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Hérnia de Grynfelt

CARTA AO EDITOR

Hérnia de Grynfelt

Camila Alcoforado, Natália Lira, Flávio Kreimer, Euclides Dias Martins-Filho, Álvaro Antônio Bandeira Ferraz

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil

Correspondência Correspondência: Álvaro Antônio Bandeira FERRAZ E-mail: aabf@truenet.com.br

INTRODUÇÃO

Define-se hérnia lombar como a presença de falha na fáscia transversal ou na aponeurose do músculo transverso do abdome que resulta na extrusão de órgãos intra ou extra-peritoneais através da descontinuidade da parede abdominal posterolateral. É um defeito incomum, correspondendo de 1,5 a 2% de todas as hérnias da parede abdominal, havendo poucos casos descritos na literatura médica3,8,13. As hérnias lombares são divididas em superior ou hérnia de Grynfelt e inferior ou hérnia de Petit. Seu diagnóstico é baseado em alto índice de suspeição e a confirmado través do exame clínico, além de métodos de imagens como ultrassonografia, tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética de abdome. Assim como outros tipos de hérnias, podem evoluir com complicações. Existem relatos de encarceramento, estrangulamento, isquemia e perfuração intestinal e relatos de urgência cirúrgica no tratamento. Ele consiste na síntese cirúrgica da parede abdominal em sua região posterolateral, podendo ser utilizados materiais sintéticos, como telas, para reforço da sutura, pois o reparo simples é difícil devido à presença de margens ósseas fixas nestes defeitos. Isto leva a reparo com tensão, os quais apresentam elevado índice de recidiva. Entretanto, estas não foram descritas na literatura até os dias atuais. Em raríssimos casos de hérnias lombares encarceradas, pode ser necessária a realização de enterectomia para exclusão de alça que apresenta sofrimento vascular. A hérnia de Grynfelt é pouco frequente, sendo ainda mais rara sua apresentação bilateral. Até o momento, são descritos na literatura médica de língua inglesa, pouco mais de 300 casos de hérnias lombares3,8,13. É doença desconhecida pela maioria dos médicos, cujo diagnóstico é simples e muitas vezes não realizado ou realizado de maneira equivocada.

RELATO DOS CASOS

Três homens com idade entre 52 e 75 anos foram admitidos no ambulatório de Cirurgia Geral do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil em 2010, apresentando queixa de dor e tumoração em região lombar. Os três pacientes negaram história de trauma, operações prévias nesta localidade ou fatores que aumentem a pressão intra-abdominal como tosse crônica, sintomas de prostatismo ou constipação. Ao exame físico foram evidenciadas tumorações redutíveis que aumentavam aos esforços (Figura 1). Nos três casos foram evidenciadas hérnias decorrentes da falha do triângulo lombar superior (hérnias de Grynfelt), sendo bilateral em dois pacientes.


Após o diagnóstico clínico de hérnia lombar, os pacientes foram submetidos à correção cirúrgica. Foram posicionados em decúbito lateral e realizada incisão transversa no ápice da hérnia. Não foram evidenciados sacos herniários, havia apenas fraqueza da aponeurose do músculo transverso do abdome, por onde extruía gordura pré-peritoneal (Figura 2). Foram realizadas aposição de tela de Prolene® sobre a aponeurose, com colocação de dreno com sistema fechado no subcutâneo (Figura 3).



Os três pacientes evoluíram sem intercorrências durante o período pós-operatório, recebendo alta hospitalar após a retirada dos drenos. Os pacientes se mantêm em acompanhamento ambulatorial, com remissão dos sintomas e sem sinais de recidiva das hérnias ou outras complicações pós-operatórias significativas, como infecções ou dor crônica.

DISCUSSÃO

As hérnias lombares são conhecidas desde o ano de 1672, quando Barbette, aventou a sua existência8. Entretanto, a confirmação só chegou em 1731, quando DeGarangeot descreveu a redução de uma hérnia lombar durante autópsia3. Em 1750, Ravaton realizou a correção de uma hérnia lombar estrangulada em gestante8. Na literatura de língua inglesa, encontram-se descritos apenas pouco mais de 300 casos1,6-10,3,8,13.

O triângulo lombar superior é delimitado pela borda inferior da 12ª costela, músculos para-espinhais e músculo oblíquo interno, cujo teto é formado pelo músculo latíssimo do dorso e assoalho pela fáscia do músculo transverso do abdome. Já o triângulo lombar inferior é desenhado pelo músculo latíssimo do dorso, músculo oblíquo externo e crista ilíaca, cujo assoalho é formado pela fáscia transversal, aponeurose do músculo oblíquo interno, fáscia lombodorsal e o teto pela fáscia lombodorsal superficial1,3,7,8,10,13. Existem nestas áreas locais de fragilidade anatômica que favorecem o surgimento das hérnias lombares, como os pontos de saída dos ramos posteriores dos nervos lombares e estruturas vasculares, assim como aberturas na fáscia secundárias a traumas ou ao mau desenvolvimento embriológico. Existem também as hérnias lombares difusas, nas quais a área exata da falha não é bem definida e a hérnia se estende por toda a região lombar8.

A maioria das hérnias lombares espontâneas é unilateral, duas vezes mais frequente à esquerda e em pacientes entre a 5ª e 7ª décadas de vida 1,6,7 . Cerca de 2/3 são encontradas em pacientes do sexo masculino1,6,10,13. A localização mais comum é o triângulo lombar superior, provavelmente reflexo da fragilidade dessa área, aonde ao fundo está apenas a fáscia transversal. Hérnias lombares bilaterais são raríssimas e acredita-se que sejam defeitos congênitos1.

As hérnias primárias são mais comuns em idosos, nas perdas excessivas de peso e nas situações de aumentos da pressão intra-abdominal, representando 50% dos casos. A causa é fraqueza da parede abdominal posterior1. Já as secundárias decorrem de operações prévias, infecções, hematomas retroperitoneais ou traumas (30%). Os 20% restantes correspondem às de origem congênita, que são mais encontradas em crianças1,6-8,10,13. Habitualmente, quando há a presença de um saco bem definido, encontra-se cólon no interior; entretanto, outros órgãos abdominais podem passar através do defeito lombar 6,7,10.

Clinicamente as hérnias lombares se apresentam como abaulamentos na região posterior do abdome que protruem com o aumento da pressão intra-abdominal e desaparecem com o decúbito ventral. A maioria dos pacientes queixa-se de desconforto ou dor com diferentes graus de intensidade na região lombar, outros são assintomáticos3,6-8,10,13. Também podem apresentar náuseas, vômitos e cólicas abdominais, quadro clínico que leva à suspeição de estrangulamento da hérnia. No exame físico, a área de fragilidade pode ser detectada através da palpação, a qual pode ser dolorosa. Além disso, há aumento do volume da massa lombar à manobra de valsalva e também com outras condições que elevem a pressão intra-abdominal1,6,8. Algumas vezes, também podem ser auscultados ruídos hidroaéreos e à percussão, nota-se timpanismo7,8. Caso o diagnóstico permaneça duvidoso, realizam-se exames de imagem para confirmação diagnóstica. Através deles também podem ser obtidas informações adicionais sobre a anatomia, seu grau de distorção local e natureza do conteúdo do saco herniário. O diagnóstico deste tipo de hérnia é simples, sendo quase sempre baseado na história clínica e exame físico. Muitas vezes é realizado diagnóstico equivocado, sendo o lipoma um dos principais diagnósticos firmados. A tomografia deve ser usada de rotina na investigação das hérnias lombares, pois ela delineia bem as camadas musculares da parede abdominal posterior e mostra o defeito, independente da presença ou não de conteúdo herniário3.

As complicações das hérnias lombares são semelhantes às dos outros tipos de hérnia: encarceramento em 25% dos casos, com ou sem sinais de obstrução intestinal e estrangulamento em até 18% dos pacientes1,6,8-10,13.

O único tratamento disponível é o cirúrgico devendo ser realizado o mais precoce possível, corrigindo o defeito primário da parede abdominal1,3,8,10. O objetivo é reconstruir uma parede abdominal elástica e firme, capaz de suportar o esforço das atividades físicas diárias7. Podem ser feitas incisões oblíquas ou transversais de acordo com a preferência de cada cirurgião1,8. Quando encontrado, o saco herniário deve ser dissecado, aberto, explorado, ligado e ter seu excesso ressecado. Caso não seja possível, devido à presença de uma base larga, o saco deve ser evertido e plicado com pontos simples8.

Para o reparo das hérnias de Grynfelt pode ser utilizada operação convencional ou laparoscópica. Na primeira, é recomendada sutura em dupla-camada. Na primeira camada, a fáscia transversal deve ser reparada e na segunda, a fáscia do músculo oblíquo interno é aproximada à fáscia do músculo serrátil posterior. Atualmente, o uso de telas é universalmente aceito, principalmente quando o defeito é grande8. Raramente é necessária a realização de enterectomia13. A formação de seroma é complicação pós-operatória comum, presente em 35% dos pacientes8. De um modo geral apresentam boa evolução.

REFERÊNCIAS

1. Armstrong O, Hamel A, Grignon B, NDoye JM, Hamel O, Robert R, Rogez JM. Lumbar hernia: anatomical basis and clinical aspects. Surg Radiol Anat. 2008 Oct;30(7):533-7.

2. Barbette P. Opera chirurgico-anatomica. Lugduni, Gelder, 26. 1672.

3. Cesar D, Valadão M, Murrahe RJ. Grynfelt hernia: case report and literature review. Hernia. 2012 Feb;16(1):107-11.

4. Moreno-Egea A, Baena EG, Calle MC, Martínez JA, Albasini JL. Controversies in the current management of lumbar hernias. Arch Surg. 2007 Jan;142(1):82-8.

5. Ravaton H. Traite dês plaies d'ares a feu. 277. 1750

6. Renck DV, Gomes LM, Júnior JIL. Hérnia lombar adquirida secundária do tipo Grynfelt: relato de caso. Radiol Bras. 2009;42(2):137-138.

7. Sharma LT, Col P. Lumbar Hernia. MJAFI 2009; 65: 178-179. Disponível em: http://medind.nic.in/maa/t09/i2/maat09i2p178.pdf. Acesso em: 14 de fevereiro de 2010.

8. Skrekas G, Stafyla VK, Papalois VE. A Grynfeltt hernia: report of a case. Hernia. 2005 May;9(2):188-91.

9. Tavares-de la Paz LA, Martínez-Ordaz JL. Lumbar hernia. Case report and literature review. Cir Cir. 2007 Sep-Oct;75(5):381-4. .

10. Teo KA, Burns E, Garcea G, Abela JE, McKay CJ. Incarcerated small bowel within a spontaneous lumbar hernia. Hernia. 2010 Oct;14(5):539-41.

11. Tung HKS, Cheung SCW, Lee R, Chan FL. Bilateral Spontaneous Lumbar Hernia: Computed Tomografic Diagnosis. Department of Radiology, Queen Mary Hospital, Hong Kong. 2002

12. Wakhlu A, Wakhlu AK. Congenital lumbar hernia. Pediatr Surg Int. 2000;16(1-2):146-8.

13. Zhou X, Nve JO, Chen G. Lumbar hernia: clinical analysis of 11 cases. Hernia. 2004 Aug;8(3):260-3.

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

Recebido para publicação: 30/03/2012

Aceito para publicação: 23/01/2013

  • 1. Armstrong O, Hamel A, Grignon B, NDoye JM, Hamel O, Robert R, Rogez JM. Lumbar hernia: anatomical basis and clinical aspects. Surg Radiol Anat. 2008 Oct;30(7):533-7.
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  • 9. Tavares-de la Paz LA, Martínez-Ordaz JL. Lumbar hernia. Case report and literature review. Cir Cir. 2007 Sep-Oct;75(5):381-4.
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  • 13. Zhou X, Nve JO, Chen G. Lumbar hernia: clinical analysis of 11 cases. Hernia. 2004 Aug;8(3):260-3.
  • Correspondência:

    Álvaro Antônio Bandeira FERRAZ
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013
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