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APLICAÇÃO DE RECURSOS AUDIOVISUAIS NO ENSINO DA TÉCNICA OPERATÓRIA

Resumos

Racional:

O desenvolvimento de meios que permitam a completa e repetitiva visibilização de procedimentos cirúrgicos é de grande importância nos dias atuais em função da dificuldade crescente de treinamentos in vivo. Assim, os recursos audiovisuais favorecem a maximização dos recursos vivos usados no ensino, e minimizam os problemas advindos somente com o verbalismo.

Objetivo:

Avaliar a utilização de um vídeo digital como estratégia pedagógica na disciplina de técnica operatória de um curso de medicina.

Método:

Estudo transversal com 48 acadêmicos do terceiro ano de medicina, cursando a disciplina de técnica operatória, divididos em dois grupos com 12 duplas, ambos submetidos ao método convencional de ensino, e um deles também exposto ao método alternativo (vídeo) demonstrando a técnica. Todos realizaram flebotomia no laboratório de experimentação, com avaliação do professor/monitor durante execução. Ao final, responderam a um questionário autoaplicável referente ao método de ensino e realização da técnica.

Resultados:

A maioria dos que não assistiu ao vídeo levou mais tempo na execução, fez mais questionamentos e necessitou de maior auxílio dos avaliadores. O total dos expostos ao vídeo seguiu a cronologia de execução e aprovou o novo método; 95,83% sentiram-se aptos para repetir o procedimento, e 62,5% daqueles submetidos apenas ao método convencional declararam ter capacidade regular de assimilação da técnica. Em ambos os grupos grande parte mencionou ter dificuldade regular, porém os que não viram o vídeo tiveram maior dificuldade na realização da técnica.

Conclusão:

O método tradicional de ensino associado ao vídeo favoreceu a capacidade de compreensão e transmitiu segurança, sobretudo por ser atividade que requer habilidade técnica. A visibilização da técnica motiva e desperta o interesse, facilita a compreensão e memorização dos passos para a execução do procedimento, beneficiando o desempenho dos acadêmicos.

Medicina; Ensino; Educação de graduação em medicina; Recursos audiovisuais; Procedimentos Cirúrgicos Operatórios


Background:

The development of didactic means to create opportunities to permit complete and repetitive viewing of surgical procedures is of great importance nowadays due to the increasing difficulty of doing in vivo training. Thus, audiovisual resources favor the maximization of living resources used in education, and minimize problems arising only with verbalism.

Aim:

To evaluate the use of digital video as a pedagogical strategy in surgical technique teaching in medical education.

Methods:

Cross-sectional study with 48 students of the third year of medicine, when studying in the surgical technique discipline. They were divided into two groups with 12 in pairs, both subject to the conventional method of teaching, and one of them also exposed to alternative method (video) showing the technical details. All students did phlebotomy in the experimental laboratory, with evaluation and assistance of the teacher/monitor while running. Finally, they answered a self-administered questionnaire related to teaching method when performing the operation.

Results:

Most of those who did not watch the video took longer time to execute the procedure, did more questions and needed more faculty assistance. The total exposed to video followed the chronology of implementation and approved the new method; 95.83% felt able to repeat the procedure by themselves, and 62.5% of those students that only had the conventional method reported having regular capacity of technique assimilation. In both groups mentioned having regular difficulty, but those who have not seen the video had more difficulty in performing the technique.

Conclusion:

The traditional method of teaching associated with the video favored the ability to understand and transmitted safety, particularly because it is activity that requires technical skill. The technique with video visualization motivated and arouse interest, facilitated the understanding and memorization of the steps for procedure implementation, benefiting the students performance.

Medicine; Teaching; Education; Medical; Undergraduate; Audiovisual Aids; Surgical Procedures; Operative


INTRODUÇÃO

O curso de medicina requer que o acadêmico compreenda inúmeros conceitos fundamentais e de alta complexidade, bem como o desenvolvimento de competências e habilidades para a realização dos procedimentos práticos. Ao mesmo tempo, o progresso científico e tecnológico, a internet e a rapidez com que são geradas as informações e o conhecimento no contexto atual, influenciam significativamente a evolução e da atividade prática da medicina. Logo, a formação médica cada vez mais demanda mudanças e aprimoramento, o que implica transformações no processo ensino-aprendizagem.

A National Academies of Science BIO 2010 Comission recomenda o uso de qualquer tecnologia apropriada para melhorar a compreensão do estudo por parte do aluno55. Maldarelli GA, Hartmann EM, Cummings PJ, Horner RD, Obom KM, Shingles R, Pearlman RS. Virtual lab demonstrations improve students' mastery of basic biology laboratory techniques. Journal of Microbiology & Biology Education. 2009; 10: 51-57.. Inovações nas estratégias de ensino podem resultar em evidente evolução na aplicação do conteúdo lecionado, e igualmente despertar maior interesse. Como todo processo educador envolve relação entre aprendiz e instrutor, participando e interagindo conscientemente em busca de um objetivo comum, destaca-se o relevante papel do docente, cujo desempenho requer atualização constante dos elementos necessários para exercer a docência99. Puig WR, Ramos ERP. Consideraciones generales de los metodos de enseñanza y su aplicacion en cada etapa del aprendizaje. Rev haban cienc méd La Habana. 2009; 8(2): 1-12..

Na medicina, tais estratégias devem contemplar a observação e participação efetiva em atividades práticas, entre elas procedimentos cirúrgicos, pois tais experiências contribuem para o desenvolvimento das habilidades técnicas. O célebre ditado "a prática leva à perfeição" faz crer que o treinamento à exaustão de alguma técnica nos permitirá dominá-la. Portanto, o ponto crucial é: para que possamos atingir a excelência devemos antes ter total conhecimento sobre o que desejamos realizar, articulando os subsídios teóricos e práticos relativos à técnica operatória, para que então, ao praticá-la, possamos treinar repetidas vezes até que se alcance qualidade e habilidade para o ato cirúrgico.

O desenvolvimento de um meio que permita completa visibilização do procedimento, nestas circunstâncias, é de grande importância, pois os recursos audiovisuais favorecem a assimilação e minimizam os problemas advindos do verbalismo44. Hu YY, Peyre SE, Arriaga AF, Osteen RT, Corso KA, Weiser TG, Swanson RS, Raut CP, Zinner MJ, Gawande AA, Greenberg CC. Postgame analysis: using video-based coaching for continuous professional development. J Am Coll Surg. 2012; 214(1): 115-24.. Métodos semelhantes foram utilizadas em outros estudos, na medicina e em outras áreas, com bons resultados. Segundo os autores, tais métodos favorecem o aprendizado, reduzem o número de erros durante a prática, com significativa melhora na atuação daqueles que foram expostos aos vídeos, assim como maior satisfação e aceitação por parte do público alvo55. Maldarelli GA, Hartmann EM, Cummings PJ, Horner RD, Obom KM, Shingles R, Pearlman RS. Virtual lab demonstrations improve students' mastery of basic biology laboratory techniques. Journal of Microbiology & Biology Education. 2009; 10: 51-57.,1616. Yamaki VN, Teixeira RKC, Feijo DH, Silva JAC, Botelho NM, Henriques MV. A cirurgia experimental e sua relação com a universidade: relato de experiência. Rev Col. Bras. Cir. 2014; 41(5): 378-80.,11. Denadai R, Saad-Hossne R, Todelo AP, Kirylko L, Souto LRM. Low-fidelity bench models for basic surgical skills training during undergraduate medical education. Rev Col. Bras. Cir. 2014; 41(2): 137-45.,1010. Purim KSM, Santos LDS, Murara GT, Maluf EMCP, Fernandes JW, Skinovsky. Avaliação de treinamento cirúrgico na graduação de medicina. Rev Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 152-56.,66. Moreira CB, Bernardo EBR, Catunda HLO, Aquino OS, Santos MCL, Fernandes. Construção de um vídeo educativo sobre detecção precoce do câncer de mama. Rev. Bras.Cancerol. 2013; 59(3): 401-07.,77. Oliveira AP, Carvalho ES, Lage-Marques JL, Cavalli V, Habitante SM, Raldi DP. Evaluation of a strategic practice demonstration method applied to endodontic laboratory classes. Rev. odonto ciênc. 2012; 27(2): 127-131.. Pressupõe-se que o emprego desse recurso audiovisual pode ser benéfico para a compreensão da técnica operatória, uma vez que integra a imagem do professor à demonstração prática do procedimento, com riqueza de detalhes, exemplificando e fornecendo subsídios técnico-científicos. Além disso, pode transmitir confiança aos futuros médicos, quando deles for exigido a realização de tais procedimentos ao longo dos estágios, e até mesmo, no exercício da profissão.

Diante do exposto, o presente estudo tem por objetivo avaliar a utilização de um vídeo digital como estratégia pedagógica em disciplina de técnica operatória de curso de medicina agregado ao método tradicional, e analisar sua efetividade no processo ensino-aprendizagem.

MÉTODOS

Estudo do tipo transversal, com abordagem quantitativa, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (Parecer Nº 325.510). Foi realizado na Disciplina de Técnica Operatória do Curso de Medicina da Faculdade Evangélica do Paraná - FEPAR, Curitiba, PR, Brasil, O público-alvo foi composto por estudantes de medicina, com 18 anos ou mais, e que concordaram em participar do estudo assinando o TCLE. O trabalho se desenvolveu em cinco etapas. Na primeira foi produzido um vídeo que exibe a realização da técnica operatória selecionada; a segunda constituiu-se de uma aula tradicional sobre a referida técnica; na terceira os estudantes foram expostos ou não ao vídeo; na quarta eles executaram o procedimento; e a última consistiu na avaliação do método de ensino aos quais os estudantes foram submetidos (aula tradicional associada ou não ao vídeo digital). O procedimento foi filmado e, posteriormente, gravado em DVD, por empresa especializada. Participou da gravação o professor titular da disciplina que realizou todo o procedimento com o auxílio dos monitores.

Participaram 48 estudantes do terceiro ano do Curso de Medicina da instituição, 24 deles em 2013 e outros 24 em 2014, enquanto cursavam a disciplina. Os participantes foram divididos em dois grupos: o grupo 1 (12 duplas) foi submetido somente ao método usual de ensino (aulas teóricas, aulas práticas e complemento teórico com o livro); o grupo 2 (12 duplas), além do método usual, foi exposto ao método alternativo de ensino (recurso audiovisual) por duas vezes, uma no dia anterior e outra imediatamente antes da realização pela primeira vez do procedimento cirúrgico selecionado.

Duas duplas de estudantes executaram a mesma técnica no animal de experimentação e ambos os integrantes tiveram ou não, igualmente, acesso à gravação, sendo que uma dupla fez do lado direito do pescoço e, após, outra no lado esquerdo. A formação das duplas foi organizada por um dos monitores do laboratório, sendo também responsável pela apresentação da técnica em vídeo digital (DVD) e, consequentemente, o único a conhecer e registrar quais duplas assistiram ou não o material audiovisual. O professor e o segundo monitor, ambos incumbidos de avaliar os estudantes, desconheciam quais duplas tiveram acesso à gravação, com o intuito de manter a imparcialidade dos avaliadores.

A técnica escolhida para avaliação do método foi flebotomia em região cervical e realizada no laboratório de experimentação da FEPAR. Tal escolha baseou-se em dois principais motivos: é técnica relativamente rápida e, ao mesmo tempo, exige do estudante habilidade e conhecimento dos passos (Figura 1) necessários para o sucesso na execução. O animal escolhido foi o porco da raça Landrace, em número de 12, de ambos os sexos, adultos, sadios ao exame físico, pesando entre 25 e 32 quilos, com aproximadamente quatro meses de idade, cedidos pela FEPAR e provenientes de um frigorífico da região. Foram induzidos à anestesia com tiopental e mantidos com inalação de isofluorano, e quando necessário foi usado midazolam, quetamina, adrenalina ou atropina. Ao término, os animais foram mortos com tiopental (10 ml) intravenoso seguido de cloreto de potássio 19,1% (20 ml). Todo o processo obedeceu às normativas éticas voltadas aos animais de experimentação.

FIGURA 1
- Passos cirúrgicos para execução da flebotomia preconizados na Disciplina de Técnica Operatória da Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba PR

No laboratório, durante as aulas práticas de Técnica Operatória, cada dupla de estudantes foi distribuída entre os animais das aulas práticas para reproduzir a flebotomia sob a supervisão e avaliação do professor e do segundo monitor. A escolha das duplas ficou livre entre os estudantes do mesmo grupo, sendo a ordem das duplas sorteada pelo primeiro monitor (que aplicou os vídeos), evitando assim um padrão de ordem entre aqueles que assistiram ou não o vídeo.

Para fins didáticos e de avaliação, a técnica foi dividida em três etapas: 1) incisão da pele até o reparo da veia jugular interna; 2) flebotomia até inserção e correto posicionamento do catéter; 3) contenção distal até a fixação do cateter por técnica apropriada, hemostasia e sutura da pele. Deste modo, o professor e o segundo monitor avaliaram se os estudantes seguiram a ordem cronológica dos passos preconizados para a execução técnica. Ainda, avaliaram o tempo total de realização, tempo fragmentado conforme cada etapa, número de vezes que o professor foi questionado ao longo de cada etapa e se houve necessidade de interferência prática do professor ou monitor.

Após o procedimento, os estudantes, individualmente, responderam um questionário autoaplicável composto por perguntas fechadas, que abordava questões referentes ao método de ensino e à realização da técnica operatória (Figura 2). O método de análise de dados utilizado para avaliar as respostas foi o teste do qui-quadrado, empregando-se percentuais para apresentar os resultados de cada grupo. Por sua vez, na avaliação dos alunos na execução prática do procedimento ponderou-se tempo, número de questionamentos e de intervenções do professor/monitor, aplicando-se o Teste t de student para a análise dessas variáveis. Para ambas as avaliações adotou-se nível de significância de 5%.

FIGURA 2
- Questionário respondido pelos alunos

RESULTADOS

Dos 48 participantes do estudo, 25 eram homens e 23 mulheres, com idade variando entre 19 e 28 anos, e média de 21,6 anos. Vale ressaltar que foram selecionados somente aqueles que até o momento da pesquisa nunca tiveram treinamento prévio em qualquer ato cirúrgico.

Os resultados oriundos da avaliação prática (Tabela 1) mostram o tempo usado por cada dupla de estudantes para executar o procedimento, o número de questionamentos das duplas, bem como o número de intervenções do professor e/ou do monitor durante a realização da técnica operatória.

TABELA 1
- Avaliação prática referente à execução da técnica operatória

Das 24 duplas de acadêmicos, 12 em 2013 (porco 1-6) e 12 em 2014 (porco 7-12), a maioria - 10 entre 12 duplas (83%) - que foi submetida ao método usual de ensino associado ao alternativo (vídeo digital) realizou o procedimento em tempo inferior ao utilizado pelas duplas em que a abordagem de ensino foi somente com método tradicional. A diferença de tempos (Tabela 1) entre as duplas que assistiram ao vídeo comparada aos tempos daquelas que não assistiram não foi significante (p=0,1176), com média de 43:01 min para o grupo exposto ao vídeo e de 51:05 min para o grupo não exposto. A dupla com maior tempo de execução (70:03 min) não assistiu ao vídeo e a dupla com o menor tempo (20:00 min) está entre aquelas que viram o vídeo explicativo.

A Tabela 1 também ilustra o número de dúvidas de cada grupo, sendo um total de 196 perguntas do grupo 1 (não assistiu ao vídeo) com média de 16,34 questionamentos, e 79 do grupo 2 (assistiu ao vídeo) com média igual a 6,58. A diferença entre os grupos foi significativa (p=0,0181).

Na sequência, 100% dos acadêmicos expostos ao novo método (grupo 2) respeitaram a ordem cronológica, sendo necessária a intervenção do professor em média de 1,83 vezes por dupla. No grupo 1, cinco das 12 duplas (41,6%) não seguiram a ordem cronológica para a execução do procedimento, com média de 9,08 intervenções do avaliador para o seguimento do procedimento. O nível descritivo foi significativo (p=0,0051).

A análise das respostas dos estudantes, referentes ao questionário, mostra que dentre as 12 duplas submetidas ao método tradicional de ensino associado ao recurso audiovisual (grupo 2), 95,83% relataram sentirem-se aptos a realizar o procedimento novamente sem qualquer ajuda do professor (pergunta 2 do questionário). Em contrapartida, 75% dos estudantes expostos apenas ao método usual de ensino (grupo 1) disseram o mesmo (p= 0,04897).

Os dois grupos manifestaram ter algumas dificuldades durante a execução da técnica operatória (pergunta 3), surgindo maior número de dificuldades (49) no grupo 1 (método tradicional) em comparação ao grupo 2 (34 dificuldades). Em ambos os grupos, o maior problema ocorreu na dissecação e localização da veia, 29% de dificuldade para o grupo 1 e 35% para o grupo 2. Em relação aos outros passos cirúrgicos da técnica, o grupo não exposto ao vídeo teve mais dificuldades na escolha da região anatômica para a incisão (26,53%) e para a realização do teste do reparo (22,44%), ao passo que o grupo 2 apresentou 17,64% e 11,76% de dificuldade, respectivamente (Figura 3). O grupo 2 teve como segunda maior dificuldade (26%) a introdução do cateter (p= 0,4953).

FIGURA 3
- Dificuldades apontadas pelos acadêmicos na execução do procedimento

Quando questionados (pergunta 4) sobre a estratégia de ensino empregada, 100% dos estudantes que assistiram ao vídeo consideraram a associação desse recurso ao tradicional um bom método de ensino, ao passo que entre aqueles que não assistiram ao vídeo, 62,5% assinalaram o método como regular, 25% bom e 12,5% como ruim (p=0,00000055739).

Com relação à capacidade de compreensão da técnica (pergunta 5), a maioria (83,34%) dos estudantes expostos ao vídeo avaliou ter boa capacidade de assimilação do procedimento e 16,66% considerou sua capacidade como regular, enquanto que 62,5% daqueles submetidos apenas ao método convencional declarou ter capacidade regular para o entendimento da técnica, 33,34% ponderou como bom e 4,16% como ruim (p=0,0019).

Grande parte dos alunos que não assistiram ao vídeo julgaram ter dificuldade regular (83%) na realização da técnica (pergunta 6), enquanto uma minoria considerou sua dificuldade como boa (9%) e como ruim (8%). Dentre os que assistiram ao vídeo, a maioria também julgou apresentar dificuldade regular (75%) na execução e 25% avaliou como boa. Nenhum dos estudantes expostos ao vídeo julgou ter dificuldade ruim (p=0,1283).

DISCUSSÃO

O trabalho baseou-se em duas formas de avaliação dos diferentes grupos. A primeira versou na avaliação prática direta dos estudantes através da mensuração do tempo utilizado no procedimento, quantia de questionamentos realizados e número de intervenções necessárias feitas pelo professor/monitor. A segunda consistiu na aplicação de um questionário, o qual estimou o desempenho dos estudantes considerando o método a que foram expostos, analisando a dificuldade e segurança na execução da técnica sob o ponto de vista dos próprios estudantes.

Acredita-se que experiências prévias em campo cirúrgico que permitam o desenvolvimento de habilidades específicas, os estágios voluntários, a aptidão intrínseca de cada um para lidar com o manuseio de instrumentos, e ainda o estresse e responsabilidade de um procedimento cirúrgico, são tão influentes quanto uma boa estratégia didática, ou seja, representam realidades que nem aulas teóricas nem vídeos podem trazer. Porém, não só a habilidade pode e deve ser levada em consideração.

Ao analisar o perfil de estudo do médico, ao longo de toda sua vida acadêmica e profissional, uma pesquisa concluiu que o estudante de medicina prioriza os modelos teóricos e conceitos abstratos do assunto, enquanto médicos residentes e especialistas preconizam a aplicação prática do conceito como forma de aprendizado. Segundo os autores, isto emerge como limitação para a aprendizagem, visto que ao se depararem com o exercício prático da teoria, os acadêmicos percebem que nem tudo ocorre como o previsto, como o planejado22. Engels PT, Gara C. Learning styles of medical students, general surgery residents and general surgeons: implications for surgical education. BMC Medical Education. 2010; 10: 51.. Em função do observado, vê-se a necessidade de desenvolver e implementar novas alternativas de ensino.

A avaliação prática neste estudo demonstrou que o desempenho dos acadêmicos submetidos ao método convencional de ensino associado à exposição ao recurso áudio visual, de modo geral, foi melhor do que daqueles expostos somente ao método usual. Apesar da diferença de tempo para a execução do procedimento não ser estatisticamente significativa entre os grupos, a análise da exposição descritiva dos dados indica que o método audiovisual foi relevante para o aprendizado dos acadêmicos, pois aqueles que tiveram a oportunidade de utilizá-lo tiveram melhor atuação ao realizar a técnica operatória, tanto em relação ao tempo, quanto em número de dúvidas e necessidade de intervenções pelo professor e/ou monitor.

Isso reforça o fato de que a visibilização prévia do procedimento demonstrado em vídeo favoreceu a compreensão e memorização dos passos a serem seguidos pelos acadêmicos ao reproduzirem a técnica da flebotomia, visto que o grupo 2 teve menos dúvidas e sofreu menos interferência do professor. Não surpreende ambos os grupos referirem mais dificuldade no momento da localização e dissecção da veia, visto que essa etapa exige mais habilidade e experiência, o que se alcança com a repetição da atividade. Vale apontar que, segundo os avaliadores, a dificuldade encontrada por algumas duplas do grupo exposto ao vídeo na dissecção e localização da veia, e na introdução do cateter, se deve às condições anatômicas do animal, e que esse grupo demonstrou menos insegurança durante a execução do procedimento.

Um estudo sobre o processo de produção de vídeo-aula e seu uso como estratégia de ensino destaca que, quando bem planejado e com linguagem audiovisual adequada, sua inserção exibe a imagem do professor explicando e demonstrando conteúdos "com riqueza de detalhes e informações", o que favorece a compreensão do acadêmico; porém, os autores advertem que tal recurso não deve ser empregado isoladamente1212. Spanhol GK, Spanhol FJ. Processo de produção de vídeo-aula. Novas Tecnologias na Educação. 2009; 7(1): 1-9.. Em outras palavras, o vídeo permite que os alunos construam mentalmente, de maneira mais efetiva, todo o processo que devem seguir1515. Xeroulis GJ, Park J, Moulton CA, Reznick RK, Leblanc V, Dubrowski A. Teaching suturing and knot-tying skills to medical students: a randomized controlled study comparing computer-based video instruction and (concurrent and summary) expert feedback. Surgery. 2007; 141(4): 442-449., mas sem excluir o professor, cujo papel consiste em planejar e potencializar a aplicação de tal recurso de forma a despertar o interesse, melhorar a compreensão e desencadear o raciocínio crítico-reflexivo.

As respostas no questionário do grupo que assistiu ao vídeo educativo revelam que esses se sentiram mais confiantes em relação à técnica e plenamente satisfeitos com o método de ensino abordado, ao contrário do outro grupo. Fato condizente com os resultados de uma revisão bibliográfica sobre a aplicação de modelos de simulação cirúrgica e vídeos educativos usados em treinamento operatório, cujo levantamento evidenciou que tanto os vídeos como os simuladores de técnicas operatórias favorecem a aprendizagem e desenvolvimento de habilidades para a realização de procedimentos88. Palter VN, Grantcharov TP. Simulation in surgical education. Canadian Medical Association Journal. 2010; 182(11): 1191-96..

Estes resultados são congruentes com os apresentados em outros trabalhos que buscaram aliar diferentes métodos de ensino, incluindo os tecnológicos, ao ensino tradicional55. Maldarelli GA, Hartmann EM, Cummings PJ, Horner RD, Obom KM, Shingles R, Pearlman RS. Virtual lab demonstrations improve students' mastery of basic biology laboratory techniques. Journal of Microbiology & Biology Education. 2009; 10: 51-57.,77. Oliveira AP, Carvalho ES, Lage-Marques JL, Cavalli V, Habitante SM, Raldi DP. Evaluation of a strategic practice demonstration method applied to endodontic laboratory classes. Rev. odonto ciênc. 2012; 27(2): 127-131.,1515. Xeroulis GJ, Park J, Moulton CA, Reznick RK, Leblanc V, Dubrowski A. Teaching suturing and knot-tying skills to medical students: a randomized controlled study comparing computer-based video instruction and (concurrent and summary) expert feedback. Surgery. 2007; 141(4): 442-449.,88. Palter VN, Grantcharov TP. Simulation in surgical education. Canadian Medical Association Journal. 2010; 182(11): 1191-96.,33. Garcia E, Moreira JS, Siqueira AC, Marques RD, Rebelatto TF. Avaliação qualitativa do efeito do ensino de pedagogia média sobre a atividade docente em alunos do curso de Pós-graduação em Medicina. Revista AMRIGS. 2008; 52(4): 278-283., e destacam a importância da visibilização prévia da conduta, independente do meio. Contudo, nenhum dos trabalhos é capaz de sugerir que o mesmo é aplicável a procedimentos de alta complexidade, pois estes, por vezes, exigem mais do que apenas o conhecimento teórico e prático da ação. Requerem, também, experiência.

Áreas como anatomia e cirurgia, que são muito visuais, se adaptam perfeitamente a estas inovações, pois exigem inúmeros detalhes e compreensão espacial da situação1515. Xeroulis GJ, Park J, Moulton CA, Reznick RK, Leblanc V, Dubrowski A. Teaching suturing and knot-tying skills to medical students: a randomized controlled study comparing computer-based video instruction and (concurrent and summary) expert feedback. Surgery. 2007; 141(4): 442-449.. A vantagem é que o custo para aplicar estes novos métodos se torna relativamente baixo ao longo do tempo, pois de início a produção do material pode ser dispendiosa, porém um único formato é aplicável a centenas de alunos, e por tempo indeterminado44. Hu YY, Peyre SE, Arriaga AF, Osteen RT, Corso KA, Weiser TG, Swanson RS, Raut CP, Zinner MJ, Gawande AA, Greenberg CC. Postgame analysis: using video-based coaching for continuous professional development. J Am Coll Surg. 2012; 214(1): 115-24.,1515. Xeroulis GJ, Park J, Moulton CA, Reznick RK, Leblanc V, Dubrowski A. Teaching suturing and knot-tying skills to medical students: a randomized controlled study comparing computer-based video instruction and (concurrent and summary) expert feedback. Surgery. 2007; 141(4): 442-449..

Mesmo reconhecendo a efetividade dos novos recursos ampliando as fontes de informação, não se pode negligenciar o método clássico, pois ele é o principal alicerce capaz de orientar e despertar o interesse do aluno. Sendo o professor o fator primário na aprendizagem, capaz de definir a personalidade e mostrar os caminhos para o conhecimento, é importante que este seja capaz de reconhecer novos meios de ensino, para então integrá-los aos já utilizados, no sentido de possibilitar ao aluno ser mais atuante no processo de construção do seu conhecimento1414. Vasconcelos FCGC, Leão MBC. Utilização de recursos audiovisuais em uma estratégia Flexquest sobre radioatividade. Investigações em Ensino de Ciências. 2012; 17(1): 37-58.. A adoção de métodos em comunhão é superior a qualquer um que atue singularmente11. Denadai R, Saad-Hossne R, Todelo AP, Kirylko L, Souto LRM. Low-fidelity bench models for basic surgical skills training during undergraduate medical education. Rev Col. Bras. Cir. 2014; 41(2): 137-45.,1414. Vasconcelos FCGC, Leão MBC. Utilização de recursos audiovisuais em uma estratégia Flexquest sobre radioatividade. Investigações em Ensino de Ciências. 2012; 17(1): 37-58..

Novas tecnologias podem ter importância educacional; porém, para que se perceba o real efeito é necessária equipe apta a implantar o novo método, e que, simultaneamente, o material apresente boa qualidade1111. Rezende LA, Struchiner M. Uma proposta pedagógica para produção e utilização de materiais audiovisuais no ensino de ciências: análise de um vídeo sobre entomologia. Revista de Educação em Ciência e Tecnologia. 2009; 2(1): 45-66., ou seja, a implementação de qualquer novidade no âmbito acadêmico não pode ocorrer aleatoriamente1515. Xeroulis GJ, Park J, Moulton CA, Reznick RK, Leblanc V, Dubrowski A. Teaching suturing and knot-tying skills to medical students: a randomized controlled study comparing computer-based video instruction and (concurrent and summary) expert feedback. Surgery. 2007; 141(4): 442-449.. Todavia, alguns autores sugerem a utilização de qualquer recurso de ensino que permita ao aluno ter maior acesso à informação e que venha a facilitar o melhor entendimento teórico e prático de um determinado assunto1515. Xeroulis GJ, Park J, Moulton CA, Reznick RK, Leblanc V, Dubrowski A. Teaching suturing and knot-tying skills to medical students: a randomized controlled study comparing computer-based video instruction and (concurrent and summary) expert feedback. Surgery. 2007; 141(4): 442-449.,1111. Rezende LA, Struchiner M. Uma proposta pedagógica para produção e utilização de materiais audiovisuais no ensino de ciências: análise de um vídeo sobre entomologia. Revista de Educação em Ciência e Tecnologia. 2009; 2(1): 45-66..

Entenda-se por todo e qualquer recurso, aqueles que de fato "contribuem para a aprendizagem" e "representam valor agregado ao trabalho do professor", qualificando ainda mais a atividade dos docentes1313. Timm MI, Bos-Mikich A, Thaddeu R, Azevedo AMP, Cabral PA. Vídeos agregam valor ao trabalho do professor de ciências da saúde. RENOTE - Revista Novas Tecnologias na Educação. 2008; 6(2) . no processo de formação dos futuros profissionais.

Apesar de algumas variáveis não terem sido avaliadas neste estudo - a saber, a pretensão e a aptidão individual dos acadêmicos para cirurgia, condições didáticas e anatômicas dos animais, bem como a qualidade educativa e as características estéticas do vídeo -, o estudo demonstrou que o uso dessa tecnologia como estratégia de ensino pode motivar a participação dos acadêmicos e influenciar sua capacidade de aprendizagem, principalmente naquelas atividades que requerem habilidades técnicas.

Outro aspecto a considerar é a opção pela flebotomia. Sugere-se replicar o estudo com outros procedimentos no intuito de evidenciar a contribuição e efetividade dessa modalidade de recurso audiovisual. É nítido também que o método usual de ensino é imprescindível, considerando os fundamentos teóricos e científicos, mas se torna mais eficiente quando associado a alternativas didático-pedagógicas, principalmente as que agregam a visibilização do que se quer ensinar.

O fato da maioria daqueles que assistiram ao vídeo, aparentemente, demonstrar mais segurança ao executar o procedimento, reflete a aprovação deles quanto à associação dos métodos e que isso facilitou a compreensão da técnica.

Sob outro prisma, adverte-se que há poucas pesquisas sobre a produção de materiais audiovisuais no que se refere aos elementos necessários para o processo ensino-aprendizagem, ou seja, que orientem a construção de materiais educativos adequados, capazes de complementar e integrar a teoria ao desafio de concretizar o ato na prática, que no caso deste estudo é um procedimento cirúrgico.

CONCLUSÃO

O método tradicional de ensino associado ao vídeo favoreceu a capacidade de compreensão e transmitiu segurança, sobretudo por ser atividade que requer habilidade técnica. A visibilização da técnica motiva e desperta o interesse, facilita a compreensão e memorização dos passos para a execução do procedimento, beneficiando o desempenho dos acadêmicos.

REFERENCES

  • 1
    Denadai R, Saad-Hossne R, Todelo AP, Kirylko L, Souto LRM. Low-fidelity bench models for basic surgical skills training during undergraduate medical education. Rev Col. Bras. Cir. 2014; 41(2): 137-45.
  • 2
    Engels PT, Gara C. Learning styles of medical students, general surgery residents and general surgeons: implications for surgical education. BMC Medical Education. 2010; 10: 51.
  • 3
    Garcia E, Moreira JS, Siqueira AC, Marques RD, Rebelatto TF. Avaliação qualitativa do efeito do ensino de pedagogia média sobre a atividade docente em alunos do curso de Pós-graduação em Medicina. Revista AMRIGS. 2008; 52(4): 278-283.
  • 4
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  • Fonte de financiamento: Faculdade Evangélica do Paraná

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2015
  • Aceito
    18 Ago 2015
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