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A TOMOGRAFIA HELICOIDAL PODE MENSURAR AS ÁREAS DE GORDURA SUBCUTÂNEA, VISCERAL E TOTAL?

RESUMO

Racional:

A obesidade abdominal ou a obesidade androide, isto é, o aumento de tecido adiposo na região abdominal, é considerada fator de risco para diversas morbidades. Diferentes formas de quantificá-la foram propostas, sendo um dos métodos a medida da área da gordura abdominal pela tomografia computadorizada.

Objetivo:

Estabelecer correspondência entre os grupos definidos por grau de obesidade em relação a área de gordura total, subcutânea e visceral.

Métodos:

Estudo observacional analítico transversal realizado através da análise de exames tomográficos. Utilizou-se software de visualização de imagens médicas Horos v3.3.5, com tomografia abdominal em um único corte incluindo corpo vertebral de L4 e a cicatriz umbilical, para obter as áreas de gordura total, visceral e subcutânea.

Resultados:

Dos 40 pacientes 10 apresentavam obesidade grau II, 23 grau III e 7 superobesos. A quantidade de gordura total demonstrou aumento com relação ao grau de obesidade. A gordura visceral não apresentou diferenças significativas entre os graus de obesidade, porém os dados demonstraram média menor no grupo de obesidade grau II. A área de gordura subcutânea, assim como a gordura total, apresentou aumento de suas medidas, conforme a progressão do IMC dos pacientes, porém não houve significância estatística nesta diferença entre os grupos de obesos grau II e superobesos.

Conclusão:

A área de gordura total e subcutânea apresentaram aumento de suas medidas conforme a progressão dos grupos de IMC, o que não aconteceu com a gordura visceral.

DESCRITORES:
Tomografia computadorizada; Obesidade; Gordura visceral; Gordura subcutânea; Gordura total

ABSTRACT

Background:

Abdominal obesity or android obesity, that is, the increase in adipose tissue in the abdominal region, is considered a risk factor for several morbidities. Different ways of quantifying it have been proposed, one method is the measurement of the abdominal fat area by computed tomography.

Aim:

To establish correspondence between the groups defined by degree of obesity in relation to the total, subcutaneous and visceral fat area.

Methods:

Cross-sectional observational study carried out through the analysis of tomographic examinations. Horos v3.3.5 medical image visualization software was used, with abdominal tomography in a single cut including the L4 vertebral body and the umbilical scar, to obtain the areas of total, visceral and subcutaneous fat.

Results:

Of the 40 patients, 10 had grade II obesity, 23 grade III and 7 superobese. The amount of total fat showed an increase in relation to the degree of obesity. Visceral fat did not show significant differences between the degrees of obesity, but the data showed a lower average in the group of obesity grade II. The area of subcutaneous fat, as well as total fat, showed an increase in its measurements, according to the progression of the patients’ BMI, but there was no statistical significance in this difference between the groups of grade II and super-obese individuals.

Conclusion:

The area of total and subcutaneous fat showed an increase in its measurements according to the progression of the BMI groups, which did not happen with visceral fat.

HEADINGS:
Computed tomography; Obesity; Visceral fat; Subcutaneous fat; Total fat

INTRODUÇÃO

A prevalência de obesidade aumentou na última década e vários estudos prospectivos de coorte mostraram que pessoas obesas, definidas por índice de massa corporal (IMC), têm risco aumentado de hipertensão arterial e doença cardiovascular bem como de mortalidade por essas causas1818 Santoro S, Aquino CGG, Mota FC, Artoni RF. Does evolutionary biology help the understanding of metabolic surgery? A focused review. Arq Bras Cir Dig. 2020 Jul 8;33(1):e1503. doi: 10.1590/0102-672020190001e1503. PMID: 32667533; PMCID: PMC7357560.
https://doi.org/10.1590/0102-67202019000...
,2323 Vargas JA, Bonato RCS, Orenha ES, Sales-Peres SHC. Assessment of alveolar bone pattern in obese and non-obese women, before and after bariatric surgery: a prospective cohort study. Arq Bras Cir Dig. 2020 Jul 8;33(1):e1501. doi: 10.1590/0102-672020190001e1501. PMID: 32667531; PMCID: PMC7357551.
https://doi.org/10.1590/0102-67202019000...
. Além disso, a distribuição de depósitos de gordura, como tecido adiposo abdominal visceral (VAT), independente da obesidade geral, tem sido associada com riscos cardiometabólicos1111 Pak, K., et al. Comparison of Visceral Fat Measures with Cardiometabolic Risk Factors in Healthy Adults. PLoS ONE 11(4): e0153031. 2016. e outros55 Freitas BA, Loth CAT, Swarowsky GL, LourenÇo GM, Fillmann LS, Fillmann HS, Santos ML, Padoin AV. Are obesity and adenoma development associated as colorectal cancer precursors? Arq Bras Cir Dig. 2020 Jul 8;33(1):e1500. doi: 10.1590/0102-672020190001e1500. PMID: 32667530; PMCID: PMC7357550.
https://doi.org/10.1590/0102-67202019000...
.

A obesidade abdominal é composta por gordura subcutânea e visceral, apresentando esta última características metabólicas e funcionais que a distingue daquela localizada em outras regiões anatômicas, representando maior valor preditivo para doença cardiovascular2121 SILVA JLT, et al. Distribuição centrípeta da gordura corporal, sobrepeso e aptidão cardiorres- piratória: associação com sensibilidade insulínica e alterações metabólicas. Arq Bras Endocrinol Metab. 2006;50(6):1034-40..

Diante da relevância da gordura visceral no estudo da síndrome metabólica, diversos métodos vêm sendo propostos para avaliação da distribuição da gordura corporal e quantificação da adiposidade intra-abdominal. Há variedade de técnicas para a avaliação da composição corporal, como medidas antropométricas (circunferência da cintura, razão cintura/quadril, razão cintura-estatura, índice de conicidade, e diâmetro sagital) e medidas de imagem (tomografia computadorizada, ressonância magnética e ultrassonografia)11 Alvarez MM, Vieira AC, Sichieri R, Veiga GV. Association between central body anthropometric measures and metabolic syndrome components in a probabilistic sample of adolescents from public schools. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2008 Jun;52(4):649-57. Portuguese. doi: 10.1590/s0004-27302008000400011. PMID: 18604378.
https://doi.org/10.1590/s0004-2730200800...
,66 Hirooka M, et al. A technique for the measurement of visceral fat by ultrasonography: comparison of measurements by ultrasonography and computed tomography. Intern Med, Tokyo, 2005;44(8):794-799.

Nas últimas décadas, verificou-se que os adipócitos são responsáveis pela secreção de vários tipos de hormônios e citocinas. Sabe-se que a leptina, produzida e secretada principalmente em adipócitos, está envolvida na regulação neuroendócrina da adiposidade e suas sequelas metabólicas. Foi relatado que suas concentrações plasmáticas estão associadas ao IMC, porcentagem de gordura e massa total de gordura corporal avaliada pela absorciometria de dupla energia por raios-X. No entanto, ainda existe controvérsia sobre qual a massa de gordura que está fortemente associada ao nível plasmático de leptina, ou seja, se é o tecido adiposo abdominal visceral (VAT) ou o tecido adiposo abdominal subcutâneo (SAT)2222 Tahara, N., et al. Clinical and Biochemical Factors Associated With Area and Metabolic Activity in the Visceral and Subcutaneous Adipose Tissues by FDG-PET/CT. The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, 100(5), E739-E747, 2015..

Indivíduos com acúmulo de gordura na parte superior do corpo são mais suscetíveis à progressão da aterosclerose do que aqueles com menor. Na década de 1980, foi relatado o método de avaliação da área do VAT por tomografia computadorizada, e foi sugerido que essa gordura desempenha papel importante no desenvolvimento de diabete melito, hipertensão arterial sistêmica e hiperlipidemia. No entanto, resta esclarecer de que maneira e em que medida o tecido adiposo individual contribui para o metabolismo abdominal, ou seja, a relação direta que cada tipo de gordura possa ter com o grau de obesidade1919 Seidell, J.C., et al. Abdominal fat depots measured with computed tomography: effects of degree of obesity, sex, and age. European Journal Clinical Nutrology; 42:805-15, 1988..

A tomografia computadorizada helicoidal (TC) é modo de aquisição de volume por raios-X. Os dados helicoidais são obtidos movendo a mesa com o paciente em velocidade constante, enquanto o tubo de raios-X gira continuamente com exposição sustentada99 Kobayashi, J., et al. A novel method of measuring intra-abdominal fat volume using helical computed tomography. International Journal of Obesity, 26(3), 398-402, 2002..

Sabe-se que a TC helicoidal possui várias vantagens potenciais importantes para o exame do abdome. Em comparação com a tipo padrão, ela é menos sensível aos artefatos de movimento e, devido à aquisição de volume durante a suspensão respiratória, não há registro incorreto e diferentes nos movimentos respiratórios99 Kobayashi, J., et al. A novel method of measuring intra-abdominal fat volume using helical computed tomography. International Journal of Obesity, 26(3), 398-402, 2002..

Eastwood et al., (2013)22 Eastwood. S.v., et al. Thigh fat and muscle each contribute to excess cardiometabolic risk in South Asians, independent of visceral adipose tissue. Obesity;22(9):2071-9, 2013. apresentaram software interno para medir a área muscular e adiposa em tomografias axiais e comparar com vários métodos de quantificação. O software analisa a composição corporal na tomografia computadorizada e mostrou-se confiável na quantificação de tecido adiposo e muscular. Fox, et al. (2007)44 Fox, C.S., et al. Abdominal visceral and subcutaneous adipose tissue compartments: association with metabolic risk factors in the Framingham Heart Study. Circulation;116:39 - 48. 2007. estudaram por TC os compartimentos do VAT que podem conferir maior risco metabólico. A utilidade de medir o VAT e SAT em associação com fatores de risco metabólicos não foi bem descrita em um cenário de base populacional. Entre mulheres e homens, o SAT e o VAT estiveram significativamente associados com diversas alterações (pressão arterial, glicemia de jejum, lipidograma, hipertensão, diabete melito) e principalmente com a síndrome metabólica.

A TC é técnica avançada e bastante nova usada para diagnosticar vários distúrbios. No entanto, sua aplicação na avaliação da distribuição da massa gorda corporal é recente. Usando a TC helicoidal mostrou-se que a porcentagem de gordura visceral e a subcutânea eram significativamente maiores em mulheres do que a intra-abdominal em homens1515 Rogalla P, et al. Low-dose spiral computed tomography for measuring abdominal fat volume and distribution in a clinical setting. Eur J Clin Nutr 1998; 52: 597 - 602.

O acúmulo de tecido adiposo na região abdominal é considerado fator de risco para diversas morbidades e, diante da relevância da gordura visceral no estudo da síndrome metabólica, diversos métodos vêm sendo propostos para avaliação da distribuição da gordura corporal e quantificação da adiposidade intra-abdominal1212 Petribú MMV et al. Métodos de avaliação da gordura abdominal. Rev Bras Nutr Clin 2012; 27 (4): 257-63. Este aspecto justifica a realização deste trabalho, pois não há muitos estudos que utilizaram a TC como forma de avaliação quantitativa da gordura abdominal e de dados na literatura que correlacionam estes achados com grau de obesidade.

Dessa forma, o objetivo desta pesquisa foi estabelecer correspondência entre os grupos definidos clinicamente por grau de obesidade e suas quantificações das áreas de gordura total, gordura subcutânea e visceral definidas pela TC.

MÉTODO

Este é um estudo observacional analítico transversal realizado no Hospital do Rocio, Campo Largo, PR, Brasil, através da análise de achados tomográficos correlacionados aos dados clínicos prospectivamente obtidos dos pacientes candidatos ao tratamento cirúrgico da obesidade. Ele foi aprovado pelo Comitê̂ de Ética em Pesquisa da Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná́ - CEP/FEMPAR, de acordo com as atribuições definidas na Resolução 466/12 CNS sob parecer de número 1.836.670. As normas técnicas utilizadas neste trabalho seguiram as orientações determinadas pela Normas Mackenzie de 2019.

Foram recrutados 40 pacientes obesos propostos ao bypass gástrico em Y-de-Roux realizados no período de agosto de 2018 a julho de 2019.

Os critérios de inclusão foram pacientes que concordaram em participar do estudo assinando o termo de consentimento livre e esclarecido; elegíveis a operação proposta e que apresentassem IMC >35 kg/m2 associados a diabete melito, hipertensão arterial sistêmica ou IMC >40 kg/m2. Critérios de exclusão foram pacientes menores de 18 e maiores que 60 anos; peso superior à 150 kg (limite de peso da mesa móvel) e com ficha de anamnese incompleta.

Coleta de dados

IMC foi calculado pela fórmula peso dividido pela altura ao quadro em metros determinando grau de obesidade (Tabelas 1 e 2).

TABELA 1
Estatísticas descritivas de variáveis demográficas e comorbidades
TABELA 2
Homogeneidade entre os grupos

Todas as aquisições foram realizadas através do aparelho de tomografia axial computadorizada helicoidal GE Optima CT520 Series 16 canais usando os parâmetros de 180 mA, 120 KV, espessura da fatia de 5 mm e passo 1.75:1 (velocidade da mesa em relação a espessura da fatia)

Todos os pacientes realizaram TC em uma única série de cortes axiais, com matriz de 512x512 pixels, em posição de decúbito dorsal, sem a injeção de contraste endovenoso, que incluíram imagens desde o bordo superior hepático até a pelve.

Cálculo da massa gorda corporal

A medida da massa gorda corporal foi realizada pelo hardware iMAC, com o sistema operacional macOS 10.14.1 e com o software de visualização de imagens médicas Horos v3.3.5 (https://horosproject.org/).

Foi realizada reconstrução multiplanar dos cortes axiais, sendo considerado um único corte adequado para a avaliação que devia incluir o corpo vertebral de L4 da coluna lombar e a cicatriz umbilical na sua origem na parede abdominal (Figura 1).

FIGURA 1
Padronização do nível do corte na TC para quantificação da gordura.

Foi utilizada a ferramenta de imagem Thresholding, que é método para a segmentação da imagem usando a escala de cinza. Os limiares utilizados para realçar os pixels formam área definida. O limiar definido foi a de gordura.

Considerando a escala Hounsfield - unidade de medida da tomografia - usou-se o intervalo de -190 a -30 UH como densidade de gordura22 Eastwood. S.v., et al. Thigh fat and muscle each contribute to excess cardiometabolic risk in South Asians, independent of visceral adipose tissue. Obesity;22(9):2071-9, 2013..

FIGURA 2
Ferramenta Thresholding com os limiares de gordura

Após delimitar os pixels, obtinha-se a área por cm2 que correspondia à de gordura abdominal total.

FIGURA 3
Exemplos de mensuração da área de gordura: A) abdominal total; B) abdome visceral; C) subcutâneo.

Manualmente retirava-se o SAT e como consequência obtinha-se a área do VAT em cm2 que é o parâmetro utilizado como medida de correlação. Consequentemente para calcular a área do SAT subtraia-se a área dele do valor da área de gordura total.

Análise estatística

Os resultados de variáveis quantitativas foram descritos por médias, desvios-padrão, valores mínimos e máximos. Variáveis categóricas foram descritas por frequências e percentuais. Os três grupos definidos pelo IMC (obesidade grau II, obesidade grau III e super obesidade) foram comparados em relação a variáveis quantitativas usando-se o modelo de análise da variância (ANOVA) e o modelo de análise de covariância ajustado para diabete. Para comparações múltiplas post-hoc foi usado o teste de Bonferroni. Variáveis categóricas foram analisadas considerando-se o teste de qui-quadrado. Para avaliação da correlação entre duas variáveis quantitativas, foram estimados coeficientes de correlação de Pearson. A condição de normalidade das variáveis contínuas foi avaliada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Valores de p<0,05 indicaram significância estatística. Os dados foram analisados com o programa computacional Stata/SE v.14.1. StataCorpLP, USA

RESULTADOS

A amostra contou com 40 pacientes, após serem aplicados os critérios de exclusão. A idade média foi de 37,5 anos, IMC médio de 43,7 kg/m2. As medidas de áreas(cm2) de gordura total, visceral e subcutânea foram respectivamente de 808,196 e 612 (Tabela 1).

Homogeneidade dos grupos

Os pacientes foram divididos em grupos baseados no cálculo de IMC, resultando em 10 obesos grau II, 23 grau III e 7 superobesos. Os grupos apresentaram variáveis (idades, gênero, IMC) sem diferenças significativas, constatando a homogeneidade entre eles (Tabela 2).

Comparação dos grupos definidos por IMC em relação à variável de gordura total

A análise da quantidade de gordura total demonstrou aumento com relação ao grau de obesidade. Houve significância estatística dessa diferença quando comparados os grupos grau II ao grupo superobesos (p=0,006, Tabelas 3 e 4, Figura 4.

TABELA 3
Comparação dos grupos definidos pelo IMC em relação as variáveis área de gordura, visceral e subcutâneo
TABELA 4
Comparação dos grupos definidos pelo IMC em relação as variáveis área de gordura total

Comparação dos grupos definidos por IMC em relação à variável de gordura visceral

A análise da quantidade de gordura visceral não apresentou diferenças significativas entre os três grupos; porém, os dados demonstraram média menor no grupo de grau II (Tabela 3 e Figura 4B)

Comparação dos grupos definidos por IMC em relação à variável de gordura subcutânea

A área de gordura subcutânea, assim como a gordura total, apresentou aumento de suas medidas, conforme a progressão dos grupos de IMC. Mas a significância estatística nesta diferença mostrou-se na comparação entre os grupos grau II e superobesos (Tabela 5 e Figura 4C).

FIGURA 4
Médias de área x grupos: A) gordura total; B) visceral; C) subcutânea

TABELA 5
Comparação dos grupos definidos pelo IMC em relação as variáveis área de subcutânea

DISCUSSÃO

A TC tem sido considerada a técnica mais acurada e reprodutível para medição da gordura corporal, particularmente do tecido adiposo abdominal, permitindo a diferenciação da adiposidade subcutânea e visceral nessa região, sendo assim considerada desde 1990 como o método “padrão-ouro” para determinação da gordura visceral1414 Ribeiro Filho FF, et al. Gordura visceral e síndrome metabólica: mais que uma simples associação. Arq Bras Endocrinol Metab. 2006;50(2):230-8.

A ressonância magnética é modalidade de imagem segura, precisa para medir o tecido adiposo visceral e subcutâneo. É alternativa favorável e não exposta à radiação para medir o conteúdo de gordura abdominal em pesquisas clínicas88 Klopfenstein, B.J., et al. Comparison of 3 T MRI and CT for the measurement of visceral and subcutaneous adipose tissue in humans. The British Journal of Radiology. Oct;85(1018):e826-30. 2012; porém, ela tem menor probabilidade de ser influenciada pelo artefato respiratório e a maioria dos sistema de ressonância magnética tem diâmetro de 60 cm limitando-a aos pacientes com graus mais elevados de obesidade. A TC e ressonância são os dois melhores métodos para a avaliação da gordura corporal. A TC é mais disponível, tem custo mais acessível e comporta melhor pacientes mais obesos.

Uma das grandes vantagens atuais de medir áreas ou volumes de gordura corporal intra-abdominal pela TC sobre a medição pelos métodos convencionais é refletir a massa de gordura corporal com mais precisão1616 Ross R, et al. Adipose tissue distribution measured by magnetic resonance imaging in obese women. Am J Clin Nutr 1993; 57: 470 - 475,1717 ross R, et al. Quantification of adiopose tissue by MRI: relationship with anthropometric vari- ables. J Appl Physiol 1992; 72: 787 - 795.. No entanto, no estudo de Kobayash et al. (2002)99 Kobayashi, J., et al. A novel method of measuring intra-abdominal fat volume using helical computed tomography. International Journal of Obesity, 26(3), 398-402, 2002. não foi avaliado essa correspondência. Neste trabalho, analisando a quantidade de gordura total, demonstrou-se aumento com relação ao grau de obesidade, havendo significância estatística nessa diferença quando comparados os grupos grau II ao superobeso (p=0,006), corroborando com Vohl (2004)2424 Vohl MC, et al. A survey of genes differentially expressed in subcutaneous and visceral adipose tissue in men. Obesity Research;12:1217-1222, 2004. que, diferentemente da VAT a SAT, ela possui maior correlação com grau de obesidade.

Shuster et al. (2012)2020 Shuster, A., et al. The clinical importance of visceral adiposity: a critical review of methods for visceral adipose tissue analysis. The British Journal of Radiology. Jan;85(1009):1-10, 2012. relatam que um dos achados pouco valorizados nos exames de TC é a gordura, especificamente neste caso a abdominal. Acredita-se que seja devido à falta de um nível de evidência que justifique sua citação nos laudos radiológicos; porém, neste estudo, estabeleceu-se correspondência entre grau de obesidade e nível de gordura visceral, subcutânea e total.

Kobayash et al. (2002)99 Kobayashi, J., et al. A novel method of measuring intra-abdominal fat volume using helical computed tomography. International Journal of Obesity, 26(3), 398-402, 2002. afirmam que à medida que a importância dessas várias descobertas se torna aparente, o requisito de técnicas aprimoradas que possam medir com segurança a massa gorda intra-abdominal tornou-se igualmente evidente; Shuster et al. (2012)2020 Shuster, A., et al. The clinical importance of visceral adiposity: a critical review of methods for visceral adipose tissue analysis. The British Journal of Radiology. Jan;85(1009):1-10, 2012. acreditam que a gordura abdominal (visceral e subcutânea) possam fazer parte dos laudos radiológicos, contribuindo positivamente com a prática médica. A necessidade de medidas precisas e clinicamente convenientes para quantificar o VAT é evidente. No entanto, também é essencial o desenvolvimento de critérios quantitativos para definir a obesidade visceral em relação a esses distúrbios metabólicos. Este estudo demonstrou que pela TC helicoidal pode ser possível estabelecer comparação de grupos definidos pelo IMC (grau de obesidade) com as áreas de gordura visceral, subcutânea e total.

Aqui foi utilizado o método quantitativo para avaliar a gordura abdominal validado por Kobayash et al. (2002)99 Kobayashi, J., et al. A novel method of measuring intra-abdominal fat volume using helical computed tomography. International Journal of Obesity, 26(3), 398-402, 2002. que apresenta boa reprodutibilidade, é rápido e pode ser aplicado em outros estudos. Referem que área de gordura visceral de 130 cm2 tanto em homens como em mulheres de várias faixas etárias seja fortemente estar relacionado com distúrbios metabólicos; porém, no presente estudo os resultados demonstraram área de gordura visceral de 196 cm2 em média nos três grupos; entretanto, não foi avaliada a correlação desses grupos com a síndrome metabólica.

A maioria dos estudos utiliza a Unidade Hounsfield com intervalo de -190 a -30 pixels para tecido adiposo subcutâneo e quantificação do VAT em estudos de TC. Não há limiar consistente que possa ser aplicado para a segmentação de tecido adiposo por ressonância; contudo, houve importante crescimento na automação do processo de análise nos últimos anos33 Fang H, Berg E, Cheng X, Shen W. How to best assess abdominal obesity. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2018 Sep;21(5):360-365. doi: 10.1097/MCO.0000000000000485. PMID: 29916924; PMCID: PMC6299450.
https://doi.org/10.1097/MCO.000000000000...
. Igualmente aqui foi utilizada a mesma unidade com intervalo de -190 a -30 pixels, obtendo-se a área em cm2 que corresponde à de gordura abdominal total; o nível de corte adequado para a avaliação deve incluir o corpo vertebral de L4 e a cicatriz umbilical na sua origem na parede abdominal.

A distribuição regional de gordura exerce boa influência na saúde, mesmo na ausência da obesidade generalizada1313 Pitanga, F.J.G., Lessa, I. Indicadores antropométricos de obesidade como instrumento de triagem para risco coronariano elevado em adultos na cidade de Salvador - Bahia. Arquivos Brasileiros De Cardiologia; 85(1): 26-31, 2005.. Estudos sugerem que a gordura visceral ou intra-abdominal é a mais prejudicial devido às suas funções hormonais. A subcutânea tem como principais funções a manutenção da gordura corporal, armazenar energia mais eficientemente que a visceral e a produção hormonal2424 Vohl MC, et al. A survey of genes differentially expressed in subcutaneous and visceral adipose tissue in men. Obesity Research;12:1217-1222, 2004.. Este estudo comparou o grau de obesidade com gordura visceral demonstrando que ela não apresentou diferenças significativas entre os três grupos; porém, os dados demonstraram média menor no grupo de obesidade grau II. Vários pesquisadores tentaram quantificar a composição corporal usando a TC, e vários métodos foram desenvolvidos ao longo dos anos. Yoshizumi et al.2525 Yoshizumi T, et al. Abdominal fat: standardized technique for measurement at CT. Radiology 1999;211: 283-6 desenvolveram técnica padronizada para medição de gordura usando medidas manuais de dados de TC, e mostraram que as medidas manuais eram quase idênticas para quantificar a área de gordura abdominal77 KIM, S. S., et al. Semiautomatic software for measurement of abdominal muscle and adipose areas using computed tomography: A STROBE-compliant article. Medicine (Baltimore).; 98 (22) :e15867. 2019 doi: 10.1097/MD.0000000000015867
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,2525 Yoshizumi T, et al. Abdominal fat: standardized technique for measurement at CT. Radiology 1999;211: 283-6. Neste estudo utilizou-se o software de visualização de imagens Horos seguindo a metodologia de Kobayashi et al. (2002)99 Kobayashi, J., et al. A novel method of measuring intra-abdominal fat volume using helical computed tomography. International Journal of Obesity, 26(3), 398-402, 2002. que demonstrou bom resultado.

A gordura subcutânea apresenta correlação significativa com o IMC, mas não com a gordura visceral. Assim, conclui-se que o IMC não deve ser utilizado isoladamente para o rastreamento e avaliação de comorbidades1010 Lima, W.C., et al . Análise da relação entre a estatura e o perímetro abdominal em indivíduos portadores de percentuais normais de gordura. ABCD, arq. bras. cir. dig., São Paulo , v. 23, n. 1, p. 24-28, Mar. 2010. https://doi.org/10.1590/S0102-67202010000100007.
https://doi.org/10.1590/S0102-6720201000...
. Existem outros parâmetros para essa análise como a relação cintura e estatura.

A correlação entre graus de obesidade, alterações metabólicas e quantificação dos diferentes tipos de gordura deve ser motivo de mais estudos. O crescimento nos campos da inteligência artificial pode ser direção futura para fornecer segmentação 3D precisa e totalmente automatizada de depósitos de tecido adiposo.

CONCLUSÃO

Houve correspondência entre o grau de obesidade e quantidade de gordura visceral, subcutânea e total; contudo, as áreas de gordura total e subcutânea apresentaram aumento seguindo a progressão dos grupos de IMC, o que não aconteceu com a gordura visceral.

REFERENCES

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  • Fonte de financiamento:

    Este estudo foi financiado em parte pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • Mensagem central

    Com aquisição das imagens através da Tomografia Helicoidal abdominal notou-se que a área de gordura total e subcutânea apresentaram aumento de suas medidas conforme a progressão dos grupos de IMC, o que não aconteceu com a gordura visceral.
  • Perspectiva

    A quantidade de gorduras total e subcutânea mensuradas demonstrou aumento com relação ao grau de obesidade porém sem significância estatística nesta diferença entre os grupos de obesos grau II e superobesos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    24 Set 2020
  • Aceito
    08 Dez 2021
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