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AVALIAÇÃO DE COLÁGENO DA LINHA ALBA EM PACIENTES OBESOS MÓRBIDOS

RESUMO

Racional:

A avaliação do colágeno na parede abdominal é cada vez mais estudada, em virtude da relevância dele no processo cicatricial após laparotomia.

Objetivo:

Avaliar a quantidade de colágeno na linha alba de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica e compará-la com a de cadáveres não-obesos.

Método:

Foram avaliados dois grupos com total de 88 amostras da aponeurose da linha alba abdominal, divididas em 44 de pacientes obesos (grupo obesidade) com indicação de cirurgia bariátrica e 44 de cadáveres não-obesos (grupo controle). As amostras foram retiradas da linha alba abdominal no período de 2013 a 2014 e inicialmente foram separadas conforme faixas etárias (18-30, 31-45 e 46-60), gênero, medidas de IMC, circunferência abdominal e cervical e espessura do subcutâneo do indivíduo. Foi coletado material para biópsia da linha alba supraumbilical para análise imunoistoquímica, diferenciando o colágeno tipo I e III e sua relação de tipo I/III. Utilizou-se o programa de contagem de pixels Image-Pro Plus(r), que mensurou a quantidade do colágeno.

Resultados:

O grupo obesidade teve idade 44,11±9,90 anos, Na faixa etária de 18-30 anos foram incluídos três (6,8%) obesos; na de 31-45 anos 22 (50%) e na de 46-60 anos 19 (43,1%). O gênero feminino apresentou predomínio, com 36 (81,8%) pacientes. O IMC (kg/m²) foi de 48,81±6,5; a circunferência abdominal (cm) foi de 136,761±13,55; a espessura do subcutâneo (cm) foi de 4,873±0,916. A quantidade de colágeno tipo I foi de 134.683,3±206.657,4; a de colágeno tipo III foi de 413.137,2±283.656,1; a razão do colágeno tipo I/III foi 0,419±0,636. Considerando-se faixas de idade, gênero e IMC, foram constatadas diferenças estatísticas em todas as análises quando comparadas com às dos cadáveres.

Conclusão:

Os obesos mórbidos apresentaram quantidade de colágeno na linha alba supraumbilical menor que a do grupo controle de cadáveres não-obesos na mesma faixa etária.

DESCRITORES:
Obesidade; Colágeno; Linha alba

ABSTRACT

Background:

The evaluation of collagen in the abdominal wall has been increasingly studied because of the relevance on collagen in the healing process after laparotomy.

Aim:

To evaluate the amount of collagen in the linea alba of patients undergoing laparotomic bariatric surgery and comparing with non-obese cadavers.

Methods:

Were evaluated 88 samples of aponeurosis from abdominal linea alba of 44 obese patients (obesity group) and 44 non-obese cadavers (control group). The samples were collected in 2013 and 2104, and were sorted according to age (18-30, 31-45 and 46-60), gender, BMI, waist and cervical circumference, and subcutaneous tissue thickness. Material for biopsy was collected from the supraumbilical region of the linea alba for immunohistochemical analysis differentiating collagen type 1 and type 3 and the 1/3 ratio. Image-Pro Plus pixel counting software was used to measure the amount of collagen.

Results:

The obesity group evidenced mean age 44.11±9.90 years; 18-30 age group had three (6.8%) obese individuals; 31-45 had 22 (50%) and 46-60 had 19 (43.1%). Females were present in 81.8% (n=36); BMI (kg/m²) was 48.81±6.5; waist circumference (cm) was 136.761±13.55; subcutaneous tissue thickness (cm) 4.873±0.916. Considering age groups, gender and BMI, there were statistical differences in all tests when compared with the cadavers.

Conclusion:

The amount of collagen in the linea alba above the umbilical region in the morbidly obese patients was smaller than in the non-obese cadavers in the same age group.

HEADINGS
Anastomosis, Roux-en-Y; Bariatric surgery; Gastric bypass; Stenosis

INTRODUÇÃO

O reparo das hérnias da parede abdominal continua sendo a operação mais frequente para o cirurgião geral. Durante muito tempo, inúmeros estudos foram desenvolvidos na busca das causas e do melhor método de tratamento11. Abdalla RZ, Garcia RB, da Costa RI, Abdalla BM. Treatment of mid-line abdominal wall hernias with the use of endo-stapler for mid-line closure. Arq Bras Cir Dig. 2013 Nov-Dec;26(4):335-7.,2020. Novitsky YW, Harrell AG, Hope WW, Kercher KW, Heniford BT. Meshes in hernia repair. Surg Technol Int. 2007;16:123-7.. As causas de falha na aproximação da parede abdominal são importantes tópicos de pesquisa1212. Gonçalves Rde O, de Moraes e Silva E, Lopes Filho Gde J. Immunohistochemical evaluation of fibrillar components of the extracellular matrix of transversalis fascia and anterior abdominal rectus sheath in men with inguinal hernia. Rev Col Bras Cir. 2014 Jan-Feb;41(1):23-9.,1313. Grevious MA, Cohen M, Jean-Pierre F, Herrmann GE. The use of prosthetics in abdominal wall reconstruction. Clin Plast Surg. 2006 Apr;33(2):181-97, v.. A incidência de defeitos de parede abdominal em pacientes obesos é elevada, chegando a 30% após laparotomias. Desse modo, identificar os fatores que podem influenciar o grau de força e de resistência da parede abdominal de pacientes com IMC acima de 35 kg/m2 e possíveis eventrações no pós-operatório torna-se importante para o cirurgião88. DeBord JR. The historical development of prosthetics in hernia surgery. Surg Clin North Am. 1998 Dec;78(6):973-1006, vi.. A substituição de matriz estrutural da parede abdominal com colágeno tipos I e III já foi descrita como causa de hérnias em região inguinal99. Engelsman AF, van Dam GM, van der Mei HC, Busscher HJ, Ploeg RJ. In vivo evaluation of bacterial infection involving morphologically different surgical meshes. Ann Surg. 2010 Jan;251(1):133-7.,1818. Meyer AL, Berger E, Monteiro Jr O, Alonso PA, Stavale JN, Gonçalves MP. Quantitative and qualitative analysis of collagen types in the fascia transversalis of inguinal hernia patients. Arq Gastroenterol. 2007 Jul-Sep;44(3):230-4.. Entretanto, até o momento, não foram estabelecidas a quantidade e estratificação em pacientes obesos e na região supraumbilical.

Este estudo tem por objetivo identificar os tipos de colágeno da parede anterior dos pacientes submetidos ao procedimento cirúrgico bariátrico e compará-lo com cadáveres não obesos

MÉTODOS

Foram analisadas amostras de linha alba de pacientes do Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil com indicação de cirurgia bariátrica e de cadáveres não-obesos do Departamento Médico Legal de Porto Alegre. O protocolo foi aprovado pelo Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e pela Comissão de Ética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, sob o parecer de número 269.331/2013. Houve também a aprovação do protocolo e liberação para execução do estudo por parte do Departamento Científico do Departamento Médico Legal de Porto Alegre. A amostra do estudo foi composta por dois grupos. O número de indivíduos de cada grupo foi estipulado pelo cálculo de amostra baseado no estudo de Fachinelli, no qual foi estabelecida a necessidade de mensurar uma diferença mínima de 80 pixels entre o colágeno total de pacientes obesos e de controles, com desvio-padrão de 131 pixels66. Culbertson EJ, Xing L, Wen Y, Franz MG. Loss of mechanical strain impairs abdominal wall fibroblast proliferation, orientation, and collagen contraction function. Surgery. 2011 Sep;150(3):410-7.. Considerando poder estatístico de 80% e nível de significância de α=0,05, são necessários no mínimo 44 sujeitos em cada grupo, totalizando 88.

O grupo obesidade foi composto por 44 pacientes que realizaram gastroplastia com derivação em Y-de-Roux no Hospital de Clínicas de Porto Alegre no período de março de 2013 a dezembro de 2014. Os critérios de inclusão foram: pacientes atendidos no ambulatório de Cirurgia Digestiva do Hospital de Clínicas de Porto Alegre que concordaram com o TCLE; os com diagnóstico de obesidade mórbida e com indicação de cirurgia bariátrica (IMC>40 ou IMC>35 com comorbidades); maiores de 18 e menores de 60 anos. Os critérios de exclusão foram: pacientes submetidos à cirurgia prévia na linha alba supraumbilical; os com deformidades ou lesões na parede anterior; os com doenças degenerativas; os portadores da síndrome de Marfan, osteogenisis imperfecta e síndrome de Ehlers-Danlos.

O grupo cadáver foi composto de 44 cadáveres. Os critérios de inclusão foram: indivíduos com até 12 h de falecimento; maiores de 18 e menores de 60 anos; os com IMC maior de 18 kg/m2 e menor de 25 kg/m2. Os critérios de exclusão foram: pacientes submetidos à cirurgia prévia na linha alba supraumbilical; os com deformidades ou lesões na parede anterior; os com doenças degenerativas; os portadores da síndrome de Marfan, osteogenisis imperfecta e síndrome de Ehlers-Danlos.

O estudo foi composto de análise do colágeno da parede anterior do abdome junto à incisão laparotômica durante o procedimento de gastroplastia com derivação intestinal em Y-de-Roux. A coleta da amostra da linha alba, de tamanho 1x1 cm foi realizada na incisão do procedimento cirúrgico em linha média a partir de 5 cm do ângulo do processo xifoide (Figura 1). A amostra foi armazenada em solução de formalina para fixação e posterior estudo imunistoquímico. Cada amostra resultou em duas lâminas: uma para imunoistoquímica no estudo do colágeno tipo I e uma para colágeno tipo III. Foi produzido e corado um total de 176 lâminas77. Curro G, Centorrino T, Low V, Sarra G, Navarra G. Long-term outcome with the prophylactic use of polypropylene mesh in morbidly obese patients undergoing biliopancreatic diversion. Obes Surg. 2012 Feb;22(2):279-82. doi: 10.1007/s11695-011-0486-y.
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FIGURA 1
Comparativo dos grupos obesidade vs cadáver na razão do colágeno tipo I/III: diferença significativa de maior quantidade de colágeno no grupo controle em comparação com obesos

A avaliação quantitativa e qualitativa dos colágenos tipos I e III foi realizada por imunoistoquímica indireta, com a utilização do anticorpo policlonal anticolágeno tipo I (PA1-85317) e do anticorpo policlonal anticolágeno tipo III (PA1-85314). Utilizou-se sistema de imagens composto por um microscópio Olympus com videocâmera acoplada. O sinal de vídeo foi digitalizado em 32 bits em um computador pessoal com resolução de 1280 (horizontal) por 960 (vertical) pixels e 24 milhões de cores. O software empregado foi Q-Capture Pro 5.1. Foram digitalizados 10 campos de 400 vezes de aumento por lâmina, no total de 1760 imagens digitalizadas sob a forma de arquivos de extensão tiff. As imagens digitalizadas foram analisadas utilizando-se o programa aplicativo Image-Pro Plus versão 3.1 (Media Cybernetics, Silverspring, USA).

Análise estatística

Foi utilizado o teste U de Mann-Whitney para as variáveis quantitativas com distribuição assimétrica; para as variáveis contínuas com distribuição normal, foi usado o teste t de Student. As análises com p<0.05 para a magnitude das diferenças estatisticamente significativas foram consideradas. O SPSS (Statistical Package for Social Science) versão 22.0 foi usado para análise dos dados.

RESULTADOS

O estudo foi conduzido até a totalização das amostras de cada grupo. Não houve complicações cirúrgicas no grupo de pacientes obesos pela coleta da amostra tecidual. As análises descritivas de cada grupo foram apresentadas em média e desvio-padrão, com suas respectivas porcentagens.

A medida inicial de caracterização das amostras dos grupos envolvidos mostrou perfil do grupo obesidade com média e desvio-padrão de idade, em anos, de 44,11±9,9. Houve predomínio do gênero feminino, com presença de 36 (81,8%) indivíduos com peso de 128,7±23,02 kg totalizando IMC de 48,89±6,50. O excesso de peso (peso anterior à operação - correspondente ao IMC=25 de sua altura) teve como média e desvio-padrão 62,89±19,13 kg, respectivamente. O grupo com cadáveres apresentou predomínio do gênero masculino, com 36 (81,8%) dos casos, média e desvio-padrão de idade 32,7±7,05, com peso de 69,96±6,82 e IMC de 23,98 ±1,17 (Tabela 1).

No que se refere às comorbidades, no grupo obesidade, durante o exame pré-operatório, encontraram-se apenas dois (4,5%) pacientes hígidos, sendo que 42 (95,5%) do total de 44 tinham pelo menos uma comorbidade, com destaque para hipertensão arterial sistêmica em 38 (86,4%), diabete melito em 18 (40,9%) e história de tabagismo. No que se refere ao tabagismo, 10 (22,72%) disseram ter cessado havia mais de dois anos, dois (4,54%) um ano até três meses antes da operação e 32 (72,72%) negavam contato com tabagismo. Dentre os pacientes com história de doenças pulmonares crônicas, incluindo asma, apenas cinco (11,4%) eram usuários de corticoide nasal em dose baixa,<100 mcg por dia, e 19 (43,2%) tinham sintomas de apneia do sono. Hipotireoidismo esteve presente em nove (20,5%) pacientes, e o número de gestações foi de 1,48±1,83 por paciente. No grupo controle, foram excluídos os pacientes com história de comorbidades, incluindo tabagismo e gestação (Tabela 1).

As medidas antropométricas foram utilizadas para diferenciar o padrão de distribuição do peso e gordura nos dois grupos. O grupo obesidade apresentou em todas as mensurações diferençam estatisticamente significativas, incluindo altura de 170,62±7,49 vs 162,36±7,64 cm cm (p<0,01) quando comparado ao grupo cadáver. Seguiram-se as análises de IMC, com índices de 48,89±6,50 vs 23,98±1,17 kg/m², (p<0,01). A medida da circunferência abdominal foi de 136,76±13,55 vs 80,06±6,82 cm); a circunferência cervical foi de 42,57±4,20 vs 36,57±2,05 cm; a circunferência braquial foi de 41,66±4,89 vs 27,33±3,62 cm; a circunferência da cintura foi de 121,45±12,16 vs 78,41±6,34 cm e a do quadril de 139,33±15,58 vs 90,26±7,72 cm (p<0,01) nos grupos obesidade e cadáver, respectivamente. A espessura da gordura do subcutâneo no local da biópsia para abordagem da linha alba no grupo obesidade alcançou 4,87± 0,91 versus 1,94±0,61 cm do grupo cadáver (p=0,007).

A contagem do colágeno foi feita por meio do programa Image-Pro Plus(r) a partir de fotografias obtidas mediante microscopia 400x, que captura a imagem e a transforma em pixels,1200 por campo de amostra. O grupo obesidade apresentou média de 134683,3±206657,4 pixels na amostra de colágeno tipo I, 413137,2±283656,1 pixels na amostra de colágeno tipo III e 0,419±0,636 para a razão do colágeno tipo I/III. Já o grupo controle apresentou média de 1587378,8±719527,5 pixels para o colágeno tipo I, média de 630629,1±396242 para o colágeno tipo III e a razão do colágeno tipo I/III de 8,96±27,49 pixels. Quando comparados utilizando o teste U de Mann-Whitney mostrou diferença estatística significativa de p<0,001 nas amostras do colágeno tipo III e razão dos colágenos tipo I/III e ainda p=0,03 no colágeno do tipo I. Quando comparados os grupos obesidade e cadáver, o grupo obesidade apresentou contagem menor de colágeno do tipo I nas três amostras; utilizando-se o teste U de Mann-Whitney mostrou diferença estatística significativa p<0,001 nas amostras do colágeno tipo III e razão dos colágenos tipo I/III e, ainda, p=0,03 no colágeno do tipo I (Figura1).

A análise dos colágenos propriamente dito seguiu na tentativa de elucidar se havia diferenças entre as amostras do mesmo gênero. Na comparação entre a quantidade de colágeno no sexo feminino, utilizou-se o teste U de Mann-Whitney para amostras independentes com o colágeno tipo III, e a razão dos colágenos tipo I/III apresentou diferença estatística significativa, com a contagem maior no grupo controle p<0,001 e o colágeno tipo I p=0,011. No gênero masculino, houve diferença estatística significativa apenas no colágeno tipo III e na razão dos colágenos tipo I/III p<0,01; não houve diferença estatística na contagem de colágeno do tipo I, p=0,068 (Figura 2).

FIGURA 2
Comparativo dos grupos obesidade e controle na razão dos colágenos tipos I/III distribuídos pelos gêneros

Optou-se por estratificar por faixas etárias para análise detalhada do colágeno dos grupos. O primeiro grupo, com idades variando de 18 a 30 anos, apresentou, no grupo obesidade, três (6,8%) pacientes vs 21 (47,7%) nos cadáveres. No grupo de 31 a 45 anos, foram 22 (50%) vs 21 (47,7%). Já no grupo de 46 a 60 anos, foram identificados 19 (43,2%) vs dois (4,5%) indivíduos no grupo cadáver. Utilizando-se o teste U de Mann-Whitney nas análises do colágeno tipo III e razão I/III do grupo 18-30, evidenciou-se diferença estatística significativa, p=0,06, mas não no colágeno tipo I, p=0,965 (Figura 3). A mesma análise foi realizada para os demais grupos, apresentando diferença no grupo 31-45 para o colágeno tipo III e razão dos colágenos tipo I/III, mas sem diferença estatística na análise do colágeno tipo I, p=0,052. Entre os indivíduos com idade mais elevada (46-60 anos), manteve-se a mesma identificação de menor quantidade de colágeno no grupo Obesidade em comparação com os cadáveres, em relação ao colágeno tipo III e à razão I/III, p=0,023 e p=0,042 respectivamente, mas não foi evidenciada diferença na contagem de colágeno do tipo I, p=0,188. As comorbidades dos pacientes do grupo obesidade não apresentaram diferença estatística significativa quando comparadas às quantidades de colágeno tipo I, tipo III e razão I/III, considerando-se a presença de hipertensão arterial sistêmica, diabete melito, DPOC, apneia do sono, hipotireoidismo, tabagismo e número de gestações (Figura 3).

FIGURA 3
Comparativo de grupos com faixa de idade correspondente à razão dos colágenos tipos I/III

DISCUSSÃO

O colágeno continua sendo estudado para avaliação de fechamento adequado de laparotomia e no reparo das hérnias da parede abdominal. Este estudo mostra diminuição na quantidade total e, em particular, queda do colágeno de tipo I e III, bem como na razão dos tipos I/III, o que pode apontar um fator de risco para defeitos de fechamento da parede, mesmo em situações como a laparoscopia e a robótica.

Para os pacientes considerados de alto risco, seja pelo IMC elevado, gênero feminino ou idade avançada, têm-se considerado alternativas de fechamento com reforços ou técnicas com uso de telas e, ainda em desenvolvimento, as células-tronco com reforço em situações especiais como no caso do paciente submetido ao procedimento bariátrico de desenvolver hérnia incisional, que pode se aproximar de 30% quando comparado com a população não-obesa, que varia até 15%77. Curro G, Centorrino T, Low V, Sarra G, Navarra G. Long-term outcome with the prophylactic use of polypropylene mesh in morbidly obese patients undergoing biliopancreatic diversion. Obes Surg. 2012 Feb;22(2):279-82. doi: 10.1007/s11695-011-0486-y.
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No processo de síntese da ferida, ocorre aumento de colágeno tipo III para evoluir para tipo I, com densidade e estrutura mais fortes devido ao tipo de ligação celular. Assim, é importante o acompanhamento do paciente obeso quando ele apresenta déficit da quantidade de colágeno e ainda na perda ponderal programada para período relativamente curto (dois anos), chegando a mais de 50% do excesso de peso66. Culbertson EJ, Xing L, Wen Y, Franz MG. Loss of mechanical strain impairs abdominal wall fibroblast proliferation, orientation, and collagen contraction function. Surgery. 2011 Sep;150(3):410-7.,1717. Krpata DM, Criss CN, Gao Y, Sadava EE, Anderson JM, Novitsky YW, Rosen MJ. Effects of weight reduction surgery on the abdominal wall fascial wound healing process. J Surg Res. 2013 Sep;184(1):78-83.,2424. Trindade EN, Trindade MR. The use of mesh and collagen in incisional hernias. Hernia. 2007 Feb;11(1):83-4..

Vários estudos5,11,14,25 utilizaram a obesidade como fator de risco independente para desenvolvimento de complicações pós-operatórias precoces e tardias. Modelos de regressão linear mostram que ela altera a cicatrização da ferida e eleva índices de infecção de sítio cirúrgico; além disso, a espessura de gordura do subcutâneo parece influenciar essas taxas, corroborando estes achados em que houve diferença estatística significativa na diminuição de colágeno e aumento da espessura do subcutâneo nos pacientes obesos quando comparados com os cadáveres não-obesos.

O estudo em cadáveres do sexo masculino foi dividido em duas faixas etárias amplas (18-30 anos e 31-60 anos), apresentando resultados semelhantes na composição do colágeno na linha alba supra e infraumbilical, comparados com os resultados dos grupos deste estudo. A diminuição da quantidade de colágeno do tipo I e III foi observada no grupo de idade mais avançada, reforçando a tese do enfraquecimento da parede abdominal ao longo dos anos, mesmo em pacientes não estratificados pelos fatores de risco44. Calvi EN, Nahas FX, Barbosa MV, Calil JA, Ihara SS, Juliano Y, Ferreira LM. Collagen fibers in the rectus abdominis muscle of cadavers of different age. Hernia. 2014 Aug;18(4):527-33.. Mesmo em artigos que apontam a hérnia incisional já presente, a idade entra como fator de risco para eventos negativos no pós-operatório33. Caglià P, Tracia A, Borzì L, Amodeo L, Tracia L, Veroux M, Amodeo C. Incisional hernia in the elderly: risk factors and clinical considerations. Int J Surg. 2014;12 Suppl 2:S164-9.,1616. Konerding MA, Bohn M, Wolloscheck T, Batke B, Holste JL, Wohlert S, Trzewik J, Förstemann T, Hartung C. Maximum forces acting on the abdominal wall: experimental validation of a theoretical modeling in a human cadaver study. Med Eng Phys. 2011 Jul;33(6):789-92..

A característica de cada gênero influencia a disposição das fibras anisotrópicas, as forças de tração em diferentes sentidos ao longo da linha alba e, inclusive, a fase cicatricial após a incisão na linha média. O sexo feminino é descrito como fator de risco aumentado em estudo com mais de quatro mil pacientes, que ainda inclui os IMC e espessura do tecido subcutâneo. Na amostra aqui descrita, houve diferença significativa na quantidade de colágeno do tipo I e do tipo III e na razão I/III quando comparados com os casos do sexo masculino e mesmo entre obesos e não-obesos do mesmo gênero, orientando para alto risco de defeitos na síntese da parede abdominal em mulheres obesas mórbidas, que representa uma parte da população em crescimento mundial1414. Itatsu K, Yokoyama Y, Sugawara G, Kubota H, Tojima Y, Kurumiya Y, Kono H, Yamamoto H, Ando M, Nagino M. Incidence of and risk factors for incisional hernia after abdominal surgery. Br J Surg. 2014 Oct;101(11):1439-47.

Essas considerações refletem um grupo de alto risco de defeitos na parede após um procedimento, requerendo a procura de alternativas para minimizar os efeitos negativos. Alternativas como uso de telas preventivas estão em discussão há vários anos, com desfechos favoráveis e deletérios em vários estudos77. Curro G, Centorrino T, Low V, Sarra G, Navarra G. Long-term outcome with the prophylactic use of polypropylene mesh in morbidly obese patients undergoing biliopancreatic diversion. Obes Surg. 2012 Feb;22(2):279-82. doi: 10.1007/s11695-011-0486-y.
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,1515. Klinge U, Zheng H, Si Z, Schumpelick V, Bhardwaj RS, Muys L, Klosterhalfen B. Expression of the extracellular matrix proteins collagen I, collagen III and fibronectin and matrix metalloproteinase-1 and -13 in the skin of patients with inguinal hernia Eur Surg Res. 1999;31(6):480-90.,2323. Scozzari G, Zanini M, Cravero F, Passera R, Rebecchi F, Morino M. High incidence of trocar site hernia after laparoscopic or robotic Roux-en-Y gastric bypass. Surg Endosc. 2014 Oct;28(10):2890-8.,2424. Trindade EN, Trindade MR. The use of mesh and collagen in incisional hernias. Hernia. 2007 Feb;11(1):83-4..

Em resposta às alternativas para o fechamento adequado da parede abdominal em pacientes de alto risco para hérnia incisional, devem ser pesquisadas formas de fornecer substrato para a síntese da parede, que poderia ser o advento de células-tronco mesenquimais. Entretanto, ainda não se dispõe de resultados que possam desempenhar papel seguro na reparação da parede abdominal ou seu uso preventivo2121. Petter-Puchner AH, Fortelny RH, Gruber-Blum S, Redl H, Dietz U. The future of stem cell therapy in hernia and abdominal wall repair. Hernia. 2015 Feb;19(1):25-31.. Algumas limitações do estudo podem ser mais bem avaliadas em ensaios clínicos randomizados para avaliação em longo prazo, com acompanhamento dos pacientes para o desenvolvimento ou não de hérnias incisionais no pós-operatório.

CONCLUSÃO

Obesos mórbidos apresentaram quantidade de colágeno na linha alba da região supraumbilical menor que a do grupo controle quando comparada a cadáveres não-obesos na mesma faixa etária.

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  • Fonte de financiamento: FIPE (Fundo de Incentivo à Pesquisa e Eventos no Hospital de Clínicas de Porto Alegre - financiou a análise histológica e imunohistoquímica)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    16 Fev 2016
  • Aceito
    10 Maio 2016
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