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Desenvolvimento, modernidade e subjetividade

Development, modernity and subjectivity

Développement, modernité et subjectivié

Resumos

O tema da modernidade foi central para a obra de Costa Pinto, em dois registros. Um, mais evidente, implicava uma recusa da expressão, que lhe servia para conceituar um tipo de evolução histórica e social que ele rejeitava como modelo e telos para o Brasil, caracterizando-se pela adoção de padrões de consumo, de comportamento, de instituições, valores e idéias das sociedades mais avançadas, sem importar necessariamente em transformações reais da estrutura econômica e social. Havia, porém, uma outra forma de conceber a modernidade, que Costa Pinto nomeia, muito mais positivamente, de "desenvolvimento", inclusivo e ampliador de bem-estar para toda a população, que produziria a passagem para uma outra "estrutura social". Enquanto a "modernização" seria por princípio não planificável, o desenvolvimento requereria o contrário, tendo o Estado em seu centro. Argumentar-se-á neste artigo que essa idéia de desenvolvimento, embora datada conceitualmente, ainda é em parte válida. É preciso, contudo, rever sua concepção geral de modernização e, no lugar de pensar o Estado como o grande agente da modernização, vê-lo como uma dentre as subjetividades coletivas que devem impulsionar o processo de desenvolvimento.

Desenvolvimento; Modernidade; Costa Pinto; Subjetividade coletiva


Modernity was a central theme in Costa Pinto's work, with two distinct interpretations. The first and more obvious of these implied a rejection of the term, inasmuch as it conceptualized a kind of historical and social evolution which he rejected as a model or telos for Brazil. It was characterized by the adoption of consumer, behavioral, and institutional patterns, as well as values and ideals taken from more advanced societies, without necessarily entailing real changes in the existing economic and social structure. There was, however, another way of conceptualizing modernity, which Pinto, in a much more positive vein, calls "development". This would embrace and improve the welfare of the whole population, bringing about a transformation to a new "social structure". Whereas "modernization" was by nature unplannable, development implied the opposite, as it had the State at its very core. It is argued that this notion of development, albeit outdated, is still to some extent valid, though a change in the concept's overview of modernization is required; instead of regarding the state as the great agent of modernization, we need to see it as one of several collective subjectivities that are to push forward the development process.

Development; Modernity; Costa Pinto; Collective subjectivity


La modernité, sujet central dans l'oeuvre de Costa Pinto, se présente sous deux aspects. Le premier, le plus évident, débouchait sur un refus d'employer l'expression: il s'en servait pour définir un type d'évolution historique et sociale dont il rejetait le modèle et le téléos pour le Brésil. Modèle dont les caractéristiques seraient l'adoption d'étalons de consommation, de conduites, d'institutions, de valeurs et d'idées de sociétés plus développées, sans insérer nécessairement des transformations réelles de la structure économique et sociale. Le second aspect, plus positif, était la façon d'envisager la modernité, que Costa Pinto appelait alors "développement", censé étendre le bien-être à l'ensemble de la population, permettant ainsi un passage vers une autre "structure sociale". La "modernisation" ne serait donc aménageable, contraiment au développement, l'État y gardant un rôle premier. Dans cet article on cherche à montrer que, bien que datée, cette idée de développement conserve en partie son sens. Il faut, pourtant, revoir son concept général de modernisation et, plutôt que de penser l'État comme le grand agent modernisateur, le considérer comme une subjectivité collective parmi d'autres, capables de faire fonctionner le processus de développement.

Développement; Modernité; Costa Pinto; Subjectivité collective


DESENVOLVIMENTO, MODERNIDADE E SUBJETIVIDADE* * Este trabalho foi apresentado no seminário Ideais de modernidade e Sociologia no Brasil: a contribuição de L.A. Costa Pinto, realizado no IFCS/UFRJ, em colaboração com a Casa de Oswaldo Cruz, em maio de 1998.

José Maurício Domingues

Desenvolvimento e Modernidade

O tema da modernidade foi central na obra de Costa Pinto, em dois registros. Um, mais evidente, implicava uma recusa da expressão, que lhe servia para conceituar um tipo de evolução histórica e social que rejeitava como modelo e telos para o Brasil, caracterizada pela adoção de padrões de consumo, de comportamento, de instituições, valores e idéias das sociedades mais avançadas, sem importar necessariamente em transformações reais da estrutura econômica e social. A "modernização" seria etnocentrista, demandando a manutenção de uma parte da população num "nível atrasado e arcaico", com a contrapartida da "ocidentalização" de uma parcela da sociedade. Colocava-se, de fato, como um obstáculo para o desenvolvimento da América Latina, embora, ao gerar situações de efeito-demonstração dos setores ocidentalizados sobre os demais, detonasse contradições, tensões e, em decorrência, conflitos que provocavam instabilidades e crises estruturais. A "marginalidade estrutural", geradora de anomia, dos setores atrasados no processo de modernização deveria ser entendida como fruto de um processo que se poderia, de um outro ângulo, descrever como desenvolvimento desigual e combinado (Costa Pinto, 1970, pp. 21-23 e 31ss).

Havia, porém, uma outra forma de conceber a modernidade, ou, mais precisamente, o processo que a ela poderia levar, que Costa Pinto nomeia, muito mais positivamente, de "desenvolvimento". Este sim, produziria a passagem para uma outra "estrutura social". Enquanto a "modernização" seria por princípio não planificável, o desenvolvimento requereria o contrário. Ele se definiria, primeiramente, como "[...] uma série de transformações intencionalmente introduzidas em diferentes esferas e setores daquelas sociedades nacionais que se atrasaram em relação ao ritmo de avanço da `revolução industrial' dos tempos modernos, a fim de atender as crescentes e legítimas aspirações de suas populações e assim superar, em prazo curto, os índices de atraso que caracterizam a sua posição na sociedade internacional". Patentear-se-ia, então, como um "processo contínuo de mudança social", deliberado e global — não somente econômico ou técnico —, com uma "mobilização intensa da sociedade, inclusive do poder". Não haveria, em função disso, outra forma de pensar o desenvolvimento senão atribuindo-lhe caráter planificável (intencional), com uma recusa explícita e inteira das possibilidades de derivações contingentes da história. A inspiração mannheimiana é óbvia e explícita nessas teses (Costa Pinto, 1970, pp. 13-15 e 21-23). Em outras palavras, uma concentração e centralização da sociedade sobre si mesma era mister para que o processo de desenvolvimento fosse levado a bom termo. Para isso mesmo deveria contribuir a "ciência do desenvolvimento", a forma mais "elaborada" intelectualmente de compreender aquele processo, para além da mera vivência ou de uma percepção confusa — com o que ele definia claramente o papel do intelectual (Costa Pinto, 1970, p. 12).

A transição caracterizar-se-ia por três elementos: pela "coexistência" do "residual" e do " emergente"; pelas relações — de "acomodação" e "conflito" — que se estabelecem entre o "novo" e o "arcaico" (ou "tradicional"); e pelo fato de o "novo" não necessariamente conter as soluções para a crise do "arcaico" (Costa Pinto, 1970, pp. 37-39). Mas esse processo ver-se-ia complicado exatamente pelas resistências à mudança que se encontravam na estrutura econômica e social. Se os dois sistemas — o "arcaico" e o "moderno" — que se enfrentavam na sociedade estavam intimamente imbricados, embora o desenvolvimento avançasse de forma assimétrica e em assincronia, certos setores sociais procuravam bloqueá-lo — em particular, nisso consistia a ação das classes dominantes na estrutura fundiária tradicional (Costa Pinto, 1962, pp. 93 e 200). Vale notar ainda que a caracterização do "arcaico", do "tradicional", é, no mais das vezes, elusiva na pena de Costa Pinto. Entretanto, torna-se claro que ele sustenta que aqueles são exatamente definidos por seu pertencimento à estrutura agrária latifundiária movida pelo trabalho compulsório, à qual se contraporiam a industrialização, a urbanização e as novas classes sociais: o proletariado industrial, as camadas médias e a burguesia. O Brasil oferecia o espetáculo, portanto, "em sua multiplicidade", de "exemplares de quase todas as idades históricas"; ele estaria polarizado por "um passado patriarcal e agrário e um futuro industrial nem sempre límpido", com "o padrão tradicional em declínio e o novo, emergente e moderno, em expansão" (Costa Pinto, 1962, pp. 95, 212ss, 224ss, 235-236 e 289). Mas se enganaria aquele que supusesse que apenas a tradição impede o desenvolvimento. Devido ao imbricamento daqueles dois pólos, teríamos uma "conspiração do passado e do presente associados contra o futuro" — o liberalismo seria incapaz de organizar o desenvolvimento. Uma aliança de classes, com elites transformadoras (embora não seja claro qual estratégia propunha), far-se-ia imprescindível, quiséssemos atravessar o Rubicão do subdesenvolvimento (Costa Pinto, 1970, pp. 36, 45ss e 61ss; e 1962, pp. 114, 117 e 235ss).

Costa Pinto tinha ainda em seu horizonte a situação do Brasil nos quadros de sua subordinação internacional, sua "marginalidade estrutural" nesse plano. Reconhecendo a "teia" de relações materiais de um mundo crescentemente globalizado, não obstante o atraso do processo nas outras dimensões, ele propugnava a mudança de posição do Terceiro Mundo, em particular do Brasil, no sistema, recusando os dogmas das teorias da modernização: cabia-nos inventar um modelo próprio de desenvolvimento (Costa Pinto, 1970, pp. 302ss e 290-301). Na medida em que o desenvolvimento se apresentava como um processo completo, para além da simples "modernização", ele não poderia ocorrer sem a ruptura com a "dependência" em relação aos países que subordinavam as nações em desenvolvimento. O "nacionalismo", entretanto, era uma "sopa eclética" demais para ser de valia nessa ruptura (Costa Pinto, 1962, pp. 139ss e 119ss).

Os intelectuais, assumindo sua função pública, deveriam aproveitar-se de seu desajuste relativo frente à sociedade e, conscientes de sua "alienação", torná-la "criadora", buscando explorar a contradição que isso origina para ajudar na transformação da própria realidade; a intelectualidade poderia ser, então, caracterizada como uma intelligentsia (Costa Pinto, 1962, pp. 95-97).1 1 Vianna (1997, p. 198) situa a intelectualidade dos dois principais centros brasileiros no período de Costa Pinto e Florestan Fernandes. A de São Paulo teria uma orientação americana — trabalhando como uma "comunidade científica" mertoniana, sobretudo aplicada ao eixo "interesses-direitos-cidadania" — e a do Rio, uma inspiração mannheimiana, de uma inteligência como intérprete em geral da sociedade, preferencialmente voltada para a questão econômica do subdesenvolvimento e privilegiando o eixo "Estado-povo". Não se deveria, creio, supor uma oposição aguda entre essas duas coletividades de intelectuais, uma vez que seu ponto comum era, claramente, a despeito de conceituações distintas, a defesa da modernização e do desenvolvimento, como nota Lima (1999). Nesse sentido, são antes dois projetos distintos de participação pública que distinguem os intelectuais paulistas daqueles sediados no Rio de Janeiro. Isso se evidencia, como veremos abaixo, na importância de setores expressivos da intelectualidade uspinana no governo de Fernando Henrique Cardoso. Deve-se reconhecer, contudo, a institucionalização da pesquisa em muito maior extensão em São Paulo, como argumentado nos trabalhos reunidos em Miceli (1989), perspectiva já matizada, contudo, em seu prosseguimento, em Miceli (1995). Sem dúvida, ela poderia ajudar a fazer o processo de transformação mais racional — não era outro o projeto da "ciência do desenvolvimento". O Estado parece ser o agente — a "subjetividade coletiva" — fundamental para deslanchar o processo de desenvolvimento. Capaz de centrar-se e atuar intencionalmente como elemento mobilizador da sociedade, sendo esta intencionalidade clara e definida, ele seria o grande artífice da superação da marginalidade estrutural e da alteração da posição do Brasil no cenário internacional crivado por desigualdades, "[...] a fonte das iniciativas fundamentais de que depende a mudança econômica e social, exercendo o papel de agência líder do desenvolvimento e promovendo a mudança intencional e deliberadamente" (Costa Pinto, 1967, p. 199).

Modernização e subjetividade

À luz das discussões contemporâneas sobre a modernidade e os processos de modernização, a insistência de Costa Pinto na idéia de "desenvolvimento" mostra-se evidentemente simplista e datada, possuindo a vantagem, outrossim, de enfatizar o quanto a modernização pode ser estreita e beneficiar apenas alguns grupos dentro da sociedade nacional. O seu conceito de modernização, uma forma particular de mudança mais profunda e socialmente democrática — o "desenvolvimento" —, era, em compensação, mais amplo. Se, entretanto, pensamos que a modernidade e a modernização não devem ser reificadas, a distinção que ele avança não se mostra necessária, acabando mesmo por obscurecer o problema.

A modernização de uma sociedade qualquer tem de ser vista sempre a partir dos projetos e dos movimentos das diversas subjetividades coletivas que para ela contribuem. Se a modernização é mais ou menos ampla e mais ou menos socialmente democrática é algo que depende daqueles projetos e movimentos. Basta assinalar que, embora haja grande escopo de variação em suas formas específicas de concretizar-se, bem como em termos de sua combinação com tradições prévias, o processo que nos interessa implica sobretudo o estabelecimento das tradições da modernidade — isto é, suas instituições (seus padrões de interação social e da sociedade com a natureza) e formas de consciência (veja Domingues, 1999a, cap. 5; e ainda Domingues, 1993). Desenvolvimento seria, então, uma forma particular de modernização, caracterizada por uma mudança profunda das estruturas produtivas do país, de sua estrutura de classes, e pela democratização política e social, com a incorporação das massas à nação, acompanhada de transformações no próprio cenário internacional da dependência brasileira.

Tão claramente moderno é o projeto de Costa Pinto que a idéia de planificação e de "ciência do desenvolvimento" repousam exatamente sobre alguns dos fundamentos mais típicos da modernidade. A mobilização de toda a sociedade, com uma contribuição racional e planificadora do Estado cumprindo papel decisivo, coloca-se para ele como crucial. Aqui uma breve disgressão far-se-á necessária.

A noção de subjetividade que se inaugura com Descartes e Hobbes incluía dois elementos fundamentais: a capacidade do indivíduo de se autoconhecer e definir (exemplarmente traduzidos no "penso, logo existo"), de um lado, e a capacidade de ação do sujeito, que o faria capaz de levar à prática suas volições, influindo então sobre o mundo de forma ativa. Resta acrescentar que essas volições seriam derivadas de seu autoconhecimento (do saber de seus interesses) racionalmente alcançado. Se num primeiro momento o indivíduo surge como o dado primordial, a seguir o Estado encarnaria a outra face dessa moeda. Fosse como expressão de um pacto entre os cidadãos, como representante da vontade geral ou como entidade superior e primordial capaz de emprestar sentido à própria sociedade, o Estado foi pensado também em termos do modelo de subjetividade originalmente atribuído ao indivíduo burguês: centrado, transparente e racional, capaz de ação concertada e transformadora (ainda que amiúde direcionada para a conservação do status quo). Ele se apresentava, portanto, como a subjetividade coletiva fundamental do pensamento burguês, em princípio, inclusive, excluindo quaisquer outras (classes, associações, sindicatos etc.) que se interpusessem entre ele e o mercado e o mundo privado dos indivíduos (Domingues, 1995 e 1996).

Autores contemporâneos de Costa Pinto, como Parsons e Etizioni, elaboraram essas idéias exemplarmente. O primeiro analisa o "poder" como "meio de intercâmbio" que, supondo a ameaça da "força" como pano de fundo, garante a performance das unidades em termos de metas coletivas, forjando compromissos e promovendo sua "mobilização"; o segundo busca entender as condições em que a "sociedade ativa" — ou seja, aquela com "comando" sobre si mesma, "consciente, compromissada e potente" — pode vingar e responsabilizar-se por sua "mobilização" — com o Estado cumprindo aí papel de destaque (Parsons, 1967a e 1967b; Etizioni, 1968, especialmente pp. 4-5 e 387ss). Mais do que um eco dessas discussões reverbera nos textos de Costa Pinto. O marxismo (sobretudo no Brasil) e a social-democracia, de qualquer forma, abraçaram em grande medida esse mesmo ponto de vista, ainda que em princípio o primeiro fosse crítico da modernidade capitalista ocidental.2 2 Para os vários ângulos de discussão sobre esse tema, veja Domingues (1999a, especialmente caps. 6 e 7). Agregue-se a isso que a sociologia implícita nas propostas da CEPAL de reforma econômica articulada à reforma social compartilhava, também ela, a centralidade do Estado e da planificação, conquanto mudanças nos grupos sociais fossem igualmente entrevistas (veja Faletto, 1996).

Não me parece haver dúvida de que essa crença altamente moderna na eficiência do Estado, embora não esgote a questão, como veremos adiante, ainda hoje se justifica e se faz necessária, em grande medida. Isso me soa verdadeiro tanto na promoção da mudança da posição internacional do Brasil quanto em termos do "desenvolvimento", isto é, de uma modernização democrática que valorize a construção de uma cidadania universal no Brasil contemporâneo.

No que se refere ao desenvolvimento em termos econômicos e, em particular, mas não somente, no que tange às relações do Brasil com o mundo econômico da globalização, isso soa verdadeiro hoje, de acordo com o modelo mannheimiano que se poderia supor informar o projeto de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e seu grupo sobretudo paulista. A idéia de uma modernização de cima, organizada por uma intelligentsia capaz de modernizar todos os setores da sociedade brasileira, as classes, o Estado, o serviço público e a economia privada, é testemunho desse projeto, que na USP em particular teve em Florestan Fernandes seu animador original,3 3 A sugestão, nesse sentido correta — parece-me —, procede de Martins (1996). Veja sobretudo Fernandes (1976), e "A concepção de ciência política de K. Mannheim" e "O conhecimento sociológico e os processos políticos", ambos em Fernandes (1969). Além disso, quando se pensa a composição das equipes econômicas governamentais, a questão dos intelectuais não pode ser secundarizada. Veja Loureiro (1998). embora o impulso democrático subjacente a seu pensamento tenha em grande parte se perdido. Seria igualmente verdadeiro se analisássemos as perspectivas de um modelo alternativo neodesenvolvimentista, que informa a maior parte da oposição, ainda que sem que se apresentem caminhos programáticos claros, com a diferença de que, neste caso, o Estado seria mais permanentemente responsável pelo processo de modernização (cf. Fiori, 1995).

A questão aí se bifurca. Primeiramente, colocam-se os problemas da nova dependência. Por um lado, com o fracasso da maioria das tentativas de desenvolvimento, no que toca a suas características dentro da nova divisão internacional do trabalho, onde o centro crescentemente se afirma como produtor de alta tecnologia e serviços, de forma "reflexiva", o que é acompanhado da redução de sua indústria, e a "semi"-periferia, caso do Brasil, especializa-se na indústria pesada. Por outro lado, no que se refere à estruturação desta internamente, em termos de seu caráter (fordista, pós-fordista, "sweat shops" etc.), aparentemente, por seu turno, pouco reflexivo (veja Amin, 1990; Sklair, 1991; e 1993; Lash e Urry, 1994; Hirst e Thompson, 1996; e Domingues, 1999b, cap. 2, para discussões sobre desenvolvimento, globalização, cadeias produtivas globais etc.). Mas, em segundo lugar, em termos do que seriam as alternativas possíveis dentro dessa divisão internacional do trabalho e do desenvolvimento "dependente e associado", descrito por Cardoso e Faletto (1970), e que continua a nos caracterizar, em nosso sucesso relativo. O continente que elaborou mais amplamente a teoria da dependência, a despeito dos muitos problemas desta, vê-se desarmado teórica e praticamente em face da renovação daquela situação de subordinação (Pécault, 1985).4 4 Os poucos exemplos em contrário, mas fora da Sociologia e imersos na política, são Castañeda (1994, caps. 10 e 14) e Gomes e Unger (1996); ou, de modo equivocadamente nacional-libertador, ao estilo dos anos 30-50 (para não falar de seu revolucionarismo subjacente), Benjamin et al. (1998). Como combinar Estado, empresa privada e produção de conhecimento, gerando redes mais ou menos avançadas em termos de tecnologia, é questão que deve estar no centro desse debate, como é o caso em geral na maior parte dos países capitalistas avançados (veja, por exemplo, Piore e Sabel, 1984; Sklair, 1993; Lash e Urry, 1994; Domingues, 1999a, cap. 6).

No tocante à construção da cidadania, permanece muito de legítimo nessa suposição de uma mobilização social que teria no Estado seu epicentro organizador. A única forma de universalizar, em todos os planos — o civil, o político e o social —, a cidadania é atribuir ao Estado a capacidade fiscal e operacional, bem como a legitimidade política, para propor e efetivar políticas que, para além de programas assistenciais e/ou emergências, façam direito real de todos os brasileiros o desfrutar dos padrões contemporâneos de garantia de integridade física e moral, de participação política e de serviços de bem-estar social. O Brasil é um país rico o suficiente para tanto. Todavia, é nesse passo que me parece ser necessário estender a reflexão e abri-la a discussões contemporâneas que buscam ir além da cidadania, rompendo parcialmente, nesse sentido, com uma concepção moderna de política social. O "desenvolvimento" tomaria, portanto, um outro caráter, e a idéia de Costa Pinto (1970, pp. 106ss) de pensar as "invenções" na vida social se faz justificada, sem que, entretanto, se recomende o planejamento para efetuá-las; muito pelo contrário.

Modernidade, reflexividade e os intelectuais

Para que possamos começar a pensar essa questão, é mister observar que — embora o Brasil não seja de modo algum um país marcado por rupturas em sua história, e que tampouco sua modernização, em termos de desenvolvimento, tenha corrido em um leito harmonizador das diversas dimensões de sua vida social, ocorrendo outrossim de modo "desigual e combinado" e extremamente excludente — a passagem do Brasil para a civilização moderna, iniciando-se com a "revolução encapuçada" da Independência, para fazer recurso à expressão de Fernandes, acelerou-se a partir dos anos 20 e completou-se na década de 80 de nosso século. As instituições da modernidade, a "ordem competitiva", o capitalismo, o Estado racional-legal (ainda que mesclado ao neopatrimonialismo), as formas de consciência individualistas e utilitárias, a família nuclear, uma forte crença no progresso prevalecem largamente na sociedade brasileira contemporânea. Modernização significa, agora, não romper com o tradicional, mas sim renovar, de uma forma ou de outra, a modernidade, seja democrática seja autoritariamente, trate-se a de modo dogmático — buscando o aprofundamento de suas instituições pura e simplesmente — ou encare-se a de modo aberto e reflexivo (como se vê em autores como Beck, Giddens ou Melucci), com o questionamento de seus valores e padrões de relacionamento social (cf. Domingues, 1999a, cap. 5). Sem dúvida, tradições pré-modernas, democratizantes ou autoritárias, vigem ainda na sociedade brasileira. No entanto, se para Costa Pinto o arcaico, o tradicional, era preponderante na conspiração que segregava com o presente para estiolar nosso futuro, hoje ele é mero coadjuvante no bloqueio que mormente o moderno exerce, em muitos de seus aspectos, contra a democracia e o "desenvolvimento" do país.

A modernidade brasileira, em seus desenvolvimentos recentes, tem sido impulsionada por processos poderosos de "desencaixe" dos sujeitos de laços mais firmes e estáveis, inclusive, hoje, em termos da estruturação subjetiva de indivíduos e coletividades como trabalhadores; processos de individualização se acentuam, a família muda, a posição da mulher se altera; uma "democratização" social, ligada a essa individualização, e ao menos a reivindicação de cidadania avançam; a economia sente a demanda de um funcionamento mais flexível e eficiente nos próprios processos produtivos; a multiplicação do consumo coloca para os sujeitos uma multiplicidade crescente de opções, desde, é claro, que façam parte daqueles em condições mínimas de a elas terem acesso. Ou seja, a existência individual se faz potencialmente mais aberta. Mas, a exemplo do que ocorre com a inserção do Brasil na ordem capitalista globalizada, parece que o desdobrar da modernidade brasileira contemporânea — isto é, os projetos, comportamentos e conseqüências não-intencionais do movimento dos sujeitos que a tecem — tem buscado exclusivamente em algumas dimensões, ainda que mais parcialmente em outras, aprofundar as instituições modernas a que acima me referi. Sem dúvida, também entre nós os efeitos de instabilidade provocados por uma modernidade que tudo dissolve no ar fazem-se sentir, demandando cada vez mais da capacidade reflexiva dos atores que, se sói ser uma característica fundamental da espécie humana, face ao redemoinho moderno adquire ainda maior destaque. Porém, a reflexividade tem sido utilizada para enfrentar aqueles desencaixes de modo que tende a se autocancelar: busca-se reconstruir identidades modernas tradicionais, por meio das quais o reencaixe dos sujeitos se realize em termos do reforço das instituições e formas de consciência tradicionais da modernidade. Com isso, novas formas de organizar a vida coletiva e individual tendem a ser descartadas e desresponsabiliza-se a reflexividade de atuar criativamente; ao contrário, a reflexividade acaba por tentar jogar papel conservador, defendendo a modernidade dos impasses por ela mesma gerados. Garante-se instituições e formas de consciência, oferecendo-se paz de espírito aos sujeitos, que nelas encontram um escoadouro para as ansiedades que a instabilidade da identidade pode engendrar. Se essa é uma solução que efetivamente funcionará no longo prazo, é algo que ainda precisaremos examinar no futuro, se bem que tensões provavelmente venham a se acumular se persistirmos nessa direção. Importa aqui examinar brevemente o papel que os intelectuais podem cumprir nessa situação.

Em outro texto (Domingues, 1997), ao discutir a obra de Hayek, argumentei que o horizonte da civilização contemporânea não pode ser capturado inteiramente pelas instituições econômicas da modernidade, seja pelo mercado, hoje preeminente no pensamento e na prática, seja, por outro lado, pelo Estado. Teleologias históricas não cabem nem numa coordenada socialista nem numa capitalista (mesmo se se reconhece certa inevitabilidade, ao menos momentânea e circunstancial, mas não total e eterna, num desenvolvimento "dependente e associado"). Evidentemente, por maiores que se apresentem os constrangimentos e limites postos pelas relações econômicas internacionais, é necessário recusar qualquer panacéia que afirme que um modelo específico é a única solução para o desenvolvimento econômico, em particular quando ele implica o bloqueio daquele tipo mais amplo de desenvolvimento a que se referia Costa Pinto. Até porque, nesse campo em particular "invenções" se fazem urgentíssimas, pois, ao que tudo indica, os prognósticos internacionais não são nada positivos no momento e poucas opções de política econômica e modelos de desenvolvimento, por outro lado, se sugerem. Há muito trabalho por se fazer nessa área.

No que tange às relações internas à sociedade brasileira, a questão tende mesmo a se ampliar. Pois, afinal, basta-nos aprofundar a modernidade entre nós ou será necessário ir além dela em muitos planos? É possível supor que a modernidade é garantia de liberdade no mundo contemporâneo? Serão capazes o mercado e o Estado de dar solução às demandas sociais, materiais e espirituais? A pergunta pode soar, evidentemente, oca e sem sentido em uma sociedade, como a brasileira, que sequer conseguiu estabelecer efetivamente os princípios básicos da cidadania e onde a pobreza é tão prevalecente. Mas cabe avançar a questão, por dois motivos. Em primeiro lugar, porque muitas das soluções da própria modernidade, em termos mais gerais, parecem exaustas ou ao menos padecer de sérias limitações nos países centrais da civilização moderna. As crises do Estado do Bem-Estar Social e da "sociedade do trabalho" nos países europeus e mesmo nos EUA são apenas dois exemplos entre muitos. Isso para não falar nos problemas intrínsecos que a estruturação da modernidade nesses países levantou, no que se refere à inevitabilidade de profundas desigualdades em sociedades em que o princípio do mercado tem preeminência ou no que toca à diminuição da liberdade individual, sob certos aspectos, onde o caráter normalizador e homogeneizador do Estado veio a dominar. Mas a questão não se esgota nisso. Pois, vale perguntar, deveríamos apenas apostar numa via de modernização tradicionalista que vencesse essa etapa moderna para só então tentar refletir sobre os problemas e limites da própria modernidade? Faria sentido recuperar uma visão etapista da história, que, ademais, paralisa-se hoje na própria modernidade, uma vez que resta pouco do projeto de passagem para uma sociedade socialista, ao menos nos moldes marxistas em que tradicionalmente foi pensada? (cf. Domingues, 1989) Não me parece ser esta uma posição sustentável, requerendo, portanto, que se leve o problema mais além de onde ela o deixa.

Diante dessas indagações, o papel do intelectual, inclusive daquele que encontra sua inserção na universidade, pode ser pensado como duplo. De um lado, cumpre trabalhar na direção de estabelecer e enraizar o núcleo de algumas instituições e formas de consciência modernas que garantam que alguns de seus aspectos fundamentais e democratizantes — a cidadania e a igualdade — na sociedade brasileira, tão avessa a essas práticas, se aprofundem. De outro, como fazê-lo sem perder de vista, desde já, a abertura à heterogeneização das formas de vida social que os desencaixes das identidades e a mutabilidade das práticas sociais permitem? Em outras palavras, como combinar cidadania e igualdade com reflexividade (que permite a destradicionalização da modernidade) e liberdade, encetando novas soluções para os problemas que a modernidade criou, mas que talvez não possam ser hoje solucionados e sequer pensados dentro de seus próprios limites? Essas são perguntas decisivas e complexas, não sendo possível de fato lidar com elas neste espaço (veja, contudo, Domingues, 1999a, caps. 6 e 7).

Basta assinalar que isso não pode ser feito de modo absolutamente centrado, perfazendo um movimento único — centralizado pelo Estado —, como supunha Costa Pinto com seu modelo de desenvolvimento e "mobilização social". Ao contrário, requer-se múltiplas "subjetividades coletivas" — articuladas em rede, hierarquicamente ou mesmo pelo mercado —, mais ou menos centradas elas mesmas, com um descentramento da mobilização social. Não caberia ao Estado, com seu papel intrinsecamente homogeneizador e nivelador das práticas sociais, trabalhar para garantir a liberdade e a reflexividade. Ou melhor, ele deveria ser responsável por criar as precondições para isso, por meio de políticas universais da cidadania que aumentassem a capacidade de intervenção dos sujeitos sobre suas vidas e, assim, sua liberdade para fazer opções. Todavia, como fazê-lo deveria ser deixado para os indivíduos e as coletividades (movimentos sociais, "comunidades" etc.), que poderiam então reflexivamente trabalhar para construir seus próprios caminhos, suas práticas sociais, de modo autônomo e criativo. Nesse plano, aquele da especificidade de políticas públicas que podem ser muito variadas (mais ainda do que aquelas tradicionalmente modernas, pois menos homogêneas) mas que têm em comum uma abertura reflexiva da modernidade, os cientistas sociais teriam relevante papel a cumprir, combinando de maneira diferente universalismo e particularismo.

Ora, isso demanda um tipo de intelectual capaz, certamente, de apaixonar-se pelo Brasil, por seus problemas, e de resgatar a herança intelectual daqueles que lutaram para torná-lo uma nação moderna. Pede um tipo de intelectual capaz de especializar-se e, seja junto aos movimentos sociais e "comunidades", seja junto às esferas estatais de política pública, exercer seu ofício de forma eficiente e particularizada. Além disso, é preciso que ele, de modo a não se perder na especificidade de seus objetos, seja capaz de interpelar a tradição sociológica clássica, que encarou de frente a emergência da modernidade (Vianna, 1997, pp. 391-392). Todavia, não seria correto desconhecer as modificações que essa fase avançada da modernidade vem colocando para as ciências sociais, transformando mesmo, em grande medida, o seu objeto. Sem sustentar uma adesão completa a sua perspectiva historicista, vale retomar a observação de Marx (1974 [1858], pp. 103ss) quanto ao homem consistir na chave para compreender a anatomia do macaco. Os desdobramentos da modernidade não são retilíneos nem necessários desde os séculos XVIII e XIX até esta virada de milênio em que vivemos; o fato é que seus princípios de organização têm variado ao longo do tempo e têm experimentado por vezes transformações de grande monta; além disso ela é múltipla em seu estabelecimento em várias regiões do mundo. Malgrado a genialidade de autores como Marx, Weber e Durkheim, entre outros, seria muito pedir a eles que há cem ou cento e cinqüenta anos atrás fossem capazes de divisar toda essa trajetória da modernidade. Ao contrário, é olhando para trás com a experiência que temos hoje que podemos perceber o que havia de entendimento generalizável em suas teorias e o que dizia respeito somente às particularidades da modernidade européia do século XIX. Se não seria correto subestimar a capacidade de previsão daqueles autores, não seríamos lúcidos tampouco ao não reconhecer, com Hegel, que o mocho de Minerva voa somente ao amanhecer, com o processo plenamente concluído, ou pelo menos quando a hora já vai adiantada.

Assim, constata-se que a teoria clássica e o pensamento social brasileiro não são em si suficientes para conceituar, para teorizar essas modificações e multiplicidade da modernidade e o novo quadro geral que inegavelmente se apresenta hoje, embora a sociedade brasileira tente aferrar-se a uma identidade basicamente moderna. Uma teoria social contemporânea, com grande nível de generalidade e complexidade, faz-se imprescindível. A chamada "crise dos paradigmas" — que no sentido usual da frase não me parece existir, pois a instabilidade e a pluralidade caraterizam perenemente as ciências sociais — só faz sentido se pensada nesses termos, ou seja, no que se refere à necessidade de novas perspectivas gerais para pensar o mundo contemporâneo. A complexidade crescente das sociedades modernas, com a multiplicação das esferas institucionais e de valor, mais a pluralização dos movimentos sociais, implicam temas particulares que demandam respostas de intelectuais que tendem a se especializar. Não há nada nisso, contudo, que diminua a importância das questões gerais da sociedade nessa fase de modernidade avançada.

Uma intelligentsia, ao estilo sugerido por Costa Pinto, tem poucas chances de obter sucesso hoje, ainda que o peso da intelectualidade, sobretudo uspiana, no governo de Fernando Henrique Cardoso deva nos prevenir para não levar o argumento longe demais. Já nos anos 60, Tourcuato Di Tella (1969) chamava a atenção para a necessidade de "especialização funcional" dos intelectuais, caso quisessem efetivamente adquirir influência social e política em sociedades cada vez mais complexas como as "latino-americanas". Seja como for, e ele parece ter razão, no plano do pensamento e da pesquisa e no plano do engajamento, o que se acha na ordem do dia é como combinar particularidade e universalidade, modernidade e reflexividade. Com isso, democratização e cidadania, liberdade e pluralidade, talvez continuem a receber a contribuição que merecem dos cientistas sociais brasileiros.

NOTAS

BIBLIOGRAFIA

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RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS

DESENVOLVIMENTO, MODERNIDADE E SUBJETIVIDADE

Palavras-chave Desenvolvimento; Modernidade; Costa Pinto; Subjetividade coletiva.

O tema da modernidade foi central para a obra de Costa Pinto, em dois registros. Um, mais evidente, implicava uma recusa da expressão, que lhe servia para conceituar um tipo de evolução histórica e social que ele rejeitava como modelo e telos para o Brasil, caracterizando-se pela adoção de padrões de consumo, de comportamento, de instituições, valores e idéias das sociedades mais avançadas, sem importar necessariamente em transformações reais da estrutura econômica e social. Havia, porém, uma outra forma de conceber a modernidade, que Costa Pinto nomeia, muito mais positivamente, de "desenvolvimento", inclusivo e ampliador de bem-estar para toda a população, que produziria a passagem para uma outra "estrutura social". Enquanto a "modernização" seria por princípio não planificável, o desenvolvimento requereria o contrário, tendo o Estado em seu centro. Argumentar-se-á neste artigo que essa idéia de desenvolvimento, embora datada conceitualmente, ainda é em parte válida. É preciso, contudo, rever sua concepção geral de modernização e, no lugar de pensar o Estado como o grande agente da modernização, vê-lo como uma dentre as subjetividades coletivas que devem impulsionar o processo de desenvolvimento.

DEVELOPMENT, MODERNITY AND SUBJECTIVITY

Key words Development; Modernity; Costa Pinto; Collective subjectivity.

Modernity was a central theme in Costa Pinto's work, with two distinct interpretations. The first and more obvious of these implied a rejection of the term, inasmuch as it conceptualized a kind of historical and social evolution which he rejected as a model or telos for Brazil. It was characterized by the adoption of consumer, behavioral, and institutional patterns, as well as values and ideals taken from more advanced societies, without necessarily entailing real changes in the existing economic and social structure. There was, however, another way of conceptualizing modernity, which Pinto, in a much more positive vein, calls "development". This would embrace and improve the welfare of the whole population, bringing about a transformation to a new "social structure". Whereas "modernization" was by nature unplannable, development implied the opposite, as it had the State at its very core. It is argued that this notion of development, albeit outdated, is still to some extent valid, though a change in the concept's overview of modernization is required; instead of regarding the state as the great agent of modernization, we need to see it as one of several collective subjectivities that are to push forward the development process.

DÉVELOPPEMENT, MODERNITÉ ET SUBJECTIVIÉ

Mots-clé Développement; Modernité; Costa Pinto; Subjectivité collective.

La modernité, sujet central dans l'oeuvre de Costa Pinto, se présente sous deux aspects. Le premier, le plus évident, débouchait sur un refus d'employer l'expression: il s'en servait pour définir un type d'évolution historique et sociale dont il rejetait le modèle et le téléos pour le Brésil. Modèle dont les caractéristiques seraient l'adoption d'étalons de consommation, de conduites, d'institutions, de valeurs et d'idées de sociétés plus développées, sans insérer nécessairement des transformations réelles de la structure économique et sociale. Le second aspect, plus positif, était la façon d'envisager la modernité, que Costa Pinto appelait alors "développement", censé étendre le bien-être à l'ensemble de la population, permettant ainsi un passage vers une autre "structure sociale". La "modernisation" ne serait donc aménageable, contraiment au développement, l'État y gardant un rôle premier. Dans cet article on cherche à montrer que, bien que datée, cette idée de développement conserve en partie son sens. Il faut, pourtant, revoir son concept général de modernisation et, plutôt que de penser l'État comme le grand agent modernisateur, le considérer comme une subjectivité collective parmi d'autres, capables de faire fonctionner le processus de développement.

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  • VIANNA, Luis Werneck. (1997), A revoluçăo passiva. Rio de Janeiro, Revan.
  • 1
    Vianna (1997, p. 198) situa a intelectualidade dos dois principais centros brasileiros no período de Costa Pinto e Florestan Fernandes. A de São Paulo teria uma orientação americana — trabalhando como uma "comunidade científica" mertoniana, sobretudo aplicada ao eixo "interesses-direitos-cidadania" — e a do Rio, uma inspiração mannheimiana, de uma inteligência como intérprete em geral da sociedade, preferencialmente voltada para a questão econômica do subdesenvolvimento e privilegiando o eixo "Estado-povo". Não se deveria, creio, supor uma oposição aguda entre essas duas coletividades de intelectuais, uma vez que seu ponto comum era, claramente, a despeito de conceituações distintas, a defesa da modernização e do desenvolvimento, como nota Lima (1999). Nesse sentido, são antes dois projetos distintos de participação pública que distinguem os intelectuais paulistas daqueles sediados no Rio de Janeiro. Isso se evidencia, como veremos abaixo, na importância de setores expressivos da intelectualidade uspinana no governo de Fernando Henrique Cardoso. Deve-se reconhecer, contudo, a institucionalização da pesquisa em muito maior extensão em São Paulo, como argumentado nos trabalhos reunidos em Miceli (1989), perspectiva já matizada, contudo, em seu prosseguimento, em Miceli (1995).
  • 2
    Para os vários ângulos de discussão sobre esse tema, veja Domingues (1999a, especialmente caps. 6 e 7).
  • 3
    A sugestão, nesse sentido correta — parece-me —, procede de Martins (1996). Veja sobretudo Fernandes (1976), e "A concepção de ciência política de K. Mannheim" e "O conhecimento sociológico e os processos políticos", ambos em Fernandes (1969). Além disso, quando se pensa a composição das equipes econômicas governamentais, a questão dos intelectuais não pode ser secundarizada. Veja Loureiro (1998).
  • 4
    Os poucos exemplos em contrário, mas fora da Sociologia e imersos na política, são Castañeda (1994, caps. 10 e 14) e Gomes e Unger (1996); ou, de modo equivocadamente nacional-libertador, ao estilo dos anos 30-50 (para não falar de seu revolucionarismo subjacente), Benjamin
    et al. (1998).
  • *
    Este trabalho foi apresentado no seminário Ideais de modernidade e Sociologia no Brasil: a contribuição de L.A. Costa Pinto, realizado no IFCS/UFRJ, em colaboração com a Casa de Oswaldo Cruz, em maio de 1998.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Maio 2000
    • Data do Fascículo
      Jun 1999
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