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COMPORTAMENTO GLICÊMICO NO PÓS-OPERATÓRIO DE 48 HORAS DE PACIENTES DIABÉTICOS TIPO 2 OU NÃO DIABÉTICOS SUBMETIDOS À CIRURGIA BARIÁTRICA

Resumos

Racional:

Apesar de não haver indicação cirúrgica levando-se exclusivamente em consideração apenas o estado glicêmico, resultados já revelaram que pode ser obtido benefício no controle da glicemia com operação bariátrica.

Objetivos

: Comparar o comportamento glicêmico dos pacientes diabéticos tipo 2 ou não nas 48 h após cirurgia bariátrica, e esclarecer se há redução nos níveis glicêmicos de obesos com diabete antes da perda de excesso de peso.

Métodos

: Realizou-se estudo epidemiológico descritivo com delineamento de coorte prospectiva de 31 pacientes obesos submetidos ao bypass gástrico em Y-de-Roux e gastrectomia vertical. Acompanhou-se o hemoglicoteste nos momentos pré, trans, pós-operatório e a cada 6 h após a operação durante 48 h.

Resultados

: A glicemia ambulatorial média nos diabéticos era 120,7±2,9 mg/dl vs 91,8±13,9 mg/dl nos não diabéticos. Após 48 h houve queda nos diabéticos para 100,0±17,0 mg/dl (p=0,003), enquanto o grupo não diabético não se modificou de forma significante (102,7±25,4 mg/dl; p=0,097). Não houve diferenças quanto às técnicas cirúrgicas empregadas. Não houve óbito.

Conclusões

: Os pacientes diabéticos reduziram significativamente a glicemia após a operação independentemente do uso de insulina exógena ou drogas hipoglicemiantes orais.

Cirurgia bariátrica; Cirurgia metabólica; Diabete melito tipo 2


Although there is no indication for surgery taking only into account the glycemic condition, results have shown that benefits can be obtained in glycemic control with bariatric surgery.

Aim

: To compare the glycemic behavior among type 2 diabetic and non-diabetic patients within 48 h after bariatric surgery, and clarify whether there is a reduction in blood glucose level in obese patients with diabetes before the loss of weight excess.

Methods

: Descriptive epidemiological study with prospective cohort design with 31 obese patients undergoing Roux-en-Y gastric bypass and sleeve gastrectomy. The patients were controlled with hemoglucotests in different periods of time: preoperative, postoperative and each 6 h after surgery for 48 h.

Results

: Average ambulatory blood glucose in diabetics was 120.7±2.9 mg/dl vs 91.8±13.9 mg/dl in the nondiabetic. After 48 h there was decrease in diabetics to 100.0±17.0 mg/dl (p=0.003), while the non-diabetic group did not change significantly (102.7±25.4 mg/dl; p=0.097). There were no differences between the surgical techniques. There were no death.

Conclusions

: Diabetic patients significantly reduced blood glucose after surgery regardless of the use of exogenous insulin or oral hypoglycemic agents.

Bariatric surgery; Metabolic surgery; Type 2 diabetes mellitus


INTRODUÇÃO

Atualmente, em virtude da transição nutricional, tem-se considerado obesidade e diabete melito tipo 2 (DM 2) como doenças epidêmicas. Dados da OMS obtidos entre 1980 e 2008 mostram que a prevalência de obesos mais que dobrou dentro deste período2727. World Health Organization. Obesity; [acesso em 2013 Jun 11]. Disponível em: http://www.who.int/gho/ncd/risk_factors/obesity_text/en/
http://www.who.int/gho/ncd/risk_factors/...
. No Brasil, segundo dados do estudo para Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL) do Ministério da Saúde, em 2011 estimou-se que 48,5% da população adulta encontrava-se na faixa de excesso de peso (IMC>25 kg/m²) e nesta mesma população, 15,8% era obesa1818. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2011: Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde - Brasília: Ministério da Saúde, 2012..

Com relação ao DM 2, estimou-se em 2009 prevalência mundial de 6,4% e projeções para 2030 mostram possível incremento de 69% no número de adultos diabéticos nos países em desenvolvimento2424. Shaw JE, Sicree RA, Zimmet PZ. Global estimates of the prevalence of diabetes for 2010 and 2030. Diabetes Research and Clinical Practice 2010; 87: 4-14.. E sabe-se que hoje estas outrora afecções restritas aos adultos mais idosos atingem cada vez mais crianças e adolescentes2828. World Health Organization. The World Health Report - Reducing risks, promoting healthy lifes. World Health Organization 2002..

Em 2012, estimou-se nos Estados Unidos da América que o custo direto com pacientes diabéticos foi de 245 bilhões de dólares, tendo representado aumento de gastos da ordem de 41% em relação à última análise realizada em 200722. American Diabetes Association. Economic Costs of Diabetes in the U.S in 2012. Diabetes Care 2013; 36: 1033-46. Analisando estes dados à luz do impacto adverso que ambas as condições causam na homeostasia humana2828. World Health Organization. The World Health Report - Reducing risks, promoting healthy lifes. World Health Organization 2002., tende-se a construir futuramente um cenário mundial de jovens e adultos incapacitados permanentemente por sequelas que poderiam ser prevenidas de doenças secundárias às desordens metabólicas, gerando grande dispêndio econômico para os estados e sistemas de saúde.

Com relação às formas de tratamento para a obesidade, foram realizadas metanálises comparando abordagem cirúrgica com tratamento clínico isolado, evidenciando superioridade da opção invasiva tanto em termos de perda de peso como em melhora das comorbidades88. Colguit J, Clegg A, Loveman E, Royle P, Sidhu MK. Surgery for morbid obesity. Cochrane Database Syst Rev 2009; (2): CD003641.,1717. Maggard MA, Shugarman LR, Suttorp M, Maglione M et al. Meta-analysis: surgical treatment of obesity. Ann Intern Med 2005; 142(7): 547-59..

Quanto ao DM 2, apesar de não haver indicações cirúrgicas levando-se em consideração apenas o estado glicêmico do paciente, os resultados obtidos com doentes que possuíam indicações precisas para cirurgia bariátrica revelaram que pode ser obtido benefício no controle glicídico pós-operatório. Schauer et al.2222. Schauer PR, Kashyap SR, Wolski K. Brethauer AS et al. Bariatric Surgery versus Intesive Medical Therapy in Obese Patientes with Diabetes. N Engl J Med 2012; 366:1567-76. comparando o tratamento medicamentoso padrão de forma intensiva para controle glicêmico à associação de terapia medicamentosa hipoglicemiante com bypass gástrico em Y-de-Roux (BGYR) encontrou melhores taxas de controle glicêmico após 12 meses no segundo grupo (HbA1c 7,5±1,8% vs 6,4±0,9%; p<0,001). Neste mesmo estudo, a perda de excesso de peso foi maior no grupo que associou a opção cirúrgica à clínica (−29.4±9.0 kg vs −5.4±8.0 kg; p< 0, 001). Não houve mortes ou complicações letais.

Outrossim, a perda de excesso de peso parece conferir impacto positivo na prevenção contra o desenvolvimento das alterações metabólicas relacionadas à obesidade. Carlsson et al.66. Carlsson LMS, Peltonen M, Ahlin S, Anveden A et al. Bariatric Surgery and Prevention of Type 2 Diabetes in Swedish Obese Subjects. N Engl J Med 2012; 367:695-704., comparou a incidência de DM 2 entre dois grupos não diabéticos submetidos ou não à cirurgia bariátrica. Com seguimento de 15 anos, foi verificado que a incidência foi respectivamente 6.8 e 28.4 casos por mil pacientes por ano, sendo que a mortalidade operatória foi de 0,2%. Concluiu-se que a operação para obesidade foi superior ao tratamento clínico para prevenir novos casos de DM 2 em obesos. Portanto, é inegável a efetividade que a cirurgia bariátrica possui no manejo de pacientes com excesso de peso e alterações do metabolismo da glicose quando as medidas terapêuticas convencionais foram ineficazes.

Entretanto, o que não se sabia era que o benefício no perfil glicêmico obtido após a operação já poderia ser evidenciado mesmo antes da perda do excesso de peso2121. Pories WJ, Swanson MS, MacDonald KG, Long SB et al. Who would have thought it? An operation proves to be the most effective therapy for adult-onset Diabetes Mellitus. Ann Surg 1995; 222 (3): 339-352.. Tenta-se explicar este pronto efeito por meio da associação de fatores que conduzem ao aumento na sensibilidade insulínica periférica e melhora na função das células β-pancreáticas99. Dirksen C, Jørgensen NB, Bojsen-Møller KN, Jacobsen SH et al. Mechanisms of improved glycaemic control after Roux-em-Y gastric bypass. Diabetologia 2012; 55: 1890-1901.,2020. Plum L, Ahmed L, Febres G, Bressler M et al. Comparison of glucostatic parameters after hypocaloric diet or bariatric surgery and equivalent weight loss. Obesity 2011; 19(11): 2149-57..

Por outro lado, o insulto endócrino-metabólico-imunológico inerente ao procedimento cirúrgico realizado leva a alterações de cunho catabólico sobre o organismo exposto. Dentre os produtos finais desta intrincada e complexa rede de resposta à agressão, a variação da glicemia chama a atenção no caso específico da cirurgia bariátrica em diabéticos, pois é passível de questionamento se a disfunção das células betapancreáticas prévias ao trauma cirúrgico pode alterar significativamente essa resposta.

Portanto, é inserido neste contexto que o presente estudo propõe-se a comparar o comportamento glicêmico entre pacientes diabéticos e não diabéticos nas 48 h seguintes ao ato cirúrgico, bem como esclarecer se há redução nos níveis glicêmicos de obesos com DM2 antes da perda pós-cirúrgica do excesso de peso.

MÉTODOS

O presente estudo foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da UNISUL mediante número de protocolo 24697813.2.0000.5369, em respeito à Resolução 466 de 2012 do Conselho Nacional de Saúde.

Realizou-se coorte prospectiva com uma amostra de 31 pacientes submetidos ao BGYR e à gastrectomia vertical (GV).

Excluíram-se pacientes que utilizavam como tratamento prévio insulina, medicamentos análogos do GLP-1, inibidores da DPP-IV, os que necessitaram de internação em unidade de terapia intensiva no pós-operatório e aqueles que não continham dados suficientes no prontuário.

Foram utilizados os seguintes parâmetros laboratoriais pré-operatórios: lipoproteína de alta densidade, lipoproteína de baixa densidade, triglicerídeos e glicemia de jejum por método enzimático colorimétrico. Além disto, levou-se em consideração o cálculo do índice de massa corporal (IMC), conforme preconizado pela OMS2626. World Health Organ. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Report of a WHO Expert Committee. World Health Organ Tech Rep Ser 1995; 854:1-452.. Avaliou-se a glicemia capilar nos seguintes momentos: indução anestésica, trans-operatório, pós-operatório imediato, após 6 h do término da operação, a cada 6 h do primeiro ao segundo dia do pós-operatório..

Os dados coletados foram inseridos no programa Epiinfo 3.5.4 e a análise estatística foi feita com seu auxílio. Consideraram-se estatisticamente significativos valores de p<0,05.

RESULTADOS

O estudo contou com 31 participantes, sendo que destes 77,4% eram mulheres. Do total, 32,3% eram portadores de DM 2. Em relação ao tipo de operação, 80,6% submeteram-se ao BGYR . Em média, o IMC do grupo submetido à GV foi de 47,5±9,8 kg/m². Já o do grupo em que foi realizado BGYR ,a média foi de 41,5±5,4 kg/m², sendo que esta diferença foi estatisticamente significativa (p=0, 049). A idade média foi 38,2±10,4 anos (20-65) sendo que a idade de cada grupo foi 42,3±18,8 anos nos submetidos ao GV e 37,4±8,9 anos nos de BGYR (p=0,312). As características dos pacientes estudados estão descritas na Tabela 1.

TABELA 1
- Característica dos grupos estudados (n=31)

A glicemia de jejum ambulatorial pré-operatória média dos diabéticos foi 120,7±2,9 mg/dl vs 91,8±13,9 mg/dl no grupo não diabético (p=0,000).

Quanto ao controle da glicemia capilar imediatamente antes da operação, os que fizeram GV apresentaram melhores índices em relação aos submetidos ao BGYR . Nos períodos trans e pós-operatório imediato não houve diferenças estatisticamente significativa entre as técnicas operatórias (Tabela 2).

TABELA 2
- Comparação de glicemias entre os dois grupos cirúrgicos (n=31)

Durante a operação a glicemia média entre diabéticos foi de 143,8±31,0 mg/dl. Naqueles não diabéticos, este valor foi de 137,1±23,0 mg/dl (p=0,510). Imediatamente após o ato cirúrgico, houve diferença estatística significativa entre os hemoglicotestes dos grupos (180,3±35,2 mg/dl vs 143,9±26,2 mg/dl; p=0,003).

No que tange os valores de glicemia capilar nos primeiros dois dias do pós-operatório, o grupo de diabéticos submetido à GV obteve média de 116,3±20,7 mg/dl. Já naqueles com BGYR o valor médio foi de 124,2±25,3 mg/dl (p=0,652). Entre ambos os grupos cirúrgicos de indivíduos sim/não diabéticos, a média foi respectivamente 110,3±11,5 mg/dl e 122,4±21,2 mg/dl (p=0,357).

Utilizando-se de análise de regressão linear na tentativa de associação de variáveis de perfil metabólico com a glicemia média de todo intervalo não houve associações estatisticamente significativas (Tabela 3).

TABELA 3
- Regressão linear relacionando hemoglicoteste médio pós-operatório e variáveis metabólicas pré-cirúrgicas (n=31)

Na avaliação da relação entre IMC e glicemia capilar pós-operatória média, o coeficiente de correlação linear de Pearson foi de 0,62 (p=0, 248).

A Tabela 4 explicita a variação glicêmica ocorrida no período estudado entre os pacientes diabéticos e não diabéticos.

TABELA 4
- Comportamento glicêmico nas primeiras 48 h após a cirurgia bariátrica (n=31)

Nos doentes com DM 2, houve queda com significância estatística da glicemia ambulatorial antes da operação em relação ao hemoglicoteste realizado em 48 h do pós-operatório (Tabela 4).

TABELA 5
- Teste de amostras pareadas (n=31)

No acompanhamento pós-operatório, ambos os grupos apresentaram queda significativa da glicemia (Tabela 6).

TABELA 6
- Teste de amostras pareadas (n=31)

Não houve mortes ou complicações ameaçadoras à vida.

DISCUSSÃO

Neste estudo predominaram os pacientes submetidos ao BGYR (80,6%) .Em levantamento mundial realizado no ano de 2011, dos 340.768 procedimentos bariátricos realizados, 46,6% foram bypass. Em contrapartida, no mesmo ano, os cirurgiões brasileiros usaram esta mesma técnica em 70% dos seus procedimentos1111. Flancbaum L, Belsley S. Factors affecting morbidity and mortality of Roux-em-Y gastric bypass for clinically severe obesity: an analisys of 1.000 consecutive open cases by a single surgeon. J Gastrointest Surg 2007; 11:500-07.. Portanto, apesar de os dados aqui presentes serem concordantes com os nacionais, ambos são diferentes dos internacionais. Tal fato pode ser explicado por diferentes hipóteses; porém, a escolha da técnica é capitaneada pela opinião do paciente e baseada na experiência da equipe cirúrgica, condição clínica subjacente do paciente, metas e objetivos realistas do resultado cirúrgico.

Analisando comparativamente o IMC de ambos os grupos deste estudo, percebe-se diferença estatisticamente significativa, sendo que os pacientes em que foi confeccionada a GV este índice foi maior (47,5±9,8 kg/m² vs 41,5±5,4 kg/m²; p=0,049). Isto pode ter sido fruto do menor tempo cirúrgico, não confecção de anastomoses com seus riscos inerentes e exequibilidade técnica2323. Scopinaro N. Bariatric metabolic surgery. Rozhl Chir 2014; 93:404-15. dela quando comparada à outra opção cirúrgica neste grupo de maior gradação de obesidade, que naturalmente carrega dificuldades maiores em comparação aos menos obesos. Além disso, pode tornar-se opção atraente ao permitir perda inicial de peso no doente obeso mórbido, fazendo que ele alcance risco cirúrgico menor, possibilitando-o finalizar sua operação em segundo tempo com bypass intestinal.

Em relação ao perfil lipídico o presente estudo buscou influências no controle glicêmico após a operação. Entretanto esta associação não foi verificada e a dislipidemia pré-operatória parece não influenciar negativamente.

Outro ponto do presente estudo foi questionar se o IMC pré-operatório poderia influenciar no comportamento glicêmico pós-operatório. Destarte, não foi verificada correlação estatística entre estas variáveis (índice de Pearson 0,62; p=0,248); portanto, a queda glicêmica verificada não foi diferente entre os indivíduos na dependência da gradação de obesidade. Em estudo com acompanhamento de 24 meses Teixeira et al.25 25. Teixeira TGAB. Cirurgia Metabólica no diabete mellitus tipo 2: eficácia de diferentes procedimentos cirúrgicos e comparação de pacientes com IMC ≥ e < 35 kg/m2 [dissertação de mestrado]. Covilhã: Universidade da Beira Interior; 2012.também observou que o IMC pré-operatório não influenciou na melhora glicêmica após a operação. Logo, este índice parece não predizer pior resposta metabólica ao procedimento.

No tocante à variação de glicemia capilar nos momentos pré, trans e pós-operatório, a única diferença aqui presenciada foi a flagrada no momento imediatamente após o procedimento. Os pacientes diabéticos obtiveram HGT médio de 180,3±35,2 mg/dl, enquanto naqueles não diabéticos esta média foi de 143,9±26,2 mg/dl (p=0,003). Diversos fatores influenciam nos níveis sanguíneos de glicose no paciente cirúrgico1212. Guedes AA. A importância do controle glicêmico perioperatório. Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4):3-6.: resposta endócrino-metabólica-imunológica inerente ao procedimento, presença de DM 2, anestesia, ansiedade pré-operatória e eventuais intercorrências agudas. A resposta neuroendócrina inicia-se nos dias antecedentes ao evento operatório, mediante instalação de quadro de ansiedade, culminando em descarga catecolaminérgica. O ato anestésico e a intubação traqueal liberam ainda mais noradrenalina e adrenalina. A incisão cirúrgica ao desencadear ativação imunológica, descarrega citocinas e interleucinas que ao atuar em nível central tanto via medular quanto corrente sanguínea, acionam o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, amplificando a descarga hormonal já instalada. Portanto, ao criar ambiente interno dominado por hormônios contra-reguladores da insulina, como hormônio adrenocorticotrófico, cortisol, glucagon, hormônio do crescimento, adrenalina, noradrenalina, além de diversas citocinas, é oportunizada a elevação dos níveis glicêmicos. A importância desta situação reside no fato de que pacientes hiperglicêmicos possuem dificuldade em quimiotaxia e fagocitose de leucócitos, redução na expressão de moléculas de adesão, diminuição na funcionalidade do sistema complemento, redução na síntese de óxido nítrico e consequente prejuízo à vasodilatação. Todas estas alterações podem predispor à maior inflamação, vulnerabilidade às infecções exacerbadas e disfunção de órgãos1616. Lipshutz AKM, Gropper MA. Perioperative glycemic control: an evidence based review. Anesthesiology 2009; 5:408-21.. Apesar de ser claro que a hiperglicemia pode ser danosa ao organismo no momento pós-operatório, carecem evidências científicas que demonstrem que o controle glicêmico estrito, visando valores entre 80 e 110 mg/dl, deva ser empregado de rotina em todos. Até que os subgrupos de pacientes que possam obter melhores benefícios e estratégias sejam definidos, a Sociedade Americana de Anestesiologia recomenda que os níveis de glicose sanguínea sejam mantidas abaixo de 150 mg/dl1616. Lipshutz AKM, Gropper MA. Perioperative glycemic control: an evidence based review. Anesthesiology 2009; 5:408-21.. Portanto, é no subgrupo de diabéticos que parece ser necessário maior atenção e cuidado.

O dado central explicitado neste trabalho foi que o controle glicêmico ambulatorial pré-operatório dos pacientes diabéticos era pior em relação aos não diabéticos (120,7±2,9 mg/dl vs 91,8±13,9 mg/dl; p=0,000). Porém, durante as 48 h imediatas à operação não foram flagradas diferenças significativas entre os grupos, sendo que a escolha da técnica cirúrgica não influenciou na evolução glicêmica pós-operatória. Outro ponto importante foi a constatação da queda na glicemia no grupo diabético já nas horas sequenciais à operação em relação aos seus valores ambulatoriais (120,7±2,9 mg/dl vs 100,0±17,0 mg/dl; p=0,003). Além disso, apesar do pico hiperglicêmico maior em resposta ao trauma cirúrgico, o comportamento glicêmico dos diabéticos passou a assemelhar-se aos pacientes não doentes, conforme evidenciado pela evolução glicêmica nas Tabelas 5 e 6. Portanto, após o procedimento, os grupos equipararam-se no quesito glicemia capilar, e ela foi verificada muito antes da perda de excesso de peso, que é a proposta do procedimento. Derivam desta observação as hipóteses que creditam parte da melhoria da glicemia às modificações funcionais pós-cirúrgicas.

As diversas alterações de cunho funcional do trato gastrointestinal confeccionadas após o procedimento cirúrgico vêm sendo estudadas, porém tem sido foco a resposta hormonal entérica à alteração anatômica pós-operatória. Além da restrição volumétrica da câmara gástrica determinar mecanicamente sensação mais precoce de saciedade, diversos estudos apontam que o fenômeno da anorexia induzida pela cirurgia bariátrica parece ser originário também de modificações hormonais, decorrente tanto na diminuição da secreção do hormônio orexígeno grelina por células localizadas no fundo gástrico, como por aumento dos níveis circulantes de hormônios como peptídeo semelhante ao glucagon-1 (GLP-1) e o peptídeo YY (PYY), secretados pelas células tipo L localizadas nas porções distais do intestino delgado, que ao atuarem em centros hipotalâmicos promovem sensação de anorexia, levando o indivíduo à saciedade e diminuição no débito calórico33. Ayoub JAS, Alonso PA, Guimarães LMV. Efeitos da cirurgia bariátrica sobre a syndrome metabolica. ABCD Arq Bras Cir Dig 2011; 24(2):140-43.,1010. Evans S, Pamuklar Z, Rosko J, Mahaney P et al. Gastric bypass restores meal stimulation of the anorexigenic gut hormones glucagon-like, peptide-1 and peptide YY independent of caloric restriction. Surg Endosc 2012; 26(4):1086-94.,1313. Holdstock C, Zethelius B, Sundbom M, Karlsson FA et al. Postprandial changes in gut regulatory peptides in gastric bypass patients. Int J Obes 2008; 32:1640-1646.,1414. Le Roux CW, Aylwin SJ, Batterham RL, Borg CM et al. Gut hormone profiles following bariatric surgery favor na anorectic state, facilitate weight loss and improve metabolic parameters. Ann Surg 2006; 243:108-14.,1919. Pedrosa IV, Burgos MGPA, Souza NC, Morais CN. Aspectos nutricionais em obesos antes e após a cirurgia bariátrica. Rev Col Bras Cir 2009; 36(4):316-22.. O estado gerado leva à perda de peso e melhora indireta na sensibilidade insulínica.

Além da modulação gerada em centros reguladores do apetite no sistema nervoso central, os hormônios entéricos incretínicos também foram relacionados às modificações na resposta insulínica pós-prandial. Alves et al.11. Alves A, Freire R, Alves MR, Barreto JA et al. Impacto da cirurgia bariátrica nos níveis de IGF-1, glicemia, insulina e resistência à insulina em pacientes obesos mórbidos. Bariátrica & Metabólica Íbero Americana 2011; 1:164-73. observou que 45 dias após BGYR houve redução estatisticamente significativa da resistência insulínica (p=0,021). No caminho da compreensão das alterações metabólicas proporcionadas pela cirurgia bariátrica, Dirksen et al.9 9. Dirksen C, Jørgensen NB, Bojsen-Møller KN, Jacobsen SH et al. Mechanisms of improved glycaemic control after Roux-em-Y gastric bypass. Diabetologia 2012; 55: 1890-1901.recentemente elucidou alguns dos mecanismos responsáveis pela melhora glicêmica pós-bariátrica. Antes da perda de excesso de peso proporcionar diminuição na sensibilidade periférica à insulina por redução do tecido adiposo, algumas alterações são geradas em questão de dias a semanas. O tecido hepático torna-se menos resistente à ação insulínica, parecendo dever-se principalmente à restrição energética. Também ocorre fenômeno de recuperação gradativa da função das células beta-pancreáticas, tornando a secreção de insulina mais fisiológica, consequentemente aproximando o paciente do estado euglicêmico. Outra alteração constatada foi a dos hormônios intestinais. Além do papel na indução de padrão anorexígeno mencionado acima, o GLP-1 potencializa a resposta insulínica pós-prandial. O mecanismo que conduz esta modificação é explicado pela exposição mais precoce de segmentos mais distais do intestino delgado proporcionado pela gastroenteroanastomose à Y-de-Roux e pelo aumento da velocidade de trânsito intestinal após a GV, fazendo com que o alimento alcance rapidamente o delgado distal . Nestes locais, estão dispostas as células L, responsáveis por secretar este peptídeo. Desta forma, conduz-se ao estado de secreção exagerada de GLP-1 que culmina em maior estimulação betapancreática. E conforme os resultados obtidos por Le Roux et al.1515. Le Roux CW, Welbourn R, Werling M, Osborne A et al. Gut hormone as mediators of appetite and weight loss after Roux-em-Y gastric bypass. Ann Surg 2007; 246(5):780-5., este panorama hormonal começa a surgir tão cedo quanto 48 h pós-operatórias.

No caso da GV o principal responsável atualmente identificado para explicar a melhora glicêmica é o hormônio grelina, produzido majoritariamente por células oxínticas localizadas no fundo gástrico. Ao estimular neurônios hipotalâmicos nos núcleos arqueados, tal substância estimula a ingestão de alimentos. Com sua retirada, possivelmente, será gerado menor débito alimentar, que pode explicar a melhora do perfil glicêmico. Blaire et al.44. Blaire A, Switzer NJ, Almamar A, Shi X et al. The impact of laparoscopic sleeve gastrectomy on plasma ghrelin levels: a systematic review. Obes Surg 2013; 23:1476-80. conduziu revisão sistemática da literatura acerca deste tema e verificou que houve redução dos níveis séricos de grelina de 698.4±312.4 pg/ml para 414.1±226.3 pg/ml (p= 0,000) após a operação. Portanto, é considerável a redução oportunizada por ela, mas outros estudos são necessários para clarificar a exata relação desta observação.

Apesar de a restrição calórica contribuir para a redução da glicemia em avaliação imediata após a operação, Evans et al.1010. Evans S, Pamuklar Z, Rosko J, Mahaney P et al. Gastric bypass restores meal stimulation of the anorexigenic gut hormones glucagon-like, peptide-1 and peptide YY independent of caloric restriction. Surg Endosc 2012; 26(4):1086-94.demonstraram que a resposta incretínica pós-cirúrgica se dá de maneira independentemente desta. Ademais, manter paciente em dieta altamente restrita torna-se inviável em longo prazo, ao passo que obter resposta entérica por meio da operação oportuniza alcançar benefícios sem basear sua alimentação em dieta restrita.

Uma das dificuldades encontradas na realização deste estudo foi o fato de os artigos já publicados na literatura nacional e internacional aterem-se apenas nas avaliações pós-operatórias mais longas, como as feitas com 30 dias ou mais. Logo, careceram dados de diferentes centros para comparação em relação às 48 h pós-operatórias. Outra limitação foi o fato de que avaliação feita não se estendeu nos meses posteriores à operação, de modo a dar seguimento à comparação glicêmica entre os diabéticos e os não diabéticos. Em terceiro lugar, medidas que quantificam a resistência periférica à insulina, como o modelo para avaliação da homeostase HOMA-IR, não puderam ser avaliadas devido à não mensuração de variáveis bioquímicas necessárias para seu cálculo em todo paciente que será operado. Apesar de boa resposta glicêmica, o grupo diabético mostrou-se heterogêneo; porém, este estudo não se propôs a destacar as diferenças que levaram a discrepância comportamental destes indivíduos e outras pesquisas se fazem necessárias para caracterizar mais detalhadamente este aspecto. Além disso, em virtude da amostra pequena, não foi possível demonstrar diferenças estatisticamente significativas que poderiam ser encontradas com amostras maiores.

Desta forma, o espectro de ação da cirurgia bariátrica não deve ser compreendido apenas pela ótica da perda de excesso de peso gerada, mas sim como procedimento de atuação ampla, caracterizado modernamente metabólico, como proposto inicialmente por Bunchwald5 5. Bunchwald H, Varco RL. Metabolic Surgery. New York, NY: Grune & Stratton, 1978.que utilizou o termo para designar modificações anatômicas induzidas cirurgicamente que gerem redução ou desaparecimento das funções alteradas que culminem em doenças; ou também, mudanças funcionais em direção oposta, contrabalanceando de forma parcial ou na íntegra a função originalmente alterada. Em revisão sobre o tema, Zeve et al.2929. Zeve JLM, Tomaz CAB. Cirurgia Metabólica - Cura para Diabete Melito tipo 2. ABCD Arq Bras Cir Dig 2011; 24(4):312-17. pontua o que já vem sendo discutido: a necessidade de parâmetros que identifiquem os pacientes com a melhor relação risco/benefício na indicação da cirurgia, não baseando-se apenas em estratos de IMC. Dessa forma as primeiras hipóteses para a exata compreensão dos mecanismos implicados na otimização do metabolismo intermediário dos carboidratos após as alterações anatômicas propostas pela cirurgia bariátrica já foram feitas e podem explicar os resultados encontrados no presente estudo.

CONCLUSÃO

Os pacientes diabéticos reduziram significativamente a glicemia após a operação independentemente do uso de insulina exógena ou drogas hipoglicemiantes orais.

REFERENCES

  • 1
    Alves A, Freire R, Alves MR, Barreto JA et al. Impacto da cirurgia bariátrica nos níveis de IGF-1, glicemia, insulina e resistência à insulina em pacientes obesos mórbidos. Bariátrica & Metabólica Íbero Americana 2011; 1:164-73.
  • 2
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  • Fonte de financiamento: não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2015

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2015
  • Aceito
    29 Jun 2015
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