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ATORVASTATINA É CAPAZ DE PREVENIR A LESÃO DE REPERFUSÃO REMOTA NO FÍGADO

RESUMO

Racional:

Alguns estudos têm demonstrado que as estatinas apresentam efeito promissor contra a lesão de reperfusão.

Objetivo:

Avaliar a capacidade do pós-condicionamento, estatina e ambos associados em prevenir ou minimizar a lesão de reperfusão à distância no fígado em ratos submetidos à isquemia e reperfusão por clampeamento aórtico.

Método:

Foram utilizados 41 ratos Wistar distribuídos em cinco grupos: isquemia e reperfusão (I/R), pós-condicionamento isquêmico (PCI), pós-condicionamento + estatina (PCI+E), estatina (E) e SHAM. Os animais foram anestesiados, submetidos à laparotomia, dissecção e isolamento da aorta abdominal infrarrenal; exceto o grupo SHAM, todos os outros foram submetidos ao clampeamento aórtico por 70 min (isquemia) e posterior retirada do clampe (reperfusão). Nos grupos PCI e PCI+E o pós-condicionamento foi realizado entre as fases de isquemia e reperfusão por quatro ciclos de reperfusão e isquemia durando 30 s cada. Nos grupos PCI+E e E, previamente ao procedimento cirúrgico foi realizada a administração de 3,4 mg/dia de atorvastatina durante sete dias por gavagem.

Resultados:

A média de lesão hepática foi 3 no grupo I/R, 1,5 no grupo PCI, 1,2 no grupo PCI+E, 1,2 no grupo E e 0 no grupo SHAM. O grupo I/R teve maior grau de lesão tecidual (p<0,01).

Conclusão:

O pós-condicionamento isquêmico e atorvastatina foram capazes de minimizar a lesão hepática de reperfusão remota, isoladamente e em associação.

DESCRITORES
Isquemia; Pós-condicionamento isquêmico; Inibidores de hidroximetilglutaril-CoA redutases; Fígado

ABSTRACT

Background:

Some studies have shown that statins have a promising effect on protection against reperfusion injury.

Aim:

To evaluate the ability of ischemic postconditioning, statins and both associated to prevent or minimize reperfusion injury in the liver of rats subjected to ischemia and reperfusion by abdominal aorta clamping.

Method:

Were used 41 Wistar rats, which were distributed into five groups: ischemia and reperfusion (I/R), ischemic postcondictioning (IPC), postconditioning + statin (IPC+S), statin (S) and Sham. It was performed a medium laparotomy, dissection and isolation of the infra-renal abdominal aorta; excepting Sham group, all the others were submitted to the aorta clamping for 70 min (ischemia) and posterior clamping removing (reperfusion, 70 min). In the IPC and IPC+S groups, postconditioning was performed between the ischemia and reperfusion phases by four cycles of reperfusion and ischemia lasting 30 s each. In IPC+S and S groups, preceding the surgical procedure, administration of 3.4 mg/day of atorvastatin was performed for seven days by gavage. The left hepatic lobe was removed for histological study and euthanasia was performed.

Results:

The mean hepatic injury was 3 in the I/R group, 1.5 in the IPC group, 1.2 in the IPC+S group, 1.2 in the S group, and 0 in the SHAM group. The I/R group had a higher degree of tissue injury compared to the others in the statistical analysis and there was no difference between the others (p<0.01).

Conclusion:

Ischemic postconditioning and atorvastatin were able to minimize hepatic reperfusion injury, either alone or in combination.

HEADINGS
Ischemia; Reperfusion injury; Ischemic postconditioning; Hydroxymethylglutaryl-CoA reductase inhibitors; Liver

INTRODUÇÃO

A reperfusão é um passo fundamental no tratamento da isquemia. No entanto, evidências clínicas e experimentais mostram que os principais eventos que levam à disfunção celular e tecidual estão relacionados à reperfusão77 Hausenloy DJ, Yellon DM. Preconditioning and postconditioning: new strategies for cardioprotection. Diabetes Obes Metab 2008; 10(6): 451-9.,2222 Zanchet MV, Silva LL, Matias JE, Coelho JC. Post-reperfusion liver biopsy ant its value in predicting mortality and graft dysfunction after liver transplantation. ABCD 2016; 29(3): 189-93..

O fígado recebe todo o sangue do sistema esplâncnico, de modo que isquemia aórtica ou de seus ramos principais certamente levarão à chegada das espécies reativas de oxigênio (ERO) a este órgão e podem causar lesão hepática intensa à distância e disfunção de múltiplos órgãos22 Collange O, Charles AL, Bouitbir J, Chenard MP, Zoll J, Diemunsch P, Thaveau F, Chakfé N, Piquard F, Geny B. Methylene blue protects liver oxidative capacity after gut ischaemia-reperfusion in the rat. Eur J Vasc Endovasc Surg 2013; 45(2): 168-75..

Com o objetivo de abordar as várias situações de isquemia evitando lesões de reperfusão, um grande número de substâncias e procedimentos foram estudados, incluindo seus efeitos locais e remotos. Algumas das propostas publicadas obtiveram bons resultados experimentais, mas sem sucesso comprovado na prática clínica1212 Liu J, Pan G, Liang T, Huang P. HGF/c-Met signaling mediated mesenchymal stem cell-induced liver recovery in intestinal ischemia reperfusion model. Int J Med Sci 2015; 11(6): 626-633.,1313 Ma L, Wang G, Chen Z, Li Z, Yao J, Zhao H, Wang S, Ma Z, Chang H, Tian X. Modulating the p66shc signaling pathway with protocatechuic acid protects the intestine from ischemia-reperfusion injury and alleviates secondary liver damage. Scientific World Journal 2014; 16: 387640..

Em 2003 Zhao et al.2323 Zhao ZQ, Corvera JS, Halkos ME, Kerendi F, Wang NP, Guyton RA, Vinten-Johansen J. Inhibition of myocardial injury by ischemic postconditioning during reperfusion comparison with ischemic preconditioning. Am J Physiol Heart Circ Physiol 2003; 285(2): H579-H588. propuseram tratamento alternativo de isquemia e reperfusão (IR), o pós-condicionamento isquêmico (PCI), que consiste em realizar um ou mais ciclos de reperfusão seguidos por um ou mais ciclos de isquemia, antes da fase de reperfusão, demonstrando efeito protetor na isquemia miocárdica em animais. Em 2012 Onody et al.1515 Onody P, Rosero O, Kovács T, Garbaisz D, Hegedüs V, Lotz G, Harsányi L, Szijártó A. Postconditioning - effective method against distant organ dysfunction?. Magy Seb 2012; 65(4): 222-9. descobriram que o PCI era capaz de prevenir a lesão de reperfusão hepática à distância, realizando IR mesentérica, mas em 2016, Santos et al.1717 Santos CH, Aydos RD, Nogueira Neto E, Miiji LN, Cassino PC, Alves II, Calheiros NM, Garcia M. Ischemic postconditioning assessment in the liver of rats undergoing mesenteric ischemia and reperfusion. Braz J Cardiovasc Surg 2016; 31(4): 287-290. não mostraram os mesmos resultados e, portanto, há uma questão a ser esclarecida quanto à capacidade real do PCI para prevenir tais lesões hepáticas.

Muito tem sido estudado sobre a fisiopatologia da lesão de reperfusão e alguns mecanismos já foram bem evidenciados, como o papel dos radicais livres, disfunção endotelial vascular e lesão mediada por neutrófilos77 Hausenloy DJ, Yellon DM. Preconditioning and postconditioning: new strategies for cardioprotection. Diabetes Obes Metab 2008; 10(6): 451-9.. Recentemente, tem havido aumento no interesse pelas estatinas, drogas conhecidas pelo seu efeito antidislipidêmico, desta vez devido ao seu efeito pleiotrópico, que se caracteriza por propriedades anti-inflamatórias, imunomoduladoras, ações antitrombogênicas e melhora da função endotelial2020 Tuttolomondo A, Di Raimondo D, Pecoraro R, Maida C, Arnao V, Della Corte V, Simonetta I, Corpora F, Di Bona D, Maugeri R, Iacopino DG, Pinto A. Early High-dosage atorvastatin treatment improved serum immune-inflammatory markers and functional outcome in acute ischemic strokes classified as large artery atherosclerotic stroke: a randomized trial. Medicine (Baltimore) 2016; 95(13):e3186.. Estudos experimentais recentes11 Bian B, Yu X, Wang Q, Teng T, Nie J. Atorvastatin protects myocardium against ischemia-reperfusion arrhythmia by increasing Connexin 43 expression: A rat model. Eur J Pharmacol 2015; 768: 13-20. relataram resultados promissores com o uso de estatinas demonstrando seu papel na proteção contra lesões de IR, o que leva a inquirir sobre seus benefícios frente à lesão de reperfusão, objetivando avaliar a capacidade do PCI associado ao uso de estatinas na redução da lesão tecidual do fígado.

Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar o efeito do pós-condicionamento isquêmico e atorvastatina, isoladamente e em associação, na prevenção da lesão de reperfusão no fígado de ratos submetidos a isquemia e reperfusão por clampeamento aórtico.

MÉTODOS

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal da Universidade Anhanguera - Uniderp. Foram utilizados 41 ratos Wistar, machos, pesando 250-300 g, provenientes do biotério da Universidade. Os animais foram mantidos em gaiolas em temperatura ambiente de aproximadamente 23° C, com ciclos luminosos de 12 h e receberam água e alimentação ad libitum. Foram distribuídos nos seguintes grupos: 1) grupo isquemia e reperfusão (I/R): nove animais submetidos à isquemia por 70 min por pinçamento aórtico, seguido de reperfusão de 70 min; 2) grupo pós-condicionamento isquêmico (PCI): nove ratos com o procedimento de isquemia por 70 min por pinçamento aórtico e reperfusão por 70 min e entre isquemia e reperfusão foram realizados quatro ciclos de reperfusão (30 s cada), intercalados por quatro ciclos de isquemia (30 s cada); 3) grupo pós-condicionamento isquêmico + estatina (PCI+E): nove ratos receberam 3,4 mg/dia de atorvastatina, uma dose por dia pelo método de gavagem, por sete dias e foram submetidos ao procedimento de isquemia por 70 mins por pinçamento aórtico e reperfusão durante 70 min, e entre a isquemia e a reperfusão, foram realizados quatro ciclos de reperfusão (30 s cada), intercalados por quatro ciclos de isquemia (30 s cada); 4) grupo estatina (E): nove ratos receberam 3,4 mg/dia de atorvastatina, uma dose por dia através do método de gavagem, durante sete dias e, em seguida, foram submetidos ao procedimento de isquemia por 70 min por pinçamento aórtico e reperfusão por 70 min; 5) grupo SHAM: cinco animais submetidos à laparotomia, dissecção e isolamento da aorta infrarrenal.

Os animais foram anestesiados por injeção intraperitoneal de solução 2:1 de cloridrato de cetamina (Cetamin®) 50 mg/ml e cloridrato de xilasina (Xilazin®) 20 mg/ml, respectivamente, com dose de 0,1 ml/100 g. Após a anestesia, foram submetidos à laparotomia mediana longitudinal de aproximadamente 4 cm, exteriorização do intestino delgado, identificação e dissecção da artéria aorta abdominal infrarrenal.

Em todos os grupos, exceto o SHAM, a aorta abdominal foi ocluída por pinça vascular atraumática que permaneceu por 70 min (fase de isquemia). Em seguida, o intestino delgado foi reposicionado na cavidade abdominal e a ferida cirúrgica foi fechada com sutura contínua da pele com náilon monofilamentado 4-0. Após a fase de isquemia, a parede abdominal foi reaberta por remoção da sutura e nos grupos I/R e E o clampe vascular foi removido, iniciando a fase de reperfusão, com duração de 70 min. Nos grupos PCI e PCI+E, precedendo a fase de reperfusão, o pós-condicionamento isquêmico foi realizado por quatro ciclos de reperfusão (remoção do clampe vascular da aorta abdominal) com duração de 30 s cada, intercalados por quatro ciclos de isquemia (oclusão da artéria aorta abdominal por clampe vascular), também com duração de 30 s cada.

Em todos os grupos, após o início da fase de reperfusão, o abdome foi novamente fechado por sutura contínua da pele com fio de náilon monofilamentado 4-0 até o final do experimento. No grupo SHAM, realizou-se apenas laparotomia mediana longitudinal de aproximadamente 4 cm, exteriorização do intestino delgado, identificação e dissecção da artéria aorta abdominal infra-renal. Após a fase de reperfusão, todos os animais foram submetidos à ressecção do lobo hepático esquerdo, sendo estes espécimes lavados com solução salina e colocados em solução de formaldeído a 10% para análise histológica. A eutanásia foi realizada por administração intraperitoneal de uma dose letal de cetamina+cloridrato de xilazina (0,4 ml/100 g). As lâminas foram preparadas com o material colhido coradas com H&E e analisadas por microscopia óptica por um único observador, sem conhecimento prévio quanto ao grupo pertencente de cada rato.

As amostras foram classificadas de acordo com o grau de lesão tecidual de acordo com Rhoden et al.1616 Rhoden EL, Pereira-Lima L, Rhoden CR, Lucas ML, Maur M, Zettler CG. Analysis of the histopathologic alterations of the livers in rats pretreated with allopurinol and submitted to hepatic ischemia/reperfusion. Rev Col Bras Cir 2000; 27(6): 373-7., levando-se em conta o achado de congestão vascular (sinusoidal, centrolobular e espaço portal), necrose e esteatose hepática em: 0: ausência de alterações; 1: alterações de intensidade leve (menos de 25% do campo analisado); 2: alterações de intensidade moderada (25% a 50% do campo analisado); 3: alterações de intensidade severa (mais de 50% do campo analisado).

Análise estatística

Após a análise dos dados, os resultados foram submetidos ao tratamento estatístico, utilizando-se o teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis, considerando p<0,05.

RESULTADOS

As médias dos graus de lesão tecidual foram 3 no grupo I/R, 1,5 no grupo PCI, 1,2 nos grupos PCI+E e E e 0 no grupo SHAM (Tabela 1 e Figura 1).

TABELA 1
Graus de lesão histológica do fígado dos animais por grupo estudado

FIGURA 1
Comparação das medianas dos graus de lesão hepática entre os grupos estudados

Os principais achados histológicos podem ser observados na Figura 2.

FIGURA 2
Fotomicrografias dos principais achados histológicos dos diferentes grupos de acordo com a classificação de Rhoden et al.: A) normal; setas brancas: células de Kupfer; setas pretas: hepatócitos; B) grau 1; vs=vaso sanguíneo; i= inflamação; C) grau 2; setas: infiltrado inflamatório leve; D) grau 2; ef=edema focal; E=grau 2; vsc=vaso sanguíneo congesto; F) grau 3; setas: necrose tecidual (H&E, 10x e 40x)

DISCUSSÃO

A isquemia seguida de reperfusão pode induzir apoptose e resposta inflamatória que afeta a reparação tecidual. Como resultado, muitos avaliaram o impacto do PCI em respostas apoptóticas e inflamatórias subsequentes. Em modelos experimentais de IR em ratos com 30 min de isquemia e 3 h de reperfusão houve diminuição significativa na necrose tecidual com PCI. Há também diminuição na geração de ERO e proteção da integridade mitocondrial, sugerindo que o efeito protetor de PCI pode ser o resultado da redução na resposta inflamatória. No entanto, poucos estudos avaliaram diretamente o impacto da PCI sobre a inflamação. O PCI pode limitar a expressão da P-selectina, que é necessária para o suporte de neutrófilos e seu recrutamento. Além disso, pode reduzir o acúmulo de neutrófilos na região afetada, diminuir a adesão ao endotélio vascular isquêmico e atenuar a disfunção endotelial do vaso envolvido, eventos que normalmente ocorrem na IR88 Jivraj N, Liew F, Marber M. Ischaemic postconditioning: cardiac protection after the event. Anaesthesia 2015; 70(5): 598-612..

No presente estudo observou-se proteção do fígado com o PCI, demonstrando a eficácia do método contra este modelo de IR, o que pode ser justificado pelo fato de que os ERO, independentemente de onde sejam produzidos, quando ocorre reperfusão, são espalhados pelo organismo causando a lesão de reperfusão remota, tanto que no grupo I/R observou-se lesão acentuada no fígado. Atuando como um moderador da produção de ERO, PCI pode atenuar a lesão local e à distância. Onody et al.1515 Onody P, Rosero O, Kovács T, Garbaisz D, Hegedüs V, Lotz G, Harsányi L, Szijártó A. Postconditioning - effective method against distant organ dysfunction?. Magy Seb 2012; 65(4): 222-9. demonstraram a mesma eficácia com PCI na proteção remota do fígado por meio da realização de IR intestinal. No entanto, como método de avaliação, estes autores utilizaram a dosagem de transaminases, diferente da aqui utilizada. Santos et al.1717 Santos CH, Aydos RD, Nogueira Neto E, Miiji LN, Cassino PC, Alves II, Calheiros NM, Garcia M. Ischemic postconditioning assessment in the liver of rats undergoing mesenteric ischemia and reperfusion. Braz J Cardiovasc Surg 2016; 31(4): 287-290. também fizeram análise histológica, não confirmando a eficácia do método. A diferença entre o bom resultado observado aqui e a publicação de Santos et al.1212 Liu J, Pan G, Liang T, Huang P. HGF/c-Met signaling mediated mesenchymal stem cell-induced liver recovery in intestinal ischemia reperfusion model. Int J Med Sci 2015; 11(6): 626-633. pode ser devido ao fato de que esses autores realizaram IR intestinal, enquanto que aqui utilizou-se clampeamento aórtico. Também os períodos de IR foram diferentes entre esta pesquisa e a de Santos et al.1717 Santos CH, Aydos RD, Nogueira Neto E, Miiji LN, Cassino PC, Alves II, Calheiros NM, Garcia M. Ischemic postconditioning assessment in the liver of rats undergoing mesenteric ischemia and reperfusion. Braz J Cardiovasc Surg 2016; 31(4): 287-290. (30 e 60 min de IR, respectivamente). Talvez a isquemia produzida diretamente no intestino, cujo sangue é totalmente drenado para o fígado leve à sobrecarga ERO, enquanto que na IR aórtica isso pode ser abrandado.

Não há estudos com desenho similar ao utilizado aqui que permitam comparação direta; mas Seifi et al.1919 Seifi B, Kadkhodaee M, Najafi A, Mahmoudi A. Protection of liver as a remote organ after renal ischemia-reperfusion injury by renal ischemic postconditioning. Int J Nephrol 2014; 120391. também verificaram a proteção hepática remota com IR renal em ratos, assim como Costa et al.33 Costa FL, Teixeira RK, Yamaki VN, Valente AL, Silva AM, Brito MV, Percário S. Remote ischemic conditioning temporarily improves antioxidant defense. J Surg Res 2016; 200(1): 105-9. que aplicaram IR ao membro traseiro de ratos também observando proteção com PCI no fígado dos animais. Assim, embora haja poucas publicações, há boa evidência da eficácia do PCI na proteção remota do fígado. Contudo, teoricamente haveria vantagem maior em método não intervencionista que obtivesse resultados tão bons ou melhores do que o PCI, como um fármaco conhecido e seguro. Isto leva ao grande interesse no estudo das estatinas para este fim.

No presente estudo, a proteção do fígado foi obtida com o uso de atorvastatina, na mesma intensidade que com o PCI. Como não existem estudos com o mesmo desenho utilizado aqui, ou seja, clampeamento aórtico e uso de atorvastatina, a comparação com a literatura também é prejudicada. Além disso, uma vez que a utilização de estatinas para a prevenção de lesões por reperfusão é relativamente nova, a melhor via de administração e a dose ideal são itens a serem esclarecidos em pesquisas futuras. Foi escolhida aqui a administração por sonda com a intenção de simular o que é praticado no ser humano, isto é, a absorção pelo trato gastrointestinal, visando a sua aplicação clínica.

As estatinas foram testadas com êxito para este fim em várias situações. Wu et al.2121 Wu K, Lei W, Tian J, Li H. Atorvastatin treatment attenuates renal injury in an experimental model of ischemia-reperfusion in rats. BMC Nephrol 2014; 15: 14-18. realizaram IR renal em ratos e demonstraram que a atorvastatina diminuiu a lesão tecidual no grupo controle. Os mesmos resultados foram obtidos por Cusomano et al.44 Cusumano G, Romagnoli J, Liuzzo G, Ciavarella LP, Severino A, Copponi G, Manchi M, Giubilato S, Zannoni GF, Stigliano E, Caristo ME, Crea F, Citterio F. N-Acetylcysteine and high-dose atorvastatin reduce oxidative stress in an ischemia-reperfusion model in the rat kidney. Transplant Proc 2015; 47(9): 2757-62. na IR renal de ratos utilizando atorvastatina. Kocak et al.1111 Kocak FE, Kucuk A, Ozyigit F, Tosun M, Kocak C, Kocak A, Ekici MF, Yaylak F, Genc O. Protective effects of simvastatin administered in the experimental hepatic ischemia-reperfusion injury rat model. J Surg Res 2015; 199(2): 393-401. também confirmaram a eficácia da sinvastatina na proteção hepática em ratos, mas estes autores aplicaram IR diretamente no hilo hepático, não configurando assim um estudo de seu efeito à distância, como aqui apresentado. Estes autores também aplicaram a estatina por única injeção intraperitoneal, enquanto que na presente pesquisa usou-se gavagem durante uma semana.Considerando os bons resultados iniciais das estatinas em condições de IR em animais e a segurança desses fármacos, Sarim et al.1818 Sarin S, Kaman L, Dahiya D, Behera A, Medhi B, Chawla Y. Effects of preoperative statin on liver reperfusion injury in major hepatic resection: a pilot study. Updates Surg 2016; 68(2): 191-7. avaliaram sua eficácia em humanos em estudo no qual pacientes submetidos à ressecções hepáticas graves haviam feito uso prévio de atorvastatina por pelo menos três dias. A dosagem de transaminases no pós-operatório foi menor nesses pacientes do que no grupo controle. Novamente, deve-se notar que não foi um estudo de efeito remoto, uma vez que a IR foi produzida diretamente no hilo hepático.

As estatinas também protegem outros tecidos na presença de IR, tais como coração66 Han QF, Wu L, Zhou YH, Wang LH, Zhang DY, Liu T, Yao HC. Simvastatin protects the heart against ischemia reperfusion injury via inhibiting HMGB1 expression through PI3K/Akt signal pathways. Int J Cardiol 2015; 201: 568-9.,99 Kelle I, Akkoç H, Uyar E, Erdinç M, Evliyaoglu O, Saribas S, Tunik S, Özogul C. The combined effect of rosuvastatin and ischemic pre or postconditioning on myocardial ischemia-reperfusion injury in rat heart. Eur Rev Med Pharmacol Sci 2015; 19(13): 2468-76.,1010 Kisvári G, Kovács M, Seprényi G, Végh Á. The activation of PI 3-kinase/Akt pathway is involved in the acute effects of simvastatin against ischaemia and reperfusion-induced arrhythmias in anaesthetised dogs. Eur J Pharmacol 2015; 769: 185-94., sistema nervoso55 Fang X, Tao D, Shen J, Wang Y, Dong X, Ji X. Neuroprotective effects and dynamic expressions of MMP9 and TIMP1 associated with atorvastatin pretreatment in ischemia-reperfusion rats. Neurosci Lett 2015; 603: 60-5. e pulmão1414 Matsuo S, Saiki Y, Adachi O, Kawamoto S, Fukushige S, Horii A, Saiki Y. Single-dose rosuvastatin ameliorates lung ischemia-reperfusion injury via upregulation of endothelial nitric oxide synthase and inhibition of macrophage infiltration in rats with pulmonary hypertension. J Thorac Cardiovasc Surg 2015; 149(3): 902-9.. O mecanismo de proteção da estatina frente a situações de IR deve-se ao seu efeito pleiotrópico. Inibindo a conversão de HMG-CoA em L-mevalonato, as estatinas impedem a síntese de isoprenóides, que são precursores da biossíntese de colesterol, que servem como importantes ligantes lipídicos para modificação pós-transducional de proteínas intracelulares tais como GTPases, Rho, Rac e Ras. Esta isoprenilação protéica permite a localização subcelular adequada e o tráfico intracelular de proteínas, que controlam diversas funções celulares, sendo que a inibição dessas vias podem determinar importantes componentes dos efeitos pleiotrópicos das estatinas. A via Rho está relacionada ao estresse oxidativo, aterosclerose e pressão arterial elevada, sinalizando o caminho entre os dois mecanismos cruciais, como o remodelamento do citoesqueleto e a síntese de ERO1111 Kocak FE, Kucuk A, Ozyigit F, Tosun M, Kocak C, Kocak A, Ekici MF, Yaylak F, Genc O. Protective effects of simvastatin administered in the experimental hepatic ischemia-reperfusion injury rat model. J Surg Res 2015; 199(2): 393-401..

No desenvolvimento deste projeto não se sabia que os métodos terapêuticos aplicados apresentariam os resultados aqui apresentados, de modo que foi criado um grupo de associação (PCI+E) com o objetivo de melhorar a proteção tecidual. Contudo, não houve vantagem na associação, uma vez que isoladamente estes métodos terapêuticos obtiveram lesão tecidual média estatisticamente semelhante aos grupos PCI e E. Assim, verifica-se que a atorvastatina tem a capacidade de proteger o fígado em situações de reperfusão à distância, na mesma intensidade do IPC, e é possível investir em pesquisas que confirmem o melhor método de uso dessas terapias para aplicá-las na prática clínica.

CONCLUSÃO

O pós-condicionamento isquêmico e a atorvastatina foram capazes de minimizar a lesão de reperfusão hepática, isoladamente ou em combinação.

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  • Fonte de financiamento:

    não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2017
  • Aceito
    25 Jul 2017
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