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Alterações endoscópicas mínimas na doença do refluxo não erosiva

Resumos

RACIONAL:

Doença do refluxo gastroesofágico é condição cada vez mais comum em todo o mundo causando impacto econômico considerável. Mais da metade dos pacientes com sintomas clínicos da doença não apresentam erosões endoscópicas da mucosa, o que torna impossível confirmar o diagnóstico sem outras investigações.

OBJETIVO:

Avaliar a correlação entre mudanças mínimas endoscópicas em endoscopia digestiva alta de luz branca (cardite, espessamento da mucosa e invisibilidade de vasos) e as alterações histológicas observadas em biópsias distais de uma amostra de pacientes com sintomas sugestivos de doença do refluxo, e para verificar a especificidade desses sintomas para a doença não-erosiva.

MÉTODOS:

Estudo retrospectivo, transversal, com base em informações obtidas a partir de uma base de dados digital em um hospital brasileiro no período de março/outubro de 2012. A amostra foi composta por indivíduos não tratados previamente, não fumantes, >18 anos, com sintomas sugestivos de doença do refluxo, mas sem erosões esofágicas submetidos à endoscopia digestiva alta e biópsia de esôfago distal.

RESULTADOS:

A amostra final incluiu 23 indivíduos. A alteração mais frequente foi invisibilidade dos vasos (n=21; 91,3%), seguido por espessamento de mucosa (n=15; 65,2%) e cardite (n=5; 21,7%). O coeficiente de correlação entre cada variável e o diagnóstico anatomopatológico foi 0,386 para o índice de massa corporal, 0,479 para espessamento de mucosa, -0,116 para a invisibilidade de vasos, 0,306 para carditis e 0,462 para hérnia hiatal.

CONCLUSÃO:

Todos os pacientes apresentaram alterações endoscópicas mínimas, mas apenas espessamento da mucosa revelou correlação moderadamente significativa com a gravidade da esofagite, apesar do aumento dos valores no índice de massa corporal e da presença de hérnia hiatal também estarem associados.

Esofagite péptica; Endoscopia gastrointestinal; Refluxo gastroesofágico


BACKGROUND:

Gastroesophageal reflux disease is an increasingly common condition worldwide causing a considerable economic impact. More than half the patients with clinical symptoms of reflux disease display no mucosal erosions on esophagogastroduodenoscopy, making it impossible to confirm the diagnosis without further investigations.

AIM:

To evaluate the correlation between minimal endoscopic changes on white-light esophagogastroduodenoscopy (carditis, mucosal thickening and invisibility of vessels) and histologic changes observed in distal esophageal biopsies in a sample of patients with symptoms suggestive of reflux disease, and to verify the specificity of these symptoms for non-erosive reflux disease.

METHODS:

Retrospective, cross-sectional study based on information retrieved from a digital database at a Brazilian hospital for the period March-October, 2012. The sample consisted of previously untreated, non-smoking subjects aged >18 years with symptoms suggestive of reflux disease but no esophageal erosions, submitted to esophagogastroduodenoscopy and distal esophageal biopsy.

RESULTS:

The final sample included 23 subjects. The most frequently observed change was invisibility of vessels (n=21; 91.3%), followed by mucosal thickening (n=15; 65.2%) and carditis (n=5; 21.7%). The correlation coefficient between each variable and the anatomopathological diagnosis was 0.386 for body mass index, 0.479 for mucosal thickening, -0.116 for invisibility of vessels, 0.306 for carditis and 0.462 for hiatal hernia.

CONCLUSION:

All patients displayed minimal endoscopic changes on esophagogastroduodenoscopy, but only mucosal thickening revealed a moderately significant correlation with severity of esophagitis, although increased body mass index values and the presence of hiatal hernia were also associated.

Peptic esophagitis; Gastrointestinal endoscopy; Gastroesophageal reflux


INTRODUÇÃO

O refluxo gastroesofágico pode ser definido como a livre volta do conteúdo gástrico para o esôfago. Pode afetar indiscriminadamente todos os indivíduos e ocorrer várias vezes ao dia, especialmente depois das refeições. Quando a duração é curta, sem sintomas ou sinais da lesão da mucosa, pode ser considerado processo fisiológico.

Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é definida pelo Consenso Internacional de Montreal (2006) como " condição que se desenvolve quando o refluxo do conteúdo do estômago provoca sintomas e/ou complicações"2323. Vakil N, van Zanten SV, Kahrilas P, Dent J, Jones R; Global Consensus Group.The Montreal definition and classification of gastroesophageal reflux disease: a global evidence-based consensus. Am J Gastroenterol. 2006 Aug;101(8):1900-20; quiz 1943... DRGE é altamente prevalente em todo o mundo. No Brasil, 11,9% da população é afetada, e a prevalência é esperada aumentar1818. Moraes-Filho JPP, Chinzon D, Eisig JN, Hashimoto CL, Zaterka S. Prevalência da pirose e da doença gastroesofágica numa população urbana brasileira. Arq Gastroenterol 2004; 42(2):122-7.. DRGE crônica está associada com alta morbidade, recorrência frequente e perda de qualidade de vida. A condição tem várias apresentações clínicas, independentemente do sexo e idade, e produz impacto econômico considerável, principalmente devido aos custos com outros meio diagnósticos2121. Nwokediuko SC. Current trends in the management of gastroesophageal reflux disease: a review. ISRN Gastroenterol. 2012;2012:391631..

O diagnóstico requer anamnese detalhada e exames complementares. Quando suspeitar de DRGE, o primeiro teste a ser realizado é esofagogastroduodenoscopia (EGD), procedimento relativamente simples, que permite visualizar diretamente do trato digestivo superior e ajuda a descartar outras e mais graves doenças1717. Moraes-Filho J, Cecconello I, Gama-Rodrigues J, Castro L, Henry MA, Meneghelli UG, Quigley E; Brazilian Consensus Group. Brazilian consensus on gastroesophageal reflux disease: proposals for assessment, classification, and management. Am J Gastroenterol. 2002 Feb;97(2):241-8.. Confirmado pela presença de erosões da mucosa, a DRGE é classificada como erosiva e subclassificada de acordo com a classificação de Los Angeles ou Savary-Miller1212. Kim N, Lee SW, Cho SI, Park CG, Yang CH, Kim HS, Rew JS, Moon JS, Kim S, Park SH, Jung HC, Chung IS; H. pylori and Gerd Study Group of Korean College of Helicobacter and Upper Gastrointestinal Research. The prevalence of and risk factors for erosive oesophagitis and non-erosive reflux disease: a nationwide multicentre prospective study in Korea. Aliment Pharmacol Ther. 2008 Jan 15;27(2):173-85.. Contudo, a classificação endoscópica meramente distingue entre esofagite erosiva e não erosiva, mas não leva em conta as mudanças mínimas observadas em pacientes com a forma não erosiva.

Entre 50-75% dos indivíduos com sinais e sintomas sugestivos de DRGE não apresentam erosões visíveis na EGD. Na ausência da confirmação do diagnóstico, doença do refluxo não-erosiva (NERD) é geralmente suspeitada1212. Kim N, Lee SW, Cho SI, Park CG, Yang CH, Kim HS, Rew JS, Moon JS, Kim S, Park SH, Jung HC, Chung IS; H. pylori and Gerd Study Group of Korean College of Helicobacter and Upper Gastrointestinal Research. The prevalence of and risk factors for erosive oesophagitis and non-erosive reflux disease: a nationwide multicentre prospective study in Korea. Aliment Pharmacol Ther. 2008 Jan 15;27(2):173-85.,1616. Modlin IM, Hunt RH, Malfertheiner P, Moayyedi P, Quigley EM, Tytgat GN, Tack J, Heading RC, Holtman G, Moss SF; Vevey NERD Consensus Group. Diagnosis and management of non-erosive reflux disease--the Vevey NERD Consensus Group. Digestion. 2009;80(2):74-88.,1717. Moraes-Filho J, Cecconello I, Gama-Rodrigues J, Castro L, Henry MA, Meneghelli UG, Quigley E; Brazilian Consensus Group. Brazilian consensus on gastroesophageal reflux disease: proposals for assessment, classification, and management. Am J Gastroenterol. 2002 Feb;97(2):241-8.. Em tais pacientes, o diagnóstico requer testes de pH esofágico, biópsia esofágica e, em alguns casos, impedanciometria55. Federação Brasileira de Gastroenterologia, Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva, Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva, Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Doença do refluxo gastroesofágico: diagnóstico. Diretrizes em foco; Rev Assoc Med Bras. 2011. 57(5):499-507.,2121. Nwokediuko SC. Current trends in the management of gastroesophageal reflux disease: a review. ISRN Gastroenterol. 2012;2012:391631.. Atualmente, NERD se distingue de esofagite erosiva por EGD de luz branca convencional e a azia funcional por meio de testes de pH esofágico, com ou sem impedanciometria.

Exame anatomopatológico de biópsias esofágicas podem ser utilizados para confirmar a DRGE microscopicamente55. Federação Brasileira de Gastroenterologia, Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva, Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva, Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Doença do refluxo gastroesofágico: diagnóstico. Diretrizes em foco; Rev Assoc Med Bras. 2011. 57(5):499-507.,2121. Nwokediuko SC. Current trends in the management of gastroesophageal reflux disease: a review. ISRN Gastroenterol. 2012;2012:391631.. Avanços na tecnologia da EGD tornaram possível identificar mudanças anteriormente indetectáveis potencialmente associadas com a doença não erosiva. No entanto, de acordo com a maioria dos estudos, alterações mínimas (por exemplo, eritema, friabilidade e edema) muitas vezes exibem baixa especificidade para NERD, como eles também podem resultar de fatores não-patológicos, tais como o fumo1515. Miyasaka M, Hirakawa M, Nakamura K, Tanaka F, Mimori K, Mori M, Honda H. The endoscopic diagnosis of nonerosive reflux disease using flexible spectral imaging color enhancement image: a feasibility trial. Dis Esophagus. 2011 Aug;24(6):395-400..

A necessidade de padronizar o diagnóstico endoscópico de DRGE recentemente levou à introdução de uma classificação de "esofagite mudança mínima", que, na ausência de erosões, categoriza mudanças sutis na mucosa. No entanto, ainda é preciso determinar se essas mudanças são específicas para NERD ou achados endoscópicos ocasionais. Em pacientes com ele, os achados endoscópicos mais comuns são eritema sem demarcação clara, edema, mucosa esbranquiçada perto da junção esofagogástrica, cardite, a invisibilidade dos vasos e espessamento da mucosa33. Caviglia R, Ribolsi M, Gentile M, Rabitti C, Emerenziani S, Guarino MP, Petitti T, Cicala M. Dilated intercellular spaces and acid reflux at the distal and proximal oesophagus in patients with non-erosive gastro-oesophageal reflux disease. Aliment Pharmacol Ther. 2007 Mar 1;25(5):629-36.,44. Chu CL, Zhen YB, Lv GP, Li CQ, Li Z, Qi QQ, Gu XM, Yu T, Zhang TG, Zhou CJ, Rui-Ji, Li YQ. Microalterations of esophagus in patients with non-erosive reflux disease: in-vivo diagnosis by confocal laser endomicroscopy and its relationship with gastroesophageal reflux. Am J Gastroenterol. 2012 Jun;107(6):864-74.,99. Kasap E, Zeybel M, Asik G, Ayhan S, Yüceyar H. Correlation among standard endoscopy, narrow band imaging, and histopathological findings in the diagnosis of nonerosive reflux disease. J Gastrointestin Liver Dis. 2011 Jun;20(2):127-30.,1010. Kim JB, Shin SR, Shin WG, Choi MH, Jang HJ, Kim KO, Park CH, Baek IH, Baik GH, Kim KH, Park SH, Kae SH, Lee MS, Kim HY. Prevalence of minimal change lesions in patients with non-erosive reflux disease: a case-control study. Digestion. 2012;85(4):288-94.,1111. Kim JH, Park H, Lee YC; MIGHT study group. Is minimal change esophagitis really part of the spectrum of endoscopic findings of gastroesophageal reflux disease? A prospective, multicenter study. Endoscopy. 2011 Mar;43(3):190-5.,1515. Miyasaka M, Hirakawa M, Nakamura K, Tanaka F, Mimori K, Mori M, Honda H. The endoscopic diagnosis of nonerosive reflux disease using flexible spectral imaging color enhancement image: a feasibility trial. Dis Esophagus. 2011 Aug;24(6):395-400.,1616. Modlin IM, Hunt RH, Malfertheiner P, Moayyedi P, Quigley EM, Tytgat GN, Tack J, Heading RC, Holtman G, Moss SF; Vevey NERD Consensus Group. Diagnosis and management of non-erosive reflux disease--the Vevey NERD Consensus Group. Digestion. 2009;80(2):74-88..

O objetivo do presente estudo foi avaliar a correlação entre mudanças mínimas endoscópicos na EGD de luz branca (cardite, espessamento da mucosa e invisibilidade de vasos) e as alterações histológicas observadas em biópsias distais de uma amostra de pacientes com sintomas sugestivos de DRGE, e verificar a especificidade desses sintomas para NERD.

MÉTODOS

O protocolo do estudo foi previamente submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIOESTE (Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil) através de Plataforma Brasil e arquivado no CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), sob # 677,818.

Estudo retrospectivo e transversal, incluiu pacientes não-fumantes não tratados previamente com idades entre 18-75 anos, com sintomas sugestivos de DRGE. Os pacientes foram submetidos à EGD e biópsia de esôfago distal. Os indivíduos que apresentavam erosões esofágicas (característicos da DRGE erosiva) ou outras doenças do esôfago (megaesôfago por exemplo, e lesões cáusticas) e indivíduos com história de tratamento com inibidores da bomba de prótons foram excluídos da amostra. Os dados foram obtidos a partir de um banco de dados digital a Gastroclínica Cascavel (Cascavel, PR, Brasil), que abrange o período de março a outubro de 2012.

Foram coletadas informações sobre idade, sexo, peso, altura, índice de massa corporal (IMC), sintomas (azia, azia, regurgitação, eructação e halitose) e alterações endoscópicas (hérnia de hiato, o alargamento do hiato esofágico, gastrite e duodenite). Os achados endoscópicos incluíram espessamento da mucosa, a invisibilidade de vasos, cardite e ausência de alterações. Finalmente, as conclusões da EGD foram comparadas com os resultados da biópsia de esôfago distal.

Espessamento da mucosa foi caracterizado por pregas longitudinais separadas por sulcos; invisibilidade dos vasos por desaparecimento da rede vascular esofágica habitual; cardite por presença de vascularização claramente visível e irregularidades epiteliais na junção esofagogástrica.

Todas as EGD foram realizadas pelo mesmo profissional. As biópsias esofágicas distais foram coletadas à 2 cm acima da junção escamocolunar e analisadas por um único patologista cego aos achados endoscópicos; foram classificadas de acordo com os critérios propostos por Faramarz Ismail-Beigi (1970)2020. Nandurkar S, Locke GR 3rd, Fett S, Zinsmeister AR, Cameron AJ, Talley NJ. Relationship between body mass index, diet, exercise and gastro-oesophageal reflux symptoms in a community. Aliment Pharmacol Ther. 2004 Sep 1;20(5):497-505..

Usando o software estatístico Prism 5.0, os dados foram analisados com o teste t de Student e/ou o teste do qui-quadrado, e os coeficientes de correlação de Spearman foram calculados. O nível de significância estatística foi estabelecido em 5% (p<0,05). Os coeficientes de correlação de Spearman no intervalo entre -1 e 1. Sinal negativo indica correlação inversa entre as variáveis. Estes resultados foram interpretados usando a classificação proposta por Godeardo Baquero: -1: correlação negativa perfeita; -0,99 para -0,90: muito forte correlação negativa; -0,89 para -0,70: forte correlação negativa; -0,69 para -0,40: correlação negativa moderada; -0,39 para -0,20: correlação negativa fraca; -0,19 para 0,10: correlação negativa muito fraca; 0 nenhuma correlação; 0,10-0,19: correlação positiva muito fraca; 0,20-,39: fraca correlação positiva; 0,40-0,69: correlação positiva moderada; 0,70-0,89: forte correlação positiva; 0,90-0,99: muito forte correlação positiva; 1: correlação perfeita positiva.

RESULTADOS

Biópsias distais não estavam disponíveis em quatro pacientes da amostra original de 27 com sintomas sugestivos de DRGE, deixando a final com 23 pacientes com idade 37,65±13,61 anos (intervalo: 19-74), dos quais oito (34,8%) eram do sexo feminino e 15 (65,2%) do masculino. O IMC médio foi de 25,28±3,63 (mulheres: 22,89±3,28; homens: 26,55±3,21). Peso, altura e IMC foram significativamente maiores para os homens do que para as mulheres.

Os sintomas mais comumente relatados foram azia e regurgitação (ambos n=14; 60,9%), seguido pela sensação de saciedade precoce (n=8; 34,8%), azia (n=7; 30,4%), náusea (n=6; 26,1%), diarreia (n=4; 17,4%) e eructação (n=1; 4,3%) (Tabela 1).

Tabela 1 -
Frequência absoluta e relativa dos sintomas da doença do refluxo não-erosiva (n=23)

Todos os pacientes apresentaram alterações endoscópicas mínimos na EGD. A invisibilidade dos vasos foi a mais frequentemente (n=21; 91,3%), seguida por espessamento da mucosa (n=15; 65,2%) e cardite (n=5; 21,7%) (Tabela 2).

Tabela 2 -
Frequência absoluta e relativa das alterações endoscópicas mínimas na endoscopia com suspeita de doença do refluxo não-erosiva (n=23)

Da mesma forma, todos os pacientes apresentaram alterações no exame anatomopatológico. O diagnóstico mais frequente foi de esofagite leve (n=16; 66,6%), seguido de esofagite moderada (n=6; 25%) e esofagite eosinofílica (n=2; 8,33%). Um paciente teve tanto esofagite moderada como esofagite eosinofílica (Tabela 3).

Tabela 3 -
Frequência absoluta e relativa do diagnóstico anatomopatológico de esofagite com suspeita de doença do refluxo não-erosiva (n=23)

Endoscopicamente, 17 (73,9%) dos indivíduos exibiram discreto aumento do hiato esofágico, enquanto oito (34,8%) tiveram pequena hérnia hiatal (2-3 cm). Gastrite enantemática foi observada em 13 (56,5%), gastrite erosiva em nove (39,1%) e duodenite em um (4,3%). Apenas um (4,3%) paciente não apresentou gastrite.

A presença de hérnia hiatal e espessamento de mucosa foi apenas moderadamente relacionada com o diagnóstico anatomopatológico. Apesar do coeficiente de correlação pequeno (0,386), o IMC foi significativamente e positivamente (p=0,034) associado com a gravidade da esofagite. Espessamento da mucosa apresentou moderada (0,479) mas significativa (p=0.021) correlação, com o diagnóstico anatomopatológico, indicando que 22,4% do aumento na gravidade poderia ser explicado pelo espessamento da mucosa. As restantes alterações endoscópicas mínimas não foram significativamente correlacionadas com os resultados da biópsia de esôfago distal. Apesar de ser alteração endoscópica mais frequentemente observada, a invisibilidade dos vasos apresentou coeficiente negativo fraco (-0,116), o que sugere relação inversa entre as variáveis (p=0,599). Da mesma forma, o coeficiente de cardite foi fraco (0,306) e não significativo (p=0,155). Por outro lado, hérnia hiatal foi moderada e significativamente correlacionada com a gravidade da esofagite (0,462; p=0,026), indicando que em 21,34% dos casos, o aumento da severidade pode ser atribuída à presença desta condição.

DISCUSSÃO

A associação sintomática entre IMC e DRGE observada neste estudo é apoiada por relatos de outros estudos1919. Murray L, Johnston B, Lane A, Harvey I, Donovan J, Nair P, Harvey R. Relationship between body mass and gastro-oesophageal reflux symptoms: The Bristol Helicobacter Project. Int J Epidemiol. 2003 Aug;32(4):645-50.,2020. Nandurkar S, Locke GR 3rd, Fett S, Zinsmeister AR, Cameron AJ, Talley NJ. Relationship between body mass index, diet, exercise and gastro-oesophageal reflux symptoms in a community. Aliment Pharmacol Ther. 2004 Sep 1;20(5):497-505.. Em estudo japonês, pacientes com baixo peso (IMC<18,5) e excesso de peso (BMI≥25.0) foram referidos ter maior risco de NERD do que os indivíduos com IMC normal1414. Minatsuki C, Yamamichi N, Shimamoto T, Kakimoto H, Takahashi Y, Fujishiro M, Sakaguchi Y, Nakayama C, Konno-Shimizu M, Matsuda R, Mochizuki S, Asada-Hirayama I, Tsuji Y, Kodashima S, Ono S, Niimi K, Mitsushima T, Koike K. Background factors of reflux esophagitis and non-erosive reflux disease: a cross-sectional study of 10,837 subjects in Japan. PLoS One. 2013 Jul 26;8(7):e69891.. Os valores elevados de IMC também têm sido associados com alterações endoscópicas mais graves2424. Zafar S, Israr ul Haq, Butt AR, Shafiq F, Mirza HG, Ameed-ur-Rehman. Correlation of endoscopic severity of Gastroesophageal Reflux Disease (GERD) with Body Mass Index (BMI). J Coll Physicians Surg Pak. 2007 Feb;17(2):72-5.. Isto é suportado por relatos referindo predominância de indivíduos com excesso de peso entre os com esofagite erosiva11. Ang TL, Fock KM, Ng TM, Teo EK, Chua TS, Tan J. A comparison of the clinical, demographic and psychiatric profiles among patients with erosive and non-erosive reflux disease in a multi-ethnic Asian country. World J Gastroenterol. 2005 Jun 21;11(23):3558-61.,22. Biccas BN, Lemme EMO, Abrahão Jr LJ, Aguero GC, Alvariz AC, Schechter RB. Higher prevalence of obesity in erosive gastroesophageal reflux disease. Arq Gastroenterol. 2009;46(1): 15-9.. Outros autores relataram correlação negativa entre IMC e NERD: a condição foi mais prevalente em pacientes com valores de IMC baixos66. Fujiwara Y, Arakawa T. Epidemiology and clinical characteristics of GERD in the Japanese population. J Gastroenterol. 2009;44(6):518-34. ou IMC abaixo de 231212. Kim N, Lee SW, Cho SI, Park CG, Yang CH, Kim HS, Rew JS, Moon JS, Kim S, Park SH, Jung HC, Chung IS; H. pylori and Gerd Study Group of Korean College of Helicobacter and Upper Gastrointestinal Research. The prevalence of and risk factors for erosive oesophagitis and non-erosive reflux disease: a nationwide multicentre prospective study in Korea. Aliment Pharmacol Ther. 2008 Jan 15;27(2):173-85..

A alta incidência de inflamação da mucosa gástrica e o achado de apenas um paciente nesta amostra sem gastrite na EGD sugere estreita associação entre gastrite e esofagite. A gravidade da gastrite tem sido associada com a presença de Helicobacter pylori embora o presente estudo não foi concebido para avaliar esta hipótese. De acordo com Kandulski e Malfertheiner88. Kandulski A, Malfertheiner P. Helicobacter pylori and gastroesophageal reflux disease. Curr Opin Gastroenterol. 2014 Jul;30(4):402-7., a infecção por cepas de H. pylori Cag A-positivo parece proteger o esôfago distal contra a exposição aos níveis de ácido anormais por meio de atrofia das glândulas fúndicas. No entanto, apesar dos relatos que sugerem o desenvolvimento de esofagite erosiva após a erradicação do H. pylori, estudos mais recentes concluíram que a erradicação não tem impacto clínico significativo na DRGE88. Kandulski A, Malfertheiner P. Helicobacter pylori and gastroesophageal reflux disease. Curr Opin Gastroenterol. 2014 Jul;30(4):402-7..

De acordo com Kim et al.1010. Kim JB, Shin SR, Shin WG, Choi MH, Jang HJ, Kim KO, Park CH, Baek IH, Baik GH, Kim KH, Park SH, Kae SH, Lee MS, Kim HY. Prevalence of minimal change lesions in patients with non-erosive reflux disease: a case-control study. Digestion. 2012;85(4):288-94., determinadas alterações mínimas endoscópicas estão associados com NERD. Assim, em sua amostra, espessamento da mucosa, cardite e irregularidades na junção esofagogástrica foram significativamente mais comuns em pacientes com NERD, embora a associação só foi independente para espessamento da mucosa (OR 3,97; IC 95%: 1,72-9,13). Neste estudo, a única alteração endoscópica significativamente correlacionada com a gravidade da esofagite foi o espessamento da mucosa (observados em mais da metade desses pacientes). A correlação não foi significativa para todas as outras mudanças, até mesmo para a alta prevalência de achados de "invisibilidade dos vasos". No entanto, devido ao pequeno tamanho da amostra e a exclusão de outras causas de lesões esofágicas (como fumo), o espessamento da mucosa não pode ser identificado como sintoma específico para NERD. Da mesma forma, devido à baixa sensibilidade e especificidade, o espessamento da mucosa como marcador diagnóstico confiável para NERD, mas em pacientes com hérnia de hiato, as mudanças na espessura da mucosa parece ser indicador útil da esofagite.

A esofagite eosinofílica, condição alérgica de provável causa genética, afeta adultos jovens com história de sintomas persistentes de disfagia ou DRGE. De acordo com alguns relatos, em até 40% dos pacientes com esofagite eosinofílica, a condição está associada com DRGE. O refluxo, acredita-se, leva à inflamação de tipo alérgico, aumentando o número de eosinófilos na mucosa do esôfago inferior. Metade dos pacientes com refluxo gastroesofágico podem exibir infiltração de eosinófilos nessa área, mas o número de eosinófilos é pequeno e apenas a parte inferior do órgão é afetada. Esses pacientes podem ter resultados endoscópicos normais ou alterações não específicas para a condição, tornando o diagnóstico por endoscopia inconclusivos até que os resultados da biópsia se tornem disponíveis. No presente estudo, dois pacientes foram diagnosticados com esophagite eosinofílica.

Biópsias esofágicas distais não só ajudam a confirmar o diagnóstico de esofagite, como permitem estabelecer o diagnóstico diferencial de exclusão com outras doenças do trato gastrointestinal superior.

CONCLUSÃO

Todos os pacientes desta amostra com sintomas sugestivos de DRGE tiveram alterações endoscópicas mínimas com endoscopia de luz branca e apresentaram biópsias positivas para a esofagite. No entanto, apenas o espessamento da mucosa exibiu moderada correlação significativa com a gravidade da esofagite em pacientes com NERD, embora o aumento do IMC e presença de hérnia hiatal, também foram a ela associados. Devido ao pequeno tamanho da amostra e a exclusão de outras causas de lesões esofágicas (como fumo), o espessamento da mucosa não pôde ser identificado como alteração específica para NERD.

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  • Fonte de financiamento: não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2015

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2014
  • Aceito
    11 Dez 2014
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