Acessibilidade / Reportar erro

EFEITOS DA DISFUNÇÃO RENAL NA CICATRIZAÇÃO DE ANASTOMOSES COLÔNICAS: ESTUDO EXPERIMENTAL EM RATOS WISTAR

RESUMO

Racional:

A doença renal crônica atinge mais de 500 milhões de pessoas em todo o mundo. Neste contexto, as toxinas urêmicas estão relacionadas ao comprometimento da cicatrização tecidual.

Objetivo:

Avaliar, na cicatrização de anastomoses colônicas de ratos urêmicos indicadores séricos e anatomopatológicos que possam estar relacionados com alteração do processo de reparação tissular.

Métodos:

Utilizaram-se 20 ratos Wistar divididos aleatoriamente em dois grupos. No grupo simulação eles foram submetidos à simulação da nefrectomia 5/6 do rim esquerdo, simulação de nefrectomia total do rim direito, laparotomia mediana, colotomia e colorrafia. No grupo uremia, eles foram submetidos à nefrectomia 5/6 do rim esquerdo, nefrectomia total do rim direito, laparotomia mediana, colotomia e colorrafia. Coletaram-se amostras de sangue para dosagens séricas da ureia, creatinina e proteína C reativa, e do cólon para processamentos histológicos e histoquímicos na avaliação do tecido de granulação, maturação de colágeno, densidade microvascular e de miofibroblastos, viabilidade celular cicatricial. Empregou-se a histometria computadorizada para as avaliações de colágenos tipos I e III, densidade microvascular pela marcação com anticorpo monoclonal anti-CD34, viabilidade celular pela pesquisa do antígeno nuclear de proliferação celular e a densidade de miofibroblastos com anticorpo monoclonal anti-α-actina.

Resultados:

O grupo submetido à nefrectomia 5/6, em comparação ao grupo simulação, demonstraram aumentos da ureia sérica (p<0,0000) e proteína C reativa (p=0,0142), redução da formação de tecido de granulação (reepitelização de bordas p=0,0196, proliferação angiofibroblástica p=0,0379), porcentagens de colágeno I (p=0,0009) e colágeno III (p=0,016), densidade microvascular (p=0,0074) e miofibroblastos (p<0,0001) e antígeno nuclear de proliferação celular (p<0,0000).

Conclusão:

A uremia induzida pelo modelo de nefrectomia 5/6 determina impacto negativo no processo de cicatrização colônico.

DESCRITORES:
Nefrectomia; Uremia; Cicatrização; Cólon; Ratos Wistar

ABSTRACT

Background:

Chronic kidney disease affects more than 500 million people worldwide. In this context, the uremic toxins present are related to worsening in tissue healing.

Aim:

Evaluate on healing of colonic anastomosis in uremic rats, serum and anatomopathological indicators, which may be related to the change tissue repair process.

Methods:

Twenty Wistar rats, were randomly separated into two groups. In the sham group they were submitted to 5/6 nephrectomy simulation in left kidney, simulation right nephrectomy, median laparotomy, colotomy and colorraphy. In the uremia group, they were submitted to 5/6 nephrectomy of the left kidney, total nephrectomy of the right kidney and median laparotomy, colotomy and colorraphy. Were collected for serum urea, creatinine and CRP dosages and the colonic segments were studied for evaluation of granulation tissue, collagen maturation, microvascular and myofibroblasts density, and cell viability. Through histochemical processing, microvascular density was evaluated by anti-CD34 monoclonal antibody marking, cell viability by cell proliferation nuclear antigen screening and myofibroblasts density with monoclonal anti-α-actin antibody. Computerized histometry was used for evaluations of collagens type I and III by the coloration of picrosirius.

Results:

The group submitted to nephrectomy 5/6, compared to the sham group, show urea increase (p<0.0000) and higher C reactive protein (p=0.0142). Decrease of granulation tissue formation (border reepithelialization p=0,0196, angiofibroblast proliferation p=0.0379), mean collagen I (p=0,0009) and collagen III (p=0,016), microvascular density (p=0,0074), cell proliferation nuclear antigen (p<0,0000) and myofibroblasts (p<0,0001).

Conclusion:

The uremia induced by nephrectomy 5/6 model establishes negative impact in the colonic wound healing.

HEADINGS:
Nephrectomy; Uremia; Wound healing; Colon; Rats Wistar

INTRODUÇÃO

A cicatrização é processo complexo, que começou a ser entendido em maior amplitude nos últimos anos. Contudo, ainda há que se estender o seu conhecimento face às inovadoras medidas preventivas e curativas à disposição dos cirurgiões, diminuindo assim a possibilidade de complicações no manuseio dos doentes que necessitam agressão cirúrgica para cura dos seus males2424 Nery RA, Kahlow BS, Skare T, Tabushi FI, Castro A. Uric Acid and Tissue Uric Acid and Tissue Repair. ABCD Arq Bras Cir Dig 2015;28(4):290-292.,2828 Salgado FL, Artigiani-Neto R, Lopes-Filho GJ. Growth factors and COX2 in wound healing: an experimental study with Ehrlich tumors. ABCD Arq Bras Cir Dig 2016;29(4):223-226..

Sabendo-se que a cicatrização é desenvolvida por um conjunto harmônico de eventos celulares e bioquímicos locais, comuns a vários setores do organismo, pode-se afirmar que estes influenciam os seus mecanismos intermediários básicos como hemostasia, inflamação, proliferação celular e remodelamento da ferida.

Neste contexto as toxinas urêmicas, geradas na disfunção renal, são as responsáveis pela progressão da doença renal crônica (DRC), através da indução da perda da função renal residual, desencadeando respostas inflamatória sistêmica e vascular e desta forma, ampliando a disfunção endotelial renal. As toxinas urêmicas são as responsáveis pela progressão da DRC e perda da função renal residual; porém, nenhum momento específico demarca o início da uremia em pacientes com perda progressiva da função renal1919 /DOQI clinical practice guidelines for chronic kidney disease: evaluation, classification, and stratification. Am J Kidney Dis. 2002;Suppl 1:S1-266.. Outros efeitos adversos da DRC referem-se à menor atividade fagocitária dos polimorfonucleares, comprometimento da cicatrização tecidual, pelo retardo do processo inflamatório cicatricial, baixa proliferação de fibroblastos e células endoteliais, baixos níveis teciduais de hidroxiprolina e colágeno, tecido conectivo subcutâneo e tecido de granulação3030 Sesso RC, Lopes AA, Thomé FS, Lugon JR, Watanabe Y, Santos DR. Relatório do Censo Brasileiro de Diálise Crônica. J Bras Nefrol 2014;36(1):48-53...

Entre os procedimentos cirúrgicos, as operações gastrintestinais figuram entre os realizados com maior frequência. Em pacientes portadores de DRC quando necessitam de alguma abordagem cirúrgica intestinal, que mesmo sob condições urêmicas, será esta a única decisão a ser tomada pelo cirurgião na busca de uma solução para o paciente, como ocorre em situações de urgência ou nos casos de transplante renopancreáticos. Entre as complicações cirúrgicas gastrointestinais, as mais descritas são as falhas na cicatrização anastomótica representada por 3,4% a 12% de deiscências, tendo como causa principal os distúrbios metabólicos da uremia secundários à DRC1616 Iwanaga TC, Aguiar JL, Martins-Filho ED, Kreimer F, Silva-Filho FL, Albuquerque AV. Analysis of biomechanical parameters in colonic anastomosis. ABCD Arq Bras Cir Dig 2016;29(2):90-92..

Embora esteja disponível um grande número de informações científicas sobre a indução cirúrgica de disfunção renal em ratos, são ainda escassas as que estudam os efeitos da uremia na cicatrização intestinal. Modelos animais de disfunção renal aproximam-se da condição humana e são importantes para a compreensão da doença e para desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas33 Becker GJ, Hewitson TD. Animal models of chronic kidney disease: useful but not perfect. Nephrol Dial Transplant 2013;28(10):2432-2438.,44 Boudet J, Man NK, Pils P, Sausse A, Brentano JLF. Experimental chronic renal failure in the rat by eletrocoagulation of the renal córtex. Kidney Int 1978;14(1):82-86..

Diante disso, o objetivo do presente estudo foi avaliar em um modelo experimental de uremia em ratos, aspectos séricos e anatompatológicos específicos na cicatrização de anastomose colônica.

MÉTODO

Utilizaram-se 20 ratos (Rattus norvegicus albinus, Rodentia mammalia), da linhagem Wistar, com idades entre 143-152 dias e pesos de 249,2±13,80 g. Foram separados em dois grupos.

Procedimento cirúrgico

A anestesia foi administrada em dois tempos. Primeiramente foram submetidos à sedação por inalação e após inoculação por via intramuscular em ambas as panturrilhas posteriores, dos anestésicos cloridrato de cetamina, associada a cloridrato de xilasina.

Para a indução da uremia nos animais do grupo uremia empregou-se a metodologia cirúrgica denominada de nefrectomia 5/6, descrita por Viana et al.3333 Vianna AL, Duarte VT, Araújo RC, Barbosa H. Uremia e cicatrização intestinal: estudo experimental em ratos. Rev Hosp Clin Fac Med S Paulo 1981;36(1):27-30. a qual consiste nas seguintes etapas: nefrectomia parcial, quando são ressecados ambos os polos renais, e sete dias após procedida a nefrectomia total do rim contralateral. No D0, procedia-se a nefrectomia parcial, por meio de incisão lombar esquerda de cerca de 3 cm de extensão e acessava-se a cavidade peritoneal para a exposição do rim esquerdo que era tracionado para fora da cavidade, descapsulado preservando-se a glândula adrenal e procedida a ablação dos polos renais com eletrocoagulador de plasma de Argônio (Argon 4 - WEN®) correspondente a aproximadamente 2/3 de massa renal. O hilo era preservado, como também a vascularização e os ureteres.

No grupo simulação era feita somente incisão de cerca de 4 cm de extensão e acessava-se a cavidade peritoneal com exposição do rim, que era tracionado para fora. Em ambos os grupos, o fechamento da parede era feito por sutura contínua com fio monofilamentar de nylon 3.0 em planos musculoaponeurótico e cutâneo.

No sétimo dia, os ratos eram novamente pesados e submetidos à sedação e anestesia conforme anteriormente descrito. Por meio de incisão lombar direita de cerca de 4 cm de extensão acessava-se a cavidade peritoneal para a exposição do rim direito que, no grupo simulação era tracionado para fora da cavidade. No grupo uremia, ele era ressecado totalmente após ser descapsulado, preservando-se a glândula adrenal. O fechamento da parede em ambos os grupos foi semelhante à técnica realizada na nefrectomia parcial.

No 14º dia, em ambos os grupos após a confirmação da indução anestésica, era realizada laparotomia mediana de 4 cm, colotomia por secção completa do cólon a 5 cm distais da válvula ileocecal, atentando sempre para a preservação dos vasos cólicos. A seguir, executava-se a reconstrução da secção colônica por anastomose terminoterminal em plano único total, com oito pontos separados de fio monofilamentar de náilon 6-0. O fechamento da parede era feito por sutura contínua com fio monofilamentar de náilon 3-0 em dois planos: musculoaponeurótico e cutâneo.

Coleta de amostras

No sétimo dia de evolução pós-colotomia e colorrafia (D21), os ratos eram novamente pesados em balança analítica e submetidos à sedação por inalação de halotano em circuito fechado e anestesiados por injeção intramuscular de cloridrato de cetamina.

A seguir era procedida punção cardíaca com a coleta de 8-10 ml de sangue, volume este correspondente a uma punção exanguinativa e indutora de parada cardiorrespiratória. As amostras de sangue eram imediatamente enviadas ao laboratório para dosagens séricas de ureia, creatinina e proteína C reativa.

Ainda sob plano anestésico e com evidência de morte procedia-se à abertura ampla da cavidade abdominal e inventário da cavidade, localização do segmento colônico incisado e rafiado que era ressecado, estendido em papel filtro, lavado com solução tampão fosfatos (PBS) pH 7,4 e fixadas em formalina.

Avaliações

Para a avaliação da evolução foram utilizadas pesagens iniciais e periódicas nos dias D0, D2, D4, D7, D9, D12, D14, D17 e D19, bem como a observação dos animais avaliando a busca de alimento, água e deambulação como indicadores de normalidade em comparação entre os grupos. A evidência da indução do estado urêmico foi feita pelas dosagens séricas de ureia e creatinina ao final do período de estudo, sendo utilizado método automatizado com reativos específicos para dosagens de ureia, creatinina e proteína C reativa66 Brusilow SW. "Inborn errors of urea synthesis". In: Glew RH, Ninomiya Y. Clinical studies in medical biochemistry. 2nd ed. [New York]:Oxford University Press, 1997;260-267.,2525 Pincus MR, Henry JB. Química clínica. In: Henry JB. Diagnósticos Clínicos e tratamento por métodos laboratoriais. 20 ed. 289-293;2008..

As avaliações microscópicas do processo de cicatrização da anastomose colônica foram realizadas através da análise de formação de tecido de granulação, formação de colágenos tipos I e III, densidade microvascular, proliferação celular e densidade de miofibroblastos.

Eram realizadas secções perpendiculares ao maior eixo da sutura, em triplicatas para cada uma das determinações histológicas, com micrótomo a 4 µm de espessura e fixados em lâminas para serem coradas conforme a avaliação a ser feita. A formação do tecido de granulação pela coloração H&E foi avaliada por microscopia3131 Stevens A, Lowe J. Respostas teciduais ao dano. Patologia. 2. ed. [São Paulo]: Manole, 2000;35-50. Empregou-se a técnica de histometria computadorizada para análise de colágenos tipos I e III por Picrosirius1818 Junqueira LCU, Montes GS, Sanchez EM. The influence of tissue thickness on the study of collagen by the picrosirius-polarization method. Histochemistry 1982;74(1):153-156. 19. /DOQI clinical practice guidelines for chronic kidney disease: evaluation, classification, and stratification. Am J Kidney Dis. 2002;Suppl 1:S1-266., densidade microvascular pela marcação com anticorpo monoclonal anti-CD341515 Hsu SM, Raine L, Fanger H. Use of avidin-biotin peroxidase complex (ABC) in immunoperoxidase techniques: a comparison between ABC and unlabelled antibody (PAP) procedures. J Histochem Cytochem 1981;29(4):577-80.,2323 Molgaard HV, Spurr NK, Greaves MF. The hemopoietic stem cell antigen CD34 is encoded by a gene located on chromosome 1. Leukemia 1989;3(11):773-776., viabilidade celular pela pesquisa do antígeno nuclear de proliferação celular55 Bravo R. Synthesis of the nuclear protein cyclin (PCNA) and its relationship with DNA,1515 Hsu SM, Raine L, Fanger H. Use of avidin-biotin peroxidase complex (ABC) in immunoperoxidase techniques: a comparison between ABC and unlabelled antibody (PAP) procedures. J Histochem Cytochem 1981;29(4):577-80. e a densidade de miofibroblastos com anticorpo monoclonal anti-α-actina1515 Hsu SM, Raine L, Fanger H. Use of avidin-biotin peroxidase complex (ABC) in immunoperoxidase techniques: a comparison between ABC and unlabelled antibody (PAP) procedures. J Histochem Cytochem 1981;29(4):577-80.,2121 Lorena D, Uchio K, Costa AM, Desmoliere A. Normal scarring: importance of myofibroblasts. Wound Repair Regen 2002;10(2):86-92..

Análise estatística

Os resultados foram expressos como média±desvio-padrão e empregaram-se os testes de ANOVA e T-Student com p<0,05 para as comparações entre os grupos através do software GraphPad InStat.

RESULTADOS

Avaliação ponderal

Os ratos do grupo uremia apresentaram maior perda de peso durante o experimento, porém sem diferenças estatísticas nos momentos das pesagens.

Avaliações bioquímicas

Dosagens da ureia

O modelo empregado foi capaz de induzir uremia comprovadamente no grupo de experimentação em relação ao grupo simulação (p<0,0000), em que pese os níveis de creatinina superiores no grupo uremia não serem significativamente diferentes (p=0,0904) dos do grupo simulação (Figura 1).

FIGURA 1
Gráfico demonstrativo das médias aritméticas das dosagens de ureia (mg/ml) e creatinina (mg/ml).

Dosagens de proteína C reativa

Conforme demonstrado na Figura 2, os ratos do grupo uremia apresentaram valores de proteína C reativa significantemente maiores que o grupo simulação (p=0,0142)

FIGURA 2
Gráfico demonstrativo das médias aritméticas das dosagens de proteína C reativa ultrassensível (mg/ml)

Avaliações microscópicas

Avaliação histopatológica do tecido de granulação

Na avaliação do processo de cicatrização colônico notou-se franca superioridade do grupo simulação sobre o grupo uremia, com impacto estatisticamente significativo na reepitelização de bordas (p=0,0196) e na proliferação angiofibroblástica (p=0,0379).

Avaliação histométrica da porcentagem de colágeno dos tipos I e III

Conforme demonstrado na Figura 3, os ratos do grupo uremia apresentaram resultados significantemente piores que o grupo simulação quanto à média das porcentagens de colágeno I (p=0,0009) e quanto ao colágeno III (p=0,016).

FIGURA 3
Gráfico demonstrativo das médias aritméticas das porcentagens de colágenos tipos I e III no tecido cicatricial intestinal

Avaliação da densidade microvascular

Os animais do grupo uremia apresentaram resultados de densidade microvascular significantemente inferiores (p=0,0074) aos do grupo simulação (Figura 4).

FIGURA 4
Gráfico demonstrativo das médias aritméticas das quantificações das densidades microvasculares no tecido cicatricial intestinal

Avaliação tecidual do antígeno nuclear de proliferação celular (pcna)

Os animais com indução de uremia demonstraram nítido e significante (p<0,0000) impacto negativo sobre a proliferação celular no tecido cicatricial intestinal quando analisada pela expressão do antígeno nuclear de proliferação celular (Figura 5).

FIGURA 5
Gráfico demonstrativo das médias aritméticas das quantificações do antígeno nuclear de proliferação celular no tecido cicatricial intestinal

Avaliação da densidade de miofibroblastos

A densidade quantificada de miofibroblastos no tecido cicatricial intestinal teve redução nítida e significativa (< 0,0001) nos animais que tiveram uremia induzida em relação aos que não cursaram com uremia (Figura 6).

FIGURA 6
Gráfico demonstrativo das médias aritméticas das quantificações de miofibroblastos no tecido cicatricial intestinal

DISCUSSÃO

Adotou-se o modelo experimental proposto por Vianna et al.1414 Hermann JB, Woodward SC, Pulaski EJ. Healing of colonic anastomosis in the rat. Surg Gynecol Obstet 1964;119:269-275.,1717 Jiborn H, Ahonen J, Zederfeldt B. Healing of experimental colonic anastomoses. III. Collagen metabolism in the colon after left colon resection. Amer J of Surg 1980;139(3):398-405.,3333 Vianna AL, Duarte VT, Araújo RC, Barbosa H. Uremia e cicatrização intestinal: estudo experimental em ratos. Rev Hosp Clin Fac Med S Paulo 1981;36(1):27-30. com modificação. O diferencial do presente estudo desse modelo, é a não realização da ablação de maior parte do parênquima oposto ao hilo renal e o uso de eletrocoagulador de plasma de argônio para a ablação dos 2/3 de massa renal. Estudos experimentais têm demonstrado a superioridade desta modalidade de eletrocauterização devido à eficiência e limitado traumatismo aos tecidos1313 Grund KE, Straub T, Farin G. New haemostatic techniques: argon plasma coagulation. Baillieres Best Pract Res Clin Gastroenterol 1999;13(1):67-84..

A reprodução desta técnica em ratos similarmente ao realizado no presente estudo foi realizado por Fleck e cols.1010 Fleck C, Appenroth D, Jonas P, Koch M, Kundt G, Nizze H et al. Suitability of 5/6 nephrectomy (5/6nx) for the induction of interstitial renal fibrosis in rats - influence of sex, strain, and surgical procedure. Exp Toxicol Pathol 2006;57(3):195-205., demonstrando diminuição da taxa de filtração glomerular após 10 semanas do procedimento, com a particularidade da análise entre gêneros. O estudo verificou que houve diferença significante entre os ratos machos e fêmeas, supondo maior fragilidade e suscetibilidade nas fêmeas1010 Fleck C, Appenroth D, Jonas P, Koch M, Kundt G, Nizze H et al. Suitability of 5/6 nephrectomy (5/6nx) for the induction of interstitial renal fibrosis in rats - influence of sex, strain, and surgical procedure. Exp Toxicol Pathol 2006;57(3):195-205..

Apesar de outros modelos experimentais também serem eficientes em demostrar injúria renal, a nefrectomia 5/6 tem algumas vantagens como reproduzir a disfunção renal por perda de néfrons assim como em humanos, fornecer dados mais completos quanto a proteinúria e hipertensão secundária à diminuição da taxa de filtração glomerular, e comparar o dano renal em relação à quantidade de massa renal retirada. Quando realizada nefrectomia 1/2, 2/3 e 5/6 a análise dos efeitos bioquímicos e morfológicos do rim remanescente após ablação progressiva da massa renal, demonstra que hipertrofia renal compensatória, e injúria glomerular estão intimamente relacionadas ao volume do rim remanescente, e portanto, sendo mais evidentes quando uma maior fração de tecido renal é extraída2020 Kaufman JM, DiMeola HJ, Siegel NJ, Lytton B, Kashgarian M, Hayslett JP. Compensatory adaptation of structure and function following progressive renal ablation. Kidney Int 1974;6(1):10-17.,2929 Santos LS, Chin EWK, Ioshii SO, Filho RT. Surgical reduction of the renal mass in rats. Morphologic and functional analysis on the remnant kidney. Acta Cir Bras 2006;21(4): 253-256..

A ureia é formada no fígado como o principal produto final do metabolismo de substâncias nitrogenadas e posteriormente é excretada pelos rins22 Baum N, Dichoso CC, Carlton JR CE. Bood urea nitrogen and serum creatinina. Urology 1975;5: 583-588..

Estudos experimentais e clínicos têm demonstrado o efeito negativo da uremia na cicatrização de feridas. Colin et al.77 Colin JF, Elliot P, Ellis H. The effect of uraemia upon wound healing: an experimental study. Br J Surg 1979;66:793-797. concluíram que ratos com uremia apresentavam atraso na cicatrização de anastomoses de intestino delgado e aponeurose. Portanto, a presença de toxinas urêmicas tem efeito negativo ao diminuir a proliferação celular, quantidade de hidroxiprolina na ferida operatória, assim como causa alteração na formação dos fibroblastos77 Colin JF, Elliot P, Ellis H. The effect of uraemia upon wound healing: an experimental study. Br J Surg 1979;66:793-797.,2222 McDermott FT, Nayman CM, De Boer WGRM. The effect of acute renal failure upon wound healing: histological and autoradiographic studies in the mouse. Annals of Sur, 1968;168(1):142-146..

A uremia pode causar injúria da mucosa intestinal, edema, inflamação, ulceração com perda da barreira da mucosa e como consequência, pode ocorrer translocação bacteriana, fator sabidamente prejudicial ao processo de cicatrização99 Duarte JBA, Nascimento JEA, Nascimento M, Nochi Jr RJ. Bacterial translocation in experimental uremia. Urol Res 2004;32(4):266-270..

Estudos demonstraram que o tecido de granulação estava reduzido em ratos urêmicos ao realizar análise histológica após cinco dias do procedimento para indução de disfunção renal, além de inibição da proliferação celular nos fibroblastos e nas células endoteliais do tecido de granulação2222 McDermott FT, Nayman CM, De Boer WGRM. The effect of acute renal failure upon wound healing: histological and autoradiographic studies in the mouse. Annals of Sur, 1968;168(1):142-146..

Até o presente já foram identificados 19 isoformas de colágeno sendo que o colágeno tipo I predomina e constitui 80-90% e os restantes 10-20% são do tipo III1212 Giaquinto MGC, Mota DSC. Cicatrização de feridas. In: MARQUES RM. Técnica operatória e cirurgia experimental. 1.ed. [Rio de Janeiro]:Guanabara Koogan, 55-70; 2005.. O colágeno tipo I é o mais frequente e predominante em ossos e tendões é considerado colágeno maduro. O tipo III é mais comumente encontrado em tecidos moles, como vasos sanguíneos, derme e fáscia. Já o tecido de granulação expressa 30-40 % de colágeno do tipo III, sendo considerado colágeno imaturo. O mais importante é o do tipo I, que é responsável não apenas pela manutenção da integridade da maioria dos tecidos em função das suas propriedades mecânicas2626 Ramachandran GN, Mitra AK. An explanation for the rare occurrence of cis peptide units in proteins and polypeptides. J Mol Biol 1976;107(1):85-92., mas também por sua participação ativa na funcionalidade dos tecidos em função de sua interação com as células presentes na matriz extracelular. Está presente em todos os vertebrados, e incluído na lista das maiores e mais complexas macromoléculas encontradas no reino animal, juntamente com outras macromoléculas formam a matriz extracelular.

Russel et al.2727 Russell JE, Avioli LV. Effect of Experimental Chronic Renal Insufficiency on Bone Mineral and Collagen Maturation. J Clin Invest 1972;51(12):3072-3079. após 10 semanas de nefrectomia e isquemia renal segmentar contralateral em ratos, demonstrou que há evidente alteração na formação da matriz mineral óssea e na maturação de colágeno, no grupo com uremia2727 Russell JE, Avioli LV. Effect of Experimental Chronic Renal Insufficiency on Bone Mineral and Collagen Maturation. J Clin Invest 1972;51(12):3072-3079..

Em estudo para avaliar a força tênsil e formação de colágeno em ratos após cinco, 10 e 15 dias de uremia, evidenciou-se considerável e significativa redução dela e também no acúmulo de colágeno, verificado através da quantificação de hidroxiprolina no 10º e 15º dias2727 Russell JE, Avioli LV. Effect of Experimental Chronic Renal Insufficiency on Bone Mineral and Collagen Maturation. J Clin Invest 1972;51(12):3072-3079..

A produção de novos vasos é essencial no reparo de feridas, sendo observado nos tecidos em processo de cicatrização e caracterizado por um processo complexo que envolve múltiplas etapas: vasodilatação, permeabilidade endotelial, ruptura da conexão das células endoteliais, proliferação e migração dessas células e por fim subsequente remodelamento formando condutos para passagem dos nutrientes1111 Folkman J. Tumor angiogenesis: therapeutic implications. N Engl J Med 1971;285(21):1182-1126..

O antígeno nuclear de proliferação celular desempenha papel importante no metabolismo dos ácidos nucleicos. É uma proteína sintetizada principalmente durante a fase S do ciclo celular sendo essencial para a replicação, transcrição e montagem da cromatina cromossômica88 Dou L, Bertrand E, Cerini C, Faure V, Sampol J, Vanholder R, Berland Y, Brunet P. The uremic solutes p-cresol and indoxyl sulfate inhibit endothelial proliferation and wound..

Em estudo que avaliou a atividade de proliferação de condrócito pela expressão de antígeno nuclear de proliferação celular na zona de crescimento de cartilagem após 30 dias de nefrectomia subtotal 5/6 em ratos, foi possível concluir que o número deles em proliferação no platô de crescimento foi significantemente menor em ratos urêmicos quando comparados aos ratos controle11 Barbosa APF, Silva JDP, Fonseca EC, Lopez PM, Fernandes MBC, Balduino A et al. Response of the growth plate of uremic rats to human growth hormone and corticosteroids. Braz J Med Biol Res 2007;40(8):1101-1109..

Outro estudo experimental em ratos que investigou a densidade de miofibroblastos na cicatrização de feridas pelo mesmo método ora empregado concluiu que o metronidazol, aplicado de forma tópica nas feridas com cicatrização por segunda intenção, não interfere na contração da ferida e atrasa o aparecimento dos miofibroblastos3232 Trindade LCT, Biondo-Simões MLP, Sampaio CPP, Farias RE, Pierin RJ, Netto MC. Avaliação do uso tópico do metronidazol no processo de cicatrização de feridas: um estudo experimental. Rev Col Bras Cir 2010;37(5):358-363..

CONCLUSÃO

O estado urêmico induzido experimentalmente é capaz de influenciar negativamente o processo de cicatrização do intestino grosso. A uremia compromete a formação de tecido de granulação, retarda a maturação de colágeno do tipo I, induz a redução da densidade microvascular na anastomose, reduz a viabilidade celular na área da cicatrização e a densidade de miofibroblastos presentes na cicatrização colônica.

REFERENCES

  • 1
    Barbosa APF, Silva JDP, Fonseca EC, Lopez PM, Fernandes MBC, Balduino A et al. Response of the growth plate of uremic rats to human growth hormone and corticosteroids. Braz J Med Biol Res 2007;40(8):1101-1109.
  • 2
    Baum N, Dichoso CC, Carlton JR CE. Bood urea nitrogen and serum creatinina. Urology 1975;5: 583-588.
  • 3
    Becker GJ, Hewitson TD. Animal models of chronic kidney disease: useful but not perfect. Nephrol Dial Transplant 2013;28(10):2432-2438.
  • 4
    Boudet J, Man NK, Pils P, Sausse A, Brentano JLF. Experimental chronic renal failure in the rat by eletrocoagulation of the renal córtex. Kidney Int 1978;14(1):82-86.
  • 5
    Bravo R. Synthesis of the nuclear protein cyclin (PCNA) and its relationship with DNA
  • 6
    Brusilow SW. "Inborn errors of urea synthesis". In: Glew RH, Ninomiya Y. Clinical studies in medical biochemistry. 2nd ed. [New York]:Oxford University Press, 1997;260-267.
  • 7
    Colin JF, Elliot P, Ellis H. The effect of uraemia upon wound healing: an experimental study. Br J Surg 1979;66:793-797.
  • 8
    Dou L, Bertrand E, Cerini C, Faure V, Sampol J, Vanholder R, Berland Y, Brunet P. The uremic solutes p-cresol and indoxyl sulfate inhibit endothelial proliferation and wound.
  • 9
    Duarte JBA, Nascimento JEA, Nascimento M, Nochi Jr RJ. Bacterial translocation in experimental uremia. Urol Res 2004;32(4):266-270.
  • 10
    Fleck C, Appenroth D, Jonas P, Koch M, Kundt G, Nizze H et al. Suitability of 5/6 nephrectomy (5/6nx) for the induction of interstitial renal fibrosis in rats - influence of sex, strain, and surgical procedure. Exp Toxicol Pathol 2006;57(3):195-205.
  • 11
    Folkman J. Tumor angiogenesis: therapeutic implications. N Engl J Med 1971;285(21):1182-1126.
  • 12
    Giaquinto MGC, Mota DSC. Cicatrização de feridas. In: MARQUES RM. Técnica operatória e cirurgia experimental. 1.ed. [Rio de Janeiro]:Guanabara Koogan, 55-70; 2005.
  • 13
    Grund KE, Straub T, Farin G. New haemostatic techniques: argon plasma coagulation. Baillieres Best Pract Res Clin Gastroenterol 1999;13(1):67-84.
  • 14
    Hermann JB, Woodward SC, Pulaski EJ. Healing of colonic anastomosis in the rat. Surg Gynecol Obstet 1964;119:269-275.
  • 15
    Hsu SM, Raine L, Fanger H. Use of avidin-biotin peroxidase complex (ABC) in immunoperoxidase techniques: a comparison between ABC and unlabelled antibody (PAP) procedures. J Histochem Cytochem 1981;29(4):577-80.
  • 16
    Iwanaga TC, Aguiar JL, Martins-Filho ED, Kreimer F, Silva-Filho FL, Albuquerque AV. Analysis of biomechanical parameters in colonic anastomosis. ABCD Arq Bras Cir Dig 2016;29(2):90-92.
  • 17
    Jiborn H, Ahonen J, Zederfeldt B. Healing of experimental colonic anastomoses. III. Collagen metabolism in the colon after left colon resection. Amer J of Surg 1980;139(3):398-405.
  • 18
    Junqueira LCU, Montes GS, Sanchez EM. The influence of tissue thickness on the study of collagen by the picrosirius-polarization method. Histochemistry 1982;74(1):153-156. 19. /DOQI clinical practice guidelines for chronic kidney disease: evaluation, classification, and stratification. Am J Kidney Dis. 2002;Suppl 1:S1-266.
  • 19
    /DOQI clinical practice guidelines for chronic kidney disease: evaluation, classification, and stratification. Am J Kidney Dis. 2002;Suppl 1:S1-266.
  • 20
    Kaufman JM, DiMeola HJ, Siegel NJ, Lytton B, Kashgarian M, Hayslett JP. Compensatory adaptation of structure and function following progressive renal ablation. Kidney Int 1974;6(1):10-17.
  • 21
    Lorena D, Uchio K, Costa AM, Desmoliere A. Normal scarring: importance of myofibroblasts. Wound Repair Regen 2002;10(2):86-92.
  • 22
    McDermott FT, Nayman CM, De Boer WGRM. The effect of acute renal failure upon wound healing: histological and autoradiographic studies in the mouse. Annals of Sur, 1968;168(1):142-146.
  • 23
    Molgaard HV, Spurr NK, Greaves MF. The hemopoietic stem cell antigen CD34 is encoded by a gene located on chromosome 1. Leukemia 1989;3(11):773-776.
  • 24
    Nery RA, Kahlow BS, Skare T, Tabushi FI, Castro A. Uric Acid and Tissue Uric Acid and Tissue Repair. ABCD Arq Bras Cir Dig 2015;28(4):290-292.
  • 25
    Pincus MR, Henry JB. Química clínica. In: Henry JB. Diagnósticos Clínicos e tratamento por métodos laboratoriais. 20 ed. 289-293;2008.
  • 26
    Ramachandran GN, Mitra AK. An explanation for the rare occurrence of cis peptide units in proteins and polypeptides. J Mol Biol 1976;107(1):85-92.
  • 27
    Russell JE, Avioli LV. Effect of Experimental Chronic Renal Insufficiency on Bone Mineral and Collagen Maturation. J Clin Invest 1972;51(12):3072-3079.
  • 28
    Salgado FL, Artigiani-Neto R, Lopes-Filho GJ. Growth factors and COX2 in wound healing: an experimental study with Ehrlich tumors. ABCD Arq Bras Cir Dig 2016;29(4):223-226.
  • 29
    Santos LS, Chin EWK, Ioshii SO, Filho RT. Surgical reduction of the renal mass in rats. Morphologic and functional analysis on the remnant kidney. Acta Cir Bras 2006;21(4): 253-256.
  • 30
    Sesso RC, Lopes AA, Thomé FS, Lugon JR, Watanabe Y, Santos DR. Relatório do Censo Brasileiro de Diálise Crônica. J Bras Nefrol 2014;36(1):48-53..
  • 31
    Stevens A, Lowe J. Respostas teciduais ao dano. Patologia. 2. ed. [São Paulo]: Manole, 2000;35-50
  • 32
    Trindade LCT, Biondo-Simões MLP, Sampaio CPP, Farias RE, Pierin RJ, Netto MC. Avaliação do uso tópico do metronidazol no processo de cicatrização de feridas: um estudo experimental. Rev Col Bras Cir 2010;37(5):358-363.
  • 33
    Vianna AL, Duarte VT, Araújo RC, Barbosa H. Uremia e cicatrização intestinal: estudo experimental em ratos. Rev Hosp Clin Fac Med S Paulo 1981;36(1):27-30.
  • Fonte de financiamento:

    O primeiro autor foi bolsista da Fundação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes) durante a execução deste trabalho.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    19 Jun 2018
  • Aceito
    05 Set 2018
Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 278 - 6° - Salas 10 e 11, 01318-901 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (11) 3288-8174/3289-0741 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistaabcd@gmail.com