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PREVALÊNCIA E FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À HIPERCALEMIA APÓS O TRANSPLANTE HEPÁTICO

RESUMO

Racional:

Existe lacuna na literatura em relação à presença de hipercalemia em pacientes submetidos ao transplante hepático.

Objetivo:

Avaliar a prevalência de hipercalemia após o transplante hepático; e avaliar os fatores de risco associados a essa condição.

Métodos:

Estudo de coorte retrospectivo, no qual foram avaliados 147 pacientes submetidos ao transplante hepático, com tempo de seguimento de um ano. A coleta de dados compreendeu gênero, idade, valores séricos de potássio, ureia, creatinina, sódio e medicamentos utilizados no tempo de 1, 6 e 12 meses após o transplante. Hipercalemia foi definida como valores de potássio sérico maiores do que 5,5 mEq/l.

Resultados:

Hipercalemia foi observada em 18,4%, 17,0% e 6,1% dos pacientes no 1º, 6º e 12º meses após o transplante, consecutivamente. Idade avançada (p=0,021), baixos valores de creatinina sérica (p=0,007), valores aumentados de ureia (p=0,010) e hipernatremia (p=0,014) foram fatores associados à hipercalemia, assim como a dose de prednisona no 6º mês após o transplante (p=0,014).

Conclusão:

Hipercalemia esteve presente em menos de 20% dos pacientes no primeiro mês após o transplante hepático, com diminuição da prevalência ao longo do tempo. Considerando que ela não afeta todos os pacientes, o tratamento dietético deve ser individualizado, com especial atenção à recomendação de administração de potássio de forma rotineira.

DESCRITORES:
Transplante; Cirrose hepática; Potássio.

ABSTRACT

Background:

There is a lack of data regarding hyperkalemia after liver transplantation.

Aim:

To evaluate the prevalence of hyperkalemia after liver transplantation and its associated factors.

Methods:

This retrospective cohort study evaluated 147 consecutive post-transplant patients who had at least one year of outpatient medical follow up. The data collection included gender, age, potassium values, urea, creatinine, sodium and medication use at 1, 6 and 12 months after. Hyperkalemia was defined as serum potassium concentrations higher than 5.5 mEq/l.

Results:

Hiperkalemia was observed in 18.4%, 17.0% and 6.1% of patients 1, 6 and 12 months after tranplantation, respectively. Older age (p=0.021), low creatinine clearance (p=0.007), increased urea (p=0.010) and hypernatremia (p=0.014) were factors associated with hyperkalemia, as well as the dose of prednisone at six months (p=0.014).

Conclusion:

Hyperkalemia was prevalent in less than 20% of patients in the 1st month after liver transplantation and decreased over time. Considering that hyperkalemia does not affect all patients, attention should be paid to the routine potassium intake recommendations, and treatment should be individualized.

HEADINGS:
Transplants; Allografts; Liver cirrhosis; Potassium.

INTRODUÇÂO

Transplante hepático (TH) é o principal tratamento para pacientes com doença hepática avançada. Apesar de possibilitar maior sobrevida e qualidade de vida para os pacientes, podem ocorrer importantes disfunções metabólicas durante o período perioperatório, o que aumenta o risco de desfechos clínicos negativos nessa população. Uma dessas alterações é a hipercalemia, condição definida como concentração de potássio sérico maior que 5.5 mEq/l em indivíduos adultos3030 Xia VW, Ghobrial RM, Du B, Chen T, Hu KQ, Hiatt JR, et al. Predictors of hyperkalemia in the prereperfusion, early postreperfusion, and late postreperfusion periods during adult liver transplantation. Anesth Analg. 2007;105(3):780-5.,1515 Kovesdy CP. Management of hyperkalaemia in chronic kidney disease. Nat Rev Nephrol. 2014;10(11):653-62.. A mais grave e frequente ocorre imediatamente após a reperfusão do fígado recém-transplantado, mas essa condição pode persistir ao longo do tempo3030 Xia VW, Ghobrial RM, Du B, Chen T, Hu KQ, Hiatt JR, et al. Predictors of hyperkalemia in the prereperfusion, early postreperfusion, and late postreperfusion periods during adult liver transplantation. Anesth Analg. 2007;105(3):780-5.. Progressivamente, o aumento nos valores de potássio sérico é responsável por anormalidades na despolarização cardíaca e repolarização, bem como na contratilidade, afetando também outros tecidos excitáveis, como o músculo esquelético19.)

As causas da hipercalemia durante o pós-operatório precoce são bem conhecidas2828 Shangraw RE. Metabolic issues in liver transplantation. Int Anesthesiol Clin. 2006;44(3):1-20., mas as razões relacionadas à ela em longo prazo ainda não foram esclarecidas. Na maior parte das vezes, a pós-operatória parece estar associada ao uso de imunossupressores, como o tacrolimus e a ciclosporina, que são largamente prescritos no primeiro ano após o transplante. Esses estão relacionados à hipertensão, disfunção dos túbulos renais, hipercalciúria e acidose1111 Jain A, Reyes J, Kashyap R, Rohal S, Abu-Elmagd K, Starzl T, et al. What have we learned about primary liver transplantation under tacrolimus immunosuppression? Long-term follow-up of the first 1000 patients. Ann Surg. 1999;230(3):441-8; discussion 8-9.,1414 Kim HC, Hwang EA, Han SY, Park SB, Kim HT, Cho WH. Primary immunosuppression with tacrolimus in kidney transplantation: three-year follow-up in a single center. Transplant Proc. 2004;36(7):2082-3.. A nefrotoxicidade aguda e crônica é um dos principais efeitos colaterais de ambos os medicamentos e leva à insuficiência renal crônica em quase 20% dos pacientes, em cinco anos2424 Ojo AO, Held PJ, Port FK, Wolfe RA, Leichtman AB, Young EW, et al. Chronic renal failure after transplantation of a nonrenal organ. N Engl J Med. 2003;349(10):931-40..

O tratamento da hipercalemia geralmente é baseado em resinas de ligação de potássio e/ou restrição alimentar de potássio. A restrição dietética baseia-se no fato de que a entrada de potássio no compartimento extracelular vem de fontes exógenas e endógenas. Nesse sentido, os nutrientes, particularmente os alimentos com alto teor de potássio, são frequentemente restritos em pacientes submetidos a transplante hepático44 Anastácio LR, Ferreira LG, Ribeiro HS, Liboredo JC, Lima AS, Correia MI. Metabolic syndrome after liver transplantation: prevalence and predictive factors. Nutrition. 2011;27(9):931-7.,88 Ferreira LG, Ferreira Martins AI, Cunha CE, Anastácio LR, Lima AS, Correia MI. Negative energy balance secondary to inadequate dietary intake of patients on the waiting list for liver transplantation. Nutrition. 2013;29(10):1252-8..

A hiperpotassemia tem sido uma preocupação de longa data, mas poucos estudos descreveram a prevalência e fatores associados à mesma em pacientes submetidos a transplante hepático1212 Jain AB, Fung JJ, Todo S, Reyes J, Selby R, Irish W, et al. One thousand consecutive primary orthotopic liver transplants under FK 506: survival and adverse events. Transplant Proc. 1995;27(1):1099-104.,1313 Jain AB, Kashyap R, Rakela J, Starzl TE, Fung JJ. Primary adult liver transplantation under tacrolimus: more than 90 months actual follow-up survival and adverse events. Liver Transpl Surg. 1999;5(2):144-50., sendo que este é o objetivo do presente estudo.

MÉTODOS

Este é um estudo de coorte retrospectivo sobre a prevalência de hipercalemia e fatores associados até um ano após o transplante hepático. Pacientes submetidos ao TH entre os anos de 2001 a 2013 e que frequentaram regularmente o ambulatório de TH do Hospital das Clínicas, da Universidade Federal do Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil foram incluídos no estudo tendo como critério de inclusão a presença do registro de dados até pelo menos um ano pós-transplante. Os pacientes que foram diagnosticados com doença renal crônica antes dele e os submetidos à diálise em qualquer momento foram excluídos. Os dados foram coletados do prontuário médico dos pacientes no ano de 2015.

Gênero, idade e indicações para o TH foram registrados. Os seguintes dados foram avaliados em três momentos diferentes (1, 6 e 12 meses) após a operação: medicamentos - drogas imunossupressoras (dose prescrita e residual de tacrolimus, ciclosporina e prednisona); drogas anti-hipertensivas (furosemida, espironolactona, propranolol, captopril e enalapril); e marcadores bioquímicos séricos (potássio, ureia, creatinina, sódio). Hipercalemia foi definida como valores séricos de potássio superiores a 5,5 mEq/lL3030 Xia VW, Ghobrial RM, Du B, Chen T, Hu KQ, Hiatt JR, et al. Predictors of hyperkalemia in the prereperfusion, early postreperfusion, and late postreperfusion periods during adult liver transplantation. Anesth Analg. 2007;105(3):780-5.,1515 Kovesdy CP. Management of hyperkalaemia in chronic kidney disease. Nat Rev Nephrol. 2014;10(11):653-62.; ureia aumentada >44 mg/dl; creatinina aumentada >1,5 mg/dl diminuição da depuração de creatinina - <90 ml/min; e hipernatremia>145 mmol/l.

Análise estatística

O tamanho da amostra foi calculado usando-se o Teste T de duas amostras. O mínimo de 17 pacientes com hipercalemia seria indicado para este estudo. No cálculo da amostra foi considerado nível de significância de 0,05 e desvio-padrão de 5,05 (obtido no estudo piloto). O cálculo foi realizado com software estatístico Mini-Tab versão 14. Os testes McNemar e Wilcoxon foram usados para identificar diferenças na prevalência de hipercalemia, valores de potássio e uso de medicamentos ao longo dos diferentes tempos após TH. O teste Qui-quadrado ou exato de Fisher (para variáveis categóricas) ou os testes T de Student ou Mann-Whitney (para variáveis numéricas) foram utilizados para avaliar os fatores associados à hipercalemia. O pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 20.0 foi utilizado para a análise estatística, e p<0,05 foi considerado estatisticamente significante.

RESULTADOS

Os prontuários médicos de 147 pacientes foram avaliados. A idade média dos incluídos foi de 50,0±12,7, e 69,4% eram homens. As principais doenças de indicação para o TH foram: cirrose etanólica 28,6% (n=42), hepatite C crônica 16,3% (n=24) e cirrose criptogênica 16,3% (n=24), carcinoma hepatocelular 12,9% (n=19), hepatite auto-imune 6,8% (n=10), colangite esclerosante primária 6,1% (n=9), hepatite B crônica 3,4% (n=5), cirrose biliar primária 3,4% (n=5), doença de Wilson 2,0% (n=3), hemocromatose 1,4% (n=2), doença de Caroli 1,4% (n=2) e hepatite fulminante 0,7% (n=1); alguns pacientes apresentaram mais de uma doença como indicação para o TH.

Tacrolimus foi o medicamento imunossupressor mais utilizado. A dose mais alta dele foi administrada no 1º mês, com média de 16,1±7,1 mg/dia, havendo diminuição ao longo do tempo, com diferença significativa aos 12 meses após o transplante. Além disso, a dose residual do medicamento também foi diminuída ao longo do tempo. A mesma tendência foi observada com as doses de ciclosporina, embora não tenha havido diferença significativa (Tabela 1). A maioria dos pacientes utilizou prednisona nos primeiros30 dias após TH. A dose e o número de indivíduos que utilizaram este medicamento diminuíram significativamente ao longo do tempo (p<0,05).

TABELA 1
Características do uso de drogas imunossupressoras, medicamentos anti-hipertensivos e marcadores bioquímicos de pacientes transplantados de fígado avaliados de um mês até pelo menos 12 meses após a operação (n=147)

Não houve diferença significativa na utilização de drogas anti-hipertensivas quando comparados o 1º, o 6º e o 12º meses após o transplante. O número de pacientes com ureia aumentada diminuiu significativamente após um ano e a depuração da creatinina melhorou significativamente (p<0,05). Os outros marcadores bioquímicos não apresentaram diferença estatística (Tabela 1).

A hipercalemia foi observada em 18,4% (n=27) dos pacientes no primeiro mês e 17,0% (n=25) ainda mateve altos níveis de potássio até seis meses após o TH (Figura 1). A prevalência diminuiu significativamente aos 12 meses em relação ao 1º mês pós-TH, assim como os valores de potássio sérico (Tabela 1).

FIGURA 1
Prevalência de hipercalemia do 1º, 6º e 12º mês após o transplante hepático (n=147). Valores observados no 1º mês comparados aos valores observados no 6º e 12º meses (teste de McNemar:* p <0,05).

Maior idade no momento do transplante, menores valores de depuração da creatinina, ureia aumentada e hipernatremia foram fatores de risco para a presença de hipercalemia no 1º mês após o transplante. Menores doses de prednisona foram associadas à hipercalemia em seis meses.Os fatores associados à hipercalemia nos diferentes tempos estão descritos na Tabela 2. Nenhum dos parâmetros avaliados foi associado à hipercalemia em12 meses.

TABELA 2
Fatores de risco associados à hipercalemia no primeiro e sexto mêses após transplante hepático (análise univariada, n=147)

DISCUSSÃO

Poucos estudos abordaram a prevalência de hipercalemia após transplante hepático e os fatores associados1212 Jain AB, Fung JJ, Todo S, Reyes J, Selby R, Irish W, et al. One thousand consecutive primary orthotopic liver transplants under FK 506: survival and adverse events. Transplant Proc. 1995;27(1):1099-104.,1313 Jain AB, Kashyap R, Rakela J, Starzl TE, Fung JJ. Primary adult liver transplantation under tacrolimus: more than 90 months actual follow-up survival and adverse events. Liver Transpl Surg. 1999;5(2):144-50.. Neste estudo, foram observadas diferentes prevalências de hipercalemia ao longo do tempo após o transplante, com redução significativa após 12 meses. O pequeno número de estudos que abrangem o tema e as limitações na comparação dos dados disponíveis devido às diferentes definições de hipercalemia, bem como os diferentes tempos avaliados, dificultam a comparação e generalização dos achados. Jain et al. (1999)1313 Jain AB, Kashyap R, Rakela J, Starzl TE, Fung JJ. Primary adult liver transplantation under tacrolimus: more than 90 months actual follow-up survival and adverse events. Liver Transpl Surg. 1999;5(2):144-50. relataram que 54,0% dos pacientes submetidos a transplante hepático apresentaram hipercalemia (>5,0 mEq/l) no 1º ano, 50,0% em até três anos e um terço dos pacientes no 7º ano após a operação1313 Jain AB, Kashyap R, Rakela J, Starzl TE, Fung JJ. Primary adult liver transplantation under tacrolimus: more than 90 months actual follow-up survival and adverse events. Liver Transpl Surg. 1999;5(2):144-50.. Neste estudo, a prevalência de hipercalemia no 1º ano após o transplante, considerando-se o mesmo ponto de corte de 5,0 mEq/l, foi de 25,2% (n=37- dados não apresentados). Uma das hipóteses para as diferenças nas prevalências entre os dois estudos pode ser a não exclusão de pacientes com doença renal antes do TH no primeiro trabalho. Além disso, os pontos de corte nos dois estudos são diferentes.

Neste estudo, maior idade no momento do transplante foi um fator de risco associado à hipercalemia no 1º mês após. A idade também está associada à diminuição da função renal, que pode ser refletida em níveis elevados de potássio. A função renal se mantém até a quarta década de vida, depois começa a diminuir em 10% por década2929 Weinstein JR, Anderson S. The aging kidney: physiological changes. Adv Chronic Kidney Dis. 2010;17(4):302-7.. Como resultado, adultos com mais de 40 anos, especialmente acima de 70, são particularmente suscetíveis a eventos adversos renais. Assim, a insuficiência renal crônica também é comum na população de TH devido, em grande parte, à hipertensão e às alterações relacionadas com a idade e função renal77 Coresh J, Selvin E, Stevens LA, Manzi J, Kusek JW, Eggers P, et al. Prevalence of chronic kidney disease in the United States. JAMA. 2007;298(17):2038-47.. A idade avançada traz mudanças senescentes tanto na arquitetura renal como na função que podem prejudicar a homeostase do potássio. Portanto, os pacientes geriátricos devem ser considerados com maior risco de desenvolver hipercalemia2525 Perazella MA, Mahnensmith RL. Hyperkalemia in the elderly: drugs exacerbate impaired potassium homeostasis. J Gen Intern Med. 1997;12(10):646-56..

É importante notar que a maioria teve comprometimento da função renal, especialmente no 1º mês. Quase 80% deles apresentaram clearance de creatinina inferior a 90 ml/min, refletindo deficiência da função renal66 Cockcroft DW, Gault MH. Prediction of creatinine clearance from serum creatinine. Nephron. 1976;16(1):31-41.. Além disso, os pacientes apresentaram hipernatremia e especialmente ureia aumentada, características que refletem mudanças na função renal2222 Meyer TW, Hostetter TH. Uremia. N Engl J Med. 2007;357(13):1316-25.. A disfunção renal é complicação comum e importante após o transplante de órgãos sólidos sendo o potássio sérico geralmente utilizado como marcador de insuficiência renal99 Gowda S, Desai PB, Kulkarni SS, Hull VV, Math AA, Vernekar SN. Markers of renal function tests. N Am J Med Sci. 2010;2(4):170-3.. Além disso, foi observado neste estudo, que em geral, a prevalência de pacientes com depuração de creatinina inferior a 90 ml/min diminuiu ao longo do tempo, assim como hipercalemia e doses imunossupressoras, em ambos os grupos. Todas estas condições apresentaram as maiores taxas de prevalência no 1º mês. Este fato levanta discussão em torno da relação de drogas imunossupressoras e mudanças na função renal, particularmente a hipercalemia. O uso necessário de drogas imunossupressoras é a chave da imunossupressão após vários tipos de transplante de órgãos sólidos. Entre estes fármacos, os inibidores da calcineurina (ICN), como a ciclosporina e o tacrolimus, alteraram indubitavelmente o espectro das causas da hipercalemia22 Acker CG, Johnson JP, Palevsky PM, Greenberg A. Hyperkalemia in hospitalized patients: causes, adequacy of treatment, and results of an attempt to improve physician compliance with published therapy guidelines. Arch Intern Med. 1998;158(8):917-24.. Vários estudos já avaliaram a influência das ICN sobre a função renal após o transplante hepático5,18,23,27 )com descrição de que esses causam anormalidades eletrolíticas, incluindo hipercalemia1010 Higgins R, Ramaiyan K, Dasgupta T, Kanji H, Fletcher S, Lam F, et al. Hyponatraemia and hyperkalaemia are more frequent in renal transplant recipients treated with tacrolimus than with cyclosporin. Further evidence for differences between cyclosporin and tacrolimus nephrotoxicities. Nephrol Dial Transplant. 2004;19(2):444-50.. No entanto, no presente trabalho, não foi possível mostrar associações entre o uso ou dose de ICN e hipercalemia.

Menores doses de prednisona foi um fator associado à hipercalemia aos seis meses após o TH. A hipótese para esse achado é que baixas doses de prednisona podem estar relacionadas à variabilidade individual do limite de dose que pode levar à supressão adrenal, complicação comum decorrente do uso de corticosteróides sistêmicos2626 Poetker DM, Reh DD. A comprehensive review of the adverse effects of systemic corticosteroids. Otolaryngol Clin North Am. 2010;43(4):753-68.. A hipercalemia é um sintoma comum de hipoaldosteronismo1717 Li Z, Heber D. Sarcopenic obesity in the elderly and strategies for weight management. Nutr Rev. 2012;70(1):57-64.. A aldosterona melhora os principais mecanismos envolvidos na secreção distal de potássio. Essa se liga ao receptor mineralocorticóide nuclear dentro do túbulo distal e às células principais no ducto colector cortical (CCD) e ativa Na+/K+ -ATPase, aumentando assim a reabsorção de Na+ e água no sangue e a secreção de K+ na urina. A aldosterona também estimula positivamente os canais de sódio sensíveis à amilorida na membrana apical do CCD e estimula a secreção de H+, influenciando o equilíbrio ácido/básico, além de aumentar o número de canais de potássio abertos na membrana luminal1616 Lehnhardt A, Kemper MJ. Pathogenesis, diagnosis and management of hyperkalemia. Pediatr Nephrol. 2011;26(3):377-84..

A entrada de potássio no compartimento extracelular provém de fontes endógenas e exógenas e, portanto, as restrições de alimentos são rotineiramente indicadas para pacientes submetidos ao TH para ajudar a controlar a hipercalemia2020 McPartland KJ, Pomposelli JJ. Update on immunosuppressive drugs used in solid-organ transplantation and their nutrition implications. Nutr Clin Pract. 2007;22(5):467-73.. As principais fontes de potássio são frutas, vegetais, feijões, tubérculos e nozes, alimentos importantes ricos em fibras e antioxidantes, que são essenciais para prevenir estados associados à síndrome metabólica, condição altamente prevalente entre os pacientes transplantados33 Anastácio LR, Diniz KG, Ribeiro HS, Ferreira LG, Lima AS, Correia MI, et al. Prospective evaluation of metabolic syndrome and its components among long-term liver recipients. Liver Int. 2014;34(7):1094-101.,44 Anastácio LR, Ferreira LG, Ribeiro HS, Liboredo JC, Lima AS, Correia MI. Metabolic syndrome after liver transplantation: prevalence and predictive factors. Nutrition. 2011;27(9):931-7.. Além disso, não existe recomendação concisa sobre a restrição de potássio para esses pacientes e pouco se sabe sobre a ingestão real. Em estudo realizado com 148 pacientes submetidos ao TH, com média de 3,5 anos de seguimento após o transplante, foi avaliada a ingestão alimentar. Observou-se que os indivíduos apresentaram ingestão inadequada de potássio: mediana de 2,1 g (mínimo 0,9 g e máximo 4,1 g)44 Anastácio LR, Ferreira LG, Ribeiro HS, Liboredo JC, Lima AS, Correia MI. Metabolic syndrome after liver transplantation: prevalence and predictive factors. Nutrition. 2011;27(9):931-7., sendo a ingestão recomendada de 4,7 mg2121 Medicine Institute (IOM). Dietary Reference Intakes. In: Board. FaN, editor. Washington, DC: National Academy Press; 2002.. O mesmo estudo demonstrou, por análises multivariadas, que baixa ingestão de potássio foi considerada variável preditiva para a síndrome metabólica44 Anastácio LR, Ferreira LG, Ribeiro HS, Liboredo JC, Lima AS, Correia MI. Metabolic syndrome after liver transplantation: prevalence and predictive factors. Nutrition. 2011;27(9):931-7.. Além disso, evidências de alta qualidade11 Aburto NJ, Hanson S, Gutierrez H, Hooper L, Elliott P, Cappuccio FP. Effect of increased potassium intake on cardiovascular risk factors and disease: systematic review and meta-analyses. BMJ. 2013;346:f1378. mostram que o aumento da ingestão de potássio reduz a pressão arterial em pessoas com hipertensão, sem efeito sobre as concentrações de catecolaminas ou a função renal em adultos saudáveis. Portanto, este aspecto importante deve ser melhor abordado no cuidado em longo prazo dessa população. A ingestão de potássio não foi avaliada neste estudo e não sabemos se o consumo de alimentos pode ter afetado a hipercalemia mais do que a idade avançada e a função renal alterada. Essa falta de informação é uma limitação deste estudo. No entanto, sabemos que nossos pacientes não comem alimentos na qualidade e nas quantidades necessárias para obter as recomendações de potássio mostrada anteriormente44 Anastácio LR, Ferreira LG, Ribeiro HS, Liboredo JC, Lima AS, Correia MI. Metabolic syndrome after liver transplantation: prevalence and predictive factors. Nutrition. 2011;27(9):931-7.. Outra limitação está relacionada à coleta de dados dependente de registros médicos que podem estar sujeitos à falta de informações ou dados incompletos. No entanto, estes dados enfatizam a importância de avaliar ainda mais o consumo de potássio entre os pacientes submetidos ao TH, bem como comparar dados de diferentes centros, incluindo utilização de diferentes doses e medicamentos imunossupressores.

CONCLUSÃO

A hipercalemia foi observada em menos de 20% dos pacientes no 1º mês após o transplante hepático, com menor prevalência ao longo do tempo. No entanto, deve ser dada especial atenção aos pacientes idosos e aos doentes com insuficiência renal. Portanto, a individualização do tratamento é obrigatória, e a restrição generalizada da ingestão de potássio não é justificada.

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  • Fonte de financiamento:

    não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2017
  • Aceito
    08 Fev 2018
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