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PREVALÊNCIA E PREDITORES DE ALTERAÇÕES DO HÁBITO INTESTINAL PÓS-COLECISTECTOMIA VIDEOLAPAROSCÓPICA

RESUMO

Racional:

A incidência da colecistopatia calculosa é de aproximadamente 15% da população brasileira. Acredita-se que entre 30-40% dos pacientes colecistectomizados apresentem sintomas pós-operatório, sendo a alteração do hábito intestinal o mais comum.

Objetivo:

1) Determinar a prevalência, e 2) identificar preditores de mudanças do hábito intestinal pós-colecistectomia videolaparoscópica.

Métodos:

Estudo transversal retrospectivo com amostra inicial de 150 pacientes diagnosticados com colecistopatia calculosa, operados entre julho e setembro de 2014. Os pacientes foram submetidos a um questionário sobre a presença de sintomas gastrointestinais após a operação, e a alterações do aspecto das fezes antes e depois do procedimento. A amostra foi dividida em dois grupos (com ou sem mudanças do hábito intestinal) sendo realizadas associações com as seguintes variáveis: hipertensão arterial, IMC, hipotireoidismo, seguimento de dieta no pós-operatório, operação abdominal prévia e operação bariátrica.

Resultados:

A prevalência de mudanças do hábito intestinal na população estudada foi de 35,1%. A associação entre elas e sintomas gastrointestinais demonstrou-se estatisticamente significativa (2=7,981; p=0,005), sendo que as pessoas que não apresentavam os sintomas tinham 2,34 vezes mais chances de não apresentarem mudanças do hábito intestinal. Nenhum dos demais fatores investigados demonstrou ser preditor de risco para mudanças do hábito intestinal pós-colecistectomia.

Conclusões:

1) Observou-se alta prevalência de mudanças do hábito intestinal, e 2) houve associação entre mudança do hábito intestinal e a presença de sintomas gastrointestinais.

DESCRITORES -
Colecistectomia; Hábito intestinal; Síndrome pós-colecistectomia; Diarreia..

ABSTRACT

Background:

The incidence of cholecystolithiasis is approximately 15% of the population. It is believed that between 30-40% of cholecystectomy patients have symptoms after surgery, being changes in bowel habits the most common among them.

Aim:

1) Defining the prevalence, and 2) identifying predictors of changes in bowel habits after laparoscopic cholecystectomy.

Methods:

This is a retrospective cross-sectional study with an initial sample of 150 patients diagnosed with cholecystolithiasis operated between July and September 2014. Patients were submitted to a questionnaire about the presence of gastrointestinal symptoms and changes in stools consistency before and after the surgical procedure. They were divided into two groups (with or without changes in bowel habits) being combined with the following variables: high blood pressure, body mass index, hypothyroidism, adherence to postoperative dietary orientations, previous abdominal and bariatric surgery.

Results:

The prevalence of changes in bowel habits in the study population was 35.1%. The association between it and gastrointestinal symptoms was demonstrated to be statistically significant (2=7.981; p=0.005), and people who did not have gastrointestinal symptoms had 2.34 times the odds of not presenting changes in bowel habits. None of the other investigated factors had shown to be a predictor of risk for post-cholecystectomy changes in bowel habits.

Conclusion:

1) There was a high prevalence of changes in bowel habits, and 2) there was association between changes in bowel habits and the presence of gastrointestinal symptoms.

HEADINGS -
Cholecystectomy; Bowel habits; Post-cholecystectomy syndrome; Diarrhea.

INTRODUÇÃO

Estima-se que as doenças gastrointestinais afetam cerca de 60 milhões de americanos anualmente. No ano de 2004, foram estimadas 4,6 milhões de internações hospitalares, 72 milhões de consultas ambulatoriais e 236 mil mortes atribuídas às doenças gastrointestinais1414 Peery AF, Dellon ES, Lund J, Crockett SD, McGowan CE, Bulsiewicz WJ, Gangarosa LM, Thiny MT, Stizenberg K, Morgan DR, Ringel Y, Kim HP, Dibonaventura MD, Carroll CF, Allen JK, Cook SF, Sandler RS, Kappelman MD,Shaheen NJ. Burden of gastrointestinal disease in the United States: 2012 update. Gastroenterology 2012; 143(5): 1179-87..

A colecistopatia calculosa atinge cerca de 20% da população ocidental adulta, destes aproximadamente 15% tornam-se sintomáticos88 Kullak-Ublick GA, Paumgartner G, Berr F. Long-term effects of cholecystectomy on bile acid metabolism. Hepatology 1995; 21(1): 41-5.. No Brasil foram realizadas no ano de 2014, 130 mil colecistectomias pelo Sistema Único de Saúde, sendo 21 mil apenas no estado de São Paulo1111 Ministério da Saúde, Brasil. Datasus. Sistema de Informações Hospitalares do SUS. Informações de Saúde: Procedimentos Hospitalares do SUS - Brasil. Brasília; 2014. Acesso em: 30 de novembro de 2015..

Desde a sua introdução por Mühe1212 Muhe E. Long term follow-up after laparoscopic cholecystectomy. Endoscopy 1992; 24:754-8. em 1986, a colecistectomia laparoscópica ganhou popularidade sendo considerada hoje o tratamento de escolha para as colecistopatias. São várias as vantagens sobre a laparotomia, todas já bem consolidadas pela literatura, incluindo o tempo de hospitalização reduzido, menor dor no pós-operatório e redução da morbidade, sendo a opção com melhor relação custo-benefício66 Haukoos, J. S., & Lewis, R. J. (2005). Advanced statistics: Bootstrapping confidence intervals for statistics with "difficult" distributions. Academic Emergency Medicine, 12(4), 360-65.. A difusão do diagnóstico e da técnica videolaparoscópica permitiu aumento expressivo das indicações cirúrgicas da colecistectomia, sobretudo em pacientes sem complicações da litíase1616 Shaffer EA. Gallstone disease: Epidemiology of gallbladder stone disease. Best Practice Research Clinical Gastroenterology 2006; 20(6): 981-96..

Os sintomas gastrointestinais pós-colecistectomia são geralmente inespecíficos e leves, como flatulência, náuseas, eructação, sensação de indigestão e mudanças do hábito intestinal (MHI)22 Borges MC1, Takeuti TD1, Terra GA1, Ribeiro BM1, Rodrigues-Júnior V2, Crema E1. Comparative analysis of immunological profiles in women undergoing conventional and single-port laparoscopic cholecystectomy. Arq Bras Cir Dig. 2016 Jul-Sep;29(3):164-169. doi: 10.1590/0102-6720201600030009.
https://doi.org/10.1590/0102-67202016000...
,1010 Menezes HL, Fireman PA, Wanderley VE, Mencoça AMMC, Bispo RKA. Avaliação da dieta hipolipídica nos sintomas digestivos no pós- operatório imediato da colecistectomia por videolaparoscopia. Revista Colégio Brasileiro de Cirurgiões 2013;40(3): 203-07.,1313 Passos MA, Portari-Filho PE. Antibiotic prophylaxis in laparoscopic cholecistectomy: is it worth doing? Arq Bras Cir Dig. 2016 Jul-Sep;29(3):170-172. doi: 10.1590/0102-6720201600030010.
https://doi.org/10.1590/0102-67202016000...
. A principal alteração do hábito intestinal após a colecistectomia é a diarréia; a sua prevalência foi relatada entre 0,9-35,6%, sendo uma das sequelas pós-operatórias mais angustiantes referidas44 Farahmandfar MR, Chabok M, Alade M, Bouhelal A, Patel B. Post Cholecystectomy Diarrhoea - A Systematic Review. Surgical Science 2012; 3(6): 332-38.,55 Fisher M, Spilias DC, Tong LK. Diarrhoea after laparoscopic cholecystectomy: incidence and main determinants. ANZ Journal of Surgery 2008; 78(6): 482-6.. Apesar do número expressivo de pacientes sintomáticos, ainda não há na literatura estudos que determinem quais pacientes irão desenvolver MHI.

Distúrbios digestivos menores vigentes nas semanas seguintes da operação são de intensidade variável e não necessitam, exceto em casos extremos, de hospitalização. A diarreia ou presença de fezes amolecidas são descritas com frequência e representam o período de adaptação da árvore biliar à falta de reservatório - a vesícula biliar -, apresentando melhora gradual ao longo do tempo. Número limitado de pacientes se queixa de constipação, e está possivelmente condicionada pela inatividade e restrição dietética que alguns cirurgiões defendem e recomendam2020 Zúniga GA. Revisión bibliográfica: el síndrome postcolecistectomia. Revista Médica Hondureña 1986; 54(3): 237-40..

A fisiopatologia da MHI é tema controverso; a literatura tende a atribuir às alterações sofridas pelos ácidos biliares no ciclo enterohepático. A colecistectomia remove o principal local de armazenamento dos ácidos biliares, consequentemente eles permanecem por mais tempo em contato com a mucosa do intestino entre as refeições55 Fisher M, Spilias DC, Tong LK. Diarrhoea after laparoscopic cholecystectomy: incidence and main determinants. ANZ Journal of Surgery 2008; 78(6): 482-6.. Os ácidos biliares sofrem um número maior de desidroxilação bacteriana, dificultando sua absorção intestinal, chegando em quantidades maiores no intestino grosso, sendo apontada como a principal causa das alterações do hábito intestinal sofridas no pós-operatório88 Kullak-Ublick GA, Paumgartner G, Berr F. Long-term effects of cholecystectomy on bile acid metabolism. Hepatology 1995; 21(1): 41-5.,1515 Salim MT, Cutait R. Complicações da cirurgia videolaparoscópica no tratamento de doenças da vesícula e vias biliares. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva 2008; 21(4): 153-157..

Devido ao aumento do número de colecistectomias laparoscópicas, informações objetivas sobre prevalência, mecanismos e fatores predisponentes para alterações do hábito intestinal pós-colecistectomia são cada vez mais importantes para o esclarecimento das expectativas do paciente, o consentimento e o manejo pós-operatório55 Fisher M, Spilias DC, Tong LK. Diarrhoea after laparoscopic cholecystectomy: incidence and main determinants. ANZ Journal of Surgery 2008; 78(6): 482-6..

Este estudo tem como objetivos: 1) determinar a prevalência, e 2) identificar preditores de mudanças do hábito intestinal pós-colecistectomia videolaparoscópica.

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal retrospectivo com amostra inicial de 150 pacientes diagnosticados com colecistopatia calculosa, operados entre julho e setembro de 2014 no Complexo Hospitalar Edmundo Vasconcelos, São Paulo, SP, Brasil. Este estudo foi submetido à aprovação do comitê de ética desta instituição, sendo o consentimento obtido verbalmente antes do início da entrevista realizada através de contato telefônico.

Foram incluídos todos os pacientes que aceitaram participar do estudo em questão, sendo excluídos aqueles que não atenderam a ligação após quatro tentativas em dias e horários alternados, os que se recusaram e um participante portador de agenesia de vesícula biliar.

Para estabelecer o efeito da colecistectomia videolaparoscópica no hábito intestinal foi realizado um questionário, previamente validado33 Delgado-Aros S, Locke G, Camilleri M, Talley N, Fett S, Zinsmeister A, et al. Obesity is associated with increased risk of gastrointestinal symptoms: a population-based study. The American journal of gastroenterology 2004; 99(9):1801-6., e modificado a fim de se adequar ao presente estudo (Figura 1). Este questionário era composto por perguntas detalhadas a respeito do hábito intestinal antes e depois do procedimento, orientação de dieta pós-operatória, comorbidades, operações abdominais prévias e sintomas referidos aleatoriamente. Em seguida, foram captados os índices de massa corpórea vigentes no dia da operação através do sistema da própria instituição.

FIGURA 1
Questionário aplicado nesta pesquisa

Realizou-se uma escala de consistência fecal, a saber: 1 fezes endurecidas; 2 fezes com forma; 3 fezes pastosas; 4 fezes líquidas. Os pacientes foram divididos em dois grupos: aqueles que apresentaram modificação do hábito intestinal (amolecimento das fezes), e aqueles que não o tiveram, isto é, mantiveram a mesma consistência fecal antes e depois da colecistectomia videolaparoscópica. Foi considerado como realizada dieta pós-operatória aqueles que seguiram dieta antifermentativa ou hipogordurosa por 15 dias ou mais.

Os pacientes foram divididos em dois grupos, os que apresentaram mudança do hábito intestinal e aqueles que não a tiveram, sendo então realizadas análises de qui-quadrado com o objetivo de investigar a associação entre as seguintes variáveis: 1) MHI vs. diabete (presença ou ausência); 2) MHI vs. sintomas gastrointestinais (SGI) (presença ou ausência); 3) MHI vs. hipertensão arterial sistêmica (HAS) (presença ou ausência); 4) MHI vs. IMC (até sobrepeso e acima de sobrepeso); 5) MHI vs. hipotireoidismo (presença ou ausência); 6) MHI vs. realização de dieta no pós-operatório (menos de 15 dias, mais de 15 dias, sem dieta); 7) MHI vs. operação abdominal (prévia, sem operação ou procedimento bariátrico); 8) MHI vs. gênero (homem ou mulher).

Análise estatística

Os testes do qui-quadrado foram realizados separadamente para cada associação. Valores de p<0,05 indicaram efeito estatisticamente significativo. Foram também calculadas as razões de chance (odds-ratio; OR) para as associações estatisticamente significativas. As razões de chance referem-se à estimativa do efeito da associação encontrada, e foram computadas com base na probabilidade de que um evento ocorra dividido pela probabilidade de que ele não ocorreria. Foram realizados também testes t de Student com o objetivo de avaliar se houve diferenças de idade entre sujeitos que tiveram MHI e SGI. Os testes t utilizaram procedimentos de re-amostragem (bootstrapping; 1000 re-amostragens; intervalo de confiança 99%). O procedimento de re-amostragem foi utilizado com vistas a garantir maior confiabilidade aos resultados, além de corrigir possíveis desvios de distribuição de normalidade dos dados, incompatibilidade nos tamanhos dos grupos, além de apresentar intervalo de confiança de 99% para as diferenças das médias66 Haukoos, J. S., & Lewis, R. J. (2005). Advanced statistics: Bootstrapping confidence intervals for statistics with "difficult" distributions. Academic Emergency Medicine, 12(4), 360-65..

RESULTADOS

Participaram do estudo 111 sujeitos, 70% mulheres, com idades variando entre 18-84 anos (46,11±14,61). Em relação às mulheres, a idade variou entre 18-79 anos (43,73±14,02) e para homens de 27-84 anos (51,84±14,61).

Do total dos participantes, 64,9% (n=72) apresentaram consistência igual nas fezes entre pré e pós-teste, enquanto 35,1% (n=39) consistência diminuída. Para homens, 60,6% (n=20) apresentaram consistência igual nas fezes, enquanto 39,4% (n=13) consistência diminuída. Para as mulheres, 66,7% (n=52) apresentaram consistência igual nas fezes entre pré e pós-teste, enquanto 33,3% (n=26) consistência diminuída.

A Tabela 1 relaciona as variáveis analisadas e seus respectivos valores de qui-quadrado e p.

TABELA 1
Variáveis analisadas

A única variável que apresentou significância estatística foi associação entre MHI e SGI. Foi, então, calculado razão de chances (OR), demonstrando que pessoas que não tinham SGI apresentaram 2,34 vezes mais chances de ter consistência igual das fezes entre pré e pós, quando comparado com os que tinham SGI.

Teste T de Student foi realizado para avaliar diferenças significativas na idade entre participantes com e sem MHI e SGI. A Tabela 2 apresenta resultados descritivos e inferenciais desse teste para avaliar possíveis diferenças na idade de participantes com e sem MHI e com e sem SGI. É possível observar que, para ambas as variáveis, não houve diferenças estatisticamente significativas na idade dos participantes entre os grupos.

TABELA 2
Diferenças na idade de participantes

DISCUSSÃO

No presente estudo, a alteração do hábito intestinal, sob a variável amolecimento das fezes, foi observada em aproximadamente 35% dos pacientes, estando condizente com a literatura atual44 Farahmandfar MR, Chabok M, Alade M, Bouhelal A, Patel B. Post Cholecystectomy Diarrhoea - A Systematic Review. Surgical Science 2012; 3(6): 332-38.,55 Fisher M, Spilias DC, Tong LK. Diarrhoea after laparoscopic cholecystectomy: incidence and main determinants. ANZ Journal of Surgery 2008; 78(6): 482-6.. Devido à dificuldade de se definir a diarreia pós-colecistectomia por conceitos simples, optou-se pelo estudo da variável amolecimento das fezes e consequentemente mudança do hábito intestinal.

O uso da dieta hipolipídica no pós-operatório após a colecistectomia é controverso na literatura e entre os cirurgiões, pois apesar de não se ter documentada melhora significativa dos sintomas com esta dieta, muitos médicos a prescrevem e, quando não o fazem, muitos pacientes continuam com a dieta após o procedimento cirúrgico por receio de seu consumo, visto que alimentos ricos em gordura estão relacionados à intolerância e ao aparecimento dos sintomas no período pré-operatório1010 Menezes HL, Fireman PA, Wanderley VE, Mencoça AMMC, Bispo RKA. Avaliação da dieta hipolipídica nos sintomas digestivos no pós- operatório imediato da colecistectomia por videolaparoscopia. Revista Colégio Brasileiro de Cirurgiões 2013;40(3): 203-07.. Em estudo prévio demonstrou-se benefício do uso de dieta pobre em gorduras na redução da incidência de diarreia na primeira semana do pós-operatório55 Fisher M, Spilias DC, Tong LK. Diarrhoea after laparoscopic cholecystectomy: incidence and main determinants. ANZ Journal of Surgery 2008; 78(6): 482-6.. Neste estudo não houve significância estatística na associação de dieta no pós-operatório e alteração do hábito intestinal, estando de acordo com determinados estudos que avaliaram o benefício da recomendação de dieta hipolipídica no pós-operatório1010 Menezes HL, Fireman PA, Wanderley VE, Mencoça AMMC, Bispo RKA. Avaliação da dieta hipolipídica nos sintomas digestivos no pós- operatório imediato da colecistectomia por videolaparoscopia. Revista Colégio Brasileiro de Cirurgiões 2013;40(3): 203-07..

A prevalência de diarreia é maior em pacientes obesos, quando comparada com a população que se encontra com peso adequado. Um inquérito populacional em Rochester, MN de 2.660 pessoas mostrou que a prevalência de diarreia em indivíduos obesos foi de 30% em comparação com 17% no grupo controle [OR=2,7 (95% CI 1,1-6,8)]. A maior prevalência de diarreia pode ser atribuída às mudanças em ácidos biliares, resultando em diarreia ácido biliar33 Delgado-Aros S, Locke G, Camilleri M, Talley N, Fett S, Zinsmeister A, et al. Obesity is associated with increased risk of gastrointestinal symptoms: a population-based study. The American journal of gastroenterology 2004; 99(9):1801-6.. Estudos semelhantes foram replicados na Austrália e Nova Zelândia, que propuseram que a alteração possa decorrer do aumento do trânsito colônico e/ou devido ao aumento da permeabilidade da mucosa intestinal1717 Talley N, Howell S, Poulton R. Obesity and chronic gastrointestinal tract symptoms in young adults: a birth cohort study. The American journal of gastroenterology 2004; 99(9):1807-14.,1818 Talley N, Quan C, Jones M, Horowitz M. Association of upper and lower gastrointestinal tract symptoms with body mass index in an Australian cohort. Neurogastroenterology and Motility : The Official Journal of The European Gastrointestinal Motility Society 2004; 16(4):413-9.. A obesidade também está associada com o aumento dos níveis de calprotectina fecal, um marcador de inflamação intestinal. Medicamentos utilizados pelos indivíduos obesos, como a metformina para diabete melito tipo 2 ou síndrome do ovário policístico, também podem causar diarreia11 Acosta A, Camilleri M.. Gastrointestinal morbidity in obesity. Annals of The New York Academy of Sciences [Internet]. 2014 [April 2014];6(1311):42-56..

No presente estudo não foi evidenciado associação entre mudança do hábito intestinal com obesidade ou diabete. Hipotireoidismo e hipertensão também não demonstraram associação com diarreia e demais sintomas gastrointestinais, assim como demonstrado pela literatura.

A associação encontrada entre MHI e SGI evidencia que existem outros fatores associados aos sintomas persistentes no pós-operatório de colecistectomia videolaparoscópica, e não somente à ausência da vesícula biliar. Há na literatura estudos que aventam a hipótese da influência das alterações de humor nos sintomas gastrointestinais1919 Yueh TP, Chen FY, Lin TE, Chuang MT. Diarrhea after laparoscopic cholecystectomy: associated factors and predictors. Asian Journal of Surgery. 2014;37(4):171-7..

Não existe um método objetivo para avaliação da diarreia e demais modificações do hábito intestinal; dessa forma, a aplicação de questionário é um método subjetivo, podendo subestimar ou superestimar os sintomas, dificultando a avaliação e interpretação dos achados.

Novos estudos prospectivos são indispensáveis para definição dos fatores de risco para MHI após colecistectomia videolaparoscópica. Enquanto eles não são identificados, cirurgiões e pacientes devem estar cientes que estas alterações ocorrem em frequência significativa e que ainda não há como prevê-las.

CONCLUSÃO

1) Observou-se alta prevalência de mudanças do hábito intestinal na amostra analisada, estando presentes em 35,1% dos pacientes consultados; 2) houve associação entre mudança do hábito intestinal e a presença de sintomas gastrointestinais.

REFERENCES

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  • Fonte de financiamento:

    não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2016
  • Aceito
    15 Dez 2016
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