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Análise videofluoroscópica bidimensional perceptual da fase faríngea da deglutição em indivíduos acima de 50 anos

Resumos

RACIONAL: A videofluoroscopia é considerada o procedimento "padrão-ouro" para avaliação da deglutição pela maioria das unidades que atendem pacientes com disfagia, tendo grande impacto na tomada de decisão, não só em termos terapêuticos, como também na determinação do prognóstico. OBJETIVO: Propor e verificar a reprodutibilidade de protocolo de análise videofluoroscopica bidimensional perceptual da fase faríngea da deglutição em uma população de adultos saudáveis. MÉTODOS: Participaram desta pesquisa 20 indivíduos saudáveis, de ambos os gêneros, com idades entre 50 e 65 anos. O exame foi realizado durante a ingestão de "alimentos" com as seguintes consistências: 10 ml de líquido; 7 ml de pastoso; e meio biscoito do tipo "água e sal". O protocolo proposto foi composto de quatro partes: avaliação do tempo de trânsito faríngeo; avaliação da duração do contato da base de língua na parede posterior da faringe; avaliação da porcentagem de resíduo alimentar em valécula; avaliação de penetração e aspiração na árvore respiratória. A análise estatística envolveu a avaliação da reprodutibilidade do método de análise entre avaliadores e a análise dos dados quantitativos, levando-se em consideração os gêneros. RESULTADOS: Pela análise comparativa entre os avaliadores houve alta reprodutibilidade. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes para o tempo de trânsito faríngeo; para a duração do contato da base de língua na parede posterior da faringe e para a porcentagem de resíduo na valécula. Os resultados sugerem que os parâmetros de deglutição avaliados não tem diferença entre os gêneros. CONCLUSÃO: As análises asseguram a reprodutibilidade do protocolo proposto para análise bidimensional perceptual da videofluoroscopia. O resíduo na valécula mostrou-se presente em 40% da amostra, sugerindo que este parâmetro, isoladamente, não é indicativo de alteração na fase faríngea da deglutição.

Deglutição Transtornos da deglutição; Fluoroscopia


BACKGROUND: Videofluoroscopy is considered the "gold standard" procedure for the evaluation of swallowing by most units that treat patients with dysphagia, having a great impact in decision making, not only in therapeutic terms, but also in determining the prognosis. AIM: To propose and to verify the reproducibility of the results of a perceptual two-dimensional videofluoroscopic protocol for the analysis of the pharyngeal phase of swallowing in a population of healthy adults. METHODS: Participants were 20 healthy adults, of both genders, with ages between 50 and 65 years. Videofluoroscopy was performed during the swallow of the following consistencies: 10 ml of liquid; 7 ml of paste; and half a "salt and water" biscuit. The protocol was composed by four parts: assessment of the pharyngeal transit time; assessment of the duration of the tongue base movement to the posterior pharyngeal wall; valleculae residue ratio; assessment of penetration/aspiration. Statistical analysis involved the assessment of data reproducibility between raters and analysis of the quantitative data regarding gender. RESULTS: Comparison among raters indicated that data was highly reproducible. No significant differences were found between genders for pharyngeal transit time; for the duration of the tongue base movement to the posterior pharyngeal wall; and for the valleculae residue ratio. CONCLUSION: The perceptual two-dimensional videofluoroscopy analysis demonstrated to be a reproducible method. Valleculae residue was present in 40% of the study sample, suggesting that this parameter alone does not indicate alterations of the pharyngeal phase of swallowing.

Swallowing; Swallowing disorders; Fluoroscopy


ARTIGO ORIGINAL

Análise videofluoroscópica bidimensional perceptual da fase faríngea da deglutição em indivíduos acima de 50 anos

Rosane de Deus Chaves; Laura Davison Mangilli; Fernanda Chiarion Sassi; Shri Krishna Jayanthi; Bruno Zilberstein; Claudia Regina Furquim de Andrade

Unidade de Apoio de Fonoaudiologia do Instituto Central, e no Serviço de Radiologia, Instituto de Radiologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

CorrespondênciaCorrespondência: Claudia Regina Furquim de Andrade E-mail: clauan@usp.br

RESUMO

RACIONAL: A videofluoroscopia é considerada o procedimento "padrão-ouro" para avaliação da deglutição pela maioria das unidades que atendem pacientes com disfagia, tendo grande impacto na tomada de decisão, não só em termos terapêuticos, como também na determinação do prognóstico.

OBJETIVO: Propor e verificar a reprodutibilidade de protocolo de análise videofluoroscopica bidimensional perceptual da fase faríngea da deglutição em uma população de adultos saudáveis.

MÉTODOS: Participaram desta pesquisa 20 indivíduos saudáveis, de ambos os gêneros, com idades entre 50 e 65 anos. O exame foi realizado durante a ingestão de "alimentos" com as seguintes consistências: 10 ml de líquido; 7 ml de pastoso; e meio biscoito do tipo "água e sal". O protocolo proposto foi composto de quatro partes: avaliação do tempo de trânsito faríngeo; avaliação da duração do contato da base de língua na parede posterior da faringe; avaliação da porcentagem de resíduo alimentar em valécula; avaliação de penetração e aspiração na árvore respiratória. A análise estatística envolveu a avaliação da reprodutibilidade do método de análise entre avaliadores e a análise dos dados quantitativos, levando-se em consideração os gêneros.

RESULTADOS: Pela análise comparativa entre os avaliadores houve alta reprodutibilidade. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes para o tempo de trânsito faríngeo; para a duração do contato da base de língua na parede posterior da faringe e para a porcentagem de resíduo na valécula. Os resultados sugerem que os parâmetros de deglutição avaliados não tem diferença entre os gêneros.

CONCLUSÃO: As análises asseguram a reprodutibilidade do protocolo proposto para análise bidimensional perceptual da videofluoroscopia. O resíduo na valécula mostrou-se presente em 40% da amostra, sugerindo que este parâmetro, isoladamente, não é indicativo de alteração na fase faríngea da deglutição.

Descritores: Deglutição Transtornos da deglutição. Fluoroscopia.

INTRODUÇÃO

Nas duas últimas décadas foram desenvolvidos estudos que ampliaram o conhecimento sobre o processo da deglutição. Sabe-se que as alterações da deglutição, também chamadas de disfagia, podem ocorrer em qualquer idade e ter diferentes fatores causais14. Os problemas relacionados à deglutição geralmente tem impacto negativo na nutrição e na manutenção da dieta dos indivíduos que apresentam algum tipo de alteração dessa função8. A avaliação clínica e videofluoroscópica são indicadas para o gerenciamento das alterações da deglutição7,24.

A videofluoroscopia é considerada o procedimento "padrão-ouro" para avaliação da deglutição pela maioria das unidades que atendem pacientes com disfagia, tendo grande impacto na tomada de decisão, não só em termos terapêuticos, como também na determinação do prognóstico24,25. Trata-se de exame objetivo, que avalia a anatomia e fisiologia do processo de deglutição. Ela permite observar eventos que têm início na cavidade oral até os que ocorrem no estômago24.

As técnicas utilizadas para a videofluoroscopia variam consideravelmente, não só em termos do alimento ofertado ao paciente durante o exame, mas também quanto a metodologia empregada para sua realização e interpretação dos resultados. Essas incongruências metodológicas levam à dificuldades na comparação de resultados de diferentes avaliadores, de diferentes estudos e na determinação do que pode ser considerado normalidade e do que é indicativo de alteração2,18,30.

Embora venha sendo buscada a padronização dos procedimentos empregados durante a sua realização14, a qualidade e interpretação dos achados ainda não foram suficientemente pesquisadas2,10,29. A ausência ou presença de aspiração tem sido o sinal videofluoroscópico de maior relevância, sendo este sinal, isoladamente, determinante para a tomada de decisão no gerenciamento da alimentação por via oral e para a indicação da consistência mais adequada em cada caso19. O exame, por sua objetividade e especificidade, permite que sejam analisados outros aspectos da deglutição: desordens de motilidade na cavidade oral e faríngea; presença de resíduo na cavidade oral e faríngea; e porcentagem de resíduo alimentar acumulada ao longo do trato digestivo15. Dentro da abordagem da expansão das possibilidades de análise do exame, algumas variáveis - definição de termos; critérios de observação do evento; método de análise; reprodutibilidade das medidas; expertise do avaliador - merecem pesquisas específicas para que seja atingida a validação dessa nova abordagem10,12,16,29.

O objetivo do presente estudo é propor e verificar a reprodutibilidade de um protocolo para análise bidimensional perceptual da videofluoroscopia em uma população de adultos saudáveis.

MÉTODOS

Participantes

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição (CAPPesq HCFMUSP 0074/080 e iniciou-se após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Participaram 20 indivíduos saudáveis, de ambos os gêneros (10 homens e 10 mulheres), com idades entre 50 e 65 anos (59±4,39), sem histórico de doenças gástricas, pulmonares, cardíacas e/ou neurológicas; ausência de neoplasia; ausência de operações orofaríngeas e/ou laringotraqueais; ausência de histórico de internação hospitalar nos últimos 12 meses; auto-relato de deglutição normal e sem queixas quanto a essa função.

Videofluoroscopia da deglutição

Os exames foram realizadas por um radiologista e acompanhados por um fonoaudiólogo, ambos com experiência na área, no Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São paulo, SP, Brasil. Os participantes permaneceram sentados durante todo o exame em um ângulo de 90º, e a avaliação da deglutição foi realizada em vista lateral. O método para a realização do exame é procedimento padrão adotado no Instituto, e consite em: 1) oferta de líquido (50% água filtrada, 50% contraste bário) no volume de 10 ml, mensurados por seringa descartável graduada e posteriormente colocados em copos plásticos também descartáveis; 2) oferta de pastoso (20 ml de purê de frutas industrializado, 5 ml de contraste bário), com volme mensurado da mesma forma e, posteriormente, colocado em uma colher com volume padronizado de 7 ml; 3) oferta de sólido (meio biscoito do tipo "agua e sal" embebido em 2,5 ml do preparo pastoso).

Para cada uma das consistências foi solicitado aos participantes que se alimentassem de forma habitual, com o objetivo de reduzir possíveis interferências nas deglutições. As imagens foram gravadas em fitas VHS e posteriormente digitalizadas em DVD. Para a digitalização das filmagens foi utilizado o software TOO DVD Ripper Platinum v4.0.64. Para análise da versão digitalizada dos exames foi utilizado o software VirtualDub v1.8.6, que permitiu a análise quadro a quadro.

Protocolo de análise bidimensional perceptual da videofluoroscopia da deglutição

O protocolo é composto de quatro etapas fundamentadas em literatura específica7,17,21: avaliação do tempo de trânsito faríngeo; avaliação da duração do contato da base de língua na parede posterior da faringe; avaliação da porcentagem de resíduo alimentar em valécula; avaliação de penetração e aspiração. Cabe ressaltar que todas as medidas foram realizadas no mesmo computador, com nível de zoom em 100%, a fim de garantir a fidedignidade dos resultados.

Tempo de trânsito faríngeo - Corresponde ao intervalo de tempo, em segundos, referente à passagem do início do bolo alimentar, na altura do ramo da mandíbula (evento 1), até a passagem do final do bolo alimentar pelo esfíncter esofágico superior (evento 2). Para realização dessa medida, foram utilizadas as imagens quadro a quadro, determinando o momento em que cada um desses eventos ocorreu. Após a definição do intervalo entre os eventos (∆t evento 1/evento 2), foi realizada a conversão em segundos, sendo considerado que cada quadro corresponde a 0,033 segundos, conforme o software utilizado.

Duração do contato da base da língua na parede posterior da faringe - Corresponde ao intervalo de tempo, em segundos, referente ao primeiro contato da base da língua na parede posterior da faringe (evento 1), até o último contato da base da língua na parede posterior da faringe, tendo como base o nível superior da terceira vértebra cervical durante a deglutição (evento 2). Para realização dessa medida, foram utilizadas as imagens quadro a quadro, determinando o momento em que cada um desses eventos ocorreu. Após a definição do intervalo entre os eventos (∆t evento 1/evento 2), foi realizada a conversão em segundos, sendo considerado que cada quadro corresponde a 0,033 segundos, conforme o software utilizado.

Porcentagem de resíduo alimentar em valécula - Corresponde à mensuração da quantidade de resíduo de bolo alimentar após a primeira deglutição. Para a realização dessa medida são considerados: a área da valécula e a área do resíduo na valécula.

Medida da área da valécula - Corresponde à multiplicação da altura por sua largura. Para a realização dessa medida, a imagem da valécula, previamente a deglutição, é congelada na tela do computador. As medidas (altura e largura), em milímetros, são realizadas na própria tela por meio de paquímetro digital. Para a obtenção da altura da valécula, deve-se medir a distância perpendicular do topo da epiglote até a base da valécula. Para a obtenção da largura da valécula, deve-se medir a distância horizontal da porção mais larga entre as suas paredes.

Medida da área do resíduos na valécula - Corresponde à multiplicação da altura do resíduo do bolo alimentar pos sua largura na valécula. Para a realização dessa medida, a imagem da valécula, após a primeira deglutição de qualquer uma das consistências, é congelada na tela do computador. As medidas (altura e largura), em milímetros, são realizadas na própria tela por meio de paquímetro digital. Para a obtenção da altura do resíduo, deve-se medir a distância perpendicular do topo do resíduo até a base do mesmo. Para a obtenção da largura do resíduo, deve-se medir a distância horizontal da porção mais larga do resíduo. Estas duas medidas permitem calcular a proporção que o resíduo ocupa em relação a área total da valécula. Para tanto, deve ser aplicada a fórmula:

Escala da gravidade de resíduo em valécula - Após a determinação da porcentagem de resíduo em valécula, deve ser feita a conversão da gravidade: normal - <3%; leve - de 3> a <25%; moderado - de >25 a <55%; grave - >55%.

Escala de penetração e aspiração - Foi adotada a metodologia validada na literatura15. Trata-se de uma escala multidimensional de oito pontos que avalia o nível de penetração/aspiração do bolo alimentar nas vias aéreas e a resposta do indivíduo a essa penetração/aspiração. A pontuação é atribuída da seguinte forma: 1) material não entra em via aérea; 2) material entra na via aérea, permanece acima das pregas vocais e é expelido da via aérea; 3) material entra na via aérea, permanece acima das pregas vocais e não é expelido da via aérea; 4) material entra na via aérea, toca as pregas vocais e é expelido da via aérea; 5) material entra na via aérea, toca as pregas vocais e não é expelido da via aérea; 6) material entra na via aérea, passa abaixo das pregas vocais e é expelido para laringe ou fora da via aérea; 7) material entra na via aérea, passa abaixo das pregas vocais e não é expelido da traqueia apesar do esforço; 8) material entra na via aérea, passa abaixo das pregas vocais e nenhum esforço é feito para expeli-lo.

Análise dos dados

Para a análise estatística dos resultados, foi utilizado o software SPSS versão 13.0. Foi adotado nível de significância de p<0,05 para todas as análises realizadas. Para a padronização do procedimento foram considerados os resultados referentes a deglutição de 10 ml da consistência líquida.

A análise estatística envolveu duas etapas. A primeira, referiu-se à avaliação da reprodutibilidade entre os avaliadores. Para esta etapa foram selecionadas, por sorteio aleatório, 20% das amostras. As amostras foram submetidas à avaliação, segundo o protocolo descrito, de seis avaliadores, com experiência na área. As análises foram realizadas de forma independente, no mesmo computador, tendo sido feitas três reuniões prévias para treinamento da metodologia empregada. Todos os "juízes" puderam assistir aos vídeos quantas vezes fossem necessárias para que estivessem satisfeitos com as suas interpretações. Os testes utilizados para verificação da reprodutibilidade foram o coeficiente de correlação intraclasse (ICC) para variáveis quantitativas pela a análise de variância (teste t-Student pareado) e a análise da plotagem de Bland-Altman. A segunda, envolveu as análises dos dados quantitativos da amostra, levando-se em consideração os gêneros. Foram realizadas análises descritivas para os dados com distribuição normal (segundo o teste de Shapiro-Wilk), sendo apresentadas as médias e os respectivos desvios-padrão. Para os dados sem distribuição normal (segundo o teste de Levene), a apresentação foi realizada por meio das medianas e dos respectivos intervalos de interquantil IQ (25-75%). Recorreu-se ao teste t-Student para comparação das variáveis quantitativas com distibuição normal e o teste não paramétrico de Mann-Whitney para comparação das variáveis sem distribuição normal.

RESULTADOS

Para ambas as etapas de análise dos resultados foram considerados os parâmetros de tempo de trânsito faríngeo, duração do contato da base de língua na parede posterior da faringe e a porcentagem de resíduos em valécula, uma vez que todos os participantes apresentaram pontuação 1 na escala de penetração e aspiração, validando o índice de integridade física da deglutição dos participantes.

Etapa 1 - Avaliação da reprodutibilidade dos resultados entre avaliadores

Os dados foram analisados por meio de dois métodos estatísticos diferentes a fim de verificar extensivamente a reprodutibilidade da metodologia de avaliação da videofluoroscopia proposta no presente estudo. A consistência da análise das respostas entre os avaliadores foi testada, inicialmente, por meio do coeficiente intraclasse (ICC). O ICC foi baseado nos resultados da análise de variância de medidas repetidas e foi classificado da seguinte forma22: 0.90-0.99 = alta reprodutibilidade; 0,80-0,89 = boa reprodutibilidade; 0,70-0,79 = fraca reprodutibilidade; <0,69 = pobre reprodutibilidade. A seguir foi efetuada a plotagem em diagrama de dispersão, segundo a proposta de Bland e Altman3, para verificação da concordância entre as medidas obtidas pelos seis juízes.

Os resultados obtidos estão descritos nas Tabelas de 1 a 3.

 

O teste t-Student não identificou diferença significativa entre as medidas realizadas por cada um dos avaliadores, para nenhum dos parâmetros avaliados. Em relação ao ICC, todos os avaliadores alcançaram significância estatística, com alta reprodutibilidade para a maioria das comparações. Cabe ressaltar, que nas situações em que os avaliadores não apresentaram diferenças em relação às análises realizadas, o ICC encontra-se representado com valor de 1,000. Nesses casos, as demais análises estatísticas não são aplicáveis.

Etapa 2 - Análise dos dados quantitativos

As Tabelas de 4 a 6 mostram a análise dos resultados quantitativos para os parâmetros avaliados em relação ao gênero. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes para o tempo de trânsito faríngeo (Tabela 4); para a duração do contato da base de língua na parede posterior da faringe (Tabela 5); e para a porcentagem de resíduo na valécula (Tabela 6). Os resultados sugerem que os parâmetros de deglutição avaliados não se diferenciam entre os gêneros.

Apesar dos indivíduos avaliados serem saudáveis e não apresentarem queixas de deglutição e penetração/aspiração foi observado na avaliação da proporção de resíduo em valécula que 40% dos participantes apresentaram resíduo, com variação de grau leve a moderado (12 participantes classificados como normais; seis como leves; dois como moderados).

DISCUSSÃO

A baixa confiabilidade entre avaliadores é inaceitável para qualquer instrumento de avaliação. O avaliador deve ser capaz de reproduzir os resultados do mesmo paciente ao longo do tempo e deve ser capaz de manter seus parâmetros quando avaliando pacientes diferentes. Um bom protocolo de avaliação deve permitir a reprodução dos resultados por diferentes avaliadores. Na disfagia, a discrepância intra ou inter avaliadores pode ter impacto na decisão de receber ou não tratamento, ou na escolha entre realizar exercícios e utilizar manobras compensatórias7.

A opção por um método de avaliação é ponto crítico na análise das informações para a validação de um instrumento, considerando que este deverá mensurar com a maior acurácia possível, neste caso, o processo da deglutição27. A fim de determinar a reprodutibilidade do protocolo para análise da videofluoroscopia proposto neste estudo, foram empregados dois métodos estatísticos que mostraram alta concordância entre avaliadores. Dessa forma, os resultados sugerem que as medidas propostas no protocolo são reprodutíveis na prática clínica e, portanto, podem ser utilizadas em larga escala.

A videofluoroscopia é o procedimento de escolha quando a compreensão da relação entre a fisiologia faríngea e os sintomas apresentados pelo paciente é necessária14. A maioria dos protocolos publicados identifica o resíduo em valécula como um parâmetro de diagnóstico14. Para que a ela seja considerada um instrumento de avaliação válido e consistente, a interpretação confiável das imagens é necessária, independentemente se elas são do mesmo indivíduo em momentos diferentes ou de um grupo de indivíduos no mesmo momento. Estudos com videofluoroscopia apresentam baixos níveis de concordância para diversos dos parâmetros avaliados16,25,29. O parâmetro que apresenta maior concordância é quanto a presença ou ausência de aspiração10, principalmente se comparado à determinação da gravidade de resíduo em valécula16,19,21,25. No presente estudo, a metodologia empregada para determinar a porcentagem de resíduo em valécula mostrou-se eficiente e com alta reprodutibilidade.

A média de idade dos participantes deste estudo foi de 59 anos (±4,39). Segundo o Estatuto do Idoso4, o indivíduo é considerado cmo tal a partir dos 65 anos. Apesar dos participantes do presente estudo terem sido classificados como saudáveis e não apresentarem queixas relacionadas à deglutição, foi observada porcentagem de resíduo em valécula de graus leve a moderado. Esse fato pode estar relacionado ao fator idade, uma vez que o grupo de participantes apresentou idade limite entre ser considerado adulto e idoso. As alterações da deglutição são comuns em indivíduos idosos, e se tornarão um ponto relevante para gestão relacionada aos cuidados da saúde, uma vez que esta população vem se tornando cada vez maior23. Sabe-se que a fisiologia da deglutição se modifica com o avanço da idade. A redução fisiológica da massa muscular e da elasticidade do tecido conectivo resulta em perda de força e de mobilidade15. Essas mudanças podem ter impacto negativo na efetividade e na eficiência da deglutição, e na proteção da via aérea. Em geral, segundo a literatura, é observada lentidão sutil do processo de deglutição com o avançar da idade, além de outras alterações relacionadas a preparação do alimento em fase oral, no número de deglutições, e na presença de resíduo de alimento ao longo do trato digestivo26. Estudos futuros, com grupos de indivíduos saudáveis, devem considerar outras faixas etárias com o objetivo de determinar parâmetros de normalidade e, assim, contribuir com o diagnóstico das alterações da deglutição.

O presente estudo não encontrou diferença estatística na comparação entre gêneros. A literatura descreve que existem diferenças anatômicas e funcionais entre homens e mulheres em todo trato digestivo (cavidade oral, faringe, esfíncter esofágico superior e esôfago)1,6. Segundo a literatura, quando comparadas aos homens, as mulheres apresentam maior tempo de trânsito orofaríngeo5,6, maior duração da abertura do esfíncter esofágico superior13, menor intervalo entre deglutições e menor volume de bolo alimentar para cada deglutição1, maior tempo de fechamento laríngeo durante a deglutição11 e fechamento laríngeo precoce quando considerando a abertura do esfíncter esofágico superior11. Hiss et al.9 ainda descreve que mulheres apresentam maior duração da apnéia da deglutição. Em contrapartida, estudos apontam que homens apresentam maior pressão e resistência muscular quando considerando a pressão de língua na cavidade oral28. Contudo, os resultados do presente estudo sugerem que essas diferenças não tiveram impacto nas variáveis de análise descritas no protocolo proposto. Uma das possíveis explicações é que diversos dos estudos citados utilizaram a manometria para verificação das diferenças entre gêneros, e, além disso, muitas das características de deglutição apresentadas não foram contempladas no protocolo utilizado. Uma das propostas para estudos futuros é a aplicação do protocolo de análise da videofluoroscopia em larga escala a fim de comprovar se esses parâmetros realmente não diferenciam os gêneros.

Finalizando, algumas limitações do estudo devem ser apontadas. Embora o protocolo apresentado explore a quantificação do resíduo em valécula, sua análise é perceptual, com base nas medidas da área funcional (altura x largura), não considerando a área circunscrita da valécula e nem as possíveis diferenças anatômicas individuais20. Conforme descrito em estudo recente20, essa limitação pode implicar que dois volumes diferentes de resíduo possam gerar valores proporcionais idênticos, se consideradas as medidas lineares de altura e largura obtidas pela visão lateral da imagem da videofluoroscopia. Além disso, sabe-se que o espaço da valécula determina a quantidade de resíduo que pode ser armazenado até que haja risco de transbordamento e eventual aspiração. É hipoteticamente possível que duas pessoas com alturas equivalentes possam apresentar valéculas com tamanhos diferentes ou, ao contrário, duas pessoas com alturas diferentes apresentem valéculas com tamanhos e capacidades semelhantes. Para a análise do real risco de aspiração, ainda é necessária a compreensão da relação tamanho da valécula e estrutura corporal como um todo.

CONCLUSÃO

As análises asseguram a reprodutibilidade do protocolo proposto para análise bidimensional perceptual da videofluoroscopia. O resíduo na valécula mostrou-se presente em 40% da amostra, sugerindo que este parâmetro, isoladamente, não é indicativo de alteração na fase faríngea da deglutição.

Recebido para publicação: 14/05/2013

Aceito para publicação: 06/08/2013

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

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  • Correspondência:

    Claudia Regina Furquim de Andrade
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Fev 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      14 Maio 2013
    • Aceito
      06 Ago 2013
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