internação de até 10 dias.

Algum tipo de complicação ocorreu em 62,9% dos pacientes, sendo a mais comum a fístula pancreática (Tabela 3). Caso excluídas as fístulas grau A, que não representaram complicações clinicamente evidentes para os pacientes, o índice de morbidade global seria de 46,2%.

O índice de fístula pancreática de toda a série e apenas para os pacientes submetidos à Whipple foi respectivamente de 50% (27) e 44,7% (17). A maior parte dos pacientes que desenvolveram fístula pancreática foram estratificadas como Grau A (27,7%) (Tabela 4).

Sangramento e retardo do esvaziamento gástrico pós-operatório somente foram encontrados nos pacientes submetidos à operação de Whipple.

Assim, a maioria dos casos que evoluíram com sangramento (80%) foram classificados como grau B e a maioria dos que evoluíram com retardo do esvaziamento gástrico (85,7%) foram classificados como grau A e B (Tabela 4).

Três pacientes da casuística global morreram (5,5%). Todos haviam sido submetidos à operação de Whipple, o que correspondeu à mortalidade de 7,9% para esse procedimento. Os casos que evoluíram para óbito corresponderam ao 5º, 15º e 19º paciente da série. O primeiro caso, morreu por insuficiência renal e coagulopatia no 12º dia de pós-operatório; o segundo, evoluiu com choque refratário falecendo no 6º dia e em nenhum dos dois casos as dosagens de amilase dos drenos evidenciavam fístula pancreática; o terceiro, morreu por choque séptico. Não houve mortes nos últimos 35 casos.

DISCUSSÃO

Embora haja na literatura publicações de serviços brasileiros de referência em cirurgia pancreática relatando o tratamento de doenças específicas como pancreatite crônica10, adenocarcinoma de pâncreas19 e trauma de pâncreas20, poucas publicações nacionais são dedicadas aos resultados globais das pancreatectomias realizadas para diversas doenças em um mesmo serviço

Rocha et al.21, avaliaram 41 pacientes submetidos à operação de Whipple por várias doenças em um hospital público de Belo Horizonte durante oito anos. A morbidade foi de 58% e a mortalidade de 21,9%. Apesar de a maioria dos pacientes da casuística ter idade superior a 60 anos, a mortalidade foi alta mesmo quando considerado os últimos pacientes operados.

Orlando et al.22, analisaram 39 pacientes submetidos à operação de Whipple em hospital universitário do Maranhão. O índice de complicações não pode ser corretamente avaliado, pois o autor apenas descreveu o termo "complicações maiores" sem defini-lo adequadamente. A mortalidade foi de 10,2%.

Melhores resultados foram encontrados por Junior et al. (2005)13 em um estudo retrospectivo com 64 pacientes, realizado no Instituto Nacional do Câncer. A mortalidade avaliada nos primeiros 30 dias de pós-operatório foi de 3,12%. Dois anos depois, em nova publicação desse autor no mesmo serviço, com menor casuística, esse índice dobrou para 6,25%12.

Na presente série, os índices de mortalidade global e aqueles encontrados nos pacientes submetidos à operação de Whipple foram respectivamente 5,5% e 7,9%. Apesar de superiores aos índices encontrados em grandes centros norte-americanos26, existe tendência nesta casuística para que esses valores decresçam, visto que os três casos de morte ocorreram nos primeiros 19 casos da série, sugerindo relação inversa entre experiência cirúrgica e taxa de mortalidade. Isto tem sido extensivamente descrito pela literatura há mais de 30 anos, o que tem estimulado a "regionalização" do atendimento de pacientes com doenças que requeiram grandes procedimentos cirúrgicos, como é o caso das pancreatectomias6,16

A fístula pancreática continua sendo a maior preocupação para os cirurgiões envolvidos com a cirurgia do pâncreas1,15. Em levantamento bibliográfico de mais de 50 anos por meio do Pubmed sobre as anastomoses pancreáticas, foram encontradas 1700 publicações1 que se referiam à essa complicação. Até 2004, pelo menos 26 diferentes definições para o termo "fístula pancreática" podiam ser encontradas na literatura médica o que inviabilizava qualquer comparação entre os estudos. Nesse contexto, importante avanço foi a padronização da definição do termo "fístula pancreática" pelo GIEDFP, divulgado em 20052. O conceito de "fistula pancreática" tal como estabelecido por esta publicação foi rapidamente popularizado em praticamente todos os estudos subsequentes.

Como o termo atualmente aceito é muito abrangente e inclui casos de pacientes com pequeno volume drenado rico em amilase (grau A) sem qualquer outra intercorrência e com tempo de internação semelhante aos demais pacientes não complicados, é improvável que as publicações que utilizaram pacientes anteriormente à 2005 reflitam a real incidência das fístulas pancreáticas pós-operatórias. Esse foi o caso das três séries brasileiras citadas anteriormente. Enquanto Rocha et al5 não definem o termo "fístula pancreática", Orlando et al6 e Júnior et al7 consideram-na apenas caso o extravasamento de líquido rico em amilase ocorresse a partir do 8º ou 7º dias de pós-operatório, respectivamente.

Em apenas um estudo brasileiro, aparentemente bi-institucional, com análise retrospectiva de 117 pacientes submetidos à ressecção pancreática entre 2000 e 2006, Haddad et al.11 utilizando o conceito atualmente aceito para o diagnóstico de fístula pancreática relataram incidência de 30% dessa complicação. O tipo de anastomose pancreática foi definido pela preferência do cirurgião, sendo a pancreatogastrostomia realizada na maior parte dos casos (55,6%). O pâncreas remanescente foi descrito pelos autores como de textura endurecida (57%) contendo ducto pancreático principal dilatado (51%) na maioria dos pacientes11

Nesta série, o índice de fístula pancreática global e para os casos de operação de Whipple foi respectivamente 50% e 44,7%, o que de longe correspondeu ao maior tipo de complicação da série, com valores comparativamente superiores àqueles encontrados em publicações internacionais15. Algumas possibilidades para esses altos índices foram: a) uso sistemático de dosagens de amilase do líquido dos drenos abdominais em dias pré-determinados do pós-operatório (3º, 5º e 7º dias) o que permitiu o diagnóstico de um grande número de fístulas subclínicas (grau A); b) alta incidência de remanescente pancreático com textura amolecida e ducto de pancreático principal fino (76% dos casos submetidos à Whipple) e c) ineficácia da técnica de anastomose terminoterminal em telescopagem realizada na maior parte dos pacientes submetidos à operação de Whipple.

A questão sobre qual melhor técnica para anastomose pancreaticoentérica permanece sem adequada elucidação9. Pelo menos duas metanálises e sete ensaios clínicos prospectivos e randomizados estão disponíveis na literatura comparando a anastomose pancreatoentérica com o estômago, ou com o jejuno, ou ainda comparando tipos distintos de anastomose pancreatojejunal entre si (técnica ducto mucosa x invaginante)3,5,7,9,17,18,24,27. No estudo prospectivo de maior casuística sobre o melhor tipo de pancreaticojejunostomia após duodenopancreatectomia, 197 pacientes foram randomizados entre anastomose ductomucosa e técnica terminolateral por invaginação5. Significativo menor número de fístulas foi identificado com a técnica terminolateral em pacientes com pâncreas de textura amolecida. Os autores concluíram sobre a necessidade de estudos adicionais para o adequado esclarecimento do tema5. Inspirado nesse estudo, recentemente, o grupo dos autores tem dado preferência para a anastomose pancreatojejunal terminolateral por invaginação nos casos de pâncreas com alto risco de fístula. Em virtude do pequeno número de casos em que esse tipo de anastomose foi realizada, não foi possível recomendar esse tipo de reconstrução.

O presente estudo representa a primeira casuística nacional que envolve uma série prospectiva de pacientes consecutivos submetidos à ressecções pancreáticas analisadas com base nos critérios atuais do GIEDFP2 e GIECP23,25.

CONCLUSÃO

Há necessidade das publicações nacionais assimilarem os conceitos e critérios apresentados pelas classificações GIEDFP e GIECP para permitir a comparação dos resultados obtidos com o tratamento cirúrgico de doenças pancreáticas, no contexto brasileiro. Quem sabe, se o grande avançado visto nos últimos 40 anos em termos de redução das taxas de mortalidade associadas com ressecções pancreáticas também pode ocorrer com os níveis persistentemente elevados de complicações pós-operatórias.

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

Recebido para publicação: 07/01/2013

Aceito para publicação: 24/04/2013

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  • Correspondência:

    Enio Campos Amico,
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      07 Jan 2013
    • Aceito
      24 Abr 2013
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