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ENVOLVIMENTO DAS CATECOLAMINAS NO MIOCÁRDIO DE RATOS SUBMETIDOS A MODELO EXPERIMENTAL DE HIPERTENSÃO PORTAL

RESUMO

Racional:

O papel do sistema nervoso autônomo na hipertensão portal não está completamente elucidado. Sabe-se que, nessa condição, a expressão gênica da norepinefrina na artéria mesentérica superior modifica-se com o tempo, podendo ser importante contribuinte para a vasodilatação esplâncnica e suas repercussões hemodinâmicas. Apesar dos estudos sobre as repercussões cardiovasculares na hipertensão portal, ainda não se sabe como a expressão adrenérgica se comporta a nível cardíaco nas etapas iniciais desse processo.

Objetivo:

Avaliar a expressão imunoistoquímica da enzima tirosina hidroxilase (tirosina 3-mono-oxigenase), relacionada à síntese da norepinefrina, no miocárdio de ratos submetidos à ligadura parcial da veia porta.

Métodos:

Foram utilizados 24 ratos, distribuídos em dois grupos: Sham Operated e Hipertensão Portal. A ligadura parcial da veia porta foi realizada apenas no grupo Hipertensão Portal e, após 1/6/24 h e 3/5/14 dias, os animais foram eutanasiados. Foi feita a análise imunoistoquímica para quantificar a expressão da enzima corada, utilizando o programa ImageJ.

Resultados:

No grupo Hipertensão Portal, o miocárdio expressou percentuais entre 4,6-6% de área marcada, enquanto que no grupo Sham Operated variou entre 4-5%, sem significância estatística. Apenas no grupo Hipertensão Portal, a porcentagem corada pela enzima seguiu padrão crescente nas primeiras 6 h e decrescente após 24 h.

Conclusão:

A expressão da noradrenalina no miocárdio de ratos durante as primeiras duas semanas após a ligadura parcial da veia porta, tendo como marcador a enzima tirosina hidroxilase, não apresentou diferenças entre grupos ao longo do tempo.

DESCRITORES:
Hipertensão portal; Veia porta; Ligadura; Tirosina 3-mono-oxigenase; Sistema nervoso simpático

ABSTRACT

Background:

The role of autonomic nervous system in the development and maintenance of portal hypertension is not fully elucidated. It is known that the gene expression of norepinephrine in the superior mesenteric artery varies with time, and it may contribute for splanchnic vasodilation and its consequent hemodynamic repercussions. It is still not known exactly how the adrenergic expression behaves at the heart level in the initial stages of this process.

Aim:

To evaluate the immunohistochemical expression of the enzyme tyrosine hydroxylase (tyrosine 3-monooxygenase), involved in the synthesis of norepinephrine, in the myocardium of rats submitted to partial ligation of the portal vein.

Methods:

Twenty-four Wistar rats were divided into two groups: Sham Operated and Portal Hypertension. The partial ligation was performed in the Portal Hypertension group, and after 1/6/24 h and 3/5/14 days the animals were euthanized. Immunohistochemical analysis was performed to quantify the expression of the stained enzyme using the ImageJ program.

Results:

The Portal Hypertension group expressed percentages between 4.6-6% of the marked area, while the Sham Operated group varied between 4-5%. Although there was no statistical significance, the percentage stained in the Portal Hypertension group followed an increasing pattern in the first 6 h and a decreasing pattern after 24 h, which was not observed in the Sham Operated group.

Conclusion:

The expression of noradrenaline in rat myocardium during the first two weeks after partial ligation of the portal vein, with tyrosine hydroxylase as marker, did not show differences between groups over time.

HEADINGS:
Portal Hypertension; Portal vein; Ligation; Tyrosine 3-monooxygenase; Sympathetic nervous system

INTRODUÇÃO

A veia porta é formada pela união das veias mesentérica superior e esplênica, e suas tributárias incluem as veias gástricas e pancreatoduodenais. Estende-se até o hilo hepático, dividindo-se em ramos direito e esquerdo. Possui distribuição intra-hepática segmentar, acompanhando a artéria hepática33 Bosch J, Abraldes JG, Groszmann R. Current management of portal hypertension. J Hepatol. 2003;38 Supl 1:54-68.,1313 Sherlock S, Dooley J. Diseases of the liver and biliary system. Wiley Online Library. 11 Ed. Blackwell Science Ltd, 2007.. O fígado recebe fluxo sanguíneo de cerca de 1.200 ml/min, o que representa cerca de 25% do débito cardíaco. Desse total, 25% do volume provém da artéria hepática, e 75% da veia porta33 Bosch J, Abraldes JG, Groszmann R. Current management of portal hypertension. J Hepatol. 2003;38 Supl 1:54-68..

A circulação venosa portal possui duas características hemodinâmicas importantes, que são o alto fluxo sanguíneo com baixa resistência e baixa pressão. Em indivíduos adultos, a pressão portal é cerca de 7 mmHg1313 Sherlock S, Dooley J. Diseases of the liver and biliary system. Wiley Online Library. 11 Ed. Blackwell Science Ltd, 2007.. Ela tem relação direta com a resistência e com o fluxo sanguíneo, de acordo com a lei de Ohm (ΔP=Q x R)1313 Sherlock S, Dooley J. Diseases of the liver and biliary system. Wiley Online Library. 11 Ed. Blackwell Science Ltd, 2007.,44 Bosch J, Pizcueta P, Feu F, Fernández M, Gascía-Pagán JC. Pathophysiology of portal hypertension. Gastroenterol Clin North Am. 1992 Mar;21(1):1-14.. O ΔP corresponde ao gradiente de pressão da veia porta (diferença entre a pressão portal e a pressão da veia cava inferior), Q ao fluxo sanguíneo portal e R à resistência ao fluxo11 Abraldes J.G, Pasarin M, García-Pagán JC. Animal models of portal hypertension. World J Gastroenterol. 2006 Nov;12(41):6577-84.. A hipertensão portal (HP) é a síndrome clínica usualmente secundária à obstrução intra ou extra-hepática do fluxo portal, sendo o aumento da resistência do fluxo sanguíneo portal o fator primário dessa doença1313 Sherlock S, Dooley J. Diseases of the liver and biliary system. Wiley Online Library. 11 Ed. Blackwell Science Ltd, 2007..

A HP é classificada como pré-hepática (ex. trombose da veia porta ou esplênica), intra-hepática (ex. cirrose) e pós-hepática (ex. trombose da veia hepática, da veia cava inferior ou cardiopatia congestiva). A causa mais comum de HP é a cirrose, em que o aumento da resistência é causado principalmente pela distorção da arquitetura hepática (fibrose e nódulos regenerativos). Vale lembrar que cerca de um terço do aumento da resistência é por vasoconstrição intra-hepática, passível de vasodilatadores22 Bhathal PS, Grossman HJ. Reduction of the increased portal vascular resistance of the isolated perfused cirrhotic rat liver by vasodilators. J Hepatol. 1985;1(4):325-37.. Em função de ser um conjunto de veias que se anastomosam em um mesmo local, sempre que houver obstrução na circulação portal ocorrerá aumento da pressão e desenvolvimento de circulação colaterais, como varizes esofagogástricas, perpetuando o desenvolvimento de circulação hiperdinâmica esplâncnica33 Bosch J, Abraldes JG, Groszmann R. Current management of portal hypertension. J Hepatol. 2003;38 Supl 1:54-68.,44 Bosch J, Pizcueta P, Feu F, Fernández M, Gascía-Pagán JC. Pathophysiology of portal hypertension. Gastroenterol Clin North Am. 1992 Mar;21(1):1-14..

Essa vasodilatação e a redução da resistência vascular sistêmica levam à redução do volume de sangue arterial efetivo e, portanto, ativação do sistema nervoso simpático, do sistema renina-angiotensina-aldosterona e aumento na liberação de vasopressina e endotelina-1, causando retenção de sódio e água. As consequências são aumento do volume plasmático, do débito cardíaco e da frequência cardíaca, e diminuição do fluxo sanguíneo renal, hipotensão arterial e novamente retenção de líquidos e água. Uma vez que a circulação hiperdinâmica é estabelecida, ela pode aumentar o fluxo portal e agravar ainda mais a pressão portal em um círculo vicioso1919 Wiest R, Jurzik L, Herold T, Straub RH, Scholmerich J. Role of npy for vasoregulation in the splanchnic circulation during portal hypertension. Peptides. 2007 Feb;28(2):396-404..

Vasodilatadores - em particular óxido nítrico e endotelinas - parecem ter papel central no desarranjo circulatório e contribuem no mecanismo de vasodilatação esplâncnica1919 Wiest R, Jurzik L, Herold T, Straub RH, Scholmerich J. Role of npy for vasoregulation in the splanchnic circulation during portal hypertension. Peptides. 2007 Feb;28(2):396-404.. Além disso, endotoxinas provavelmente induzem a produção de prostaciclinas, que também contribuem para esse processo66 Du CW. Autonomic dysfunction in cirrhosis and portal hypertension. The Scandinavian Journal Of Clinical & Laboratory Investigation. 2008; 68(6):437-47.. Atrofia simpática também ocorre na área esplâncnica, devido aos altos níveis de vasodilatadores, como óxido nítrico, e à diminuição da reatividade vascular a vasoconstritores1010 Nery, Rodrigo Araldi et al. Uric acid and tissue repair. ABCD, arq. bras. cir. dig., Dec 2015, vol.28, no.4, p.290-292. ISSN 0102-6720.,1818 Wiest R, Groszmann RJ. The paradox of nitric oxide in cirrhosis and portal hypertension: too much, not enough. Hepatology. 2002 Feb;35(2):478-91.. Nos pacientes cirróticos, em contrapartida, há menor produção de óxido nítrico na microvascultatura hepática, o que também contribui para a circulação hiperdinâmica1717 Vorobio J, Bredfedt JE, Groszmann RJ. Hyperdynamic circulation in portal-hypertensive rat model: a primary factor for maintenance of chronic portal hypertension. Am J Physiol. 1983 Jan;244(1):52-7.. Dessa forma, a vasodilatação esplâncnica parece ser o evento hemodinâmico inicial que se segue ao aumento da pressão portal, sendo o gatilho das subsequentes modificações hemodinâmicas, tendo o óxido nítrico como principal vasodilatador envolvido1515 Tsai MH, Iwakiri Y, Cadelina G, Sessa WC, Groszmann RJ. Mesenteric vasoconstriction triggers nitric oxide overproduction in the superior mesenteric artery of portal hypertensive rats. Gastroenterology. 2003 Nov;125(5):1452-61..

O modelo de ligadura parcial da veia porta (LPVP)1212 Rodrigues DAB. et al. Constriction rate variation produced by partial ligation of the portal vein at pre-hepatic portal hypertension induced in rats. ABCD, Arq Bras Cir Dig. 2014 Dec;27(4):280-4. é essencial para pesquisa sobre HP, porque permite a reprodução de todas as etapas e alterações hemodinâmicas de forma bem estabelecida, tornando possível prever cronobiologicamente a sequência de eventos que levam à circulação hiperdinâmica99 Martell M, Coll M, Ezkurdia N, Raurell I, Genescà J. Physiopathology of splanchnic vasodilation in portal hypertension. World Journal of Hepatology. 2010 Jun;2(6):208-20.. Estudos sugerem que a produção endotelial excessiva de óxido nítrico está diretamente relacionada à vasoconstrição mesentérica que acontece precocemente após a LPVP, sendo essa vasoconstrição reflexo miogênico ao aumento agudo da pressão portal e provavelmente a vasoconstritores. Logo após a LPVP, ocorre up-regulation dos genes relacionados à neurotransmissão adrenérgica, sendo que tardiamente há down-regulation da expressão desses genes adrenérgicos e aumento da síntese de óxido nítrico pela ativação da NO sintetase, com vasodilatação mesentérica característica dos ratos submetidos à LPVP; isso contribui para o estado de circulação hiperdinâmica e leva às demais complicações da HP55 Coll M, Genescà J, Raurell I, Rodriguez-Vilarrupla A, Mejías M, Otero T. et al. Down-Regulation of genes related to the adrenergic system mar contribute to splanic vasodilation in rat portal hypertension. Journal Of Hepathology. 2008 Jul;49(1):43-51..

A ativação de tais eixos neuro-humorais e a consequente circulação hiperdinâmica da HP podem levar às alterações morfológicas e funcionais cardíacas, principalmente o aumento dos átrios esquerdo e direito, e do diâmetro diastólico do ventrículo direito. Essa dilatação pode ser interpretada como adaptação hemodinâmica cardíaca às alterações da circulação periférica, como o aumento da pré-carga. Alterações da função diastólica são frequentemente relatadas nesses pacientes, a sua presença é considerada um marcador precoce de lesão cardíaca1616 Valeriano V, Funaro S, Lionetti R, Riggio O, Pulcinelli G, Fiore P. et al. Modification of cardiac function in cirrhotic patients with and without ascites. American Journal Of Gastroenterology. 2000 Nov;95(11):3200-5..

Não há, até o momento, nenhum trabalho experimental que quantifica a expressão adrenérgica no miocárdio nas etapas iniciais do desenvolvimento da HP.

O objetivo deste estudo é analisar a expressão da noradrenalina no miocárdio de ratos durante as primeiras duas semanas após a LPVP tendo como marcador a enzima tirosina hidroxilase (TH)1111 Pool PE, M.D, Covell JW, Levitt M, Gibb J, Braunwald E. Reduction of cardiac tyrosine hydroxylase activity in experimental congestive heart failure: its role in the depletion of cardiac norepinephrine stores. Circ Res. 1967 Mar;20:349-53..

MÉTODOS

O experimento foi conduzido na Faculdade Evangélica do Paraná (FEPAR) e no Instituto de Pesquisas Médicas (IPEM), Curitiba, PR, Brasil. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Sociedade Evangélica Beneficente de Curitiba sob o parecer 1408/2016. Os procedimentos com os animais foram de acordo com o preconizado pela Comissão de Ética no Uso de Animais da FEPAR.

Foram utilizados 24 ratos machos Wistar, pesando entre 200-300 g, provenientes do biotério do Instituto de Tecnologia do Paraná. Os animais foram mantidos durante o experimento no biotério do IPEM em caixas plásticas de 47x34x18 cm forradas com maravalha em ciclo de 12 h claro/escuro e temperatura de 22±2° C. Os animais foram tratados diariamente com água filtrada e ração apropriada administrada livremente.

O modelo utilizado foi de HP através de LPVP, e os animais foram divididos em dois grupos: Sham Operated, grupo submetido à simulação da operação, sem a LPVP; e LPVP, grupo submetido à LPVP. Foi utilizada mistura de cloridrato de xilazina 10 mg/kg e cloridrato de cetamina 90 mg/kg intraperitonialmente para anestesiar os animais. Após anestesiados, a intervenção cirúrgica iniciou-se com realização de tricotomia e desinfecção da região abdominal, seguida de laparotomia ventral média. As alças intestinais foram expostas delicadamente por sobre uma gaze umidificada com soro fisiológico e a veia porta isolada. Uma agulha de 20 G foi colocada sobre a veia porta e ambas unidas por um fio seda 3.0, sendo retirada a agulha delicadamente após a ligadura. Certifica-se que não tenha ocorrido trombose da veia porta durante essa manipulação1313 Sherlock S, Dooley J. Diseases of the liver and biliary system. Wiley Online Library. 11 Ed. Blackwell Science Ltd, 2007.. A cavidade abdominal era fechada com pontos individuais no plano cutâneo, e o peritônio e a camada muscular abdominal com pontos contínuos. Os animais-controle ou Sham Operated sofreram o mesmo procedimento, não tendo, no entanto, a veia porta parcialmente ligada, apenas manipulada. A Figura 1 representa o modelo esquemático da LPVP, estabelecido por Sikuler et al.1313 Sherlock S, Dooley J. Diseases of the liver and biliary system. Wiley Online Library. 11 Ed. Blackwell Science Ltd, 2007..

FIGURA 1
Modelo de ligadura parcial de veia porta (LPVP)

Transcorridos 1, 6 e 24 h, e 3, 5 e 14 dias do desenvolvimento do modelo conforme o grupo, os ratos foram eutanasiados através de overdose anestésica intraperitonialmente, com as mesmas substâncias utilizadas na anestesia pré-procedimento. Após a eutanásia, o coração foi removido, fixado em formol a 10% dissolvido em 0,1M de PBS e pH 7,4 e os fragmentos para o processamento colhidos segundo técnica histológica convencional. Os fragmentos foram incluídos em parafina e orientados para que os cortes obtidos resultassem em secções transversais do órgão, e posteriormente submetidos à análise imunoistoquímica para TH.

As imagens da imunoistoquímica foram capturadas com o foco do microscópio no miocárdio (ventrículo esquerdo) e aumento de 40x. As capturas foram gravadas em 24-bit e, com o software ImageJ, foram transformadas em 8-bit cor azul. Após o comando “threshold”, seguido do comando “measure”, as imagens foram processadas e tiveram suas porcentagens de áreas marcadas pela TH registradas para posterior análise estatística.

Análise estatística

Os dados coletados foram submetidos ao software GraphpadInstat, versão 3.0 para Windows XP2000, sendo utilizado o teste de Wilcoxon, adotando-se nível de significância de 5% (p<0,05).

RESULTADOS

Participaram do experimento 24 ratos, 12 LPVP e 12 Sham Operated, sendo as amostras obtidas em 1, 6 e 24 h e 3, 5, e 14 dias. Na Figura 2, podem ser observadas as fotomicrografias do miocárdio obtidas após 1 h (A), 6 h (B) e 24 h (C) e na Figura 3 as em 3 (D), 5 (E) e 14 (F) dias de LPVP, nas resoluções 24-bit, 8-bit e após o comando threshold, respectivamente. As áreas mais escuras representam a marcação pela TH.

FIGURA 2
Miocárdio em 1 h (A), 6 h (B) e 24 h (C) (40x)

FIGURA 3
Miocárdio em 3 (D), 5 (E) e 14 (F) dias (40x)

A porcentagem de área marcada pela TH foi calculada com a aplicação do comando “threshold” seguido de “measure”, e os valores estão expressos na Tabela 1. O miocárdio expressou percentuais que variaram de 4-5,1% no grupo Sham Operated, e de 4,6-6,8% no grupo LPVP. Não foi observada diferença significativa entre os grupos (p<0,05). Contudo, é interessante observar os diferentes padrões de curvas da porcentagem corada pela TH ao longo do tempo entre os grupos, melhor observada na Figura 4.

TABELA 1
Área marcada pela TH em cada grupo (%)

FIGURA 4
Área marcada pela TH ao longo do tempo (%)

DISCUSSÃO

Muitos estudos procuram elucidar o papel do sistema nervoso autônomo na HP. Apesar do aumento dos níveis sistêmicos de catecolaminas, sabe-se que essa hiperatividade do sistema nervoso simpático não é homogênea, uma vez que há órgãos e tecidos em que ela não foi verificada. Um exemplo disso ocorre nos vasos mesentéricos. Há importante down-regulation dos genes relacionados à neurotransmissão adrenérgica na artéria mesentérica superior após LPVP, acompanhado também por regressão/atrofia da inervação simpática em todo o território vascular mesentérico. Contudo, essa atrofia nervosa não está presente em outros leitos vasculares, como as artérias renais, por exemplo. O down-regulation adrenérgico mesentérico pode ser interpretado como consequência local da HP, que pode contribuir para agravar a vasodilatação esplâncnica, a qual é responsável pela hiperatividade simpática generalizada, especialmente nos músculos e rins99 Martell M, Coll M, Ezkurdia N, Raurell I, Genescà J. Physiopathology of splanchnic vasodilation in portal hypertension. World Journal of Hepatology. 2010 Jun;2(6):208-20..

As evidências experimentais disponíveis ainda não permitem conclusão definitiva sobre a importância do sistema nervoso simpático no desenvolvimento da hipertrofia cardíaca77 Franchini KG. Hipertrofia cardíaca: mecanismos moleculares. Rev Bras Hipertens. 2001;8:125-42.. Estudos sugerem que o aumento nos marcadores de inervação simpática pode ser característica comum do estágio de hipertrofia cardíaca precoce e compensada, independentemente do curso do tempo. Mecanismos neurais simpatizantes não parecem desempenhar papel estimulante ou trófico no processo hipertrófico. Por outro lado, eles parecem ser de natureza secundária, sugerindo possível influência estimuladora do miocárdio hipertrofiado em nervos cardíacos simpáticos88 Klaus L, Lund DD, Schmid PG. Role of myocardial hypertrophy in trophic stimulation of indices of sympathetic cardiac innervation. Journal Of Cardiovascular Pharmacology. 1987 Set;10 Supl 12:211-20.. Porém, sabe-se também que norepinefrina e acetilcolina estão esgotados com a progressão da insuficiência cardíaca manifesta. Essa depleção causa menos suporte para o débito cardíaco em resposta à ativação simpática do nervo2020 Yamada Y, Okumura K, Hashimoto H, Ito T, Satake T. Altered myocardial acetylcholine and norepinephrine concentrations in right ventricular hypertrophy and failure. Heart and Vessels. 1991 Set;6(3):150-7.. Partindo-se desses princípios, na LPVP estariam presentes a inerente hiperatividade simpática - consequente à HP - e o estímulo do sistema nervoso simpático pela hipertrofia cardíaca induzida.

Neste experimento, avaliou-se a imunoistoquímica da TH no miocárdio após 1, 6, 24 h e 3, 5 e 14 dias da LPVP, visando identificar o comportamento do sistema nervoso simpático no nível cardíaco nos diferentes estágios da HP. O modelo de LPVP reproduz todas as alterações sistêmicas e hemodinâmicas detectadas na HP e no estado de circulação hiperdinâmica: aumento da pressão e do fluxo portal, aparecimento de shunts porto-sistêmicos, vasodilatação esplâncnica com redução da resistência arterial e do fluxo esplâncnico, vasodilatação sistêmica com hipotensão arterial, redução da resistência periférica e aumento do débito cardíaco. Esse modelo é muito homogêneo, reproduzível e com excelente previsão cronobiológica, que permite a elucidação da sequência de eventos envolvidos na geração da circulação hiperdinâmica. O shunt porto-sistêmico é detectado após dois dias de LPVP e a porcentagem de sangue portal desviada para as colaterais alcança 100% após uma semana. A circulação se torna hiperdinâmica 4-5 dias após a LPVP e, uma semana após a operação, os ratos apresentam gama completa de alterações de HP99 Martell M, Coll M, Ezkurdia N, Raurell I, Genescà J. Physiopathology of splanchnic vasodilation in portal hypertension. World Journal of Hepatology. 2010 Jun;2(6):208-20..

Neste estudo, o miocárdio expressou percentuais que variaram de 4-5,1% no grupo Sham Operated, e de 4,6-6,8% no grupo LPVP. Apesar de não ter ocorrido diferença significativa entre os grupos, é interessante observar os diferentes padrões de curvas da porcentagem corada pela TH ao longo do tempo. No grupo LPVP, houve elevação nas primeiras 6 h, que se manteve estável até o final das primeiras 24 h, e apresentou padrão decrescente até o 5º dia. Após o 5º e até o 14º dia, teve porcentagem retornando para os níveis próximos àqueles do início do experimento. Esse padrão não foi observado no grupo Sham Operated, que manteve seus níveis mais estáveis durante os 14 dias de experimento. Analisando a previsão cronobiológica da LPVP, o retorno da porcentagem corada após o 5º até o 14º dia pode estar relacionada ao início da circulação hiperdinâmica, prevista nesse modelo a partir do 4º ao 5º dia. De forma análoga ao leito arterial mesentérico, em que há up-regulation inicial simpático com posterior down-regulation, pode haver no miocárdio mecanismos semelhantes associados. Contudo, são necessários mais estudos para compreender a razão das curvas terem sido tão discrepantes entre os grupos, ao longo dos 14 dias de experimento.

CONCLUSÃO

A expressão da noradrenalina no miocárdio de ratos durante as primeiras duas semanas após a ligadura parcial da veia porta, tendo como marcador a enzima tirosina hidroxilase, não apresentou diferenças entre grupos ao longo do tempo

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  • Fonte de financiamento:

    PIBIC/CNPq e Faculdade Evangélica do Paraná

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    29 Mar 2018
  • Aceito
    24 Maio 2018
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