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Emprego da operação de Heller-Pinotti no tratamento do esfíncter esofagiano inferior hipertensivo

CARTA AO EDITOR

Emprego da operação de Heller-Pinotti no tratamento do esfíncter esofagiano inferior hipertensivo

Maria Aparecida Coelho de Arruda Henry; Mauro Masson Lerco

Departamento de Cirurgia e Ortopedia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP, Botucatu, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Maria Aparecida Coelho de Arruda Henry Rua Miguel Cioffi, 200 Botucatu - SP - CEP: 18607-693

INTRODUÇÃO

Na investigação etiológica da disfagia quase sempre é observado obstáculo mecânico na luz esofágica, tanto de origem benigna como maligna. Todavia, distúrbio motor deve ser pensado na ausência desses achados. O esfíncter esofagiano inferior hipertensivo (EEIH) é um tipo de distúrbio motor caracterizado por elevada pressão de repouso no EIE (esfíncter inferior do esôfago) com valor acima de 45 mmHg, associada ao peristaltismo normal. Os portadores dessa afecção referem disfagia por vezes acompanhada de dor torácica2,3. O EEIH é raro, com incidência de 0,3 a 2,7% dos pacientes encaminhados aos laboratórios de motilidade esofágica3,11.

Houve a oportunidade dos autores atenderem dois pacientes e, considerando a raridade da doença, julgou-se oportuna esta publicação, que tem por objetivo apresentar os aspectos clínicos e terapêuticos encontrados, e os resultados do tratamento cirúrgico através de procedimento de Heller-Pinotti12.

RELATO DOS CASOS

CASO 1

Mulher de 62 anos, branca, referia disfagia para sólidos há cinco anos. Negava antecedentes epidemiológicos para doença de Chagas, com sorologia negativa. O exame físico não tinha alterações dignas de nota. Esofagograma mostrou esôfago de calibre normal, confirmado pela endoscopia esofágica. A manometria esofágica revelou EIE com 82,2 mmHg, com relaxamento normal; esfíncter superior do esôfago (ESE) com 40,6 mmHg; corpo esofágico com peristaltismo normal.

O tratamento efetuado foi a cardiomiotomia associada à fundoplicatura anterior (Heller-Pinotti), por via laparotômica (Figura 1). A evolução clínica mostrou remissão da disfagia. Nova manometria realizada três meses após mostrou EIE=28,9 mmHg, ESE=53 mmHg e peristaltismo normal.


CASO 2

Mulher de 42 anos, branca, com queixa de disfagia para sólidos há seis meses e emagrecimento de 4 Kg apresentou-se ao atendimento médico com exame físico sem alterações, esofagograma e endoscopia normais. Manometria esofágica revelou EIE=48,5 mmHg, com relaxamento normal; ESE=75,5 mmgHhhhhHg, peristaltismo normal. O tratamento foi semelhante ao da paciente anterior, porém por abordagem laparoscópica. Na evolução clínica foi observado restabelecimento normal da deglutição normal. Manometria pós-operatória mostrou EIE=22,8 mmHg, ESE=81 mmHg e peristaltismo normal.

DISCUSSÃO

Descrito por Code et al. (1960)2, o EEIH é um distúrbio motor esofagiano raro, no qual a pressão de repouso de EIE excede trê desvios-padrão acima do limite superior da normalidade. Nos estudos manométricos convencionais refere-se pressão maior que 45 mmHg6. Outras características manométricas incluem relaxamento esfincteriano preservado e peristaltismo normal. Clinicamente, o EEIH é associado com disfagia e dor torácica.

Na classificação dos distúrbios motores esofágicos proposta por Spechler e Castell (2001)13, o EEIH juntamente com o esôfago em quebra nozes compõem o grupo de distúrbios hipercinéticos. Os seus portadores em geral são mulheres, o que se demonstrou também estes relatos e em outros de vários autores6,7,15.

As opções terapêuticas são limitadas (Tabela 1) e têm como objetivo reduzir a pressão no EIE. Bortolotti et al. (2002)1 administraram Sildenafil (50 mg) aos pacientes com dor retroesternal e/ou disfagia e observaram redução da pressão esfincteriana, porém, não referem se houve remissão clínica. Os autores propõem o uso deste fármaco para o tratamento de EEIH. Dentre os bloqueadores dos canais de cálcio, a Nifedipina tem sido sugerida como boa opção terapêutica; ela promove remissão dos sintomas, diminuição da pressão no EIE, além de não provocar efeitos colaterais. Alguns autores têm recomendado a injeção de toxina botulínica no EIE através de endoscopia10. Os resultados são discordantes, tendo Jones (1996)6 referindo remissão completa da disfagia e Lacy et al. (2002)7 recidiva precoce do sintoma. Além da injeção de toxima botulínica, dilatação da cárdia é outro procedimento que pode ser realizado com auxílio da endoscopia e utilizada com sucesso por Traube et al. (1984)15.

Mais recentemente alguns autores têm indicado o tratamento cirúrgico, através da cardiomiotomia e válvula anti-refluxo, parcial11,14. Considerando a eficácia da operação de Heller-Pinotti no tratamento do megaesôfago e sua propriedade de reduzir a pressão do tratamento do EIE, os autores deste trabalho consideraram válido o emprego dela para o tratamento das duas pacientes deste relato. Na avaliação pós-operatória (80 d e 33 m) elas referiram restabelecimento da deglutição e ganho de peso.

Os autores concluem que a operação de Heller-Pinotti constitui boa opção terapêutica para os portadores de EEIH.

Recebido para publicação: 23/10/2012

Aceito para publicação: 31/01/2013

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

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  • Correspondência:

    Maria Aparecida Coelho de Arruda Henry
    Rua Miguel Cioffi, 200
    Botucatu - SP - CEP: 18607-693
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Fev 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013
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